Magia Literária escrita por Emiko


Capítulo 9
Gatilhos


Notas iniciais do capítulo

Recomendação de música: I'll be good, Jaymes Young



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     Foi um repentino grito, estridente e choroso, que há tempos não escutava. Senti o coração pulsar a mil e me ergui assustada. De onde vinha aquele grito? Poderia ser de algum aluno? Olhei em volta, nada de estranho, nem sequer uma viva alma perto do meu quarto...teria sido a minha imaginação?

     Somente a mesma bagunça do cômodo, as roupas da noite anterior largadas no chão, o lençol enrolado e com cheiro de suor, alguns cigarros espalhados pela cômoda e o isqueiro largado no chão. Levantei para pegá-lo e percebi o quanto estava encharcada de suor e trêmula, quase derrubei o isqueiro, se não tivesse apoiado na parede ao lado. Também havia tempos que não perdia o fôlego. Sentei-me novamente na cama, inspirando e expirando, repetidamente, cada vez mais lento e puxando ainda mais ar, até que minhas mãos parassem de tremer. Finalmente, consegui acender o cigarro da manhã.  

     Talvez isso tenha sido um sinal, um aviso para que parasse com esse hábito, como Madame Pomfrey dizia, maldito e asqueroso, mas, de que maneira eu poderia me concentrar para as primeiras aulas da manhã, sem um trago antes do café da manhã? Além disso, era a minha ambrosia que garantia felicidade por longos períodos do dia. Mesmo que eu já tenha ficado algumas horas sem acender um cigarro, a vontade voltava dobrada, e a abstinência sempre era acompanhada de estresse e descontrole. Nem mesmo as poções paliativas faziam um bom trabalho. 

    Lentamente, fui me acalmando, e raciocinado com cuidado. Foi um pesadelo, era isso...e de onde mais que aquele grito poderia ter vindo, se não fosse da minha cabeça? Traiçoeiras e detestáveis memórias, que, repentinamente, voltavam para me assombrar. E sempre com a mesma intensidade e sensação. Provocavam-me medo? Obviamente que não, era mais ódio...desprezo por não ter agido, antes que as coisas piorassem daquela maneira...mas por que, após cinco anos, que esse “fantasma” retornou para me assombrar? 

     Não demorou muito para que o cigarro se reduzisse, completamente. em cinzas, e fiz conforme a rotina, utilizei a varinha para limpar as sobras de sujeira e bagunça do quarto. Em instantes, não parecia o mesmo cômodo de antes. E, diferente dos outros dias, isso me deixou inspirada, parecia que eu possuía controle sobre as coisas. Aos poucos, senti que a vida retornava a normalidade, sem qualquer perigo ou tormento à porta, e que para melhorar, uma ducha rápida seria o suficiente.

     Retirei o primeiro vestido que vi no armário e o conjunto de roupas íntimas, não teria que me preocupar com o restante, pois não possuía mais que dois calçados, uma pantufa e uma bota de cano adaptável por magia,  algo muito útil e difícil de se encontrar naqueles dias. Logo, estava dentro da banheira, cheia de essências e sais de banhos que os elfos domésticos colocavam na madrugada. Não demorei o quanto costumava, pois a larica matinal se manifestou, mais forte do que das outras vezes. 

     Já estava trocada e ia começar a escovar os dentes, quando um rosto apareceu no espelho embaçado. Era a mesma face pálida, bochechas fundas e olheiras, extremamente roxas, com alguns tons azulados, que era mascarada com diversos tipos de maquiagem, regada também a rum e tabaco. Estava sorrindo, ou parecia sorrir...como uma completa psicopata que minha mãe era. E, como se estivesse em uma fotografia bruxa, seus olhos, estranhamente cinzas, reagiam ao me encarar. Não demorei muito também para reagir, e como resposta àquela “ imitação de mãe”, parti em pedaços o espelho com o punho direito, deixando nenhum resquício daquela imagem, que, novamente, veio me assombrar naquela manhã.

     Gritei de dor, alguns cacos se prenderam entre os meus dedos, enquanto outros cortaram parte das costas da mão e do pulso. Para não desmaiar se visse algum sangue, coloquei logo a mão embaixo d'água e peguei alguns lenços no armário, até que a ardência não fosse mais sentida, ou evitada pela adrenalina. Após muitos lenços, e xingamentos quando arrancava os pedaços de vidro da minha mão, ainda havia alguns cacos presos no meu vestido e nas solas das botas. Impacientemente, sai para buscar minha varinha e escutei batidas leves na porta.

     - Profª Stam? - Chamou uma voz feminina e abafada, era jovem demais para ser de Minerva ou de Madame Pomfrey. - A senhora está aí?

     - Sim...só um minuto - respondi, pegando rapidamente a varinha e a agitando para cima e para baixo,  removendo todos os cacos do espelho. Em seguida, fui ao banheiro e restaurei o espelho, sem ousar olhar para ele novamente. Retornei ao quarto e quando abri a porta, deparei-me com uma aluna do 5º ano, monitora da Grifinória. - Srta...Lavender?

      - Hunter, professora - corrigiu-me, com um sorriso afetado, olhando-me de cima a baixo. - Está tudo bem com a senhora?

      - Perfeitamente bem...somente algumas sobras da festa de ontem...sabe como que é - respondi, escondendo minhas mãos atrás do corpo e lançando o mesmo olhar simpático que recebi da Srta. Hunter.

     - Entendi...bem, é estranho a senhora se atrasar para as aulas, e como não a vi na hora do café da manhã, vim verificar se estava tudo bem…

      Instantaneamente, olhei para o relógio de pulso de Hunter e pude comprovar que estava certa, eram oito e meia. Também não pude conter minha expressão de insatisfação e, na tentativa de disfarçá-la, espûs minha mão direita, em lenços molhados e sangrentos.

      - Profª Stam, a sua mão! - Exclamou a garota, com os olhos castanhos extremamente esbugalhados e a boca trêmula. - A senhora deveria ir para a enfermaria e não tentar se curar por conta própria!

     - Isso… não é nada… - disse, porém, ao olhar para a mão machucada, senti a cabeça girar e, sem mais nem menos, parecia que a luz do dia havia se apagado. Somente consegui escutar um grito histérico e passos apressados pelo corredor.

     Quando percebi que havia desmaiado, estava na enfermaria, com Madame Pomfrey ao meu lado, tirando da minha boca uma colher de sopa, com gosto de limão e rã. E ela logo falou suas primeiras palavras de bom dia.

     - Eu avisei, não avisei, Dália...esses cigarros vão matá-la um dia - disse a bruxa, guardando a colher em um dos bolsos do avental e retirando a varinha de outro. - Agora, preciso que olhe para cima…- ela colocou a varinha bem rente aos meus olhos, e murmurou algumas palavras, enquanto mexia a minha cabeça para todas as direções. - Foi o que imaginei...as poções não estão mais fazendo efeito, não estão?

      - Só alguns dias...mas tenho dormido muito bem...até hoje.

      - É óbvio que não funcionariam. Você produz fumaça como uma chaleira em todos os períodos do dia! E não venha me dizer que isso não faz diferença, pois é absolutamente o contrário. Para começar, é só olhá-la...está mais magra, pele seca, cabelos caindo facilmente, as unhas amarelas, sem falar nessas olheiras, que nem alguém da minha idade poderia ter pior. E hoje, mais uma prova, esse machucado, você, com certeza, não estava em seu perfeito juízo!

     - Nem a senhora estaria, se tivesse visto um demônio a encarando - respondi, rispidamente, fazendo Madame Pomfrey dar um passo para trás e segurar a respiração momentaneamente.

      - Isso...isso que você acabou de dizer...é sério?

      - Do que adiantaria se eu afirmasse? A senhora iria continuar a me dar as mesmas recomendações de sempre...ou aumentaria a dose das poções, não iria?      - Enquanto continuar sendo uma chaminé ambulante, sim - afirmou a bruxa, duramente, se aproximando e pegando na minha mão direita. - Dália, o que estava passando na sua cabeça para fazer isso?

     - Já disse, um demônio estava no espelho do banheiro...você se lembra como ela era, certo?  - desviando o olhar, Madame Pomfrey afirmou com a cabeça, e, amigavelmente, deu algumas palmadinhas na minha mão.

     - Talvez seja melhor mudar o modo como estamos tratando isso...seria interessante que conversasse com alguém...alguém de confiança...ou um amigo próximo.

     - Nem pensar - disse, decidida, não havia possibilidade alguma de eu escrever, ou entrar em contato de outra forma, com algum colega de turma, muito menos algum familiar. - Prefiro que aumente a dose de tudo a isso.

     - Você sabe os efeitos colaterais disso com o passar do tempo? Vai acabar sendo pior do que o cigarro...ou qualquer droga.

     - Ótimo! Então me deixe como estava antes disso tudo. Tenho certeza de que um maço por dia ainda pode dar conta do recado - rapidamente, senti minha bochecha vermelha queimar e a mão de Pomfrey se afastar dela, era a primeira vez que a vi assim, como se tivesse “sangue nos olhos”.

     - Já chega! Não irei permitir que continue a se comportar como uma criança...ou pior, uma aluna que vai a hogsmeade e tem uma overdose de doces da dedos de mel, e que nunca aprende a se colocar limites. A partir de hoje, nada de cigarros e - ela aumentou o tom de voz quando fiz menção de interrompê-la - bebidas também...já basta o que Severo me fez passar esta madrugada, e que você tentou encobri-lo. - Ela me deu as costas e gritou: - Joan! 

      Imediatamente, uma elfa doméstica apareceu na enfermaria, seu uniforme de serviço era impecável, bem como não possuía sinal algum de infelicidade no rosto. Após realizar uma mesura para a mulher, a elfa escutou a instruções, sussurradas, da bruxa atentamente, e logo desapareceu sem deixar rastro. Olhei para Madame Pomfrey, igualmente descontente, e, em seguida, espiei cada leito, com certo alívio por não haver ouvintes, mas intrigada por não encontrar um corpo inconsciente e com resquícios da noite anterior.

     - O que aconteceu com Snape? - Perguntei, após instantes de silêncio, e certo desprezo, entre nós duas.

     - Parecia muito melhor na hora do café da manhã e o liberei. Alguém nesta escola ao menos sabe seguir as recomendações médicas - retrucou Pomfrey, voltando para perto do meu leito com um copo com um líquido vermelho borbulhante. - Tome, isso vai organizar seus pensamentos.

     - Igual aos outros? - repliquei, arrependendo-me logo em seguida, ao receber um olhar ameaçador da enfermeira. Pausadamente, beberiquei aquela poção estranha, era ardente e tinha um enjoativo gosto de cereja e pêssego.

     - Não é para ficar bebendo isso o dia inteiro, está pensando que é um suco de abóbora? E nem tente cuspí-lo e deixar sobrar...tem que beber tudo...e logo.

     No mesmo tempo que virei o copo, a porta abriu-se de cofre, e uma primeira-anista entrou na enfermaria. Tinha longos cabelos negros, olhos azuis-esverdeados e uma expressão séria no rosto. Muitos poderiam confundí-la como uma versão, mais nova, da Profº McGonagall, se ela não estivesse usando as vestes da Sonserina.

     - Com licença Madame Pomfrey - disse Eillen, cumprimentando-me com um sinal com a cabeça. - Não queria atrapalhar, porém o Prof. Snape está nada bem. 

     - Ele voltou a vomitar? - A menina balançou a cabeça para os lados.

     - Não, senhora. Ele começou a delirar, falava com a parede e até pegou um dos caldeirões para jogar ingredientes aleatórios, até que saiu uma fumaça roxa e fez com que toda a turma saísse.

     - Meu Deus, o que aconteceu com os professores dessa escola? - bufou Pomfrey, se direcionando para porta. Ao ver que levantei para acompanhá-la, lançou-me uma olhar de censura. - Você fica, precisa de descanso.

     - A senhora me fala isso depois de dar uma bebida que organiza pensamentos? Acha que é efeito calmante imediato? Muito pelo contrário, me deixou ainda mais acordada e concentrada - passei por Eileen e Pomfrey, colocando a mão na maçaneta. - E uso as suas palavras como as minhas, temos que fazer isso, e logo.

     Durante todo o trajeto para as masmorras, Madame Pomfrey bufava em protesto, mas nem suas palavras de desacordo me fizeram retornar. Ao chegarmos no corredor da sala de poções, várias cabeças se viraram para nós e, outra aluna da Sonserina, veio falar conosco.

     - Ele se trancou lá dentro! E já faz tempo que não ouvimos algo de lá.

    Madame Pomfrey emitiu um som de preocupação e fungou com nariz, enquanto Eileen e eu fomos para perto da porta, e retiramos as varinhas.

     - Repita o que eu fizer, ok? - A menina assentiu, observando-me atentamente recitar o feitiço e balançar a varinha - Alohomora.

     Consequentemente, a porta se abriu e uma fumaça lilás saiu dela. Indiquei para os alunos se afastarem, e entrei na sala, com o rosto tampado pela mão esquerda, já que a direita começara a latejar. Não demorou muito, e meu olhos começaram a lacrimejar, mal conseguia mantê-los abertos e distinguir o que era cadeiras e mesas. Desengonçadamente, andei pela sala, derrubando caldeirões, caldeiras, instrumentos de medição e frascos, até que pisei em algo...ou melhor, em alguém.  E também ouvi um murmúrio de dor, misturado o som de alguém vomitando. Lá estava Snape, novamente, ajoelhado no chão, só que com um caldeirão servindo como balde invés do chão.

    – Achou um lugar melhor para fazer isso? - falei a Snape, ao ser encarada odiosamente por ele.

    - Não me venha com as suas...Stam...eu estou muito bem, obrigado.

    - Estou vendo, melhor do que eu quando estou sem cigarro....só que sem a parte do cigarro e a minha personalidade.

    - Só seria ainda melhor se não estivesse aqui, mas uma viciada como você não se contenta em ficar sem uma fumaça...especialmente essa daqui - em meio a um refluxo, Snape parou para dar uma risada estridente.

    - Você, decididamente, está fora de controle...e sem sorte, pois me pegou em um mal dia.

    - Ora, ora, está sem sua morfina é? Coitadinha.

    - Não me chamaria de Coitadinha, se fosse você. Afinal, é o único que está no chão, digno de pena.

       Cambaleante, Snape tentou se levantar, porém, conseguiu somente se sentar e dar um soco no ar, esbravejando em seguida. Peguei-o pelo braço e, com grande esforço, o fiz se erguer, deixando-nos cara a cara.

     - Então, vai continuar a agir como um bêbado arrependido? Porque isso só está piorando a sua situação, do que dirá sua reputação.

     - Eu quero mais que você e essa reputa...se fo…- esbravejou Snape, inclinado-se para frente, quase caindo sobre mim, deixando-me com náusea só pelo bafo. - Acha que é melhor que é eu, não é? A Corvina, professora de Defesa Contra as Artes das Trevas, que fuma e todos aplaudem.

     - Pelas barbas de Merlim, complexo de inferioridade agora não, por favor. Já basta ouvir seus comentários sóbrio, agora bêbado também...nem uns drinks mudam essa sua amargura?

     - Assim como seus cigarros não lhe tiram os pesadelos...mas, mesmo assim, só queremos um fim para isso...bom ou ruim.

     - Fale por você...eu ainda não cheguei tão baixo.

     - Está querendo enganar a quem, Stam? Você não é tão boa quanto quer parecer ser.

     - É, você pode até estar certo quanto a isso...só que também se engana ao achar que se comportando assim está saindo por cima. E não falo só da bebedeira, mas também da sua antipatia e ignorância com seus alunos, e alguns colegas de trabalho. Por isso, Snape, acho que ambos vamos concordar, temos muito que melhorar...


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela leitura! Se gostou, comentem e deem sugestões...até a próxima o/



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