Um pequeno problema escrita por Celso Innocente


Capítulo 3
Reencontro




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Pouco depois das treze horas, Luciana já teria deixado a filha na escola e agora chegava à casa da mesma idosa em que o menino estivera pela manhã.

            Adentrou ao portão e à sala, onde a encontrou sentada, assistindo televisão.

            — O que aconteceu, dona Maria?

            — Regis já voltou?

            — Ainda não! Estou preocupada! Ele não fica fora assim sem avisar. Se pelo menos ele tivesse um celular! Depois que aposentou ele nunca mais quis um! E o menino? Quem é aquele menino que a senhora falou?

            — Não sei! Ele disse que aqui era a casa dele só que estava diferente. Insistia que queria encontrar os pais dele.

            — Esse menino, se for o mesmo, e é! Acordou pela manhã em minha cama, dormindo com o pijama de Regis. Ele se assustou e não sabia como tinha ido parar lá. Depois que lhe dei aquele short verde e camiseta branca da Maysa, ele disse que iria voltar pra sua casa e acabou vindo parar aqui. Por quê?

            — Não sei! Eu não o conheço!

            — Não disse pra onde iria?

            — Disse que iria procurar seus pais.

            Luciana voltou para a varanda de saída dizendo:

            — Qualquer coisa eu aviso. Vou procurá-lo. Acho que Regis tem alguma coisa a ver com isso.

            — Vai procurar aonde?

            — Sei lá! — Deu de ombros. — Um menino perdido… deve ir pra lugares públicos. Estação rodoviária, praças…

            Entrou no carro, ligou a ignição e antes de sair ainda disse:

            — Depois eu ligo avisando.

            — Tá bom! Tenho medo que aconteça algo a ele.

            — Fique calma. Meninos assim são espertos.

            — Não parecia tão esperto — negou a idosa. — Parecia mais um menininho ingênuo completamente perdido.

            — Eu vou encontra-lo.

            Já ia saindo, quando a idosa a chamou:

            — Luciana! Lá no passado, uma vez aconteceu algo semelhante.

            — Como assim?

            — Faz quase cinquenta anos. Em nossa casa apareceu um homem que se dizia nosso filho.

            — Tá bom! — não acreditou muito na idosa. — Depois a senhora me explica.

            Parou o carro próximo à estação de ônibus urbano e chegou a perguntar a algumas pessoas; depois, mesmo a pé, por ser próximo, seguiu à estação de ônibus intermunicipal e perguntou inclusive aos proprietários das pequenas lojas dispostas na estação. Ninguém teria notado ele por ali.

            Tomou o carro e seguiu até o camelódromo municipal, visitando e perguntando em cada uma das dezenas de lojinhas.

Ali também ninguém se lembrava dele. Em tal local encantado, com milhares de opções em brinquedos de todas as espécies, como iriam prestar atenção em uma única criança, se ali passam centenas delas todos os dias?

Seguiu até a principal praça da cidade. Um local muito movimentado, devido ser passagem obrigatória no trajeto para diversos pontos, tais como bancos, cinema, escolas, sorveterias, lanchonetes e até prédio da justiça, além da belíssima fonte, que naquele período de verão muito quente no interior do Brasil, jorrava refrescante água durante todo o dia.

Porém, suas buscas ali também foram em vão.

Resolveu seguir de carro, em velocidade reduzida pelas ruas centrais da cidade, até atrapalhando o tráfego.

©©©©

            O menino, cansado de andar praticamente o dia todo, em cidade que tinha certeza ser a mesma em que morava, porém, estranhando as mudanças sofridas drasticamente em cada rua, cada prédio, cada praça, cada veículo e até nas pessoas, com um jeito de vestir totalmente alterado.

O ponto de charretes, que no dia anterior estava ali ao lado da velha estação rodoviária, servindo de transporte divertido para aqueles que chegavam de viagem e que ele mesmo, embora nunca tivesse desfrutado, adorava e sabia que qualquer dia conseguiria um dinheirinho e abusaria de tal. Tinha até um conhecido entre os condutores, o senhor Vicente charreteiro, que morava no final da rua de sua casa. Mas cadê elas? E cadê o ponto delas? E cadê a estação rodoviária que também não estava mais ali?

Depois da estação de ônibus, o grande mercado municipal, no qual centenas de pessoas passavam todos os dias em busca de legumes, frutas, carnes e dezenas de outros tipos alimentícios, dera em questão de horas, lugar para outros tipos de lojas, tais como consertos de panelas, de televisores, açougues, farmácias…

Até a encantada estação ferroviária estava totalmente abandonada, dominada por matagal, paredes todas pichadas, sujeiras de todas as espécies. Como poderia ser, se ainda no dia anterior estivera vendo de perto a bonita Maria-Fumaça, recebendo como por encanto, dezenas de passageiros, incluindo crianças, encantadas com sua viagem mágica para seguirem para os lados de Araçatuba e sul mato-grossense.

Aonde fora parar o velho embarcadouro de gado, que várias vezes por mês recebia ali, trazido por destemidos boiadeiros terrestre, os quais ele mesmo sempre encontrava, em estrada batida atrás da Casa Anjo da Guarda, no caminho para a escola, centenas de bovinos que eram então colocados em grandes vagões currais e levados sabe-se lá para onde.

Com tudo isso, sentindo-se perdido de verdade, não igual já acontecera quando ele contava apenas seis anos de idade e se perdera próximo à casa da avó, ao desistir de um passeio com duas primas e acabou sendo socorrido por duas menininhas que entregavam leite, que desistindo de suas obrigações o arrastaram para a estação de rádio local, que utilizaria seus microfones para implorar por ajuda, a um bobinho filhotinho de gente de sítio que era na época e só estava passeando na cidade “grande” (para ele).

Se naquela época, apesar do coraçãozinho assustado, não derramara nenhuma lágrima, também não faria agora que já era grande. Porém, sem saber o que fazer, lembrou-se de que pela manhã passara de frente à casa de seus padrinhos e embora a rua estivesse diferente, a casa continuava idêntica à que sempre fora. Sendo assim, eles seriam sua salvação na busca pelos pais desaparecidos e explicação plausível do que estaria acontecendo.

            Caminhou lentamente por quase trinta minutos, até chegar ao local ao qual ele visitava praticamente todas as tardes e mesmo sem chamar, entrou pelo quintal aberto na lateral da casa, chegando até a porta dos fundos, onde encontrou um senhor de estatura baixa, cabelos grisalhos, mais de oitenta anos de idade, usando um chapéu de palhas tipo Panamá.

            — O que você quer, menino? — Questionou-lhe tal idoso com voz forte.

            — Meus padrinhos estão aí? — Perguntou-lhe calmamente.

            — Aqui não! Por quê? Quem são seus padrinhos?

            — Eles moram aqui!

            — Aqui não mora ninguém além de eu! — Retrucou o idoso. — Quem lhe disse que eles moravam aqui?

            — Eu venho aqui todos os dias! — Apavorou-se o pequeno.

            — Acho que você tá maluquinho, garoto! — Riu de jeito irônico tal homem.

            O menino, esquecendo-se da promessa feita a si mesmo há alguns minutos, começou a chorar, saindo correndo para a rua.

            Um carro freara bruscamente quase o atingindo, devido a sua falta de atenção, que se vendo em perigo, defendeu-se batendo as duas mãos sobre o capô e depois saiu de lado, continuando correndo em direção à rodovia.         

A motorista abriu a porta do carro e desceu desesperada. Era Luciana, que já teria apanhado a filha na escola e retornava para casa e para sorte do menino ela sempre dirigia com muita cautela.

— Menino, espere! — Gritou ela, se refazendo do susto.

Ele ainda assustado e chorando continuou correndo.

Percebendo que ele não pararia, ela entrou no carro, manobrou-o rapidamente e o alcançou em questão de segundos.

— Preciso falar com você! — Insistiu ela parando ao seu lado.

Ele correu mais alguns passos, resolveu parar, pensou um pouco e desorientado retornou devagar em seu encontro.

— O carro atingiu você? — Perguntou ela, ao qual ele acenou timidamente que não. — Entre no carro e vamos até minha casa para conversarmos.

Ele nem sabia se deveria. Sempre fora aconselhado pelos pais a jamais falar com estranhos. Mas Luciana já não era tão estranha, por isso abriu a porta traseira do veículo e entrou.

Trinta segundos depois, o grande portão de frente a gigante casa azul celeste se abria automaticamente e assim que o carro estacionou ao lado de outro na garagem, o portão se fechou sozinho, deixando o menino encabulado.

Desembarcaram e seguiram para a sala de estar, onde o pequeno, cansado de perambular durante todo o dia, mesmo sem ser convidado sentou-se no sofá.

— Essa é minha filha Maysa — apresentou-lhe a mulher sua linda filha.

A menina, branca de longos cabelos castanhos, usando como uniforme escolar uma bermuda azul e camiseta branca, quase igual à que ele mesmo usava, com a diferença de que a da garota era bem justa ao corpo, como todas elas gostam.

— Oi! — O cumprimentou ela com lindo sorriso.

Cabisbaixo, ainda assustado, ele nem respondeu.

— Não vai responder o oi de minha filha? — Cobrou-lhe a mulher.

— Oi! — Insinuou ainda cabisbaixo.

— Que oi mais sem vontade! — Reclamou tal mulher, enquanto a filha desaparecera para o quarto, para talvez trocar de roupas.

— Desculpe… — já sentia novas lágrimas. — Não sei o que está acontecendo.


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Notas finais do capítulo

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