Pokémon - Laço Eterno escrita por Benihime


Capítulo 22
Informações




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783603/chapter/22

Calista aplicou um pouco de pomada, baixando a manga da blusa para analisar a pele ainada avermelhada de seu ombro esquerdo no espelho, intrigada. Não lembrava de como conseguira aquele ferimento.

Um bipe agudo de seu computador soou, anunciando uma nova chamada de vídeo e fazendo-a pular de susto. A jovem apressadamente cobriu a área irritada em seu ombro enquanto atendia sem nem conferir quem ligava. Sabia exatamente de quem se tratava.

— Oi, Cal. — Cynthia lhe dirigiu um sorriso distraído, ocupada organizando alguns papéis. Material de pesquisa, quase certamente. — E então?

— Oi, Cynth. — A jovem kantoniana sorriu consigo mesma ao ver os cabelos loiros da amiga presos para trás em um rabo de cavalo na altura da nuca. Cynthia já não se importava mais com as cicatrizes, não diante de Calista. — Então o que?

A óbvia provocação da morena fez a campeã de Sinnoh erguer os olhos, dirigindo-lhe um olhar irritado. Aquela expressão intimidaria um Hydreigon furioso. Calista, porém, simplesmente riu.

— Deu tudo certo. — A irmã de Ash relatou enfim. — Bom, mais ou menos. Tivemos que improvisar um pouco no final.

— E eu vou querer saber mais sobre isso?

— Awn ... Não. — Calista abriu um sorriso maroto. — Definitivamente não, então nem pergunte.

Um segundo ícone de chamada de vídeo apareceu no canto da tela. Calista clicou nele para atender e Diantha juntou-se à chamada. Cynthia rapidamente puxou o elástico que prendia seus cabelos, deixando que a cortina loiro-dourada escondesse seu rosto mais uma vez. Ela gostava de Diantha, mas ainda não se sentia assim tão à vontade ao seu redor.

— Oi, super estrela. — A campeã cumprimentou jocosamente. — Traumatizada pelos Rockets malvados?

— Pouco provável, Cynth. — Foi Calista quem respondeu, rindo. — Os Rockets ficaram traumatizados com ela. Diantha criou um corredor de gelo. O resultado foram alguns narizes quebrados.

— E uma confusão enorme. — A atriz acrescentou em seu tom mais doce, dando de ombros com humildade. — Mas admita, você adorou.

— Não posso negar. — A irmã de Ash provocou. — Estou começando a achar que criar confusão é a sua especialidade.

— Caramba, não acredito que perdi essa! — Cynthia exclamou com uma sonora gargalhada. — Diantha, você é mesmo uma caixinha de surpresas.

— Vou tomar isso como um elogio.

— Sábia escolha. — A loira aprovou. — A propósito ... Recebi os arquivos.

— Ótimo. E o que achou?

Cynthia balançou a cabeça, sua expressão ensombrecendo e perdendo qualquer traço de humor.

— Não acredito que a Equipe Rocket teve coragem de ir tão longe. Eles são mais doentios do que eu pensava.

— Espere aí. — Calista interferiu. — Do que vocês duas estão falando?

A resposta de Diantha foi abrir um sorriso travesso. A atriz então ergueu uma das mãos, abrindo-a para revelar o objeto metálico em sua palma. Calista levou alguns segundos para reconhecer o pen-drive cor de rosa.

— Não acredito! — A irmã de Ash exclamou. — Não vá me dizer que você ... Como?! Eu estava do seu lado o tempo todo!

— Foi muito fácil. — A atriz respondeu. — Usei um vírus que copia todos os dados do disco rígido infectado. Quanto a você não ter percebido ... Digamos, meu bem, que você é excepcionalmente distraída.

— Onde você sequer aprende essas coisas? — Cynthia inquiriu, balançando a cabeça com incredulidade. — Eu juro, Diantha ...

— Essa eu posso adivinhar, Cynth. — Calista brincou. — Aposto que a nossa estrelinha aprendeu esse truque em um filme.

Diantha estreitou os olhos azuis para suas duas amigas. Provocá-la por sua carreira como atriz, ou por sua aparência, era quase que um esporte para elas. Não que Diantha se importasse, é claro. Já estava mais do que acostumada.

— Na verdade ... — A ex campeã disse apenas para calá-las. — Sempre fui boa com computadores.

— Aposto que isso tem a ver com Lysandre.

Lysandre de Lion, um magnata famoso na região de Kalos pela filantropia e pelas invenções brilhantes produzidas nos Laboratórios Lysandre. Por acaso, tal homem também era um amigo de infância da ex campeã de Kalos. Calista era uma das poucas pessoas que sabia desse fato, algo que tanto a atriz quanto o grande empresário tentavam manter em segredo a todo custo.

— É claro. — A atriz concordou. — Ensinei tudo o que ele sabe.

— Acho que todas nós podemos concordar que a humildade não é seu ponto forte. Não acha, Cynth?

— Completamente de acordo. — A loira assentiu, rindo.

— Já chega de piadas, não acham? — Diantha interrompeu. — Calista, preciso conversar com você amanhã. Pode me encontrar no lugar de sempre?

— É claro. Às dez?

— Está ótimo. — Foi a resposta. — E obrigada.

— Conhecendo você, sou eu quem vai acabar agradecendo depois.

Depois disso as três deixaram o tópico da Equipe Rocket, conversando sobre coisas sem importância e assuntos do dia-a-dia. Era a forma que encontravam de lidar com a confusão que estava acontecendo, quebrando a seriedade com frivolidades. A conversa logo derivou para a Liga Sinnoh, um assunto no qual a insatisfação de Cynthia ficou mais do que óbvia.

— Que situação. — A loira declarou, frustrada. — Na única vez em que desejo não precisar participar de nada, fico presa nos eventos da Liga.

— É como você uma vez me disse, campeã. — Calista respondeu. — O título não é apenas fama e glória. Com ele vem a responsabilidade.

— É, Cal, você tem razão. — A campeã assentiu solenemente. — Certo, preciso ir. Boa noite, meninas.

Calista e Diantha disseram "boa noite" em perfeita sincronia. Com um sorriso e um aceno de despedida, Cynthia encerrou a chamada de vídeo.

— Diantha ... 

— Eu não li. — A atriz declarou subitamente, surpreendendo sua jovem amiga. — Não li nenhum dos arquivos, se quer saber. Só aquilo que vimos juntas no laboratório.

— Mas ... Por que?

— Acho que você tem o direito de escolher quanto disso quer manter para si mesma. — Foi a resposta. — Da mesma forma, o que enviei para Cynthia foi somente aquilo que nós duas já sabemos.

— Obrigada, Diantha. — A morena agradeceu fervorosamente. — Você é incrível. A melhor amiga que alguém poderia querer.

— Ah, por favor! — A ex campeã exclamou. Apesar do tom brincalhão, Calista viu as bochechas de sua amiga assumirem um leve tom rosado. — Lisonjas não vão levá-la a lugar nenhum.

Ao erguer a mão para afastar do rosto uma mecha rebelde de cabelo castanho, a manga do suéter azul-claro da atriz escorregou. Apenas alguns centímetros, mas o bastante para que Calista visse que seu ombro esquerdo estava envolto em curativos.

— Diantha! — A jovem exclamou, alarmada. — Diantha, o que aconteceu com o seu ombro?

— Nada. — A ex campeã respondeu casualmente. — Foi só um arranhão. Não se preocupe. Nem está mais doendo.

— Mentirosa. — Calista acusou, embora seu tom fosse leve. — Pode enganar o público com sua atuação, super estrela, mas não a mim. Eu já a conheço bem demais.

Ao invés de argumentar, a atriz a surpreendeu meramente assentindo em concordância. Sem discutir, ela deixou cair a manga do suéter e desfez o curativo sobre seu ombro com gestos rápidos. Calista arquejou ao ver o ferimento, um enorme hematoma tão negro que quase parecia pintado naquela pele clara.

Com o sangue gelado nas veias, a jovem kantoniana expôs seu próprio ferimento. Era muito menor e menos sério, mas não havia dúvidas de que ambas haviam se ferido exatamente no mesmo local, ferimentos que inclusive tinham tamanhos idênticos.

— Acho que sei o que aconteceu. — Diantha disse pensativamente após vários momentos de silêncio atônito. — Quando aquela Esfera de Aura foi lançada, deve ter atingido você também. Só não notamos na hora por causa da adrenalina.

— Eu estava mesmo me perguntando ... Como você conseguiu desviar da Esfera de Aura tão rápido? Aquele golpe deveria tê-la derrubado.

— Chegou bem perto disso. — A atriz admitiu. — Mas, graças a você, evitei o pior do impacto.

— A mim? O que você quer dizer?

Um olhar de surpresa e estranhamento passou pelo rosto da mulher kalosiana com aquela pergunta. Por um momento, ela olhou para Calista como se estivesse se perguntando se sua amiga havia enlouquecido.

— Você me avisou, Caly.

Tanto seu tom quanto o fato de tê-la chamado pelo apelido revelavam o quanto Diantha estava preocupada. A ex campeã de Kalos raramente chamava Calista daquela forma, mesmo as duas sendo amigas íntimas.

— Não estou louca, Diantha. — A morena rebateu acidamente, lendo a pergunta naqueles olhos azuis. — Ainda não, pelo menos. E tenho certeza de que não teria tido tempo de avisá-la, mesmo se eu quisesse.

— Mas eu a ouvi.

— Percebe que acabou de dizer a mesma coisa que eu? — A morena inquiriu. — Lembra? No elevador, quando perguntei o que você estava planejando.

— Eu me lembro. — Diantha agora tinha o cenho franzido, pensativa. — O que aconteceu, afinal?

— Eu também não sei. Talvez ... Talvez seja o elo de que Olympia falou. — Calista estava boquiaberta, completamente incrédula. — Meu deus! É um elo telepático! Aquilo foi telepatia! Assim como Cynthia, na noite da festa de Natal. Percebe o que isso significa, Diantha?

— Ainda não temos certeza de nada, Calista. — A atriz lhe lembrou gentilmente. — Precisamos comprovar primeiro.

— Mas como?

— Acho que sei como. — Diantha respondeu. — Amanhã.

— Certo. E obrigada por tudo. — Calista sorriu. — Durma bem, Diantha.

A atriz abriu aquele seu já familiar sorriso de dez mil volts, jogando-lhe um beijo antes de se desconectar da chamada.

Após uma noite extremamente mal dormida, Calista acabou se atrasando pela manhã. Não foi surpresa a morena praticamente correr para encontrar Diantha em seu ponto de encontro habitual: Café Lysandre. Por ser exclusivo e discreto, era o lugar perfeito.

Antes, porém, de chegar ao local combinado, a morena parou de súbito. Seus olhos pousaram em uma rua transversal estreita, quase um beco, sentindo uma estranha atração de seguir por aquele caminho. 

A rua terminava na frente de uma pequena loja, formando um beco sem saída. Antes que Calista pudesse se virar para voltar à avenida principal, alguém segurou seu pulso. A jovem ofegou de medo e surpresa, enquanto um breve flash de sua própria expressão atônita passava diante de seus olhos. Virando-se, Calista deu de cara com sua mentora kalosiana, cuja expressão inocentemente risonha a fazia parecer uma menininha.

— Diantha!

— Desculpe se a assustei, meu bem. — A atriz disse, embora o brilho malicioso em seus olhos azuis quase anulasse suas desculpas. — Mas agora temos certeza. Caso contrário, você jamais teria me encontrado aqui.

— Então eu estava certa. Temos mesmo um elo telepático. — A morena declarou, surpresa. — Mas o que foi aquilo que você fez? A imagem, como conseguiu ... ?

— Chama-se projeção. — Diantha explicou. — Funciona apenas com pensamentos específicos, e melhor se houver um elo entre as duas partes.

— Me ensine!

— É claro. Afinal, essa era a ideia. — Foi a resposta. — Mas primeiro ... Venha. Não preciso de telepatia para saber que você precisa, e muito, de um café.

— Pareço tão mal assim?

Diantha passou o braço por dentro do seu, dirigindo-lhe uma piscadela brincalhona.

— Absolutamente horrível, meu bem.

— Quer saber? — Calista rebateu, permitindo que a atriz a guiasse. — Para alguém tão meiga nas telas, você está se revelando uma mulher surpreendentemente malévola.

A única resposta de Diantha foi revirar os olhos azuis enquanto as duas seguiam de volta para o café.

Horas depois, mais uma vez em seu apartamento e tendo apenas Mirabelle por companhia, Calista lia com interesse os arquivos descobertos. A maioria apenas artigos, diagramas e fórmulas.

Um deles, porém, lhe chamou a atenção. Parecia uma espécie de diário de pesquisa digitalizado. A jovem conferiu avidamente a data da primeira entrada. Mais de dezessete anos antes.

20 de Outubro

Hoje demos início ao projeto, de longe o mais complexo já tentado. E também o mais arriscado. Há muito em jogo aqui. Preciso ter sucesso, se quiser mudar o futuro.

 

Complexas anotações se seguiam a isso, detalhando o processo de extração e combinação de DNA criado pela Equipe Rocket.

 

30 de outubro

A experiência foi um sucesso. O Projeto Um é compatível com a vida, e se desenvolve rapidamente. Em poucas semanas, teremos resultados concretos o suficiente para divulgação.

 

Calista não conseguiu conter o mal estar ao lembrar que ela própria havia sido a base para aquele projeto insano. Seu próprio pai começara aquilo. Era absolutamente doentio.

 

15 de dezembro

O projeto se desenvolveu mais do que o previsto. É selvagem, incontrolável. Será eliminado, e recomeçarei do zero.

 

23 de fevereiro

Uma segunda tentativa foi feita. Apesar de mais poderoso, também foi um fracasso. Talvez a chave esteja não no corpo, mas na mente. Preciso encontrar uma forma de dobrar sua vontade antes de determinar o sucesso.

 

A morena arregalou os olhos, chocada. Sabia quem havia escrito aquelas palavras. Reconhecera o estilo do texto após poucas linhas. Dominada pelo asco, a jovem fechou o laptop com um movimento abrupto. Não suportava mais.

Dois meses depois, Calista e Diantha estavam reunidas no apartamento da morena, empoleiradas confortavelmente no sofá. A atriz ria, divertindo-se com os esforços mal sucedidos de sua amiga.

— Concentre-se. — Diantha instou. — Você precisa ver claramente aquilo que deseja projetar.

Desde o dia em que comprovaram a verdade sobre seu elo telepático, haviam começado a treinar em cada momento que podiam. Não demoraram a descobrir que o elo tinha mais afinidade com seus sentimentos do que com seus pensamentos. Uma sempre sabia como a outra se sentia, mas só conseguiam ouvir aquilo que a companheira quisesse mostrar.

— Eu não consigo. — Calista protestou, frustrada.

— É claro que consegue. — Diantha rebateu gentilmente. — Já fez isso antes.

— Uma vez.

— É o bastante. — A ex campeã de Kalos declarou. — Além do mais, se eu consegui, você certamente consegue.

— Boa tentativa. — A morena zombou, abrindo um pequeno sorriso. — Esse tipo de incentivo funcionaria com a Cynthia, mas não vai levá-la muito longe comigo.

Tal resposta lhe rendeu um sorriso e um menear reprovador de cabeça. 

— Pare de discutir e continue tentando.

Calista assentiu, tentando deixar que seus pensamentos fluíssem naturalmente. Não estava dando muito certo. Tudo em que conseguia pensar era na discussão mais recente que tivera com Cynthia. A campeã de Sinnoh era veementemente contra a ideia de Calista de denunciar a Equipe Rocket. Pelo menos enquanto a irmã de Ash fosse parte da organização.

— Concentre-se, Caly.

— Estou tentando.

— É melhor fazermos uma pausa. — Diantha sugeriu. — Desse jeito não chegaremos a lugar nenhum.

— Desculpe, Diantha. — Calista disse, decepcionada. — Isso é uma perda de tempo.

— Não seja tão severa. — A atriz rebateu. — Você está se saindo bem.

— Só porque você é muito paciente. — A jovem kantoniana provocou.

— Tem falado com Cynthia?

Calista não se importou com a súbita mudança de assunto. Estava mais do que acostumada com aquilo.

— Não desde a última vez. — A jovem deu de ombros, fingindo indiferença. — E você sabe que aquilo não acabou muito bem.

— Vocês duas são impossíveis, sabia?

Antes que Calista pudesse responder, seu celular vibrou indicando uma nova mensagem. Era de Cynthia.

Missão cumprida. O texto dizia. Jenny disse que vai investigar as informações.

Diantha, lendo por cima do ombro de Calista, se permitiu um sorriso satisfeito. 

— Nós conseguimos.

— Ainda não. — Calista a lembrou. — Temos muito trabalho pela frente.

— Tudo vai dar certo. — A atriz garantiu. — Espere e verá.

A ideia de atingir a Equipe Rocket parte por parte havia sido de Diantha. Dessa forma, a ex campeã supusera, ganhariam tempo para pensar em uma forma de contornar a teimosia de Calista e convencê-la a não seguir adiante.

Perfeito! A morena digitou em resposta. Você é demais, sabia?

Claro que sei. Ao ler essas palavras, Calista quase pôde ver Cynthia à sua frente, erguendo o queixo naquela atitude de fingida arrogância que adotava só para irritá-la. E pare de tramar contra mim, sua coisinha maligna.

Como sabe que estou tramando contra você?

Só um palpite. Foi a resposta Que você acabou de confirmar.

Loira, eu tramo como acabar com você desde que nos conhecemos. Isso não é novidade.

Você é uma pessoa má. Muito má.

Calista riu consigo mesma. Era sempre assim. Cynthia sempre conseguia arrancar dela um sorriso, mesmo quando a morena estava furiosa ou preocupada.

— E então? — A jovem inquiriu, largando o celular entre as almofadas do sofá. — Mais uma vez?

— Se você tem certeza.

— Tenho sim. Ainda vou dominar essa técnica e ser melhor do que você.

— Quem está sendo orgulhosa agora?

— Caramba, Diantha!

A atriz riu mais uma vez. Desde a incursão no laboratório da Equipe Rocket em Laverre, havia deixado de lado grande parte de sua atuação como "dama perfeita", e não tinha reservas em seu modo de agir com Calista.

A jovem kantoniana viu a mudança com surpresa, mas não sem apreciação. Astuta, irônica, determinada e com uma língua afiada que respondia sempre à altura quando provocada, aquele novo lado da personalidade da ex campeã de Kalos era como um sopro de ar fresco.

Diantha estendeu a mão direita com a palma para cima. Com um suspiro, Calista pôs sua mão sobre a dela, retomando a prática. Porém, por mais que tentasse, suas emoções continuavam a dominá-la.

— Já chega. — A atriz declarou algum tempo depois. — É o bastante por hoje.

— É uma perda de tempo, isso sim. — Calista rebateu. — Talvez eu devesse treinar sozinha de agora em diante. Não é justo com você, fazê-la perder seu tempo desse jeito quando você já trabalha tanto.

— Eu já lhe disse que  não me importo, meu bem, ficar com você não é uma perda de tempo. — A ex campeã disse gentilmente, tomando uma das mãos da amiga entre as suas. — É um grande prazer. Eu não poderia querer nada melhor.

— Mesmo assim, ainda acho que você trabalha demais. Me preocupo com isso, sabia?

— Pois não precisa, meu bem. — Diantha sorriu. — Eu amo meu trabalho. Jamais seria um fardo.

— Você tem sorte, sabia? — A Rainha de Kalos suspirou. — Fazendo o que gosta.

— Eu sei. Nós duas temos sorte.

— Não tenho mais tanta certeza. — Calista confessou. — Tenho estado tão ocupada com tudo o que está acontecendo que mal tenho pensado nas minhas performances. Ainda adoro me apresentar, mas não é mais como antes.

Diantha meramente assentiu, tirando os sapatos e encolhendo as pernas sob o próprio corpo. Aqueles encontros semanais com Calista eram um hábito que aprendera a apreciar imensamente. Era bom poder deixar a fachada de lado por algum tempo, falar sem precisar medir cada palavra e agir sem temer ser julgada.

Nenhuma das duas disse mais nada. Calista suspirou e abraçou os próprios joelhos, apoiando o queixo sobre eles enquanto descansava contra as almofadas. As duas amigas ficaram em silêncio por alguns minutos, cada qual perdida nos próprios pensamentos. De repente, um arquejo de surpresa quebrou a confortável pausa.

— Não. — Diantha declarou, sua voz tão firme quanto na noite em que descobrira a identidade secreta da irmã de Ash. — Você não vai fazer isso, Calista.

A jovem kantoniana ficou surpresa pelo fato de a ex campeã ter conseguido ler seus pensamentos involuntariamente, mas sua teimosia natural logo assumiu o controle, fazendo-a erguer o queixo e encarar sua amiga.

— A decisão é minha, Diantha. — Ela declarou. — E de mais ninguém.

— Não se trata mais só do seu orgulho, Calista. Cynthia e eu estamos tão envolvidas quanto você. Não é uma decisão a ser tomada por conta própria.

— É o único jeito. — Calista rebateu. — De que outra forma vou explicar todas as informações que conseguimos?

— Posso pensar em pelo menos meia dúzia de explicações. — A atriz declarou. — Não seja burra, Calista.

— Diantha, me escute. — A  morena quase implorou. — Meu pai está em Kalos, e vai voltar para Kanto hoje à noite. Pense bem. É uma chance de ouro. Quando teremos outra oportunidade como essa?

— Não. — Diantha respondeu simplesmente. — E, se você vai mesmo insistir nesse contrassenso, acho que devemos discutir a questão. Nós três. E garanto que Cynthia terá muito a dizer sobre isso.

— Não há o que discutir. E deixe a Cynth fora disso. 

— Oh, sim, há muito o que discutir. — Diantha insistiu. — Se acha que vou deixá-la se atirar aos leões por puro orgulho, está muito enganada.

— Você não pode me impedir, Diantha. Não há nada que você possa fazer.

Veremos, meu bem. A atriz pensou desafiadoramente. É o que veremos. 

Furiosa, Diantha se despediu e deixou o apartamento de Calista a passos rápidos. Não muito depois de ser deixada a sós, a morena recebeu uma ligação de Cynthia.

— Calista Selina Ketchum! — A campeã de Sinnoh esbravejou. — Você ficou louca de vez?!

Calista ignorou a óbvia raiva de sua amiga. Sabia que estaria se sentindo da mesma forma, se os papéis fossem invertidos. Ao invés de discutir, forçou-se a sorrir.

— Oi pra você também, Cynth. Que bom que ligou.

— Não me venha com essa! — A loira rosnou. — Diantha me contou tudo. Ela praticamente me implorou para tentar fazer você mudar de ideia.

— Quanta ingenuidade.

— Exatamente o que eu disse. — Cynthia rebateu acidamente. — Como se houvesse qualquer chance de alguém conseguir fazer uma cabeça de pedra como você mudar de ideia sobre alguma coisa.

— Em primeiro lugar, Cynth: você é a última pessoa que pode me condenar. Faria o mesmo que eu. — Foi a resposta. — E, em segundo lugar, você tem razão: eu não vou mudar de ideia.

— Você não pode fazer isso, Cal. — A campeã agora falava mais suavemente, seu tom quase uma súplica. — É loucura.

— É o único jeito, Cynth.

— Não é, não. Podemos pensar em alguma coisa. Por favor, Calista. Qualquer coisa seria melhor do que isso.

— Não temos tempo para essa discussão. — A morena rebateu. — E nenhuma de vocês duas pode me impedir, por mais que queiram. Não importa o quanto você esteja zangada.

— Zangada?! — Cynthia bufou ironicamente. — Isso é um eufemismo. Eu poderia ir até aí e matar você agora mesmo!

— A decisão é minha, campeã. E eu vou em frente de qualquer jeito.

— Cal, você está sendo burra. — A campeã declarou, seu tom agora mais gentil. O mesmo tom que Dehlia costumava usar quando sua filha estava sendo teimosa. — Me escute pelo menos uma vez, sua cabeça de pedra maldita!

— Se concentre na Liga, campeã. — A morena disse simplesmente, embora seus lábios exibissem um pequeno sorriso. — Não deixe ninguém te derrotar, ok? Esse privilégio é meu.

Calista encerrou a chamada e saiu, pronta para o que precisava fazer. Enquanto isso, Diantha e Cynthia conversavam, ou melhor, discutiam, pelo telefone.

— E então? — A loira inquiriu acidamente, ainda sem conseguir se acalmar após a discussão com a jovem kantoniana. — Pensei que você tivesse dito que tinha um plano.

— Eu tenho. Mas, para isso, preciso deixar que nossa Calista vá em frente com esse plano ridículo. Por mais que a ideia me desagrade.

— Você é realmente uma pessoa desprezível.

— Vai mesmo dizer isso antes de sequer me ouvir?

— Está bem. — A campeã de Sinnoh cedeu. — Diga o que tem em mente.

E a atriz explicou seu plano, aquele que Calista quase descobrira quando invadiram o laboratório da Equipe Rocket. Quando terminou, Cynthia mal sabia o que dizer.

— Você sabia de tudo. — A loira acusou enfim. — Podia tê-la feito mudar de ideia.

— Não, não podia. Você sabe disso melhor do que eu. Calista é teimosa, ela acabaria fazendo isso de qualquer jeito. Eu ganhei algum tempo. Dessa forma, pelo menos podemos ajudá-la.

— Certo. — Cynthia admitiu, acalmando-se. — Você tem razão.

— Ótimo. E, agora que resolvemos isso ... Preciso ir. Vou me encontrar com um amigo que talvez possa ajudar.

— Está bem, se você confia nele. — A campeã de Sinnoh declarou. — Dê notícias.

— É claro.

A atriz desligou e olhou em volta, com a sensação de estar sendo observada, seguida. Em quaisquer outras circunstâncias, Diantha teria mantido as aparências e corrido. Mas furiosa como estava, sua impulsividade assumiu o controle. Com passos rápidos, a ex campeã se dirigiu a uma rua lateral quase deserta.

Um homem logo a alcançou. Era alto e de compleição musculosa, porém andava com uma graciosidade surpreendente e em quase total silêncio, diminuindo o passo para acompanhá-la.

— Não tema. — Ele disse, tão baixo que Diantha mal conseguiu ouvir. — Não pretendo fazer-lhe mal.

A ex campeã relaxou, diminuindo o passo para encarar o estranho pelo canto dos olhos. Mesmo sem conhecê-lo, soube imediatamente de quem se tratava. Calista se parecia muito com o pai, a semelhança era óbvia e inegável.

— Então o que você quer? — A ex campeã inquiriu discretamente. — E por que estava me seguindo?

— Porque ... Sou o único que pode ajudar minha filha.

A surpresa foi o bastante para fazer Diantha paralisar por um momento. Giovanni apenas a encarou, mantendo uma expressão pétrea completamente ilegível.

— Ajudar? — A atriz kalosiana repetiu, incrédula. — Não vejo por que você teria interesse em fazer isso.

— Tem razão. — O líder da Equipe Rocket concedeu, seus lábios se curvando em um discreto sorriso. — Mas não pense que não sei o que minha filha tem planejado todos esses anos. Ou que eu permitiria algo do tipo se não tivesse como impedi-la.

— Ainda não entendo por que eu deveria saber sobre isso.

— Porque preciso que faça algo por mim. — Foi a resposta. — Ou melhor, por minha filha.

— Se isso impedi-la de seguir em frente com essa insanidade, então concordo.

Diantha sabia que se arrependeria daquele trato com o diabo, mas não podia evitar. Era a única forma.

Enquanto isso, em Sinnoh, Cynthia assistia às gravações das batalhas ocorridas na Liga naquele dia. Sua mente, porém, estava a milhas de distância, seus dedos tamborilando impacientemente na tela do celular guardado dentro do bolso de seu sobretudo negro.

— Cynthia. — Bertha, uma das integrantes da Elite dos Quatro de Sinnoh, chamou. — Cynthia, você está bem?

A loira não respondeu. Nem mesmo desviou os olhos da tela. Flint, o especialista em pokemon tipo Fogo da Elite dos Quatro de Sinnoh, revirou os olhos. Parando atrás da campeã, o ruivo se inclinou e soprou de leve em sua nuca. Ela conteve um arquejo, mas não conseguiu evitar pular de susto.

— Flint! — Cynthia repreendeu, virando-se para lançar ao colega um olhar zangado. — Que droga! Eu já lhe disse para não fazer isso, caramba!

— Desculpe. — O jovem ruivo deu de ombros, sem parecer nem um pouco arrependido. — Mas você estava em outro mundo. Alguém tinha que trazê-la de volta.

— E pelo menos um de nós tem que ser responsável por aqui. — A loira rebateu, ferina. — Admita: você dormiu durante pelo menos metade das partidas.

Flint riu, nem um pouco ofendido pelo comentário. A amizade sólida entre ele e Cynthia permitia aquilo.

— Zombe dele o quanto quiser, Cynthia. — Bertha interferiu. — Mas você mesma não está tão interessada quanto quer fazer parecer.

Cynthia pareceu surpresa por um breve segundo, então sua expressão se abrandou em apreciação. Bertha era como uma segunda avó, a conhecia bem demais para que a loira pudesse enganá-la.

— Observadora como sempre, Bertha. — A campeã admitiu. — Mas não se preocupe, não é nada.

— Qualquer um pode ver que isso não é verdade, minha cara. — A velha senhora rebateu. — Sua mente está em outro lugar, um em que você deseja estar.

— Ambas sabemos que não posso. — Foi a resposta. — Não há sentido em discutir sobre isso.

— Vá logo, campeã. — Flint interferiu. — Está na cara que tem alguma coisa errada.

— Eu não posso. — A loira rebateu. — Como campeã ...

— Esqueça isso! — O ruivo a interrompeu energicamente. — Apenas vá. Podemos cuidar de tudo por um dia ou dois.

— Mas eu ...

— Vá. — Bertha instou gentilmente. — Tê-la aqui presente apenas em corpo não será a melhor situação para nenhum de nós.

A loira hesitou por um breve momento, então assentiu. Era daquilo que mais gostava na Elite dos Quatro de Sinnoh. Eram como sua segunda família. Cynthia agradeceu calorosamente e quase correu para fora da sala, já sacando o celular do bolso do sobretudo e discando o número que chegara a decorar. Diantha atendeu quase imediatamente.

— Até que enfim. — A atriz kalosiana disse jocosamente. — Eu a estava esperando.

— Ótimo. Espero que não se importe em esperar mais algumas horas. Vou embarcar no próximo voo para Lumiose.

Como combinado, as duas se encontraram algumas horas depois, em uma pequena cafeteria no aeroporto de Lumiose.

— Vou confessar. — A loira disse. — Me senti uma boba quando percebi o que exatamente você está planejando. Não sei como pude levar tanto tempo para ver isso.

— Acredite, você não sabe nem da metade.

Com poucas palavras, Diantha contou sobre o encontro com Giovanni e sobre o plano do líder da Equipe Rocket.

— Ele tem todos os meios para fazer isso dar certo. — Ela acrescentou. — Mas não sei se podemos confiar em um homem como aquele.

— Com certeza não. — Cynthia assentiu. — Mas, pelo que sei, tenho a impressão de que Giovanni agiria de qualquer forma. Cal é o ponto fraco do pai, ele destruiria o mundo por ela.

— E Calista por ele. — Diantha respondeu. — Temos que considerar a possibilidade. Talvez ela ...

— Não. — Cynthia interrompeu veementemente. — É da Cal que estamos falando. Ela não é uma Rocket, e nós duas sabemos que ela jamais desceria tão baixo.

As duas campeãs apenas se encararam por um breve segundo, até Diantha enfim ceder com um aceno de cabeça, reconhecendo que Cynthia tinha razão.

— Então o que acha que devemos fazer?

— Creio que devemos fazer o que Giovanni sugeriu. — A campeã de Sinnoh declarou. — Mas seria tolice acreditar cegamente em um homem como ele.

— Podemos cuidar disso. Quanto tempo pretende ficar aqui em Kalos?

— Apenas um dia. — A loira respondeu.

— É tempo suficiente. — Diantha assentiu. — Me encontre na Liga amanhã, às dez.

No dia seguinte, como combinado, as duas mulheres se encontraram no castelo que servia como sede para a Elite dos Quatro de Kalos. Diantha estava perto do centro pokemon no amplo pátio, acompanhada por uma mulher de cabelos cor de rosa.

— Confie em mim dessa vez. — A atriz dizia. — Se me disser "não" agora, vai me odiar ainda mais amanhã.

— Espero que isso valha a pena, super estrela. — A mulher de cabelos cor de rosa rebateu acidamente.

— Cynthia! — Diantha exclamou ao notar a aproximação da campeã de Sinnoh. — Bom dia.

— Bom dia, primadonna.

Uma expressão de advertência cruzou por um momento aqueles olhos azuis, mas a atriz rapidamente a mascarou.

— Cynthia, esta é Malva, da Elite dos Quatro. Ela, por acaso, também é uma repórter. — A campeã disse. — Malva, esta é ...

— Cynthia. — A repórter completou, estendendo uma das mãos para um cumprimento. — A campeã de Sinnoh. É um prazer finalmente conhecê-la.

— O prazer é meu. — A loira respondeu, aceitando o aperto de mãos da outra mulher.

Malva foi diretamente aos negócios, seca e eficiente. O motivo de Diantha ter entrado em contato era para entregar as informações que Giovanni lhe passara no dia anterior. Como ele pedira, a ex campeã teria certeza de que tudo fosse a público o mais rápido possível, e aquela repórter em especial era a pessoa certa para a tarefa.

No final da tarde, como planejado, o líder da Equipe Rocket foi emboscado nas cercanias da cidade de Laverre. Calista correu para lá a tempo de ver seu pai ser levado pela oficial Jenny.

— Papai! — A jovem gritou, ignorando qualquer vestígio de cautela.

Giovanni não se virou. Calista foi segura por uma mão firme antes que pudesse correr em sua direção. 

— Deixe estar. — Uma voz familiar disse baixinho. — Não piore as coisas.

Surpresa, a irmã de Ash se virou para encarar os olhos azul-acinzentados de Cynthia.

— Cynth! — A jovem exclamou. — O que está fazendo aqui? E quanto à Liga?

— Certas coisas são mais importantes do que um título, Cal. — A loira a abraçou com força quando Calista se lançou em seus braços. — Sua imbecil! Você quase estragou tudo!

A jovem não respondeu, abalada demais para falar. Ela simplesmente escondeu o rosto no ombro da campeã de Sinnoh, sem querer ver o restante da cena que se desenrolava.

Uma explosão a fez pular de susto, erguendo o rosto num rompante. Calista, porém, não conseguiu ver nada em razão da espessa nuvem de poeira. Momentos depois, quando tudo clareou, viu apenas oficiais de polícia em alvoroço. Giovanni havia desaparecido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pokémon - Laço Eterno" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.