Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 7
Da Luz às Trevas


Notas iniciais do capítulo

Eu fui rápida, sim. Eu sei disso mas não deu pra esperar muito, a ideia para esse capítulo prontinha na minha cabeça.

Leitor, vou lhe dizer uma coisa: as coisas já esquentaram. Que comece a treta!



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Antes de narrar o que aconteceu depois que a ministra Frollo tomou aquela sinistra decisão, precisamos voltar algumas semanas no tempo para dizer o que aconteceu com Quasímoda após aquele incidente na tarde em que Esmeraldo quase foi preso. A torre da garota parecia uma prisão agora, ela andava e andava, o pavor anuviando sua mente enquanto uma pedra de gelo rolava pelo seu estômago.

— Meu Deus, o que foi que eu fiz? – era o que a garota mais repetia em meio à andança em círculos e ao medo esmagador. Ela acabara de atirar uma pedra em um guarda e, somente por pura sorte, o homem não morreu, e tudo isso para livrar Esmeraldo de uma ordem de prisão motivada por um crime de homicídio.

A sineira mal conseguira raciocinar quando os guardas aproximaram-se de Esmeraldo para prendê-lo, tamanho era o encantamento que ele lhe lançava com sua dança e com suas palavras doces. O pavor por ver aquele lindo cigano em apuros foi tamanho que ela mal raciocinou. Quando vira, a pedra estava indo em direção à nuca do guarda e só depois, com o choque pela atitude ousada, foi que a razão lhe voltou e ela percebeu que Esmeraldo estava sendo acusado de homicídio, o pior de todos os crimes.

A garota agora estava com a mente fervilhando: como Esmeraldo foi acusado de homicídio? Seria verdadeira aquela acusação? Era a segunda vez que Quasímoda tinha notícias de alguma acusação contra ele.

— Mas... – a sineira ainda ponderava sentada em seu banco, segurando a cabeça entre as mãos, pensando freneticamente enquanto a ansiedade a dominava pouco a pouco, o olhar carinhoso de Esmeraldo fixo em sua mente - como alguém tão bondoso seria capaz de matar alguém? Não, ele não fez isso, deve haver outra explicação!

E para piorar, a voz de madame Frollo não saía da cabeça de Quasímoda: “Ciganos não são confiáveis e, quanto mais parecem gentis, mais astutos são” ela dizia. A garota, desesperada, lutava para colocar os pensamentos em ordem mas infelizmente falhava. A dúvida chocava-se com o carinho que sentia por Esmeraldo e não era possível equilibrar esses sentimentos.

Foi nesse estado de angústia que Esmeraldo encontrou Quasímoda assim que deixou a praça e correu para a catedral.

— Quasímoda? – o rapaz entrou na torre e a encontrou sentada, com o rosto entre as mãos – Não tenho como agradecer pelo que fez! Você me salvou, obrigado! Quasímoda? Está tudo bem?

— Eu não devia ter feito aquilo! – a garota respondeu em um fio de voz – Minha madrinha vai me matar quando souber e você não devia estar aqui falando comigo, lembra?

— Não devia? Você me salvou! – o cigano aproximou-se e ajoelhou-se em frente à garota para olhá-la nos olhos – Não sei por que motivo me acusaram da morte daquela mulher horrível, mas eu não fiz nada, você me salvou da prisão e sabe-se lá mais do quê!

— Você não fez nada, então? – Quasímoda ergueu os olhos, esperançosa, e encarou Esmeraldo fixamente. Ele não desviou os olhos dela.

— Não. Não fui eu quem a matou. – o cigano respondeu e Quasímoda viu a sinceridade nos olhos dele -  Eu estava lá, passei pela frente da casa dela bem na hora em que tudo ocorreu, escutei uma briga e depois vi um homem de capa marrom deixando a casa. Alguém deve ter me visto por perto e por isso fui acusado, mas foi aquele homem de capa marrom quem matou Laurette, não eu. Pena que eu não faça a menor ideia de quem ele seja!

Quasímoda, convencida pela explicação de Esmeraldo, sorriu e ergueu finalmente a cabeça, a calma voltando à sua mente e coração.

— Céus, graças a Deus! – a garota colocou a mão no peito em sinal de alívio e ergueu-se do banco – Eu não sabia o que pensar, eu...

— Não se preocupe, minha amiga – Esmeraldo segurou a mão da garota carinhosamente – Você não tinha como saber de nada antes de falar comigo, e agradeço imensamente por acreditar em mim. Espero que sua madrinha também acredite e investigue essa história de homem de capa marrom para que eu fique livre dessa acusação ridícula de uma vez.

— Madame Frollo é bondosa e justa, Esmeraldo, eu já lhe disse isso – Quasímoda respondeu, mas uma parte dela mesma não conseguiu acreditar no que dizia e o rosto furioso de Claudia surgiu em sua mente – Eu... bem, eu acho que ela ao menos ouvirá você se explicar a ela o que viu.

Esmeraldo pensou em Claudia, naquela noite terrível na praça e nos sentimentos que ela nutria por ele, depois lembrou-se do que ele mesmo lhe dissera em resposta e da dor que lhe causara ao ser tão rude. Uma pontada de arrependimento atingiu seu peito. Se ele tivesse respondido com mais calma, talvez a ministra de fato fosse agora benevolente com ele. Mas e agora? Ele a ameaçara de morte e o olhar devastado da ministra voltava à sua mente de uma forma tão vívida que chegava a assustar.

—Ela deve me odiar, Quasímoda – foi tudo o que Esmeraldo conseguiu concluir – Eu a tratei tão mal que seria um milagre ela querer falar comigo em qualquer lugar que não seja no tribunal.

— Você foi tão mau assim? – a sineira franziu as sobrancelhas – O que disse a ela, afinal?

Então Esmeraldo finalmente contou à amiga o que havia acontecendo naquela praça, na noite após o Festival dos Tolos. Quasímoda ficou de surpresa a atônita quando descobriu que a madrinha, tão comedida e tão segura de sua decisão de permanecer só, em austero celibato, estava apaixonada por aquele rapaz tão oposto à ministra. E mais surpresa ficou quando ouviu o que Esmeraldo dissera a ela em resposta.

— Eu não sei o que ela ia me dizer quando me olhou daquele jeito tão desesperado, agora eu penso que talvez ela fosse se desculpar pelos sentimentos que demonstrou, talvez pedir para que eu esquecesse aquilo, mas eu não consegui escutar nada, tamanha a repulsa que senti ao me lembrar de Laurette, que Deus a tenha ou o diabo a carregue – o cigano dizia, de cabeça baixa – Ela estava visivelmente constrangida e eu só a fiz se sentir pior. Agora ela certamente me odeia ou sente tamanha vergonha que seria difícil para ela me encarar. Caramba, eu fui um imbecil!

— Bem... – Quasímoda também abaixou a cabeça – Ela realmente está bastante brava com você. Madame Frollo veio aqui hoje de manhã e, quando falei de você, ela se fechou e ficou irritada. Mas dê tempo a ela, quem sabe isso passe e ela o escute. Da última vez que um prisioneiro ficou aqui, ela veio algumas vezes para tomar o depoimento dele e investigou tudo com calma.

— Mesmo o sujeito tendo a audácia de escapar de uma ordem de prisão, assim como eu fiz? – Esmeraldo ficou entre curioso e apreensivo.

— Mesmo assim. – Quasímoda sorriu com carinho -  Como eu lhe disse, a madrinha é uma pessoa justa. Ela só se importa com a verdade, sem se preocupar se o acusado está na prisão ou aqui, ou foragido. Ela tratará seu caso com a mesma justiça que tratou todos os outros, e eu tenho certeza de que a verdade vai aparecer.

— Você me conforta dizendo isso. – Esmeraldo sorriu e lutou para que seu lado desconfiado, tomado por um mau pressentimento, não atrapalhasse aquela chama de esperança que a sineira lançava sobre ele – Farei o que você disse e torço para que a ministra Frollo realmente esqueça o que aconteceu naquela praça. E gostaria que ela me perdoasse pela minha grosseria.

— Ela o perdoará. – a garota concluiu, mas em seguida seus olhos ficaram tristonhos – Porém acho que ela faria isso mais facilmente se você e eu obedecêssemos a ordem dela e não nos víssemos. Você, enquanto estiver aqui, deve ficar na outra torre e não devemos ter muito contato.

— Mas Quasímoda, eu não... – Esmeraldo respondeu inconformado mas a sineira o interrompeu.

— É melhor assim. Vamos fazer como a madrinha quer e assim tudo se ajeita. Ela perdoará você, o escutará e logo tudo isso acabará bem.

“E quem sabe eu mesma tenha mais chances de não cair em tentação com você distante de mim, Esmeraldo...” a garota concluiu mentalmente, ciente de que, ao que tudo indicava, não era só sua madrinha que estava completamente enfeitiçada por aquele lindo e complicado cigano.

As semanas se passaram e a vida seguia em Notre Dame. Quasímoda e Esmeraldo ficavam cada um em uma torre, o arquidiácono era quem cuidava dele e a garota seguia sua vida tentando não pensar que aquele rapaz tão belo e gentil estava ali, tão próximo dela. Madame Frollo vinha de vez em quando para vê-la e as duas agiam normalmente, a afilhada evitava falar em Esmeraldo para não irritar a madrinha e esta também nada dizia a respeito dele.

Mas Esmeraldo, em uma noite de lua, viu ao longe a janela ogival do apartamento da ministra Frollo brilhando contra o negro da pedra maciça do Palácio da Justiça. A luz alaranjada que escapava tinha um quê de sinistro e o rapaz pensava, curioso e um pouco apreensivo, o que teria levado madame Frollo a estar acordada até aquela hora. Ele a vira algumas vezes durante aquelas semanas mas ela não lhe dirigiu nem palavra nem olhar e o cigano concluiu que a raiva dela, se existia, estava muito bem escondida, assim como seus sentimentos por ele.

No dia seguinte àquela estranha noite, Esmeraldo foi surpreendido pela visita do arquidiácono, que o convidava a ir até uma salinha anexa à catedral onde madame Frollo em pessoa o esperava para conversar.

Quando entrou na sala, o cigano vacilou por um segundo pois a mulher que estava diante dele não se parecia mais com a sisuda ministra. Não: ali ou estava uma visão do céu ou uma armadilha sinistra do inferno. E bastou que passassem alguns minutos para que o rapaz decidisse qual das alternativas era a verdadeira.

Claudia deixou a janela, a visão de Notre Dame, a noite enluarada, enquanto seguia decidida para a poltrona em frente à lareira na qual estivera imaginando Esmeraldo dançar. Sua alma estava mergulhada em um desespero indescritível, uma parte dela queria escapar daquela prisão terrena e voar para longe, para os céus, antes que fosse obrigada a cometer atos que a atirariam sem volta ao mais profundo abismo. Mas outro lado de sua mente, mais forte e decidido, até então desconhecido, impulsionado pelo desespero e pelo desejo quase irresistível, mantinha o controle da mente e do corpo de Claudia e lhe dizia que amanhã mesmo ela veria o cigano e diria a ele tudo o que sentia.

— Ele não me recusaria, não seria tão idiota. – a ministra ponderava – Ele me deseja, sim, eu vi isso no Festival dos Tolos, basta que ele se recorde disso. E, diante da possibilidade iminente de ser condenado à morte, que escolha lhe resta? Ninguém é tão tolo a ponto de preferir morrer.

Imediatamente a lembrança de inúmeros relatos de santos mártires, que deram sua vida para manter sua castidade, vieram à mente de Claudia mas ela afastou esses argumentos com impaciência.

— Ele não é santo, não é como eles e nunca será. É um pagão, não há força nem valor moral no mundo que o impeça de ser meu.

“Será?” sua consciência respondeu, categórica “Os valores que servem para você servem para ele também, mas você está decidida a fazer ambos pecarem! Não vai apenas manchar sua própria alma, mas a dele também! Vai jogar sua honra e reputação fora e ainda arrastará aquele pobre rapaz com você mesmo que tenha que obrigá-lo! Como pode?”

Claudia não respondeu imediatamente, a imagem de Esmeraldo dançando nas chamas da lareira diminuía significativamente o impacto do que dizia sua consciência. Ela só conseguia sorrir e deixar que sua mente vagasse até ele, até seu olhar ardente, sua mão estendida galantemente convidando-a a seguir com ele para onde fosse, até para o abismo mais profundo.

— Ele irá escolher. – a ministra respondeu finalmente, distante e aérea, como se sonhasse – Ele não é obrigado a nada. Se desejar ser meu, eu o inocentarei mesmo passando por cima do meu dever, o cigano estará livre e viveremos juntos. Se me recusar, será condenado como merece pelo crime que cometeu. Simples. Sou culpada, arriscarei tudo por ele, mas o que mais posso fazer?

Sua consciência não respondeu mais, a mente de Claudia, esgotada, não podia mais suportar aquela batalha e finalmente calou-se, restando apenas a ilusão no fogo da lareira e a paixão abrasadora que retirava todo o juízo de alguém que um dia tanto temeu o que agora vivia. Quando a ministra deu por si, o dia já havia nascido e, surpresa, ela levantou-se da poltrona decidida a tomar um bom banho e a escolher um belo vestido. Iria ver Esmeraldo imediatamente e, se tudo desse certo, aquele tormento cessaria para sempre.

Claudia tinha por hábito vestir roupas escuras, austeras e fechadas, mesmo no calor. Ela detestava se expor, não gostava de pensar que atraía indevidamente a atenção de algum homem. Ela sempre foi muito elegante, mesmo em sua austeridade ainda havia beleza, mas seu modo recatado de se vestir deixava clara a sua intenção de afastar qualquer olhar.

Porém sua disposição precisava mudar se ela quisesse chamar a atenção de Esmeraldo e, quando abriu seu armário, Claudia localizou em um canto onde guardava os vestidos que menos usava, um brilho de veludo vermelho. Mordendo o lábio e sentindo-se bastante incomodada, ela retirou dali o vestido e o encarou, entre admirada e envergonhada.

— Vamos acabar logo com isso. – ela disse, procurando abafar a todo o custo os protestos de sua consciência. Quando olhou-se novamente no espelho, após um bom tempo tomando coragem, Claudia arregalou os olhos e pensou seriamente em desistir daquilo.

“Está linda!” a voz de Esmeraldo disse em sua mente e Claudia franziu as sobrancelhas entre irritada e orgulhosa de si mesma.

— Você realmente é uma tentação do diabo, seu feiticeiro! – ela disse para o espelho – Quando tenho a intenção de desistir, você vem e me provoca a continuar!

“Se quer que ele seja seu, então está fazendo tudo errado. Ou joga para o alto o pudor ou desiste de seu plano. E veja-o queimando em praça pública então, pela sua própria mão, ministra Frollo, sabendo que nunca mais o terá.” Essa voz era nova na mente de Claudia, era uma disposição até então desconhecida para ela mas que exercia sobre a pobre mulher uma força absurda.

— Não! – Claudia tremeu – E não preciso condená-lo. Existe a possibilidade de ele ser inocente, e eu prefiro que assim ele seja. Não preciso fazer isso, não preciso jogar para o alto minha honra! Chega! O que estou fazendo?

“Você é linda” dessa vez foi a consciência de Claudia quem lhe disse “Poderia se casar com um bom homem. Deveria ter feito isso antes mas pode fazê-lo agora. Olhe como é bela, inteligente, cheia de dons. Muitos homens se casariam com você, então não jogue fora sua vida por causa de um rapaz com quem não seria feliz em um casamento!”

Claudia voltou a olhar-se no espelho mas a advertência de sua consciência não foi páreo para a imagem de Esmeraldo, a seu lado, completamente apaixonado. Sua nova e sombria disposição de ânimo jogou em sua mente a possibilidade de viver uma paixão, algo que talvez nunca vivesse em um casamento, algo que pouquíssimas pessoas tinham a alegria de viver.

O rosto da ministra estava agora tão escarlate quanto o veludo de seu vestido e, resoluta, ela finalmente deixou sua casa e rumou para Notre Dame, para ver Esmeraldo, o fogo da lareira correndo em suas veias. Chegando à catedral, porém, a ministra não teve coragem de entrar pela porta da frente, sentindo que todas as estátuas esculpidas de forma tão viva na pedra clara a encaravam, julgando-a e reprovando tanto sua aparência quanto suas disposições de ânimo.

Apressada, Claudia entrou em uma salinha anexa à catedral e deu ordens para que chamassem Esmeraldo até ali e para que os deixassem sós. O sacristão, sem dizer palavra, deixou a sala e o cigano entrou. Quando Esmeraldo dei de cara com Claudia, sentada à sua frente, por um momento ficou sem fala.

A ministra estava simplesmente linda: o vestido vermelho era justo até a cintura, destacando o porte esbelto de Claudia e o decote era, para os padrões da ministra, bastante revelador, o vermelho tinto destacando-se contra a pele de mármore iluminada pelo sol. Quando Claudia levantou-se, o cigano percebeu quão graciosa ela era, quão bela, esbelta e impressionante era aquela mulher.

Claudia, sorrindo discretamente e notando que causara uma boa impressão, estendeu a mão para ele que, atônito, a beijou sem dizer palavra. Esmeraldo era facilmente impressionável pela beleza física, portanto Claudia acertara em cheio ao apresentar-se daquela maneira tão diferente do seu habitual figurino austero.

— Monsieur Esmeraldo – ela começou, mais uma vez sentindo como se seu sangue fervesse – Creio que precisamos conversar seriamente.

— Madame Frollo, eu adianto que não matei aquela mulher e posso provar. – Esmeraldo tratou de afirmar, olhando nos olhos cinzentos da ministra, ainda impressionado com sua beleza e elegância.

— Pode provar? – Claudia ergueu uma sobrancelha dourada – Como?

Então Esmeraldo contou a ela tudo o que se passara no dia em que Laurette foi morta, destacando a presença do tal homem de capa marrom e pedindo à ministra para que investigasse isso. Claudia ouvia com atenção, entre curiosa, satisfeita e incomodada.

— Eu não matei Laurette de Beaufort, ministra Frollo. Dou minha palavra de que não fiz nada embora ela merecesse aquilo pelo que fez comigo. Mas eu não fiz e nem faria isso com ser humano algum! – o cigano concluiu, olhando fixamente nos olhos da juíza, resoluto e com tamanha convicção que Claudia, experiente como era devido aos quase quinze anos de magistratura, foi obrigada a reconhecer que ali havia de fato um réu inocente.

Mas o lado obscuro de sua mente agitou-se e seu rosto se fechou.

— Não é prova suficiente o seu mero depoimento, cigano. – ela disse friamente – Se não sabe me dizer quem é esse tal homem, então como espera que eu investigue? De onde eu partiria? Ademais, você pode muito bem estar mentindo para se livrar da condenação.

—Eu não estou mentindo, ministra! – Esmeraldo arregalou os olhos, assustado e ofendido – Eu odeio aquela mulher e, se tivesse coragem de matar aquela velha maldita, confessaria o crime satisfeito, mas não fui eu quem fez isso. O que posso fazer para que acredite em mim?

Claudia avaliou Esmeraldo e o que ele acabara de dizer, sentindo que era hora de começar a conversa para a qual de fato viera até ali.

— Esmeraldo, não há qualquer prova que o ajude, e nessas semanas em que ficou aqui eu investiguei o seu caso cuidadosamente – até esse momento a ministra disse a verdade mas, em seguida, forçou-se a assumir uma postura entre conformada e preocupada, odiando-se pelo que diria mas sentindo que não havia outra forma – Minha sentença está pronta e infelizmente você deverá ser executado.

Esmeraldo gelou, encarando Claudia sem saber o que dizer ou pensar.

— Mas eu não fiz nada! – ele respondeu trêmulo – E a senhora ouviu o que eu disse, mais alguém estava naquela casa e...

— Isso não acrescenta em nada ao seu caso, cigano. – a ministra respondeu no mesmo tom, conformado e um tanto frio - Vários réus disseram coisas semelhantes ao longo de todos esses anos em que ocupo meu cargo e a experiência me ensinou que essas histórias são falsas. Não levo e nem levarei esse tipo de narrativa em consideração. Sinto muito mas pensei que teria mais a acrescentar do que uma invencionice dessas.

Esmeraldo ainda encarava Claudia atônito, mas alguma coisa nele agitou-se ao ouvir o que ela dizia e ao ver seu olhar, que parecia não acompanhar suas palavras. Quando ela o encarou de volta, o cigano notou um brilho inquietante naqueles olhos cinzentos e um arrepio desceu por sua espinha.

— Mas... – a ministra mais do que nunca odiou-se pelo que estava prestes a fazer, porém sentiu-se sem saída, o desejo queimava em suas veias e ela mal ousou ouvir suas palavras quando as disse, forçando-se, temendo as consequências mas com uma resolução de ferro a empurrá-la – eu posso livrar você da morte, Esmeraldo. Seria a maior tolice que eu poderia fazer, colocaria minha reputação em risco mas não vejo outra alternativa além dessa.

O cigano apenas olhou de volta, incapaz de se mover, temendo o que ouviria a seguir mas sentindo tamanho medo que, fosse qual fosse a alternativa que a ministra lhe daria, valia a pena considerar.

Claudia levantou-se, indo até Esmeraldo, que levantou-se também e recuou um passo quando a ministra parou, próxima demais, seu olhar desesperado, suas duas mãos sobre os ombros do rapaz que, ainda encantado pela beleza dela, permitiu aquele gesto apesar do medo que sentia.

— Você me lançou um feitiço do qual não posso fugir, cigano. Deveria queimar em uma fogueira pelo que fez comigo! – Claudia começou, sua voz tremia com aquele desabafo sincero, doloroso – E você fez isso de tal forma que eu não conseguiria esquecê-lo mesmo que quisesse. Eu tentei, dou minha palavra de que fiz tudo o que podia para tirar você da minha mente, mas você não sai, rapaz! Simplesmente não sai! Então...

As palavras de Claudia atingiram Esmeraldo em cheio. Ele, inicialmente encantado com a beleza dela, com seu desamparo, sua aparente fragilidade, de repente voltou à razão. Ele sabia perfeitamente o que vinha a seguir, já vira isso antes, já sofrera o suficiente por causa disso e agora, mais uma vez, revivia aquele momento com Lautette, também aparentemente desesperada e fragilizada. Um arrepio desceu por sua espinha mas ele, ainda pasmo e pregado no chão, não conseguiu se mover e foi obrigado a permanecer pétreo como uma estátua, escutando o que viria a seguir. E a ministra continuou.

— Então... – ela aproximou-se mais, seu olhar em chamas - eu estou disposta a sacrificar tudo: minha honra, minha reputação, meu próprio cargo. Inocentarei você mesmo que todas as evidências demonstrem que deveria fazer o contrário. Eu inocentarei você... mas preciso do seu amor. Venha comigo, vamos sair daqui, sei que você talvez não me ame mas pode aprender a me amar. Só venha comigo e livre-se da morte. E livre-me desse tormento! Por favor!

Esmeraldo abriu a boca para dizer alguma coisa mas as palavras morreram, tamanha a sua incredulidade. Mas sem que ele esperasse e pudesse fazer qualquer coisa para impedir, Claudia, que estava perigosamente perto, finalmente sucumbiu ao desejo e abraçou-o fortemente, beijando-o nos lábios.

No segundo seguinte o cigano estava do outro lado da sala, pasmo, furioso, trêmulo, contando até mil para não avançar contra a ministra. Sabendo que não conseguiria mais ficar ali sem fazer uma besteira, ele simplesmente olhou para ela, o ódio estampado em seus olhos, e disse em um rosnado cruel:

— Pode me matar então! – e deixou a sala, batendo a porta atrás de si. 


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Notas finais do capítulo

O que posso dizer em defesa de Claudia? Nada. Eu sei que, depois disso, você deve odiá-la tanto quanto Esmeraldo a odeia. Eu ainda vejo alguém desesperada, mas a coisa só começou a ficar feia. Ainda vai ficar mais, pode acreditar.



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