Estou parada perto da entrada do palco, depois de olhar por uma fresta da pesada cortina e ver que o local estava cheio, o nervosismo e o receio tomou conta de mim. Fazia muitos anos que não tocava, então não  sabia qual seria a reação do público e ainda se conseguiria tocar. Desde que meu pai e professor faleceu, nunca mais tinha conseguido tocar. 

Para tentar me acalmar, fecho meus olhos, mas um misto de sensações toma conta de mim: ansiedade, nervosismo. Meu coração está pulsando rapidamente, minhas mãos estão suando, e, ao invés de temer esse nervosismo, eu fico de certa forma feliz, porque eram as mesmas sensações, que costumava sentir quando eu entrava no palco para tocar. Respiro profundamente uma última vez numa falha tentativa de acalmar meu coração quando sinto a mão de Luisa, que irá me acompanhar no piano, tocar delicadamente meu ombro. Estava na hora. 

Entramos no palco e, para minha surpresa a plateia se levanta para me aplaudir. Isso me enche de esperança e coragem. Pego meu violino, ajeito sobre meu ombro, fecho meus olhos e começo a tocar. A melodia produzida por mim e Luisa invade o teatro e, mesmo de olhos fechados, sinto a surpresa das pessoas, porque provavelmente elas estavam esperando que eu tocasse algo dos autores renomados da música erudita, mas naquela noite havia escolhido tocar a música que fiz para ele. Queria mostrar todo meu amor e gratidão para aquele que me ajudou a voltar a tocar. 

A música era doce, as notas executadas por mim se misturavam às tocada por Luisa. Era como se uma respondesse a outra. Tudo estava saindo perfeitamente, talvez por isso, deixei que a melodia me levasse… me guiasse para um lugar onde só existia eu e o violino. Era um campo cheio de flores de várias formas e cores, o arco-íris enfeitava o céu azul e, o sol sempre parecia sorrir para mim. Ali eu me sentia livre. 

Mas, de repente as lembranças do meu amado pai sendo consumido por aquela maldita doença, me veio à mente e, o que era belo tornou-se feio. O céu escureceu, o campo florido deu lugar a um lamaçal e as sensações boas foram substituídas por dor, sofrimento e insegurança. E o tormento de não poder ouvir o que toco voltou, por isso, a melodia antes doce, agora tornava-se bruta, seca. Mesmo não ouvindo, sentia isso. 

Queria parar de tocar, mas se fizesse isso iria decepcionar todas as pessoas que me ajudaram, principalmente a mim mesma. Então, em meio ao tormento ele surgiu com aquele sorriso que era capaz de iluminar meu dia e minha vida. Aiolos me abraçou e a calmaria começou a voltar, o meu lugarzinho ficou novamente florido. 

Fitei aqueles olhos verdes, eles me passaram amor e confiança e, isso bastou para que tornasse a ouvir minha música. Aos poucos ela voltou a ser doce e, seguiu assim até o final. Quando por fim terminei minha apresentação, um silêncio ensurdecedor se formou no local, imaginei que isso fosse porque não haviam gostado da música, mas quando me curvei para agradecer, meus olhos marejaram. Toda platéia tinha levantado e aplaudiam efusivamente. 

Me virei para Luisa e ela me olhava sorridente, depois me virei para aquele que tinha feito eu renascer novamente para a música. Aiolos sorria e chorava. Me retirei do palco e fui até o camarim junto com Luisa. 

— Amiga, você conseguiu! – Luisa me abraçou forte. – Foi maravilhoso, parabéns!!!

— Acho que não foi tão maravilhoso assim, eu quase parei a apresentação no meio.

Minha amiga soltou o abraço e me olhou. – Érika, tu passou por grande trauma na vida e por causa disso você parou de tocar. Então, é normal acontecer esse tipo de coisa numa apresentação. O importante é que as pessoas que vieram te assistir gostaram. 

— Pensando assim, é verdade! – respondi quando ouvimos uma batida na porta. 

Quando disse que poderia entrar, Aiolos entrou todo sorridente e veio me abraçar. E ali naquele abraço, todas as inseguranças sumiram, como sempre acontecia. 

— Obrigada por tudo, meu amor! – foi o que consegui dizer. 

— Não me agradeça, minha linda, foi você que fez tudo isso. Você tem um grande talento e você só provou isso para todos que vieram hoje. 

— É, mas acho que não teria voltado a tocar se não tivesse te conhecido. Foi você que fez eu voltar a ver alegria na música. Aliás… – soltei o abraço – Só tenho a agradecer vocês dois por tudo. – meus olhos marejaram e eles me abraçaram. Ficamos ali por um tempo. 

Aquela noite estava sendo especial pra mim, porque não era apenas um recomeço na música, era um recomeço na minha vida.