Quarto de Azulejos escrita por Yuma Ashihara


Capítulo 3
Escuridão


Notas iniciais do capítulo

Estou animado sim, então serão três capítulos em um só dia haha'

Boa leitura.



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Nem mesmo a luz das velas estava acalmando Jung Hoseok naquele momento.

Estava em seu quarto, deitado de barriga para cima encarando o teto iluminado pela luz das velas que havia encontrado em uma das gavetas dentro de seu armário de roupas. Em sua mente, as imagens da noite anterior continuavam nítidas como um filme em alta definição, e as palavras de Min Yoongi ecoavam insistentes em sua mente.

Toda a ideia de que aquele quarto era amaldiçoado o deixava muito incomodado, afinal, nunca foi uma pessoa corajosa de fato, e aquele tipo de situação o assustava a um nível sem precedentes. Estava tentando se convencer de que era tudo fruto de sua imaginação fértil demais, e que os comentários de Namjoon e Yoongi eram apenas provocações contra a sua pessoa. Afinal, não seria a primeira vez que Hoseok teria alucinações daquele tipo. No auge de suas crises via e ouvia coisas que não eram reais.

Com isso em mente, fechou os olhos e suspirou com certo pesar, esperando o sono invadi-lo por mais uma noite em seu novo quarto. Todo o corredor estava em silêncio, e era possível ouvir apenas o singelo balançar das chamas das velas do quarto queimando a cera. E quando menos percebeu, havia caído no sono mais uma vez.

Sinta o oceano onde jaz a paixão”.

Hoseok franziu o cenho, porém não abriu os olhos. Era como se pudesse ouvir sussurros ao pé de seu ouvido, com um tom fino, porém belo ao mesmo tempo.

Silenciosamente os sentidos abandonam todas as defesas”.

Mais uma vez ouviu aquele sussurro, dessa vez no seu outro ouvido, e naquele momento tentou abrir os olhos, sem sucesso. “Eu estou acordado ou dormindo?” pensou consigo mesmo enquanto forçava para abrir os olhos, porém seu rosto sequer dava sinais de esforço. Sentia-se como na noite anterior, quando estava paralisado à cama observando a presença daquela menininha de cabelos encaracolados ao seu lado. A única diferença era que agora, tudo o que enxergava era a escuridão.

Um lugar entre dormir e acordar”.

Fim da inocência, farsa sem fim”.

É onde eu esperarei por você”.

O ar faltou nos pulmões de Jung Hoseok, e apenas naquele momento percebeu que não estava respirando. Não conseguia fazer os movimentos tão involuntários de respiração, e sentia um enorme peso na região de seu diafragma, que era pressionado intensamente para baixo e dificultava ainda mais o seu trabalho. O desespero começando a tomar conta de seu corpo imóvel.

E então, como se uma descarga elétrica, Hoseok conseguiu abrir os olhos e puxar o ar com tanta força que imaginou que o som do movimento repentino pudesse ser ouvido por qualquer um naquele corredor. No entanto, ainda não estava em seu quarto.

O ambiente era úmido e o cheiro de podridão fazia Hoseok tossir involuntariamente. O rapaz tentou se levantar, resmungando alto ao bater com a cabeça em uma superfície dura apenas por levantá-la. Respirou fundo, sentindo o suor escorrer pelo canto do rosto pelo ambiente abafado, e então tentou erguer as mãos, batendo em algo que parecia madeira.

“Uma caixa?” pensou, tateando com dificuldade a superfície estreita com as mãos, finalmente percebendo que estava dentro de uma caixa de madeira muito apertada.

Aquilo não parecia ser um bom sinal, principalmente por estar tentando gritar e não conseguir proferir palavra alguma. Era como se não tivesse cordas vocais, e a ansiedade começava a atacar, fazendo com que começasse a hiperventilar por conta do nervosismo.

Vendo, acreditando, sonhando, enganando”.

Deite-se para dormir, em meus sonhos, você é meu”.

Hoseok parou de bater contra a superfície de madeira quando ouviu aqueles sussurros em seu ouvido, e logo em seguida um barulho alto acima de onde estava o seu corpo fez com que cada célula do seu corpo passasse a se concentrar no que estaria ocasionando aquele barulho. Tinha a impressão de que algo estava prestes a se quebrar.

E estava certo.

Não demorou para que a superfície de madeira acima de si começasse a ruir, e então uma quantidade significativa de terra podre começou a cair sobre o seu corpo. Hoseok movia os braços o melhor que podia, tentando ao máximo impedir que aquela terra fétida o soterrasse vivo daquela maneira. Fazia isso com os olhos fechados, balançando os braços freneticamente até que conseguiu ter passagem suficiente para levantar um pouco do corpo, as mãos trabalhando, incessantes, para cavar aquela terra fedida e que ficava cada vez mais úmida na medida em que ia avançando para cima.

Até que algo chamou a sua atenção. Conseguiu cavar um buraco por onde passava uma luz amarelada, e mais do que depressa Jung Hoseok trabalhou até a exaustão para ampliar aquele buraco, para que ficasse em um tamanho que fosse o suficiente para que conseguisse passar.

Puxou o ar com força para dentro dos pulmões quando conseguiu pôr a cabeça para o lado de fora. Um ar frio, porém mais do que bem vindo naquele momento. Os braços cansados empurravam o corpo para cima, que foi se arrastando para fora daquele buraco úmido e, quando finalmente conseguiu, deitou-se de barriga para cima sobre aquele chão frio, os olhos fechados e a respiração descompassada pelo cansaço e nervosismo de estar enterrado vivo.

No entanto, assim que abriu os olhos e se deu conta do lugar onde estava, fez questão de se levantar mais do que depressa. Hoseok estava mais uma vez dentro daquele quarto sem janelas, as paredes com desenhos feitos em giz de cera. O mesmo quarto em que estava com Seokjin na noite passada. Suspirou então pela enésima vez, o corpo ainda trêmulo, resolvendo olhar para aquelas paredes com maior atenção. Em uma das paredes haviam uma sequência de palavras e frases que não pareciam ter alguma conexão que fizesse sentido, enquanto que na outra era possível ver o desenho de alguns coelhos e de uma criança, uma menina, abraçada à um coelho de pelúcia branco.

Na parede imediatamente atrás de Jung Hoseok, talvez estivesse o desenho mais dramático daquele quarto: Um enorme círculo redondo preto, com bordas e chifres vermelhos, seguido por um corpo completamente desproporcional, com braços pequenos e gordos que estavam abertos ao lado do corpo. Acabou perdendo tempo demais naquele desenho ali, demorando-se em seus pensamentos enquanto tentava encontrar algum sentido naquilo, quando foi subitamente tirado de seus pensamentos pelo som de uma pessoa chorando ao seu lado.

Hoseok mais do que depressa voltou os olhos castanhos para a direção do som, encontrando com uma pessoa ali, sentada em posição fetal enquanto abraçava os próprios joelhos. A cabeça estava escondida entre as pernas, o corpo trêmulo, ao mesmo tempo em que fungava com certa força, o que indicava que estava embargado pelo choro.

O Jung tentou falar, porém, como antes, sua voz não saía. Queria saber quem era aquela pessoa que estava ali e que, pelo o que podia ver, não se assemelhava em nada com Seokjin. Resolveu, então, se aproximar daquela pessoa em passos cautelosos, visto que não fazia ideia do que ela poderia fazer consigo.

Você me vê?­ — Hoseok ouviu e então parou exatamente onde estava. Era uma voz diferente, grossa apesar de embargada pelo choro. – Você consegue ver que eu existo?

Hoseok não respondeu, porque simplesmente não conseguia responder. Desta forma limitando-se a apenas observar a maneira como aquela pessoa, que julgou ser um rapaz pelo tom de voz começou a erguer o rosto para si. Os cabelos castanhos e lisos agora sendo iluminados, o rosto fino sendo delineado pelas lágrimas que escorriam pelos olhos castanhos, grandes e rasgados, evidenciando sua ascendência asiática assim como ele. Porém, o que mais chamava a atenção de Hoseok não era a bela aparência daquele jovem rapaz aos prantos, mas sim o que havia escrito em sua testa: REILA, o nome marcado em cortes profundos em sua testa por onde o sangue fresco escorria e manchava o rosto bonito.

Aos poucos, e para completo horror do Jung, as lágrimas antes cristalinas agora eram rubras como sangue, os olhos castanhos que estavam avermelhados pelo choro sendo completamente tingidos de um preto profundo.

Ei... Você ainda está aí? — O rapaz perguntou, a expressão agora assustada na medida em que erguia os braços. – Por favor, não me deixa aqui... Não me deixa no escuro... Eu... Eu tenho medo do escuro...

Hoseok fechou os olhos, já imaginando o que viria em seguida. Porém, por mais que estivesse com as pálpebras cobrindo os olhos, conseguia enxergar tudo o que acontecia como se estivesse claro como o dia. Os desenhos na parede começaram a agarrar o corpo do rapaz, que era puxado para o seu interior assim como fizeram com Seokjin na noite anterior.

Não me deixa sozinho... Eles vão me deixar sozinho! — O rapaz pedia suplicante, porém Hoseok estava imóvel novamente. Queria gritar, queria correr e puxar aquele rapaz para longe daqueles desenhos que o enterravam no interior da parede, mas simplesmente não conseguia.

E, diferente do sonho que teve na noite anterior, Hoseok não foi lançado no vazio. Na verdade a realidade a sua volta começou a se distorcer, e o rapaz que estava sendo puxado para o interior da parede estava, agora, com uma aparência horrenda. Hoseok se perguntava quem era aquele rapaz e porque estava vendo ele daquela forma, e então ele, repentinamente, conseguiu soltar um dos braços e, antes que fosse completamente engolido pela parede, conseguiu balbuciar:

Kim Taehyung.

[...]

Já estava com os braços cansados de tanto empurrar as rodas daquela cadeira sempre que precisava se locomover de um lado para o outro. A vontade que sentia no momento era de simplesmente ficar trancado dentro de seu quarto, esperando o tempo passar enquanto o corpo definhava em seu leito e suas pernas terminavam de atrofiar. Havia perdido toda e qualquer perspectiva de vida após o acidente que tirou os seus movimentos da cintura para baixo, bem como havia perdido completamente qualquer expectativa de melhora desde que fora esquecido naquele hospital psiquiátrico.

Naquele momento, por exemplo, estava se movendo pelos corredores, a cabeça levemente abaixada para evitar contato visual com os outros pacientes que conseguiam andar normalmente, diferente de si. Simplesmente não suportava ver como que as pessoas conseguiam andar olhavam para si com pena, com dó da pessoa que havia se tornado e do destino cruel que estava fadado pelo resto de sua existência.

Foi tirado de seus pensamentos quando viu passos apressados se aproximarem de si, e só então ergueu os olhos para a pessoa que vinha em sua direção, com os cabelos escuros levemente desgrenhados.

— Hoseok? – Comentou, franzindo o cenho brevemente quando o rapaz se apoiou nos próprios joelhos. – Aconteceu alguma coisa?

O rapaz ergueu os olhos castanhos para o outro na cadeira de rodas à sua frente, puxando o ar com força para recuperar o fôlego.

— Jungkook... Eu... Estou bem... – Respondeu entre a respiração descompassada. – Você viu... O Namjoon ou o Jin...?

— Não. – Respondeu simplista, segurando mais firmemente sobre as rodas da cadeira com uma carranca rabugenta, o que não passou despercebido pelos olhos do Jung.

— É raro ver você fora do quarto. – Comentou, em uma tentativa de distrair o rapaz mais novo do que quer que o estivesse incomodando.

— É. Às vezes eu quero sentir como é estar vivo de novo, nem que seja um pouco. – Disse novamente, desviando o olhar em seguida. – Mas já vou voltar. Estava procurando uma pessoa.

— Eu também estou procurando uma pessoa. Na verdade, ainda bem que te encontrei, porque eu acho que você pode me ajudar. – Hoseok comentou, sorrindo brevemente para Jungkook, que piscou demoradamente, evidenciando as olheiras abaixo dos olhos.

— Huh? – O garoto piscou algumas vezes, confuso.

— Qual o nome daquele seu amigo, que é grudado em você? – Perguntou, finalmente recuperando a postura e ficando em pé direito.

— Grudado em mim? – Jungkook fez uma carranca maior ainda, descendo os olhos escuros em uma expressão pensativa para logo em seguida voltar o olhar para Hoseok. – Está falando do Tae?

— Sim! O nome dele por um acaso seria Taehyung? – Perguntou, e Jungkook fez uma carranca desconfiada.

— Sim... Por que esse interesse tão repentino no Tae? – O rapaz da cadeira de rodas estreitou os olhos para ele por breves momentos, e então Jung Hoseok suspirou, deixando os ombros caírem.

— Tem um tempo? Precisamos conversar.

[...]

Achava no mínimo curioso o fato dos outros quartos serem tão diferentes do seu, a começar pelas paredes lisas de alvenaria e não os azulejos brancos que lhe faziam companhia todas as noites, assim como apenas o seu quarto ser a suíte do corredor.

Jungkook se acomodou em um canto qualquer do quarto, observando Hoseok dar a volta na cama de solteiro até se sentar na beirada, ao lado de Jungkook.

— Está me dizendo que sonhou com o Taehyung? É isso? – O rapaz da cadeira de rodas perguntou, o olhar levemente incrédulo para o Jung.

— Sim... Ele me disse o seu nome no sonho, e não foi algo muito bonito. – Hoseok suspirou brevemente. – Jungkook, eu estou te procurando porque, bom, vocês parecem ser bem próximos um do outro, e você está aqui há muito mais tempo do que eu, então deve saber de mais coisa.

— E do que você acha que eu sei? – O rapaz piscou demoradamente, a impaciência já se fazendo presente.

— Primeiro eu queria saber mais sobre o Taehyung e... Bom, se ele tem surtos com frequência. – Comentou, atraindo os olhos curiosos de Jungkook para si. – Eu estou com medo de que algo aconteça com ele. Na última noite eu sonhei com o Jin e ele teve o surto que teve, querendo tomar veneno de rato. E agora eu sonho com o Taehyung... Sinceramente eu não faço ideia do que pode acontecer...

— Você realmente acredita nessas coisas? – Jungkook cortou, o cenho franzido e um sorriso de canto, como quem não acreditava que Hoseok estivesse realmente falando sobre aquilo. – Quer dizer, tudo bem que você está dormindo no famoso quarto maldito do hospital, mas relacionar esses sonhos a acontecimentos reais é um pouco demais, não acha?

O Jung suspirou. Realmente parecia um completo tolo em cogitar que algo que acontecia ali fosse realmente real, no entanto, simplesmente não conseguia deixar de imaginar o real significado por trás daqueles sonhos tão repentinos. Por que estava sonhando com os seus companheiros? Por que eles pareciam estar sendo capturados de formas tão horríveis e porque isso parecia refletir o estado mental deles no mundo real?

Suspirando, Hoseok continuou:

— Eu não sei Jungkook. Eu só sei que estou tendo esses sonhos perturbadores desde que entrei naquele quarto pela primeira vez e eu simplesmente não estou conseguindo me esquecer deles. – Fez uma pausa, mordendo o lábio inferior. – A imagem do Taehyung me deixou completamente apavorado... Ele tinha um nome escrito em cortes na testa.

— E qual era esse nome? – Jungkook ergueu uma das sobrancelhas, cruzando os braços agora.

Reila.

Os olhos de Jeon Jungkook se arregalaram quase que imediatamente com aquela informação, o que obviamente não passou despercebido por Hoseok, que estreitou os olhos levemente para o rapaz da cadeira de rodas.

— O que foi? Você conhece essa tal de Reila? – O Jung perguntou, e o Jeon abaixou a cabeça brevemente, o corpo ficando mais tenso de repente.

— Sim... Eu conheço. – Respondeu, o tom de voz um pouco baixo, o que causou certa estranheza em Hoseok. – Reila... Era a dona original do quarto de azulejos.


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Notas finais do capítulo

As citações são trechos da música Sleepwalker, do Nightwish.

Sim, eu estava pensando na música Reila do the GazettE.

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