Stratocaster escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 1
De bemol a sustenido


Notas iniciais do capítulo

Esta pessoa está feliz por não vacilar em mais um DeLiPa.

Boa leitura!



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 Alexandre levou as mãos em concha à boca e gritou mais uma vez. Ao seu redor, o bar inteiro parecia gritar junto, e ele tinha de se fazer ouvir.

— Olha isso! — Mariana puxou seu ombro, eufórica. — Eles estão arrasando!

 No palco, os guitarristas d’Os Corvos conversavam com suas guitarras num solo complicado. Alexandre praticamente decorara as notas e o nome das técnicas de dedo de tanto ouvi-los ensaiarem. Ainda assim, a música parecia nova a seus ouvidos. E ele não podia deixar de cruzar os dedos para que saíssem bem.

 Quando a base da música voltou, a luz arroxeada dos holofotes se intensificou para o final. Alexandre pulou, acompanhando o vocalista tão alto quanto sua garganta arranhada permitia. Mariana lhe gritou alguma coisa por cima do som, mas, naquele momento, sua atenção foi roubada.

 A máscara do guitarrista principal estava voltada em sua direção. Alexandre não podia ver seus olhos, e em meio a tanta gente, não havia como saber com certeza que estava sobre si. Mesmo assim, seu corpo se deixou afetar. As bochechas, já coradas dos shots de Catuaba, esquentaram, e a voz vacilou num verso. Talvez tivesse mesmo sido visto.

— Obrigado por ter terem vindo, pessoal! — O vocalista encobriu seu campo de visão, adiantando-se até a beirada do palco. — Foi incrível!

 As luzes tornaram-se mais claras, permitindo que o público visualizasse bem todos os membros da banda. O som dos instrumentos esmaeceu em meio aos gritos e aplausos, enquanto Os Corvos vinham para frente. As máscaras pretas luziam conforme se mexiam para cumprimentar a plateia. Pareciam saídos de um dos livros de fantasia que Alexandre tanto gostava.

 Mariana mandou um beijo ao namorado, ainda pulando. Por um instante, ele fez menção de imitar a amiga. Porém, não conseguiu. De alguma forma, sentiu que não tinha o direito.

 As luzes da pista se acenderam, e a banda recuou para recolher os instrumentos. Um dos hosters subiu ao palco para anunciar a próxima banda da noite. Mas as pessoas ainda aplaudiam os Corvos, abafando sua fala.

— Não acredito que eles já estão famosinhos. — Mariana suspirou, abrindo um sorriso orgulhoso. Estava suada da adrenalina do show, e a voz soava um tanto rouca. — Quer dizer, acredito. Mas… caralho! Eles eram a primeira banda e o lugar já estava lotado!

— Não é? — Alexandre sorriu, ajeitando os óculos na ponte do nariz. — E eles conseguiram tocar melhor que nos ensaios.

— De quem vocês gostaram mais? — à frente deles, uma garota perguntava às amigas. — Eu achei o baterista uma graça!

— Nem dava para ver a cara deles, gente. Como vocês conseguem achar alguém bonito sem ver o rosto?

— O cara da guitarra amarela! — a terceira revelou com um pulinho. — Se sem mostrar o rosto já é um gato, imagina sem a máscara.

 Alexandre deu as costas para elas. Subitamente, sentiu-se envergonhado, como se tivesse roubado a chance de alguém. Não era uma sensação rara. Na verdade, havia se acostumado com aquele incômodo na boca de seu estômago, com as orelhas esquentando. E não conseguia se livrar.

— Como você se sente sendo namorado de uma estrela do rock? — Mariana enlaçou o braço ao seu, gargalhando. — Relaxa. Vamos lá encontrar com eles nos bastidores.

 Alexandre forçou uma risada. A alegria que sentira durante o show estava se dissipando, como se alguém tivesse apagado suas luzes. Sabia, sem precisar ver seu reflexo, que devia estar com o olhar caído. Não podia encontrar Os Corvos daquela maneira.

— Eu acho que vou no banheiro primeiro, Mari. Mas pode ir na frente — disse, soltando-se da amiga. — Eu encontro vocês lá.

— Certeza? — Mariana prendeu os cabelos roxos num coque e franziu o cenho. — Eu posso te esperar.

— Não, não.

 Alexandre girou nos calcanhares e tomou o caminho para o banheiro. Se não fosse logo, sabia que Mariana o seguiria. Em um ano de amizade, ela parecia haver desenvolvido um senso apurado para saber quando algo não estava certo. Em certas situações, isso era bom. Em outras, era aterrorizante.

— Calma, Alexandre — ele murmurou para seu reflexo no espelho do banheiro. Suor escorria sob sua franja, fazendo os fios louros se grudarem na testa. — Não tem nada de preocupante acontecendo. Você está bem.

 Devagar, abriu uma das torneiras para lavar o rosto. Talvez, se saísse para tomar ar fresco, conseguisse voltar ao normal. Não queria ser um estraga-prazeres e voltar para casa antes que a programação combinada terminasse. Suspeitava que já havia ultrapassado a cota de quantas vezes podia fugir.

— Você está bem.

 Alguém abriu a porta do banheiro, tirando seu monopólio. Alexandre recolocou os óculos e respirou fundo antes de sair.

 A atmosfera do bar estava transformada. A plateia para a próxima banda seria menor que a d’Os Corvos. Uma seleção de músicas tocava na pista para quem quisesse dançar, e os balcões de bebida estavam movimentados. Alexandre correu os olhos pela pista e pelo mezanino mal iluminado. Mariana já deveria estar nos bastidores com os outros.

 Ele deslizou devagar em direção à porta que dava nos jardins do bar. Na última virada do caminho, decidiu ficar num dos bancos do corredor deserto. Tinham se esquecido de acender as luzes ali. Era o lugar perfeito para ficar sozinho por alguns minutos.

 Sentou-se no banco com um suspiro exasperado. A imagem das garotas se pintou em sua mente com cores vibrantes. Alexandre imaginou, apertando a calça de sarja nas mãos, se elas teriam se aventurado nos bastidores. Se tivessem, o que teriam feito? Ele havia lido e assistindo a romances adolescentes demais para saber que eram o tipo de pessoa que conseguia o queria.

 Seu celular vibrou no bolso da calça. O nome na tela enviou um arrepio por sua espinha, mas não ousou atender. Parte dele ainda estava se decidindo sobre ir ou ficar, e deveria ter uma resolução se pegasse a chamada. Se pensasse na máscara de corvo e na guitarra amarela, deveria ser fácil de se decidir. No entanto, de alguma forma, não era.

 Alexandre massageou as têmporas. Talvez teria sido melhor acompanhar Mariana de uma vez.

 Um casal cruzou a entrada do corredor, caminhando em direção aos jardins de mãos dadas. Ele levantou-se para se recostar à parede e dar as costas à passagem. Não queria ser visto quando a confusão em sua cabeça deveria estar transparecendo no rosto.

— Ei.

 Alexandre deixou escapar um grunhido assustado. Havia mãos quentes sobre seus olhos.

— Achei você.

 As mãos escorregaram até seus ombros, e o fizeram virar o corpo. Mesmo no breu, podia distinguir os contornos da máscara de corvo. Seu coração falhou uma batida, enquanto Luiz inclinava-se para beijá-lo.

— Parabéns — Alexandre sussurrou, esboçando um sorriso. — Os solos ficaram ótimos. Eles amaram vocês.

— Você não me viu te mandando um beijo — Luiz reclamou baixinho, beijando-o novamente. O bico de corvo da máscara era gelado em contato com sua pele. — Por isso, vou ter que te cobrir com eles agora.

 Alexandre soltou um riso frouxo.

— Mas só depois que você me contar o que está acontecendo. — Luiz o soltou para subir a máscara. Seu piercing dourado no septo brilhou no escuro. — Por que você está aqui fora sozinho? A Mari disse que te deixou no banheiro.

 A expressão no rosto do namorado indicava preocupação. Alexandre amaldiçoou-se por estar amargando sua noite daquela forma.

— Eu só queria tomar um ar. Lá dentro está abafado demais.

 Luiz passou as mãos para suas costas, afagando-lhe. Obviamente não havia engolido a desculpa. Nunca engolia. Mas também nunca o forçava a se expor.

— Você quer ir para casa? — perguntou tranquilamente. — Já guardei minhas coisas.

— Eu não quero te fazer ir embora mais cedo por minha causa. — Alexandre baixou os olhos. Sentiu que as mãos tremiam na ameaça de uma crise. — Vocês não vão comemorar o show?

— A gente pode comemorar o próximo. Eu te disse que passaria a noite com você, não foi? — Luiz deitou um beijo em sua franja e sorriu. — O que você quer fazer?

 Alexandre apoiou a cabeça contra o peito do namorado e permitiu-se respirar fundo. Conseguia ouvir o coração batendo numa marcha cadenciada, sua música favorita no mundo. Está tudo bem. Inspirou mais uma vez, inalando o cheiro de Luiz. Os dedos que acariciavam sua bochecha rescendiam a metal, às cordas da guitarra.

— Acho que quero tentar ficar mais um pouco — murmurou, afundando-se mais em Luiz. — Quero comemorar com vocês.

— Certo.

 Luiz tomou seu rosto nas mãos e o trouxe para um beijo suave. As pontas calejadas de seus dedos afagavam-lhe a pele vagarosamente, como se desfizessem suas preocupações. Alexandre derreteu-se pela enésima vez. Estar nos braços de Luiz era uma mescla entre tomar um bom chá e ouvir um solo de guitarra eletrizante.

— Quando você quiser ir para casa, nós vamos.

— Tudo bem. — Alexandre ofegou.

 Enquanto voltavam para dentro de mãos dadas, ele quase se esqueceu do porquê tivera o ímpeto de fugir. Porém, duas garotas se aproximaram quando cruzavam a pista para a porta dos bastidores. Eram do grupo de minutos atrás. Instintivamente, Alexandre soltou a mão e a enfiou depressa no bolso da calça.

— Ei, você é o guitarrista dos corvos? — Uma delas perguntou, jogando os cabelos longos para as costas.

— Um dos.

— O da guitarra amarela, não é? Você manda muito!

— Valeu. — Luiz abriu um sorriso gentil.

— Você quer tomar alguma coisa? — A garota indicou o balcão de bebidas com a cabeça. — A gente podia conversar melhor.

— Obrigado. Mas eu já tenho companhia. — Ele apontou para Alexandre.

— Ah,isso é ótimo, porque eu estou com um amiga e…

— É outro tipo de companhia. — Luiz tomou-lhe a mão de volta, ainda sorrindo. — Espero que vocês venham no nosso show na semana que vem.

 Alexandre manteve a cabeça baixa enquanto entravam no estreito corredor dos bastidores. A mão de Luiz era quente, e o contato enviava breves correntes elétricas por seus nervos.

 Ele os fez parar numa alcova apertada com caixas de aparelhos de som.

— Uau — Alexandre sussurrou, colando as costas à parede. — Onde você está aprendendo esse jeito de rockstar?

— Bem, eu acho que estou me tornando um.

 Eles sorriram um para o outro. A alcova tremia com a bateria agitada da banda que subia ao palco. Alexandre impulsionou-se para o namorado, enchendo a mão com seu cabelo crespo. Luiz o tomou num beijo sôfrego, empurrando-o de volta e apertando sua cintura com uma das mãos.

 Alexandre soltou um suspiro anasalado quando os lábios dele chegaram à volta de seu pescoço. Sua cabeça tombou para o lado num movimento quase automático, oferecendo mais espaço. Os dedos puxaram o cabelo de Luiz e se enterraram nele como puderam. A máscara de corvo não tardou a cair para o chão, e o barulho os separou.

— Gente…

 Mariana e o namorado, Cássio, o segundo guitarrista, estavam os espiando do outro lado do corredor.

— Acho que você poderia esperar chegar em casa para atacar o cara, Luiz — Cássio censurou em meio a uma risada.

— Agora a gente sabe porque estavam demorando tanto. — Mariana cobriu os olhos com a mão, fingindo estar horrorizada.

— Vamos. O Guto conseguiu uma mesa para a banda no mezanino — Cássio informou, tomando a mão da namorada.

 Os dois adiantaram-se para a pista aos risos, lançando olhares brincalhões para trás. Alexandre sentiu-se momentaneamente envergonhado. Entretanto, tinha de admitir para si mesmo que aquele tipo de situação era excitante. Então era aquela a sensação de se namorar um guitarrista.

— Vamos? — Luiz perguntou como se quisesse ficar.

 Alexandre abaixou-se para apanhar a máscara. Vestiu-a desajeitadamente, deixando-a na lateral da cabeça.

— Nós continuamos na sua casa. — Ele piscou, entrelaçando os dedos aos do namorado.

 Seu nervosismo se dissipara, dando lugar a uma empolgação tênue. Gostava de como não se apegavam aos momentos tensos, de como iam de bemol a sustenido em passagens sutis. Gostava de como ficava livre para ser ele mesmo.

 

 Luiz o puxou de volta para si tão logo se desfizeram das camisetas. No espelho do aparador, podia ver suas mãos percorrendo as costas de Alexandre. Gostava de reparar como suas peles contrastavam, como as marcas que deixava no namorado demoravam a sumir.

— Vamos para o seu quarto — Alexandre pediu com a voz rouca, apanhando as camisetas e o óculos sobre o aparador.

— Meus pais só vão chegar de manhã, está tudo bem. — Luiz mordiscou-lhe o lóbulo da orelha até chegar ao brinco.

— Mas o corredor é frio.

 Luiz desceu uma trilha de beijos do pescoço ao peito de Alexandre. Provou um dos mamilos na língua, enquanto massageava o outro entre os dedos. O namorado contorceu-se com um grunhido lânguido.

— Para o quarto então. — Luiz abaixou-se e o pôs sobre o ombro.

 Alexandre gargalhou como pôde, e era um alívio que estivesse naquele clima. Embora ele tivesse escolhido continuar no bar, Luiz passara o restante da noite temendo uma crise. Não sabia como o acalmaria no meio de tanta gente. Porém, a ameaça da tempestade havia se dissipado, e era melhor que não gastasse energia pensando nisso.

— Nós podemos só dormir se você quiser — disse baixinho, tão logo pôs Alexandre na cama.

 O namorado acendeu a luz do quarto no interruptor da cabeceira. Seus pupilas haviam se engrandecido contra as íris verdes.

— Luiz, a gente já está assim. — Ele gesticulou para o torso nu. Sem esperar, levou as mãos ao cinto e despiu das calças. — Você quer dormir?

— Não — Luiz respondeu, enfeitiçado.

 Tratou logo de terminar de despir-se também e subiu na cama. Colocou-se sobre Alexandre com cuidado, descendo a mão sobre seu baixo ventre e o beijando.

— Eu te amo — Alexandre meio sussurrou, meio gemeu, beijando-o no pomo-de-Adão.

— Também te amo. — Sorriu, retribuindo o beijo.

— Acha que a gente pode usar a máscara dessa vez? — Alexandre mordeu o lábio inferior. Já estava contorcendo-se com a masturbação.

— A máscara? — Luiz assumiu uma expressão sacana. As mãos se enchiam da carne alheia, provocativas. — Você me quer na versão corvo?

 Alexandre não conseguiu responder, mas meneou a cabeça. Luiz suspeitava que aquilo seria mais divertido do que solar para um bar lotado.

 

 Mais tarde, depois de terem se satisfeito e trocado a roupa de cama, ele aninhou Alexandre sobre o peito. Começava a amanhecer lá fora, e o silêncio do dia fresco era aconchegante. Lentamente , o show no bar, os aplausos, as bebidas com os amigos e o prazer com o namorado começavam a se assentar em suas memórias. Sentia-se preenchido, sortudo. Tinha de fazer uma música sobre aquilo.

— Luiz? — Alexandre murmurou, ajeitando-se em meio a um bocejo. — Obrigado.

— Pelo o quê? — quis saber, enrolando os fios louros entre os dedos negros. — Foi tão bom assim?

— Foi. — Alexandre riu-se. Deixou um beijo singelo em seu peito e acariciou o lugar com os dedos. — Mas não é só por isso. É por tudo. Obrigado por ter sido paciente comigo mais uma vez.

 Luiz dobrou-se para beijar-lhe o topo da cabeça e suspirou. Puxou a manta para cobrir melhor o namorado, enquanto tentava escolher as palavras certas para a fala de efeito. Depois de tudo, pensava que deveria manter o momento como se o tivesse mesmo recortado de uma música.

— Obrigado por ter ido ao show, por ter bebido com a gente, por estar aqui comigo… E obrigado por ser você, Alexandre. Eu te amo — sussurrou a última frase, não contendo o sorriso apaixonado.

 Alexandre balbuciou algo em resposta, com o sono já pesando em suas pálpebras. Luiz não se importou. Bastava que estivesse sentindo as leves vibrações de sua respiração e do compasso de seu coração. Bastava que o tivesse ali naquele momento.

— Você é minha música favorita — disse como se fosse um segredo, como sempre fazia quando era o último a adormecer.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido!

Lollallyn



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