A Bruxa Forasteira escrita por Lilien


Capítulo 4
4 — Magia?


Notas iniciais do capítulo

* Cosplay comumente refere-se a uma pessoa se caracterizar de e interpretar um personagem. Neste caso, porém, os personagens não se vestem de nenhum personagem específico, mas sim de vestidos de empregadas genéricos. Ainda assim, o termo continua sendo válido para abranger isso.
** A palavra "arubaito" (アルバイト) vem do alemão "arbeit", e é referida a trabalhos temporários, geralmente realizados por estudantes e estrangeiros. É uma atividade relativamente comum no Japão.
*** Naka (中) literalmente significa "centro".



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Meses se passaram e um outro ano já havia começado. A tia de Tahine entrou em contato com o CEO da montadora de carros voadores e, explicando-lhe a situação, ela conseguiu um grande desconto para capacitar o voo à Wheelpower. Tahine sentiu-se como se estivesse sendo bastante mimada novamente, mesmo já tendo 14 anos.
Por fim, o valor total da modificação é de dois milhões e quinhentos de ienes.
Isso é muito caro… Tahine tinha apenas 883.000 ienes, e precisaria de mais 1.617.000. A boa notícia é que, como se comprasse um carro, a modificação poderia ser parcelada em até trinta e duas vezes sem juros, com cada parcela custando 78.125 ienes… Com o dinheiro que a jovem tinha, ela podia pagar por onze meses sem muitos problemas, mas além desses onze meses primeiros, ela ainda precisaria pagar o mesmo valor por mais vinte e cinto meses. Mas e então, ela deveria trabalhar para conseguir pagar isso?
Uma vez, Shirou havia dito a Tahine que ela receberia 90.000 ienes mensalmente, equivalentes a 4 horas de trabalho em 24 dias.
Ela estaria recebendo mais do deveria para uma garçonete, pois, além dos alimentos terem um preço alto no Japão, o serviço que ela prestava era especial: trabalhar como uma garçonete fazendo costume play* é mais valoroso do que apenas ser uma garçonete. Era uma excelente renda, pois poderia quitar a dívida em apenas dezessete meses de trabalho.

 

E enfim, começando março, o mês em que o ano letivo escolar estaria terminando, Tahine saiu pela porta dos fundos de casa, virou ali e chegou na cozinha do maid café em que trabalharia.
Ela já estava vestida de maid, e sua cadeira de rodas estava no formato de próteses encaixada em suas coxas. Mais que isso, estava vestindo meias longas para esconder os metais, e sapatos colegiais japoneses.
— Boa tarde! — Ela falou um pouco alto.
A sala em que ela entrou parecia uma cozinha normal, mas haviam diversos doces sobre as mesas e expositores, vários ingredientes nas prateleiras, cafeteiras, fornos, geladeiras e outras máquinas que Tahine não reconhecia ou não sabia como eram usadas.
Aquela cozinha ficava em uma porta no fim do maid café, onde os clientes não podiam vê-la. Estavam ali dois jovens, vestindo roupas leves ao invés de um uniforme apropriado como os garçons, aparentemente da mesma idade de Shirou. Pareciam ser os cozinheiros, mas estavam apenas sentados, conversando. Viraram-se para Tahine assim que ela apareceu.
— Ah, boa tarde. — Disse o garoto de olhos cinzas e cabelos curtos pretos com mechas cinzas. — Você deve ser Tahine-chan, a garota que estaria fazendo arubaito**, não é? Shirou-kun nos falou de você, e está na sala principal.
— Boa tarde. Tome cuidado para não deixar cair seus fios de cabelo na comida! — Disse brincando a garota que estava sentada na cadeira ao lado do garoto. O rosto dela estava sério, então Tahine não sabia se ela estava querendo dar ordens ou apenas querendo conversar. Mas o cabelo marrom-claro dela estava preso, e a testa exposta, como se fosse para evitar que algum fio possa cair.
Air bait? Sim, sou eu! Se acostumem comigo aqui, eu vou ficar todo dia no horário da tarde! — Olhou para os olhos de ambos. — ...E me desculpe se eu fiz algo errado, senhora.
Ela riu, e disse: —  tudo bem, não precisa ser tão formal! Me chame de Kanoko.
Yes, sir, Kanoko-senpai! — A jovem ficou de postura reta, estendeu o braço direito e colocou sobre a cabeça, fazendo continência. Os dois que ali sentavam sorriram, pareciam divertidos.
Posteriormente, a recém-contratada foi encontrar seu primo, Shirou, que estava sentado sobre uma mesa logo que saiu por uma porta para ir à sala principal da cafeteria. O local estava meio cheio, quase todas as mesas ocupadas. Será que era por causa dos estudantes que acabavam de sair da escola e, antes de voltar pra casa, queriam comer alguma coisa? Ou será que era por conta da boa localização em que ficava o estabelecimento: nas ruas do popular bairro Naka***?

Ela ficava preocupada, pois se o local estava no centro da cidade, o pai poderia de repente encontrá-la nesse local. A propósito, por que até agora ele não mostrou sinal de que estava a procurando? Por que não veio ninguém à porta de casa perguntando por ela, e tampouco o homem não havia chamado a polícia? Muito provavelmente era porque, caso aquele homem tentasse pedir ajuda aos policiais, e a garota fosse encontrada, os policiais saberiam através dela que, no início de tudo, a culpa é dele. Então ele não poderia confiar em ninguém para ajudá-lo, assim como a jovem injustiçada não poderia contar para ninguém o tamanho ódio que sentia e sua vontade assassina. Era, portanto, uma guerra entre duas pessoas.

Já no trabalho, a adolescente não teve dificuldade em se comunicar. Mas devido à falta de experiência com o trabalho, cometia erros simples de vez em quando, como esquecer os pedidos dos clientes ou entregá-los para os clientes errados. Mas o pior era que ela ainda não sabia andar muito bem, então seu movimento algumas vezes podia ser lento, ou ela podia acabar caindo no chão por um passo em falso.
No geral, tudo estava indo bem, mas em poucos dias ela teve que parar de trabalhar temporariamente, pois havia enviado a Wheelpower para uma oficina.
...Cerca de três semanas se passaram, e ela recebeu-a de volta pelo correio. E a espera compensou, pois agora com o seu equipamento atualizado, Tahine já conseguia voar, flutuar e cair devagar. Todas essas coisas através de sensores de movimento ou por comandos de um controle remoto na pulseira do braço esquerdo. O que faltava era apenas se acostumar com as novas funções e, se possível, usá-las em favor ao trabalho.

 

Para a adolescente, essas novas funções faziam toda a diferença.
Se ela tropeçasse, por exemplo, Wheelpower detectaria a inclinação súbita, e começaria a voar levemente, e tentaria se inclinar de volta ao normal. Similarmente aconteceria se ela caísse de um lugar alto, mas a velocidade vertical súbita seria o gatilho.
Pela capacidade de voar, ela poderia, enquanto andava, dar pequenos saltos e flutuar, para que pudesse se mover mais rápido e mais eficientemente. Não foi tão difícil se acostumar.

Alguns meses se passaram, e Tahine já se sentia completamente adaptada ao serviço. Para os clientes, ela era a maid favorita, passando até mesmo de Shirou em popularidade, o que deixava suas primas com um pouco de inveja e o seu primo orgulhoso…

Mas a vida dela não se resumia a isso. Ela ainda tinha seus próprios problemas e interesses.
Depois de finalizar um dia de trabalho, já era bem tarde à noite — pois Tahine trabalhava das 17:00 até às 21:00, — e ela entrou em um fliperama para jogar.
Ela já havia pensado em entrar lá antes, mas queria evitar contato com as crianças. Por agora, lá estavam poucas pessoas, e ela teve a chance de se entreter um pouco em um jogo de luta.
Seu vestido de empregada francesa podia ser bastante chamativo, tanto que durante sua jogatina, surgiram dois jovens ao lado dela, para desafiarem-a em uma partida e tentarem terminar a diversão dela. Mas ela sempre conseguia vencer os desafios, pois sabia jogar bem.

Na tela, sempre havia uma personagem em todas as partidas, que era uma garota com um chapéu de caubói e uma capa, segurando pequenas armas de raio laser nas mãos. Quando Tahine batia em um botão e o segurava, a personagem sacava sua arma. Quando ela direcionava o analógico para uma direção e soltava o botão, a personagem atirava. Um tiro preciso acertou uma outra personagem, que acabou sendo arremessada pelo tiro para longe da arena.
A garota armada era não somente a personagem com que Tahine estava jogando, era também a personagem com que ela mais jogava, e sabia jogar melhor.
Neste jogo, existem vários personagens selecionáveis, e cada jogador tem suas preferências sobre eles. E quais motivos levaram a garota a escolher essa com que jogava? Não foram apenas a familiaridade, os controles ou a jogabilidade neste jogo, ou o histórico da personagem, mas também porque ela usava armas de longa distância, o que era atraente para a jogadora e, era um de seus gostos pessoais.

Armas de fogo existem, sim, no mundo. Mas não acho que posso encontrar aqui no Japão…, pensou durante a transição de uma partida a outra. Eram coisas bem diferentes, mas Tahine já tinha posse de uma pistola de sal que sempre ficava com ela durante o trabalho, — estava no bolso dela agora mesmo, — e ela frequentemente matava moscas na cozinha da cafeteria. Se o índice de corrupção fosse maior, eu talvez poderia comprar armas de alguém, talvez…?

A próxima partida já havia carregado, mas a jogadora, por ter se distraído em pensamentos, perdeu um stock. Não apenas por isso, mas também porque, conforme ela progredia no jogo, a dificuldade aumentava em cada nova partida.
A máquina estava controlando uma personagem e em certos momentos realizava ações aleatórios, e em outros momentos respondia aos comandos da personagem do jogador. A personagem da máquina em questão era uma figura encapuzada, conjurando flamas, distorções espaciais e outros ataques irrealistas. O que representava era magia, uma força oculta sobrenatural. Tahine já conhecia o conceito de magia, e considerava que consistia apenas em apenas práticas religiosas e elementos fictícios.
Mas ela também sabia que havia um partido político local que estava crescendo rapidamente em popularidade por ensinar a população a conjurar magia. O presidente do partido foi eleito o prefeito pelo segundo mandato seguido recentemente, e apesar de dois seguidos serem o limite para o cargo exercido, os apoiadores dele estão prometendo convencerem o governo de Nagoya, o governo nacional e as autoridades judiciais para que permitam o mesmo prefeito continuar no poder. Lentamente, Nagoya estava se transformando em uma cidade mágica, apesar de ainda ser apenas o começo. Preciso tentar me informar sobre isso algum dia, ela pensou enquanto jogava, até que a personagem de capa foi atirada para longe da arena e a mensagem GAME OVER foi exibida na tela em seguida. Não se sentiu constrangida com a derrota, pois não havia ninguém olhando-a jogar, e eis que se deu conta de que estava na hora de voltar para casa.
Mas para alegrá-la, a tela exibiu que ela obteve uma pontuação alta o suficiente para entrar no placar daquela máquina. Ela inseriu seu nome na tela, que ali permaneceu como 「タヒね」**** escrito sobre o quarto lugar do ranking. E a garota se retirou do local.


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Notas finais do capítulo

****Está escrito “Tahine”, de forma inadequada, pois os dois primeiros caracteres são de um silabário, e o último, de outro. Os dois primeiros caracteres se assemelham um pouco com os radicais do kanji 死 (morte), e acompanhados do ね faz o texto se assemelhar a 「死ね」 (morra).
タヒね é uma forma alternativa de se escrever 死ね, sendo geralmente usada quando a palavra original é censurada por um filtro.



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