Pokémon - Laço Eterno escrita por Benihime


Capítulo 19
Ruptura de Ano Novo




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— Loira, você é muito chata. — Calista resmungou, atendendo ao celular sem sequer abrir os olhos. — Me deixe dormir, caramba.

Era dia de Ano-Novo, e estava frio. A morena estava encolhida sob os cobertores com Mirabelle confortavelmente aninhada contra seu peito, e tudo o que queria fazer era voltar a dormir.

— Sua dorminhoca — Cynthia rebateu jocosamente. — Está tudo bem, Cal? Você parece um zumbi.

— Estou bem, sim. Só cansada. Ontem foi um dia cheio.

— Ah, sim, eu soube. Aquela festa. — A loira disse. — Foi exatamente por isso que liguei.

— Cynth, eu já disse que você precisa parar de implicar com a Diantha. É normal sermos vistas juntas em público.

— Eu já aprendi a não me importar com isso. — Cynthia rebateu, e pelo seu tom de voz Calista pôde praticamente ver a expressão beligerante de sua amiga. — Mas, se você continuar a me provocar ...

— 'Tá bem, Cynth. — A Rainha de Kalos cedeu com uma risada. — O que exatamente você quer?

— Bem ... — A jovem kantoniana podia ouvir a malícia na voz de sua amiga. — Steve e eu estamos organizando uma festa de Ano-Novo. Quero que você venha.

— Outra festa? A última vez não foi o bastante?

— É, eu sei. — A loira suspirou dramaticamente. — Mas dessa vez já avisei àquele meu irmãozinho idiota: se eu sequer desconfiar que ele bebeu mais do que uma taça de champanhe, vou estrangulá-lo até aquele cérebro de ervilha explodir.

— Certo. — Dessa vez Calista não se conteve e caiu na gargalhada. Mirabelle entreabriu os olhos, olhando-a com uma expressão que claramente questionava sua sanidade. Isso só fez com que a morena risse ainda mais. — E a pior parte é que eu sei que você faria isso mesmo.

— Nem comece, cabeça de pedra. — A loira rebateu. — E aí, você vem ou não?

— Está bem, eu vou. Já percebi que alguém precisa ficar de olho em vocês.

— Engraçadinha. — Cynthia rebateu acidamente. — Nos vemos às dez, então. E mais uma coisa. Um favor, na verdade.

— Diantha. — Calista completou. — Acertei?

— Em cheio. — Cynthia admitiu. — Faria isso por mim, Cal? Você sabe que ela não virá se eu a convidar.

— Primeiro me responda uma coisa. — A irmã de Ash exigiu. — Estava falando sério sobre deixar a animosidade de lado?

— É claro que sim.

Calista reconheceu aquele tom de voz, o leve toque de beligerância. Aquilo, juntamente com a rapidez da resposta, serviu para convencê-la.

— Está bem, então. Pode contar comigo.

— Você é o máximo, Cal! Até mais tarde.

A loira desligou e Calista ficou um segundo paralisada de surpresa, sentindo suas bochechas queimarem. Sabia que estava corada, mais vermelha do que uma fruta Tamato.

— O máximo, huh? — A jovem murmurou consigo mesma. — Caramba, essa loira!

 Não foi fácil, mas Calista conseguiu convencer Diantha a ir à festa. Tal feito envolveu a mentira deslavada de que Cynthia não estaria lá, além da promessa de que ficariam juntas a noite inteira.

A comemoração dessa vez seria na cobertura do famoso Hotel Richissime, com vista para a Torre Prisma. Mal chegaram ao local, Calista teve uma enorme surpresa.

— Gary! — Ela exclamou. — Ah, meu deus! O que você está fazendo aqui?!

O rapaz sorriu, passando uma das mãos pelos cabelos sempre desalinhados em um gesto nervoso.

— Oi, Caly. —  Ele disse simplesmente. — É bom te ver.

Calista riu de puro deleite e jogou-se nos braços de seu noivo, esquecendo as brigas em que haviam se envolvido. Gary a abraçou com força, grato por aquela breve trégua. Quando ele a colocou no chão, ainda mantendo um braço ao redor de sua cintura, a morena se virou para Ash com um olhar de acusação jocosa.

— Foi você, não foi?

— O Steven deu uma ajudinha.

A morena lançou um olhar de reprovação brincalhona para o campeão de Hoenn.

— Steven, você é absolutamente terrível.

— Eu não podia deixar a oportunidade passar, podia?

A jovem meramente riu enquanto Steven lhe dirigia uma piscadela amigável antes de se voltar para conversar com Hitoshi.

Diantha e Gary foram finalmente apresentados, para deleite da atriz, que há muito estava curiosa em conhecer o jovem que roubara o coração de sua amiga.

Sendo um pesquisador acima de tudo, o neto do professor Carvalho imediatamente a engajou em uma conversa sobre a mecânica da mega evolução. A ex campeã não parecer se importar e Calista resolveu deixar os dois conversarem. Vendo uma familiar cabeleira loira à parte do grupo, foi até ela.

— Oi, loira.

— Cal! — Cynthia exclamou. — Você me assustou, cabeça de pedra!

— Desculpe. — Calista não conseguiu conter uma risadinha. — Não imaginei que você estivesse tão distraída.

— Um pouco. — Foi a resposta. — Estava pensando no que dizer.

— Diantha? — A loira meramente assentiu em resposta. — Apenas diga a verdade, Cynth. Não é assim tão difícil.

— Fácil falar. — Cynthia rebateu. — Você não conhece a história toda.

— Então me conte.

— Bem ... — A campeã hesitou por um momento, brincando com uma mecha de seus cabelos loiros. Enfim ela assentiu. Comparado ao que Calista já sabia a seu respeito, aquilo não era praticamente nada. — Lembra quando eu disse que Diantha é boa demais para ser verdade? Eu falei por experiência. Ela usa essa fachada angelical para esconder o quanto é manipuladora.

— Do que exatamente você está falando?

— Ela me enganou. — A loira revelou. — Já faz algum tempo. Por causa dela eu acabei ... Indo em um encontro com o Alder. Você nem imagina a confusão.

Calista cobriu a boca com uma das mãos, tentando conter uma gargalhada. Isso fez Cynthia lhe dirigir um olhar zangado.

— Certo. — A morena disse depois de recuperar a compostura. — Em primeiro lugar: ela enganou você? Com a sua inteligência, duvido muito. E, em segundo lugar, Diantha não é o tipo de pessoa que faria algo assim de propósito. Deve ter havido um mal entendido.

— Talvez você tenha razão. Nunca me preocupei em esclarecer as coisas com ela. — A loira admitiu, abrindo um pequeno sorriso. — Somos mais parecidas do que eu imaginava.

— Só que você é inteligente demais para cometer o mesmo erro que eu.

— Tem razão de novo, Cal. — Cynthia declarou, rindo baixo. — Vou falar com ela mais tarde.

— Não faça besteira. — Calista disse. — Vou estar de olho em você, loira.

— Engraçadinha. — A campeã rebateu jocosamente. — Ande, vamos nos juntar aos outros antes que suspeitem que estamos tramando alguma coisa.

— Ou tendo uma conversa de nerds sobre mitologia.

Essa resposta fez Cynthia soltar uma sonora gargalhada enquanto as duas amigas se juntavam ao restante do grupo. Calista se distraiu com as conversas, tanto que mal notou quando Cynthia e Diantha se afastaram juntas. Foi só quando as viu entrar no hotel que a morena realmente prestou atenção na situação.

— Quer ir ver o que elas estão aprontando? — Steven lhe sussurrou conspiratoriamente.

— Você sabe que não devíamos. — A morena sussurrou em resposta.

Os dois trocaram um olhar de conspiração maliciosa e, sorrateiros, também entraram no hotel. Diantha e Cynthia não haviam ido longe, apenas até a escadaria que levava ao terraço. O lugar estava deserto e anormalmente quieto, permitindo que ouvissem cada palavra das duas assim que passaram pela porta.

— Droga! — Ouviram Cynthia dizer. — Diantha, espere! Não foi isso que eu quis dizer. Me deixe tentar de novo.

— Você já disse o bastante, Cynthia. — A atriz rebateu acidamente. — Honestamente, nunca entendi o que aconteceu. Você e essa sua birra. Qual é o seu problema, afinal?

— Não se faça de boba. — A loira declarou sarcasticamente. — Alder. Isso não te lembra de nada?

— Não acredito que ainda é sobre isso! — A atriz protestou. — Pela última vez, Cynthia, ele mentiu para mim. Alder disse que vocês estavam juntos. Eu não sabia!

A loira soltou um longo suspiro, um gesto de rendição que Calista conhecia bem até demais.

— Acredito em você. — A campeã de Sinnoh declarou por fim. — E sinto muito. Eu não pretendia acusar.

Calista abriu um sorriso satisfeito, trocando um olhar com Steven e sinalizando para que voltassem ao terraço. O campeão de Hoenn assentiu e eles deixaram as duas mulheres a sós.

— Até que enfim. — Steven comentou. — Estava na hora de aquelas duas resolverem essa briga.

— Ainda não acredito no motivo. — Calista disse. — Que coisa boba!

— Um mal entendido às vezes tem consequências piores do que se espera. — O campeão de Hoenn respondeu simplesmente.

Não muito depois Cynthia e Diantha voltaram a se juntar ao grupo.

— Nada mal, loira. — Calista disse quando a campeã de Sinnoh voltou para seu lado.

— Eu prometi, não foi?

— Com certeza. — A morena respondeu, satisfeita. — Você é melhor do que essas brigas, Cynth. Não esqueça disso.

— Obrigada, Cal.

Calista apenas assentiu em resposta e as duas se juntaram ao resto do grupo. A noite seguiu calmamente depois disso, sem discussões. Calista até viu Cynthia rindo de algo que Diantha dissera. Ash, Hitoshi e Gary também. Aquele era provavelmente o intervalo mais longo que qualquer um deles já havia passado sem entrar em uma discussão sobre quem era o melhor treinador, ou quem tinha os pokemon mais fortes.

A trégua continuou até os primeiros fogos colorirem o céu. Calista se inclinou contra a balaustrada de vidro, admirando as cores que se refletiam na Torre Prisma. O prédio refletia a luz dos fogos, duplicando-os e fazendo com que parecessem ter vida própria. Se olhasse bem para o reflexo, Calista quase podia ver figuras se formarem.

Gary parou ao seu lado, seus ombros mal se tocando. A jovem lhe lançou um breve sorriso, o que pareceu encorajar seu noivo. Quando ele passou um braço por sua cintura, Calista se deixou ir, deitando a cabeça no ombro do rapaz. Gary se inclinou para roçar os lábios em sua têmpora, numa breve carícia.

— Feliz Ano Novo, Caly-Nite. — Ele sussurrou.

A morena sorriu sem desviar os olhos do espetáculo pirotécnico no céu, uma de suas mãos descansando casualmente sobre os braços que envolviam sua cintura.

— Feliz Ano Novo, Gary-Ados. — Ela respondeu suavemente.

— Ei, seu babaca! — Ash chamou. — Mana, venham logo ou vamos brindar sem vocês!

De mãos dadas o casal se juntou ao grupo, e Ash lhes passou duas taças de champanhe. O tilintar suave do cristal se misturou ao estampido dos fogos.

Enquanto todos conversavam e admiravam o espetáculo, Calista sentiu seu celular vibrar. Discretamente, a morena conferiu o número. Privado. Olhando em volta para ter certeza de que ninguém a observava, a morena se esgueirou para dentro do hotel para retornar a ligação.

— O que foi, pai?

— Uau. — Giovanni foi irônico. — Não posso mais ligar para minha própria filha?

— Conhecendo o senhor, não sem um motivo. — A morena rebateu. — Diga logo, o que é dessa vez?

O líder da Equipe Rocket soltou uma sonora gargalhada, um misto de ironia e orgulho.

— Certo, você me pegou. — Ele declarou. — Descobrimos algo sobre o assunto de nossa última reunião. Quero que você se certifique de que nossos informantes estão certos.

— Está bem. — Foi a resposta. — Assim que possível. Algo mais?

— Não. Feliz Ano Novo, princesa.

Um sorriso curvou os lábios de Calista ao notar a afeição sutil na voz de seu pai. Não importa o quanto ele tivesse mudado, esse fato continuava inalterado.

— Feliz Ano Novo, papai. — A jovem respondeu. — Enviarei as informações assim que puder.

— Conto com você. Como sempre.

A morena desligou e se virou para voltar ao terraço, porém paralisou de surpresa ao ver Cynthia na escadaria. A julgar por sua expressão, estava claro que a loira ouvira cada palavra da conversa.

— Você não me contou sobre seu pai. — A campeã disse simplesmente, naquele tom de calma gélida que, Calista já aprendera, ela usava para mascarar seus verdadeiros sentimentos.

— Eu não sabia como. — A morena justificou. — É ... Complicado, Cynth. Muito mais do que você imagina.

— Assim como a profecia de Olympia?

— Como diabos você sabe sobre isso?!

— Diantha me contou tudo. — A loira declarou. — De todas as pessoas, ela foi a única que se preocupou em me dizer o que estava acontecendo.

— Ela não deveria ter tido nada. Não temos certeza do que a profecia significa. — Calista explicou. — Eu queria descobrir mais antes de contar qualquer coisa. 

— É mesmo? — Cynthia rebateu acidamente. — E quanto ao seu embate com a Equipe Rocket em Kanto? Também não achou que eu deveria saber?

— Lance. — Calista suspirou pesadamente. — Eu disse a ele para não lhe contar nada. Só iria preocupá-la sem motivo.

— O que realmente me preocupa ... — A loira declarou. — É o fato de você estar escondendo coisas importantes de mim. Caramba, Cal, pensei que fôssemos amigas!

— Nós somos. — Calista garantiu fervorosamente. — É claro que somos.

— Pois não é o que parece. — A campeã rebateu. — Eu confiei em você, mas você com certeza não confia em mim.

— Você está entendendo tudo errado, Cynthia!

— Calista? Cynthia?

A voz de Diantha serenou por um momento a discussão que começara entre as duas amigas. A atriz se juntou a elas momento depois, e Calista soltou um suspiro audível de alívio, gesto que lhe rendeu outro olhar acusatório de Cynthia.

— Me ajude aqui, Diantha. — A morena pediu. — Me ajude a fazer essa loira cabeça dura entender.

As duas se entreolharam e Diantha balançou a cabeça em uma negativa.

— Sei o que você está tentando fazer, meu bem. — Ela declarou, seu tom pura decepção. — E nós duas sabemos que não é uma opção. Cynthia merece saber. Ela está tão envolvida nisso quanto nós. É melhor contarmos tudo.

— Não! — A voz da morena saiu aguda pelo choque, uma expressão de puro pavor tomando conta de seu rosto. — Definitivamente não! Ficou louca?!

— Chega! — Cynthia declarou. — Isso diz tudo o que eu precisava saber. Você não confiou em mim o bastante para me contar tudo, mas confiou nela. Que droga, Calista!

Por apenas um segundo, Calista viu a mágoa naqueles olhos azul-acinzentados. Mas foi só por um momento, e então a raiva estava de volta, especialmente quando a loira viu Diantha pousar uma das mãos no ombro da jovem em um gesto de apoio.

— Conte. — A atriz insistiu mais uma vez. — Se você não contar, eu contarei.

Calista cedeu, se apoiando contra a parede e fechando os olhos. A princípio sua voz saiu hesitante, mas logo encontrou seu ritmo. Sem coragem de abrir os olhos e encarar Cynthia mais uma vez, a morena resumiu toda a história sobre a Equipe Rocket.

— Então você sabia de tudo, e mesmo assim decidiu ficar em silêncio. — Cynthia comentou com Diantha, seu tom denotando uma admiração relutante. — Por que?

— Não cabia a mim decidir revelar nada disso. — A atriz respondeu simplesmente.

— Não foi o que você disse agora há pouco.

— É diferente. — Foi a resposta. — Se eu imaginasse que Calista não pretendia lhe contar, jamais teria aceitado manter segredo.

— Nossa, muito obrigada.

— Tem mais uma coisa. — A morena disse baixinho. — Uma coisa que ainda não contei a nenhuma de vocês.

As duas campeãs assentiram em silêncio, e Calista confessou a missão que seu pai havia lhe confiado há poucos minutos. Mal terminou de falar, a morena ouviu passos trovejando na escada, e em seguida a porta que levava ao terraço batendo estrondosamente. E ela reconheceu o som daqueles passos.

— Merda! — A jovem exclamou. — Ash! Ash, volte aqui!

Sem resposta a não ser o silêncio. Calista se deixou cair contra a parede mais uma vez, suas forças lhe abandonando. O segredo que tanto tentara manter havia sido revelado da pior forma possível.

— É melhor voltarmos. — Diantha disse. — Antes que os outros comecem a se perguntar onde estamos.

— Não consigo. — Calista respondeu. — Não vou conseguir encarar Gary e Ash depois disso.

— Adiar não vai ajudar em nada, Cal. — Cynthia lhe disse. — Mas podemos lhe dar cobertura por hoje. Certo, Diantha?

— Claro. — A atriz kalosiana assentiu. — Mas concordo com Cynthia. Seria melhor você explicar tudo a ele antes que seu irmão descubra o resto da verdade por conta própria.

—Eu sei. — Calista admitiu com um suspiro de derrota. — Mas não vou conseguir fazer isso hoje. Além do mais, Ash está com raiva. Ele não vai me ouvir. Tentar explicar só vai piorar as coisas.

— Vá para casa e descanse. — Diantha disse gentilmente. — Podemos cuidar de tudo por aqui.

— Obrigada. — A irmã de Ash esboçou um pequeno sorriso. — Vocês duas são incríveis.

A morena conseguiu deixar o hotel discretamente e logo estava em seu apartamento, sentada em sua cama com Mirabelle esparramada em seu colo. A Sylveon fingia dormir, mas de tempos em tempos lançava-lhe olhares de preocupação.

— Eu sei que você está acordada. — Calista disse enfim. — Não precisa fingir, Mira. E eu estou bem.

Mirabelle sentou-se e gentilmente tocou a bochecha de sua treinadora com seu focinho gelado. Calista sorriu e estendeu uma das mãos para acariciar sua parceira.

— É, tem razão, fadinha. — A morena disse. — Melhor deixar de ser covarde e tentar resolver essa confusão.

Estendendo a mão livre para seu celular, Calista discou o número de Ash. Ele demorou a atender, tanto que ela quase desistiu.

— O que você quer? — O rapaz atendeu enfim, sua voz quase um rosnado.

— Ash, eu sinto muito. — Calista disse. — Não era para ter sido daquele jeito. Me deixe explicar, por favor.

Um longo silêncio se instaurou, durando tanto que Calista quase pensou que seu irmão havia desligado.

— Certo. — O rapaz disse enfim. — Você tem uma chance. Nos vemos amanhã de manhã, às dez, no gazebo daquele parque onde você e Serena costumam ensaiar.

E, sem lhe dar chance de dizer qualquer coisa, Ash encerrou a chamada. Calista encarou seu celular por um momento, suspirando pesadamente. Sabia que seu irmão era teimoso. Convencê-lo era praticamente uma tarefa impossível.

Distraindo-a de seus pensamentos, a jovem kantoniana sentiu uma língua quente tocar sua bochecha, limpando uma lágrima que nem percebera haver vertido.

— Sua fadinha maluca. — Calista disse afetuosamente, esboçando um sorriso para Mirabelle. — O que eu faria sem você?

Na manhã seguinte, Calista parou sob a cobertura parcial das árvores que levavam ao gazebo, tirando o gorro de lã cor de caramelo que protegia seus cachos negros, ignorando a dor de cabeça latejante devido à noite mal dormida.

A morena apressou o passo e enfim pôde vê-lo: Ash a esperava dentro da construção branca circular. Ao ouvir os passos abafados de sua irmã mais velha, o rapaz ergueu o rosto e sua expressão se toldou em pura fúria. Ele avançou para ela, agarrando-a pelos ombros.

— Você mentiu para mim de novo! — Ele gritou. — Isso é tudo o que você sabe fazer, não é? Não se pode confiar em você nem mesmo por um segundo!

A reação do rapaz imediatamente a fez perceber tudo: Ash não concordara com aquele encontro para ouvir explicação alguma. Ele simplesmente queria acertar as contas.

— Ash, me solte. — Calista ordenou, esforçando-se para manter sua voz firme. — Eu posso explicar tudo. É só você me ouvir por um minuto.

— Ah, não. — O rapaz rosnou. — Não dessa vez.

Mirabelle, que caminhava ao lado de sua treinadora e rosnara alto em advertência assim que vira Ash agarrar a jovem morena, gritou de fúria ao ver a mágoa no rosto de Calista. A Sylveon investiu a plena carga, acertando Ash com uma cabeçada que derrubou o rapaz kantoniano na neve.

Pikachu, que até então estivera apenas observando, saiu em defesa de seu treinador com um Cauda de Ferro. Mirabelle rosnou mais uma vez e assumiu posição, pronta para lutar.

— Mira, Pikachu, não! — Calista interferiu, se interpondo entre os dois pokemon. — Nada de briga.

Pikachu e Mirabelle ainda levaram um segundo, mas relaxaram, embora continuassem a se encarar com desconfiança, esperando por qualquer movimento hostil do adversário.

— Já chega. — Ash, que a essa altura já estava novamente de pé, declarou. — Nem vale a pena ouvir mais nada. Vamos nessa, Pikachu.

— Ash, espere. — A jovem kantoniana pediu. — Nós nem começamos a falar sobre tudo o que aconteceu.

— E nem vamos, mana. — A voz do rapaz pingava veneno, puro sarcasmo. — Não quero ouvir mais nada de você. Nunca mais. Chega de mentiras.

Ash se virou e seguiu a passos largos pela neve, esbarrando de propósito em Calista ao passar. A jovem quase caiu, porém Mirabelle usou suas fitas para segurá-la pelo pulso e ajudá-la a manter o equilíbrio.

— Bem ... — Agora que seu irmão não podia mais ouvi-la, a voz de Calista tremia. — Isso foi exatamente como eu esperava.

A morena se deixou cair em um dos bancos do gazebo e Mirabelle pulou para seu colo, aninhando o rosto na curva de seu pescoço. As duas ficaram ali por um longo, longo tempo.

— Caly?

A voz fez Calista olhar para cima com um sobressalto. Era Gary.

— Gary ... — A morena disse, confusa. — Como me encontrou?

— O Ash me disse. — O rapaz respondeu secamente. — Ele também me contou da conversa que ouviu no Ano Novo. Eu tinha que vir te perguntar. Não é verdade, é?

Calista suspirou. A seu próprio modo, Gary era tão ou mais cabeça dura do que Ash. Aquilo seria um verdadeiro inferno.

— Gary, eu ...

O rapaz a encarou com surpresa, soltando um arquejo audível enquanto recuava um passo. Ele conhecia Calista bem o bastante para interpretar corretamente aquela hesitação.

— Então é verdade. — Ele declarou, atônito. — Diabos, Caly, em que merda você foi se meter?

Calista baixou a cabeça, deixando seus cachos negros esconderem-lhe o rosto. Não queria mostrar nenhum sinal de mágoa.

— Quem é ele? — Gary inquiriu rispidamente. — Seu pai. Quem é ele?

Calista respirou fundo, sabendo o que iria acontecer assim que confessasse. Uma vez que ele soubesse a verdade ... Erguendo o rosto, ela encarou Gary e decidiu ir em frente.

— Giovanni. — Ela revelou baixinho, sua voz sem nenhuma emoção. — Ele é meu pai.

— O líder dos Rocket?!

Calista não queria brigar ou discutir, mas se viu instada pela expressão naqueles olhos castanhos. Era um olhar de acusação, um olhar que a julgava e a condenava, fazendo seu sangue ferver nas veias de pura indignação.

— Ele é meu pai, Gary. — A morena protestou. — Tente entender. Você faria o mesmo no meu lugar.

— Me juntar a um bando de criminosos? — O neto do professor Carvalho zombou. — Nunca. Há quanto tempo está com eles?

— Gary, eu ...

— Há quanto tempo? — Gary insistiu, quase gritando.

— Pouco mais de um ano. — A morena admitiu. — Que merda, Gary, me escute! Não é o que você está pensando. Odeio a Equipe Rocket tanto quanto você. O único motivo de eu ter me juntado a eles foi meu pai. Fora isso ... Só quero acabar com eles.

— É mesmo? — Gary zombou, arqueando uma sobrancelha em um gesto de desdém. — E como espera que eu acredite em você, Calista? Como posso ter certeza de que você não está mentindo de novo?

— Seu idiota! — A morena exclamou, frustrada. — Eu jamais mentiria para você. O único motivo para eu nunca ter lhe contado foi que prometi segredo.

— A quem? — O jovem pesquisador pokemon exigiu. — Quem te fez prometer isso?

— O meu pai! — A frustração de Calista enfim explodiu, e sua voz saiu em um grito. — O pai pelo qual você me viu chorar todos os dias enquanto crescia. O pai que procurei minha vida inteira.

— Ele não é mais seu pai, é o líder da maldita Equipe Rocket! — Gary rosnou em resposta. — Tem noção de tudo o que esse homem já fez? Você sabe, Calista, ou ele escondeu isso de você? Ou será que agora você compactua com a vida de crimes do seu papaizinho? Princesinha do papai, huh? Combina bem com você.

Calista encarou Gary, furiosa. Sem sequer parar para pensar, a morena acertou-lhe um valente tapa na cara com toda a força que pôde reunir.

— Cynthia tinha razão sobre você. — Ela disse enfim. — Não passa de uma criança mimada. Um idiota egoísta e imaturo.

Antes que o rapaz pudesse responder, Calista o interrompeu erguendo a mão direita. Com um gesto decidido, ela tirou o anel de noivado que Gary lhe dera e, sem dizer nada, estendeu-o para ele. O neto do professor Carvalho pegou a joia sem hesitar.

— É isso? — A morena inquiriu rispidamente. — Não tem nada a dizer, Gary?

— Não a você. — Foi a resposta ácida. — Princesa Rocket.

Calista não respondeu, simplesmente girou nos calcanhares e se afastou imperiosamente, caminhando a passos largos. Assim que teve certeza de que estava fora de vista, desatou a correr. Não parou até chegar à área do parque onde encontrara Diantha, no dia em que a atriz descobrira seu segredo. Duas situações e duas reações completamente diferentes.

Ofegante pela corrida e pelo esforço de conter as lágrimas, Calista se deixou cair pesadamente em um dos bancos às margens do caminho. Mirabelle mais uma vez pulou para seu colo, usando suas fitas para limpar as lágrimas de sua treinadora em um gesto de gentileza inesperado.

— Cal ... — Uma voz que Calista reconheceria em qualquer lugar da Terra disse gentilmente. — Foi assim tão ruim?

Calista ergueu o rosto, surpresa, para encontrar os olhos azul-acinzentados de Cynthia. O que mais a chocou, porém, foi ver a mulher ao lado da campeã de Sinnoh.

— Cynth ... Diantha ... Como vocês sabiam onde eu estava?

— Trabalho em equipe. — Diantha respondeu. — Quando Cynthia me disse que você e Ash iriam conversar ... Imaginei que seria aqui.

— Não queríamos nos intrometer. — Cynthia acrescentou. — Mas eu tive a impressão de que você iria precisar de uma amiga.

— Ou duas.

— Espere aí. — Calista esboçou um pequeno sorriso ao ver aquelas duas completando as frases uma da outra. — Perdi alguma coisa? Vocês são amigas agora?

— Aliadas, no máximo. — Cynthia rebateu jocosamente. — Ande logo, Cal, vamos sair do frio antes que você acabe doente.

Mirabelle assentiu em concordância ao ouvir as palavras da mulher loira. Calista, sem energia para protestar, aceitou a mão estendida da campeã de Sinnoh e permitiu que ela a puxasse de pé.

— Que droga, Cal! — Cynthia exclamou, seu rosto empalidecendo de preocupação. — Você está congelando!

— Relaxe, Cynth, eu estou bem.

— Não está coisa nenhuma. — A loira declarou, passando um braço pelos ombros de sua amiga e puxando-a para si. — Caramba, você parece uma pedra de gelo!

— Conheço um lugar aqui perto. — Diantha disse, estendendo uma das mãos para pegar a mão livre de Calista. — Vamos até lá nos aquecer.

Calista anuiu e, enquanto andavam, sentiu atriz kalosiana esfregar gentilmente suas mãos para aquecê-las. A sensação do sangue voltando a circular por seus dedos enregelados a fez soltar um suspiro de prazer, gesto que irmã de Ash tentou esconder a todo custo.

As três mulheres caminharam em silêncio pela neve até chegarem a uma pequena cafeteria.

— Eu devia ter adivinhado. — Calista provocou, forçando um sorriso. — É claro que isso foi ideia sua, Diantha.

— Confie em mim, esse lugar tem o melhor chocolate quente da região. E é exatamente do que você precisa.

A jovem meramente balançou a cabeça. A cafeteria era um lugar pequeno e aconchegante, decorado em tons contrastantes de creme e mogno. Diantha indicou uma mesa perto de uma das janelas e não muito depois as três amigas estavam se desmanchando em elogios diante de três canecas gigantescas de chocolate quente.

— Preciso admitir, Diantha. — Calista declarou, envolvendo seus dedos ainda gelados ao redor da caneca com líquido fumegante. — Você sabe mesmo encontrar os melhores lugares.

— Beba, meu bem. — A atriz disse simplesmente, embora o olhar que lhe lançou tenha sido carinhoso. Maternal, até. — Se aqueça antes que acabe resfriada por causa de toda aquela neve.

Calista obedeceu, tomando um pequeno gole de seu chocolate quente. O líquido não chegou nem perto de desmanchar o nó que se instalara em sua garganta.

— O que aconteceu, Cal? — Cynthia inquiriu gentilmente. — O que o Ash disse para magoá-la tanto?

— Não, não foi o Ash. O Gary ...

— Espere. — Dessa vez foi Diantha quem interrompeu. — Seu noivo também veio encontrá-la?

— Sim, ele veio. Ash contou tudo a ele. Eu tentei explicar ...

— Não é sua culpa, Cal. — Cynthia declarou. — Nada disso é culpa sua.

— Bom ... — Calista ergueu a mão direita para que as duas mulheres vissem a ausência do anel de noivado. — Isso é.

— Ele não fez isso! — A campeã de Sinnoh exclamou, atônita. — Aquele garoto não teve coragem de ...

— De desmanchar o noivado? — Calista interrompeu amargamente. — Não, não teve. Fui eu. É complicado, Cynth. Não pergunte, por favor.

— Não vamos perguntar nada se você não quiser falar sobre isso. — Diantha interferiu, lançando um olhar de advertência para a campeã de Sinnoh. — Mas, se ele realmente a amasse, a teria deixado explicar. Teria pelo menos ouvido, mesmo que não concordasse.

— Muito bem falado, Diantha. — Cynthia aprovou. — Cal, aquele garoto não merece você. Qualquer um tão envolvido quanto ele teria pelo menos ouvido seu lado da história antes de lhe virar as costas.

— Não foi ele quem me virou as costas, Cynth. Fui eu.

— Irrelevante. — A campeã rebateu friamente. — Ele permitiu. Conhecendo você, aposto que ele próprio a levou a isso. Ele não a deixou explicar, deixou? Aposto que simplesmente a acusou sem nem mesmo ouvi-la.

— Nem por um segundo. — Calista admitiu.

— O que faz dele um tremendo idiota. — Diantha declarou, para surpresa da jovem kantoniana. — Calista, meu bem, você é uma mulher incrível. Se Gary não viu isso, a culpa é dele. Cynthia tem razão sobre isso.

Calista se permitiu um pequeno sorriso, reconfortada pelo apoio de suas duas amigas.

(...)

— Não quero saber se ela teve motivos! — Ash declarou. — Não quero saber se ela é minha irmã. A mentira dela não tem perdão.

Gary, sentado à frente do rapaz, assentiu em silêncio. Os dois garotos haviam se reunido para conversar e agora sentavam-se em uma pequena cafeteria, com xícaras fumegantes de expresso.

— Acha mesmo que ela falou sério? — O neto do professor Carvalho inquiriu. — Sobre querer acabar com eles?

— Duvido. — Foi a resposta. — Aposto que ela disse isso para se safar. Só ainda não acredito que a minha irmã conseguiu descer tão baixo.

— Eu acredito. — Gary declarou. — Me lembro de ouvir algumas conversas da Caly com o meu avô. Ela era louca pelo pai, faria qualquer coisa por ele.

— Ela nunca falou muito sobre ele. — Ash confessou. — Só que nosso pai desapareceu antes de eu nascer. Sempre que eu perguntava, ela me dizia que ele era um treinador, um treinador muito forte que saiu em uma jornada e nunca voltou. Agora eu sei por quê.

— E não tem curiosidade sobre ele?

— Nem um pouco. — O rapaz moreno declarou com firmeza. — Se ele é o homem que você diz que é, tudo o que quero é distância.

— Mesmo que isso signifique perder a sua irmã de novo?

— Nós dois já a perdemos uma vez. — Ash respondeu, dando de ombros com indiferença. — Podemos sobreviver a uma segunda.


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