Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 11
Cidadela Principal




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Cassis e Sara caminham pelas ruas da Cidadela por algum tempo, observando a movimentação e sendo observados de volta por ela. Não demorou muito para o vampiro notar que os aldeões pareciam não reconhecer a realeza que andava entre eles. Em contrapartida, sua própria presença pareceu ser fortemente notada, já que os humanos o observavam como se um terceiro olho tivesse brotado em sua testa.

A Cidadela Principal era pouco fortificada, na opinião do vampiro. Apesar de possuir uma boa quantidade de soldados em guarda, não havia torres de vigia na entrada principal e os muros precisavam ser urgentemente fortalecidos, pois sua composição era antiga e precária, não passando nenhum resquício de confiança ou segurança aos que habitavam em seu interior.

O casal caminhava por uma rua larga, calçada com pedras, até chegar à praça central onde mercados, serviços especiais, hospedarias e casas nobres se estendiam por toda a sua extremidade, enquanto nas vielas perpendiculares feitas de terra batida, se encontravam as residências de trabalhadores comuns e até dos moradores mais pobres.

Os alestianos demonstravam serem comerciantes determinados, abarrotando toda a extensão da praça com venda de produtos confeccionados, peixes, animais e verduras vindas das vilas agrícolas e pecuárias. No meio da praça também havia uma gigantesca mesa de pedra, um antigo local de execução construído pelo primeiro rei de Alestia, mas que agora servia de ornamento, onde estranhamente nenhum comerciante ousava se aproximar ou usar como palanque.

― Para onde vamos? – pergunta Sara, observando a movimentação como se a visse pela primeira vez, interessando-se por um ou outro produto ali anunciados.

― Para a taverna. Esse é um bom lugar para obter informações de pessoas e acontecimentos, e ganhar o respeito do taverneiro será de grande influência para os clientes em geral.

― Nunca fui a uma taverna antes, vai mesmo me deixar entrar lá?

― É claro, por que não deixaria? – questiona, tentando parecer apático.

― Porque sou mulher, nobre e, segundo os costumes, deveria estar em meus aposentos, costurando, para não escandalizar o nome da família!

― Não ligo para esse tipo de coisa. No meu mundo, o tempo de existência e o respeito às nossas leis é o que consideramos de fato importante. Além disso, você não parece saber costurar.

― Agora é uma certeza, você não sabe nada a meu respeito – brinca.

― Contudo, adoraria saber, o que me leva a minha segunda pergunta: quais são suas habilidades, Sara?

― Deixe-me ver – pensa, tentando reunir numa única frase tudo o que fora treinada durante anos para fazer. – Além de latim, aprendi filosofia e um pouco de teologia, conhecimentos tidos como importantes para a nobreza. Também tive incessantes aulas de etiqueta, dança, música, costura e economia doméstica, tudo isso para ser “uma mãe e mulher zelosa, e vistoriar os serviços das criadas” – resmunga engrossando a voz, imitando seus antigos professores e mostrando o quanto odiou participar daquelas rígidas aulas.

― Música?

― Harpa.

― Adoraria ouvi-la dedilhar, um dia – propõe, recebendo um “quem sabe um dia” como resposta, mas observando no rosto feminino que aquele dia poderia não chegar tão cedo.

Levou pouco mais de um minuto para que Cassis chegasse ao seu destino. A taverna era grande, uma edificação de dois andares que continha um salão na parte inferior e uma estalagem na superior. Ao lado da construção aflorava uma estrada de terra larga, um caminho para o estábulo onde os viajantes poderiam encontrar abrigo e comida para seus animais. Sobre sua porta balançava uma tabuleta de madeira com os escritos “Taverna da Úrsula” numa péssima caligrafia, mas observá-la fez o olhar de Sara brilhar em fascínio por, finalmente, poder entrar num lugar como aquele.

A porta de madeira já estava aberta quando o casal real cruzou o seu batente e contemplou o imenso e calmo salão de entretenimento. Havia mesas e cadeiras de madeira por toda parte, algumas delas ocupadas por viajantes recém-chegados e peregrinos que já estavam de partida, além de copos e pratos; uma porta conduzia à cozinha, outra à adega, ambas sendo protegidas por um balcão de madeira grossa que impedia os fregueses de entrarem, e, ao seu lado, uma escadaria guiava os clientes bêbados ou cansados para os quartos.

Sara observa a tudo encantada, sentindo um delicioso cheiro de assado pairar no ar, provavelmente vindo da cozinha, já que os atuais clientes ainda consumiam o desjejum. À sua frente, cerca de seis metros de distância, encontrava-se o balcão, onde uma mulher baixa e de cabelos castanho claros limpava tudo com um pano parcialmente branco. Ela se aproxima, sendo seguida por Cassis, sentindo-se acolhida ao perceber que um antigo escudo do leão de Alestia pendia orgulhosamente na parede, logo acima da atendente.

― Bom dia – cumprimenta a princesa com evidente satisfação.

― Bom dia, milady! – responde a moça de olhos cor de mel, cujo rosto estava parcialmente oculto por um véu alvo. – O que vai querer hoje?

― Quanto custa uma garrafa de seu melhor vinho? – pergunta Cassis.

― Três libras, mas para o senhor são 60 libras! – responde com rispidez, repentinamente se mostrando bastante mal humorada e apoiando-se sobre o balcão para encará-lo, como forma de desafio.

― Como?

― Não pode fazer isso! – exclama Sara, chocada.

― Posso sim! – rebate com grosseria. – Sou a dona deste lugar e este senhor me deve um barril de meu melhor vinho, que se quebrou no meio da rua quando ele cavalgou como um louco e quase atropelou meus empregados, que traziam a mercadoria. Vejo muitas pessoas passarem por aqui diariamente, mas nunca esqueço um rosto que me dá prejuízo!

― Baixe seu tom, mulher, ou não sabe a quem está se dirigindo?

― Baixe você o seu tom, senhor – vociferou de volta, fazendo a taverna silenciar-se de repente e todos os fregueses encararem o vampiro com desagrado. – Este é meu estabelecimento e quem dita às regras por aqui sou eu, portanto, pague o que deve, agora!

Cassis encara a mulher indisciplinada, focando em seu olhar desafiador por alguns segundos, antes de finalmente colocar a mão na bolsa de couro presa em seu cinto e lançar algumas moedas sobre o balcão. O vampiro não se lembrava de tê-la visto no dia anterior, mas sabia que aquela versão dos fatos poderia ser verdadeira, pois não havia prestado atenção em nada naquele momento, a não ser em sua sede. No entanto, apesar de seu controle não ter sido abalado, o não-vivo não aprovava a forma com que a taverneira se dirigia a Sara e não poderia deixá-la ser desacatada daquela forma.

― És uma mulher bastante irreverente, sabia?

― E fará o quê a respeito, me mandar para o exílio?

― É uma boa hipótese.

― Sua dívida está paga, mas não tolerarei ameaças aqui. Retire-se de meu estabelecimento agora mesmo! – esbraveja.

― Não sem uma retratação à minha mulher – repreende Cassis, fazendo alguns fregueses se levantarem em defesa de Úrsula e Sara arregalar os olhos com a confusão que estava se formando ali.

― Se não sair por vontade própria, eu o obrigarei – alerta a proprietária, dando a volta no balcão para ficar frente a frente com o vampiro, em sinal de intimidação.

Cassis era obviamente mais alto que Úrsula e mais forte que qualquer outro homem ali, mas, ainda assim, Sara não queria uma briga. Pessoas se machucando por uma besteira e a dona da taverna sendo banida por se levantar contra um membro da família real, não era bem a estratégia da princesa para conquistar a confiança do povo.

― Já chega! – diz ela, tocando o braço de Cassis para, sutilmente, lhe dizer que aquele pedido era para ele.

― Não antes deste cavalheiro se retirar da minha taverna – provoca Úrsula, sem desfazer o contato visual com o vampiro.

― Não antes de ela prestar-lhe o devido respeito! – devolve Cassis.

― Eu disse, já chega! – ordena dois tons mais altos, puxando a corrente em seu pescoço e revelando o pingente que até o momento permanecera oculto.

Úrsula desvia sua atenção de Cassis, colocando seus olhos sobre o pingente redondo, com um leão majestoso esculpido no meio, o brasão da família real. A taverneira arregala os olhos, empalidecendo de repente e olhando atentamente para o semblante severo de Sara, de onde podia reconhecer os traços firmes da fisionomia de Arthur.

― Você é da realeza? – questiona de forma sufocada, recuando três passos para observá-la melhor e chocando os fregueses que os ouviam.

A verdade cai sobre a taverneira como uma rocha pesada, fazendo seus pulmões travarem e ela momentaneamente esquecer de como respirar. Úrsula estava diante de sua alteza, Sara de Alestia, e aquele homem que estava a desafiar e insultar era, nada mais e nada menos, do que seu marido, o príncipe vampiro.

― Perdoem-me – pede, alterando seu mau humor repentino para uma nítida clemência, ao cair de joelhos diante do casal e colar sua testa no chão de pedra, fazendo seu cabelo se derramar ao redor de seu rosto. – Perdoem esta humilde serva do leão de Alestia, sinto pela forma com que os tratei, não sabia que estava a me referir a vossas altezas reais. Peço-lhes, por favor, não me mandem para o exílio!

Chocados com a reviravolta da situação, os viajantes que ali se alimentavam saltaram de seus assentos, lançando-se ao chão em sinal de reverência, com medo de também serem castigados pela falta de respeito. Eles sabiam que Úrsula era uma taverneira com punhos de ferro, que mantinha seu bom humor somente até o primeiro idiota lhe dar prejuízos, partindo para a grosseria logo em seguida e permanecendo assim até o final do dia. Entretanto, vê-la sair de seu modo “briguento” tão depressa e se prostrar em remissão, era igualmente inédito e assustador.

― Não faremos nada contra você – inicia Cassis, satisfeito pela forma com que tudo se resolveu e por, finalmente, descobrir do que se tratava a corrente que Sara trazia consigo. – Levante-se.

― Perdoem minha falta de compostura – pede Úrsula mais uma vez, levantando o rosto do chão e os encarando, voltando-se para Sara em seguida. – Sua majestade, o rei, pouco visita o meu estabelecimento e nunca me passou pela cabeça que um dia vossa alteza pudesse colocar os pés neste lugar tão rudimentar.

― De certo, a nobreza não aprova que uma mulher de minha estirpe visite um local como este, entretanto, desde que sua alteza real, Cassis de Alestia, me fez o convite, fiquei ansiosa para conhecer o estabelecimento.

― A senhora me honra com sua presença, assim como vossa alteza! – exclama, referindo-se a Cassis com a mesma importância. – Prepararei o melhor lugar e a melhor refeição da casa para ambos – anuncia, levantando-se do chão e curvando-se exageradamente antes de se retirar e esbravejar com alguns fregueses que ocupavam a melhor mesa da taverna.

― Sua visita a Cidadela não irá mais passar despercebida, Sara de Alestia! – comenta num sussurro, vendo a proprietária e os empregados se moverem alvoroçadamente pelo local.

― Isso é algo bom ou ruim? – responde no mesmo tom.

― Depende da forma com que irá se comportar. A esta altura, metade da praça deve estar ciente de sua presença aqui e logo virão para avaliá-la.

― Avaliar o quê, exatamente?

― Você sabe: vê-la de perto, saber que você é refinada e elegante, mas, ao mesmo tempo, humana como eles. No mais, é importante que eles acreditem que nosso casamento é sério e nosso relacionamento existe, para que acreditem na aliança entre nossas espécies.

― Quanto a isso, tenho que lhe confessar algo…

― A mesa já está pronta, altezas – anuncia Úrsula, guiando o casal para o local onde outrora havia enxotado três de seus clientes, se retirando em seguida para lhes preparar o melhor vinho, o mais perfeito pedaço de pão e uma dose de vitae em sua melhor louça.

A mesa era grande demais para apenas duas pessoas, mas era nítido que a proprietária da taverna não permitiria que mais alguém a ocupasse. A representante do leão de Alestia estava em seu estabelecimento e, apesar de não saber o que esperar de um vampiro, a presença da humana era suficiente para Úrsula querer agradá-los da melhor forma possível.

Quando se encontraram novamente sozinhos, Cassis a instigou:

― Terceira pergunta, o que está escondendo, Sara?

― Quando você deixou o castelo, nenhum de nossos serviçais sabia qual havia sido o seu destino. Eu tampouco o sabia e por isso levantaram-se boatos ao nosso respeito, algo como eu ter lhe ameaçado com uma estaca.

― É por isso que estava tão nervosa ontem?

― Sim, mas toda minha raiva desapareceu depois que o encontrei daquele jeito! Senti-me fútil por me importar tanto com aquelas fofocas, quando você estava exigindo tanto de si mesmo para fazer a sua parte em nosso acordo de casamento. Contudo, receio que os boatos tenham se estendido a população da Cidadela.

― Tem medo que eles não acreditem em nosso elo? – Sara confirma com a cabeça. – Então teremos que nos esforçar mais enquanto estivermos aqui. Precisaremos conter os xingos e as alterações de humor, a qualquer custo, certo? – sugere, estendendo a mão direita à princesa.

Sara concorda com a sugestão, o vampiro estava disposto a manter a aliança de pé e isso a aliviada. Ela toca a mão que lhe era oferecida, apenas para vê-lo beijar o seu dorso respeitosamente, fazendo com que todos vissem e espalhassem o quanto a princesa e o príncipe de Alestia se davam bem.

― Pergunta quatro, o que mais você esconde de mim, Sara?

― Mais nada – responde confusa, baixando sua mão suavemente.

― Não é isso que a situação sugere.

― Não faço ideia do que está falando.

Três empregados da taverna se aproximam, depositando sobre a mesa uma garrafa de vinho, outra de vitae, algumas frutas e um pedaço farto de pão novo, fazendo o casal se calar e se limitar a olharem-se fixamente.

― Como lady Úrsula pôde não reconhecê-la? – recomeça Cassis após a saída dos empregados, tomando a garrafa de vinho e servindo a princesa. – Compreendo a possibilidade das aldeias mais distantes não conhecê-la, mas os moradores da Cidadela? Todos eles ignorando sua presença em uníssono? Isso não dá para compreender.

― Você notou? – questiona, tomando sua bebida mais rápido do que estava habituada e cogitando se deveria contar a verdade.

― Difícil não notar!

― A última vez que estive aqui foi no ano passado, durante o cortejo de aniversário do rei. Estava sobre um cavalo e com o rosto parcialmente coberto por um véu, não me admira que eles simplesmente não se lembrem de mim.

― Já faz bastante tempo. – A serve novamente.

― Sim, faz mesmo – comenta desinteressada, beliscando parte de seu pão para manter a boca ocupada e deixar claro que não queria entrar naquele assunto.

O salão estava se enchendo de repente, lotando de pessoas curiosas que não se importavam em serem discretos, pois, como Cassis dissera, a notícia estava se espalhando rápido. Alguns soldados, também atraídos pela notícia de sua presença, entram na taverna para montar guarda e colocar-se a sua disposição. Entretanto, o alvoroço fez Úrsula esbravejar algo como “se não pretendem comer algo, caiam fora da minha taverna”, chamando toda a atenção para si e dando a Sara, a oportunidade de entornar outro copo de vinho sem ser recriminada, mostrando estar completamente desconfortável com o rumo da conversa.

― Ela é uma mulher engraçada – diz Cassis casualmente, tomando parte de seu vitae e fingindo não notar o desconforto da humana ao seu lado. – Conseguiu mudar do bom para o mau humor em tão pouco tempo.

― Você costuma ser assim também, volúvel – cutuca.

― Bem, tento ser igual à Sir Thorkus quanto ao meu controle emocional, mas confesso não dominar a técnica com tanta perfeição quanto ele. Frequentemente estou vacilando e esboçando coisas que não deveria…

― Tipo quando sorriu para mim esta manhã? – interrompe Sara. – Não gostou de demonstrar que estava alegre ou ao menos satisfeito?

― Emoções tornam o vampiro fraco e frequentemente o colocam em desvantagem com seu oponente.

― Emoções tornam o vampiro mais humano, deve ser por isso que anseiam tanto se desfazer delas – rebate Sara, diminuindo o tom de voz para não chamar tanta atenção. – Entretanto, se extirpar os poucos sentimentos que lhe restam de sua existência, se tornará o monstro que tanto teme ser.

Cassis arregala os olhos, sentindo o golpe de suas palavras com bem mais força do que ela gostaria. Ela não sabia por que estava sendo tão agressiva com ele, afinal, o vampiro sequer conhecia seus motivos e não merecia todo aquele ataque. No fundo, Sara reconhecia que também era bastante inconstante.

Um silêncio constrangedor paira de repente, fazendo a princesa tomar a garrafa de vinho por si mesma e servir-se, pouco antes dos fregueses começarem a voltar suas atenções para ela.

― Desculpe! – pede, bebericando novamente o vinho.

― Tudo bem – sussurra.

― Não, não está tudo bem. Você poderia ao menos ser sincero e me dizer quando estiver sendo uma cretina.

― Você não disse nada demais, apenas me deu algo para refletir – confessa. – É melhor encerrarmos este assunto aqui ou eles começarão a notar o clima estranho entre nós.

― Me desculpe – murmura, provando uma fruta. – Não sei o que me deu. Fico atordoada todas as vezes que penso na morte de minha mãe… Quero dizer, quem não ficaria? Quando a mulher mais importante da sua vida se vai, tão repentinamente, é normal sentir como se parte de si mesmo tivesse sido arrancado, não é?

― Sim, é normal sentir-se assim – confirma Cassis, sabendo exatamente como era perder a pessoa mais importante de sua existência. – Foi por isso que você nunca mais veio a Cidadela? – questiona, vendo-a confirmar com a cabeça e tomar outro gole de vinho.

― Ela era uma mulher maravilhosa, chamava-se Katherine e tocava harpa com tanta perfeição que parecia ter nascido para fazer aquilo. Eu tinha apenas nove anos e Richard apenas alguns meses de vida, quando ela partiu.

― O que aconteceu? – pergunta depois de algum segundos.

― Ela estava muito doente, mas nunca soube o que era. Lembro-me de ter sido impedida de vê-la durante semanas, meus estudos se tornaram mais intensos para que eu não tivesse tempo de visitá-la e assim não correr o risco de me contaminar. Quando finalmente tive autorização para vê-la, ela já estava morta.

― Isso ainda a machuca?

― Não tanto quanto antes, mas quando ela partiu, senti como se uma parte de mim tivesse sido amputada. Eu gostava de furtivamente visitar a Cidadela, de fugir dos soldados e deixar as criadas apavoradas com meu desaparecimento, mas, depois, tudo isso deixou de ter graça.

― E você nunca mais a visitou.

― A não ser nos cortejos obrigatórios, não.

Sara morde outro pedaço de sua fruta, pensando se deveria mesmo contar aquilo para alguém como ele, que sequer poderia ser considerado seu amigo. Seu corpo estava quente e gotículas de suor já começavam a se formar na base de sua nuca, mas ela não fazia ideia do que estava acontecendo.

Cassis a observa fixamente, lendo seu semblante e retirando dela o máximo de informações que podia, consequentemente a constrangendo com tão intenso olhar e fazendo-a pensar coisas bastante estranhas, como o quanto ele parecia bonito com aquelas roupas e aquele aspecto tão casual.

― Qual o seu medo de toda a vida? – questiona em sua última pergunta, fazendo a princesa sacudir a cabeça levemente e espantar seus pensamentos a respeito de sua beleza.

― Tenho medo de ficar sozinha. Já perdi minha mãe e agora o Richard, não suportaria se meu pai também me deixasse, não suporto a ideia de perder todos que eu amo e ficar sozinha neste mundo, isso me apavora! – revela de repente, o rosto contorcendo-se levemente para enfatizar o quanto aquilo a amedrontava.

― Entendo – comenta Cassis, de certa forma, aliviado por seu medo não envolver especificamente vampiros, mordidas ou sangue para todos os lados.

O vampiro a observa por mais alguns minutos, percebendo que seu rosto adquiria uma tonalidade rósea mais forte, o que significava que Sara estava começando a ser levada pela bebida e por isso jazia com a língua mais solta do que o normal.

― É melhor partirmos, você está começando a ser afetada pelo vinho.

― Ow, então essa é a sensação de ficar bêbada?

― Você ainda não está bêbada – confidencia, tentando conter um sorriso –, está apenas se soltando, mas precisamos tomar cuidado com a forma que nos portamos perto do povo.

― Estou realmente me sentindo mais descontraída. Nunca tomei mais do que uma taça de vinho e agora, aqui estou eu, com a língua mais solta que de costume. – Ri, fazendo Cassis revirar os olhos com o quão fácil os humanos podiam ser influenciados pela bebida.

Úrsula aparece de repente, interrompendo-os com uma reverência, antes de depositar sobre a mesa as moedas que o vampiro lhe dera, como uma devolução.

― Seu dinheiro, alteza.

― Estas libras não me pertencem mais, são suas, pelo prejuízo que lhe causei – explica calmamente, deixando mais algumas moedas sobre a mesa. – E estas, são pela atual refeição.

― Não se incomode com isso, alteza! – emenda a taverneira. – Minha refeição feita às pressas não foi exatamente digna de suas posições e apesar deste ser meu segundo melhor vinho, vossa bebida é nova em nossa adega e não sabemos ao certo como avaliar sua qualidade.

― Sim, é claro, ouvi dizer que os estabelecimentos da Cidadela deveriam se equipar para receber novos fregueses, como eu. – Pausa, observando que Sara começava a adquirir um comportamento estranho e que precisavam partir logo. – O sabor estava ótimo, como deveria ser. Sua taverna é de fato aconchegante e seu serviço muito apropriado, visto que todos os seus clientes se colocaram em guarda para defendê-la… Sinto-me tentado a visitá-la mais vezes.

― É claro, vossa alteza, será sempre bem-vindo a minha taverna – reverencia com um sorriso, enquanto Cassis se colocava de pé e gentilmente estendia sua mão para Sara, fazendo a taverneira achá-lo bem menos assustador do que o esperado.

O casal se despede dos fregueses com acenos e reverências, retornando para a praça principal, onde foram bombardeados de cumprimentos e Sara retornava a todos com bastante cortesia. Ela, certamente, não parecia mais a mulher receosa que deixou o castelo, e Cassis atribuía isso ao efeito do vinho, que pareceu desprendê-la das opiniões alheias, fazendo-a agir mais como ela mesma e não como uma realeza diante da plebe.

O vampiro não pôde deixar de achar graça da situação e das péssimas tentativas de reverência que as damas dirigiam à princesa, dentre elas, uma menina com aparentes onze anos de idade, de cabelos castanhos, curtos e enrolados, e corpo magro, cuja reverência desengonçada foi prontamente respondida por Sara, num manejar de vestido tão elegante que pareceu fasciná-la, fazendo seus olhos azuis brilharem num belíssimo tom anil.

A visita a Cidadela havia se tornado um entretenimento interessante e muito proveitoso, na opinião da humana. E quando ambos retornaram ao castelo, deixaram para trás uma população arrebatada por sua futura rainha e bem mais receptiva àquele que se tornaria o seu rei.


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Notas finais do capítulo

Capítulo duplo para aumentar o divertimento nesse feriado :)



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