Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 6
Luz Celestial e Fogo do Inferno


Notas iniciais do capítulo

Nesse capítulo está uma das coisas mais legais da animação de O Corcunda de Notre Dame: a música Fogo do Inferno, adaptada para essa história de um jeito que ficou bom. Modéstia à parte, leitor, mas eu estava inspirada. Espero que goste!



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Quando Esmeraldo, que dançava em frente ao Palácio da Justiça, percebeu que a ministra Frollo havia chegado, entrando rapidamente no interior da construção após alguns instantes encarando-o, imediatamente acabou a dança, recolheu as gorjetas que recebeu e tratou de sumir dali.

“Só queria que ela não olhasse para mim daquele jeito!” o cigano pensou enquanto tomava o rumo de Notre Dame para ver Quasímoda “Parece a velha Laurette, meu estômago se revira só de lembrar daquela velhaca. Se realmente existe inferno, é lá que ela está agora!”

Esmeraldo estava por perto, na noite anterior, quando os ecos de uma discussão tomaram a viela que levava ao Pátio dos Milagres, onde o cigano morava. Quando escutou aquilo, o sangue do rapaz gelou. Era Laurette de Beaufort discutindo com um homem, só podia ser, ele reconheceria aquela voz em qualquer lugar. E que coincidência bizarra que aquela velha estivesse em Paris justo naquele momento em que Esmeraldo foi forçado a relembrá-la.

“Falando no diabo!” ele pensara enquanto recordava-se do confronto que acabara de ter com a ministra Frollo, o asco ainda não o deixara por completo e o rosto de Laurette estava fixo em sua mente, perturbando-o.

De repente, a discussão tornou-se uma cacofonia de gritos. Esmeraldo, apavorado, percebeu que o homem que discutia com Laurette agora a estava agredindo, e a mulher gritava desesperadamente por socorro.

Quando se deu conta de que aquele verdadeiro fantasma do passado estava ali, implorando por socorro, Esmeraldo pensou em fugir, em deixá-la ali sofrendo fosse o que fosse, mas um lado decente de sua mente recriminou-o severamente por isso e ele ficou ali, dividido entre o desejo desesperado de fugir de perto daquela mulher que lhe causara tanto mal e o dever de entrar e ajudá-la apesar de tudo. Mas a luta interna não durou muito e os gritos cessaram. No momento seguinte, um vulto escapou para fora da casa, sumindo com a velocidade de um relâmpago. Esmeraldo só conseguiu ver a capa marrom que o sujeito usava, ornada com um detalhe em prata.

— Porcaria! – o cigano xingara irritado, sem saber se entrava para ver se a mulher ainda estava viva ou se corria dali antes que fosse visto. Decidindo-se por fugir, incapaz de superar o pavor e o asco por Laurette, já abalado pela conversa desastrosa com madame Frollo, Esmeraldo finalmente fugiu.

Todos esses pensamentos ainda martelavam a mente do rapaz e ele precisava desesperadamente da companhia acolhedora de Quasímoda. Somente alguém tão pura e doce quanto ela seria capaz de trazer alguma paz ao coração do cigano. Quando chegou a Notre Dame, ele mal olhou para os lados e voou escada acima atrás da garota.

Quasímoda, porém, não se parecia nada com alguém capaz de trazer conforto a quem quer que fosse. Quando Esmeraldo a viu debruçada sobre sua mesa de trabalho, cabisbaixa, com olheiras e totalmente desalinhada, sentiu uma onda de pena por aquela garota tão infeliz misturada com um medo e uma raiva cada vez maiores ao pensar que a única coisa que poderia tê-la abalado daquela forma era a ira de madame Frollo por conta de tudo o que aconteceu no dia anterior.

— Caramba, Quasímoda! O que aquela mulher fez com você? – o cigano foi entrando na torre sem cerimônias assustando a sineira que pulou de seu banco e o encarou apavorada.

— Esmeraldo, pelo amor de Deus, vá embora daqui agora! – Quasímoda implorou – Se minha madrinha descobrir que você esteve aqui, você será preso e executado! Não pode mais voltar aqui!

— Não vou a lugar algum. – o rapaz respondeu decidido – Se a ministra quer me prender só porque eu desejo ser amigo de uma garota tão maravilhosa feito você...

— Não é só prender, Esmeraldo, ela pode executar você! – a garota explodiu, desesperada – Madame Frollo disse que você cometeu um crime grave e que, se vier aqui de novo, ela o prenderá e você pode até mesmo ser condenado à morte! Aliás, o que você fez? Realmente cometeu um crime grave?

Esmeraldo ficou por um segundo sem saber o que dizer. Ele lembrava-se do que disse à ministra na noite anterior mas somente naquele momento o cigano percebeu a gravidade de suas palavras. “Se chegar perto de mim de novo eu é que serei capaz de matar você!”

— Eu... – o rapaz foi dizendo lentamente, escolhendo as palavras, em dúvida se devia dizer à garota que ameaçara de morte a madrinha dela por causa de uma situação no mínimo vergonhosa de se confessar a uma afilhada – Bem, eu fui... impulsivo. Disse a ela umas verdades de um jeito inadequado e fazer isso contra uma autoridade é um crime sério.

— Então por favor, Esmeraldo, vá embora antes que ela descubra que você esteve aqui e mande prendê-lo. – Quasímoda insistiu e o cigano a encarou – Todos estávamos alterados ontem mas eu não quero que isso vire uma tragédia e, se virar, será por minha culpa!

— Ela realmente pretende me prender ou me executar? – foi tudo o que Esmeraldo conseguiu dizer naquele momento, o medo mais forte do que nunca.

— Se você voltar aqui para me ver, sim. – a garota respondeu, uma lágrima escorrendo pelo seu rosto.

— Só se ela souber que eu voltei aqui? Então sua madrinha não irá me prender se eu não vier aqui na catedral ver você? – um sorriso maroto começou a surgir no rosto do cigano – Então ela não faria nada se eu apenas ficasse na praça, dançando. Certo?

Quasímoda piscou sem entender mas Esmeraldo aproximou-se dela e segurou suas mãos com carinho.

— Madame Frollo disse que não posso vir aqui ver você mas não disse nada sobre eu poder ou não permanecer na praça. Já que é assim, já que não posso entrar para vê-la, estarei todos os dias lá embaixo, dançando. Basta você vir até sua varanda e poderemos nos ver, mesmo que de longe. Não é bem o que eu gostaria, mas ao menos poderemos nos encontrar sem que eu seja preso ou sem que você tenha que aturar as broncas da ministra. O que acha?

A cada palavra de Esmeraldo a mudança em Quasímoda era visível. A garota sorriu diante daquele plano, diante do esforço que o cigano fazia para pensar em um jeito de se verem sem que nenhum dos dois arranjasse problemas. Os olhos da garota brilhavam e, no final, ela estava chorando mas de alegria.

— Você podia simplesmente ir embora, proteger a si mesmo e não pensar mais em mim, já que madame Frollo só está furiosa com você por minha culpa – a sineira dizia enquanto apertava carinhosamente as mãos do cigano – Mas escolheu dar um jeito de ficar sempre perto de mim. Por quê?

— Você não faz ideia do quanto é especial, não é? – Esmeraldo respondeu enquanto olhava carinhosamente para ela, seu coração cheio de uma ternura que nunca sentira por ninguém em toda a sua vida – Não faz ideia do quanto me encantou com sua bondade, pureza e gentileza. Sabe quantas pessoas como você eu conheci? Nenhuma. Por isso quero ficar o mais próximo possível de você.

O rosto iluminado de Quasímoda foi a resposta mais significativa que Esmeraldo poderia ter recebido. A garota transbordava felicidade, seu sorriso era franco e o cigano surpreendeu-se quando percebeu que nenhum defeito na aparência de Quasímoda era suficiente para apagar a beleza que ele agora via nela. Quando deu por si, Esmeraldo estava beijando a testa da garota enquanto segurava firmemente suas mãos. Surpresa, Quasímoda arregalou os olhos e encarou o cigano sem saber o que dizer.

— Já decidi: não vou a lugar algum – o rapaz disse, novamente decidido – Se a ministra quer me prender, então...

— Não. – o encanto se quebrou e Quasímoda encarou Esmeraldo, novamente apavorada – Se alguma coisa acontecer com você... Será minha culpa, como eu poderia me perdoar?

— Não é sua culpa. Eu... – o cigano não teve coragem de dizer nada sobre os sentimentos de madame Frollo, a verdadeira causa daquela explosão de ira de Esmeraldo – Está bem, eu não vou me meter em encrencas. Mas saiba que aquilo não é sua culpa, Quasímoda. E saiba que, se precisar de mim, estarei lá embaixo pronto para fazer o que for necessário para alegrar você.

Quando Esmeraldo deixou a catedral, Quasímoda debruçou-se sobre o parapeito de pedra de sua varanda e observou enquanto ele começava a dançar olhando para Notre Dame, para ela. O beijo que a garota havia recebido ainda queimava em sua testa e ela suspirou, feliz, sem perceber que, pela primeira vez em sua vida, estava apaixonada.

— Ministra Frollo, capitã Phoebe de Chateaupers apresentando-se para o serviço. – a jovem alta, loira, cujo olhar era resoluto e sério, encarou a superior enquanto batia continência ao apresentar-se assim que foi chamada. A juíza olhou-a de volta, sem emoção, sua expressão vazia e sua voz maquinal.

— Cumpra essa ordem de prisão o mais breve possível. – Claudia respondeu enquanto entregava a ordem de prisão emitida contra Esmeraldo para a capitã, que leu o documento enquanto erguia uma sobrancelha dourada, reconhecendo o nome do cigano a quem prenderia.

— Agora mesmo, senhora. – Phoebe, sem perder tempo, mais uma vez bateu continência e retirou-se do gabinete da ministra. Ela sabia onde estava Esmeraldo, seria fácil prendê-lo. Enquanto isso, Claudia, quando viu-se finalmente sozinha, deixou-se cair em sua poltrona enquanto escondia o rosto entre as mãos e chorava como nunca antes o fez, sentindo como se uma espada atravessasse seu coração.

Phoebe só queria que aquela diligência terminasse logo para que ela pudesse ir para sua casa descansar. Aquela armadura pesava, o dia estava quente e tudo o que a capitã mais queria era um bom banho e um bom pedaço de pão cheio de manteiga, um bife bem suculento e uma caneca de cerveja.

Esmeraldo estava na praça em frente a Notre Dame, ela o vira enquanto fazia uma ronda pela cidade, e novamente agora, ao pôr do sol, após um chamado da ministra Frollo. Ela até comentara com um de seus homens que aquele cigano parecia ter uma emergia infinita, pois estava ali dançando debaixo do sol quente por horas sem parecer cansado.

E agora era sua missão prendê-lo por homicídio.

— Quem podia imaginar, hein? – ela comentou com um sargento que a acompanhava na diligência – Aquela cainha bonita não parecia ser o rosto de um assassino.

— Ele é um cigano, senhora – o sargento respondeu, entediado – já prendi vários ciganos e todos são assim: transbordam simpatia mas escondem segredos sujos.

Phoebe havia chegado a Paris apenas alguns dias atrás, recomendada a Claudia após a corte ouvir sobre seus grandes feitos em batalha. A capitã realmente fizera muitas coisas mas a cada momento percebia que isso seria irrelevante em Paris, cujo maior problema parecia ser as gangues de ladrões, cafetões, um ou outra assassino, problemas fáceis demais para uma oficial experiente enfrentar sem sentir tédio.

Diante isso, imediatamente Phoebe subestimou a diligência que teria de cumprir agora. Com ela iam somente mais três homens, todos pensando que as coisas seriam simples: prender o cigano, levá-lo de carroça à ministra e, depois disso, ir para casa finalmente.

Quando chegaram à praça, a capitã e seus três homens logo localizaram Esmeraldo, que ainda dançava alegremente, cheio de energia. Com um gesto, Phoebe mandou os soldados capturarem o cigano, que logo percebeu a movimentação e parou de dançar, desconfiado, lembrando-se imediatamente do que Quasímoda lhe dissera sobre a ministra Frollo e a ameaça de prendê-lo por tê-la ameaçado.

Mas sua surpresa foi tamanha ao ouvir a ordem de prisão que, por um segundo, o cigano permaneceu sem reação.

— Cigano Esmeraldo, você está preso, acusado de matar mademoiselle Laurette de Beaufort. – um dos guardas foi falando enquanto aproximava-se para prender o rapaz.

— Que... eu... – Esmeraldo gaguejou, olhando para o guarda sem entender enquanto Quasímoda, de seu lugar na varanda da catedral, assistia pasma aquela cena.

— Não! – ela gritou bastante alto e todos na praça voltaram-se para ela. Esmeraldo, despertado do susto pelo grito da amiga, imediatamente tentou resistir à prisão mas o guarda que o segurava era forte e já ia arrastando-o para uma carroça que o levaria diretamente a madame Frollo.

Porém alguma coisa acertou a nuca do guarda e Esmeraldo rapidamente se soltou quando o homem caiu para frente atingido por alguma coisa pesada arremessada por Quasímoda, que encarava o que fizera ainda mais pasma. Vendo que outro soldado já se aproximava para prendê-lo, o cigano deu um salto para trás, correndo o máximo que pôde em direção a Notre Dame. Os guardas, lentos por causa das armaduras, não foram páreo para o ligeiro cigano, que entrou no templo e voltou-se para fora, encarando a todos com um olhar entre furioso e desesperado.

— Santuário! – ele clamou e os guardas imediatamente pararam.

— Droga! – Phoebe fechou o punho, sabendo que nada poderia fazer para capturar Esmeraldo a não ser colocar guardas vigiando as entradas de Notre Dame. A vergonha por aquela falha a deixava furiosa e ela rapidamente mandou buscar reforços para guardarem cada uma das portas da catedral. Em seguida, mandou avisar a ministra do ocorrido.

Ninguém entendeu quando Claudia, que acabara de ser avisada de que Esmeraldo estava em Notre Dame, sorriu e reagiu com inquietante calma à notícia de que um réu lhe escapara das mãos.

A luz da lua banhava uma Paris silenciosa. As estrelas no céu de veludo faiscavam tranquilas enquanto as luzes nas janelas das casas iam se apagando lentamente, à medida que os cidadãos iam se recolhendo para dormir. Era tarde da noite, parecia que a cidade estava mergulhada em uma paz irreal e, na Ile de la Citè as únicas luzes que ainda resistiam à hora tardia vinham das velas em Notre Dame, onde os frades agora cantavam o Confiteor, e de uma gigantesca lareira no Palácio da Justiça. Seu brilho alaranjado escapava pela janela ogival da sala de estar do apartamento da ministra Claudia Frollo, de onde ela mesma contemplava a lua acima enquanto se dava conta do vivo contraste entre a paz que reinava ao redor de seu lar e a tempestade furiosa que agitava sua alma.

Várias semanas haviam se passado desde que Esmeraldo fechara-se em Notre Dame, protegido contra a ordem de prisão que pairava contra ele pelo asilo oferecido pela catedral, onde nenhuma lei humana poderia ser executada, mesmo uma ordem de prisão expedida pela própria ministra Frollo.

Claudia contemplava Notre Dame fixamente, e sua mente estava focada em apenas uma coisa: Esmeraldo estava lá agora. Ele resistiu e escapou dos guardas que vieram prendê-lo e conseguiu abrigo na catedral. Claudia sentiu uma pontada de desespero: ele estava ali, tão perto. Bastava que ela fosse até lá para vê-lo. Bastava, quem sabe, ela pedir, implorar se fosse necessário, talvez ele a escutasse, talvez ele lhe demonstrasse alguma compaixão e...

— Não! - Claudia afastou-se da janela, perturbada, e caminhou em direção à lareira.

— Durante todos os dias de minha vida eu procurei andar nos caminhos da retidão e da justiça, e creio que alcancei certo êxito – ela dizia para uma estátua da Virgem logo acima da lareira, em uma súplica desesperada – Evitei as tentações, lutei contra todas elas e venci! Mas me diga: por que, mesmo diante de todo o meu esforço, isso aconteceu comigo?

A imagem de Esmeraldo dançando encheu sua mente e Claudia respirava com dificuldade, lutando contra seus sentimentos. A paixão e a ira brigavam violentamente dentro de sua alma e a ministra, esgotada, implorava por algum alívio daquele tormento.

Foi assim durante todas aquelas longas semanas: para onde olhasse, Claudia via Esmeraldo dançando, sorrindo para ela. Quando dormia, ele a visitava em sonhos. Quando tentava rezar, ele sussurrava e ela não conseguia se concentrar. Sua vida, sua rotina, seus sentimentos e pensamentos estavam todos mergulhados na mais absoluta desordem.

— Por que aquele cigano maldito não sai da minha mente? Por que a imagem dele, daqueles cabelos negros, daquele olhar em chamas, ficou tão gravada em minha alma a ponto de me fazer perder todo o controle sobre mim mesma? – Claudia erguia a voz à medida que o desespero crescia, e um lado obscuro de sua mente gritou-lhe a resposta aterradora e ela caiu de joelhos enquanto sentia-se aquecer cada vez mais, porém não pelo fogo que vinha da lareira.

— Esse fogo é como os fogos do próprio inferno! E arde em mim agora! – Claudia sentiu uma onda violenta de asco por aquele sentimento, mas a paixão pelo cigano era tão mais forte que conseguiu suprimir a repulsa e Claudia novamente sentiu-se aquecer, sua mente tão perturbada que mesmo as chamas da lareira lembravam Esmeraldo, dançando, olhando para ela.

A ministra olhava encantada para as chamas, desejando desesperadamente que Esmeraldo em pessoa estivesse ali com ela, olhando-a como olhou no dia do Festival dos Tolos. Ninguém nunca havia olhado para Claudia daquela maneira, com tanto fervor. Será que Esmeraldo realmente a rejeitava? Será que ele, no fundo, não senta algo por ela também?

Claudia ainda guardava a echarpe que o cigano enrolara em seu pescoço enquanto dançara brevemente com ela. O tecido era macio, delicado ao toque, e a ministra agora encostava-o ao rosto e fechou os olhos, como se pudesse sentir o toque carinhoso de Esmeraldo. Ela sorriu, o calor aumentou drasticamente e era como se cada fibra de seu corpo fosse um fio elétrico desencapado. E assim o encanto se quebrou.

— Não! – ela levantou-se respirando com dificuldade, o coração acelerado, um medo visível nos olhos cinzentos – esse bruxo está me levando a pecar!

“Ele já a levou! Você já pecou ao desejá-lo!” uma voz severa soou alta em sua mente, e era como se agora o vazio daquela ampla sala estivesse repleto de olhos invisíveis que a julgavam. Claudia tremeu apavorada, incapaz de admitir que aquela afirmação era verdadeira. Ela de fato pecara ao desejar aquele cigano, mas a vergonha em admitir era tamanha que ela fechou os punhos e lutou.

— Não é minha culpa! Foi aquele bruxo, aquele cigano que me levou a isso! – a ministra respondeu para a escuridão, esforçando-se ao máximo para acreditar no que dizia.

— Mea culpa, mea máxima culpa! – o trecho do Confiteor que ressoava em sua mente era ensurdecedor, repetindo-se e repetindo-se sem descanso para a atormentada mulher.

— Não! – Claudia gritou – Não é minha culpa! Sou só uma mortal, uma mulher tão mais fraca que o mal que existe nesse mundo! Assim Deus fez o homem: fraco, sujeito a todas as tentações, e quem é capaz de resistir a tamanhas provas?!

A lareira crepitava atrás da ministra, e quando ela voltou-se para aquele fogo, não viu mais Esmeraldo, mas uma fornalha infernal. O que ela acabara de dizer? Culpar a Deus pela sua própria fraqueza era um verdadeiro crime. A ministra sabia disso e o remorso cortou seu peito como uma espada em brasa e ela caiu de joelhos, sentindo que a salvação de sua alma imortal escapava a cada momento de suas mãos. 

— Salve-me! – ela implorou à Virgem enquanto as lágrimas desciam por seu rosto pálido – Não deixe que aquele bruxo me prenda em seu feitiço! Nem que, para isso, ele tenha que ser destruído!

“Ele merecia queimar no inferno pelo que fez comigo, e que grande alegria saber que eu posso condená-lo à morte a qualquer momento! Posso fazer isso agora mesmo! Ele é acusado de homicídio, há depoimentos que podem condená-lo, então por que não? Mesmo sem provas robustas, eu sou uma ministra respeitável, quem questionaria minha sentença? Aquele cigano morreria e eu ficaria livre desse tormento!”

A imagem de Esmeraldo queimando nas chamas da lareira, aflito, desesperado, surgiu na mente de Claudia e ela imediatamente rejeitou essa terrível possibilidade. E se ele morresse realmente? A ministra imaginou-se condenando-o, mandando executar a sentença, depois suportando a dor esmagadora da perda, o desespero, as saudades...

— Ou... ele poderia ser meu. – Claudia finalmente permitiu-se considerar essa possibilidade. Já que sua alma estava indo para um caminho tão escuro, já que Esmeraldo poderia de fato acabar condenado e executado, então por que não? – Ele poderia ser meu, basta que diga “sim” e eu o livrarei da morte.

“Você está perdida! Perdida como Laurette um dia esteve!” a voz severa em sua mente gritou, cheia de fúria e de reprovação, mas Claudia dessa vez, pela primeira vez em toda a sua vida, não se envergonhou.

— Estou. – ela respondeu, conformada – Lutei por tempo demais, por anos tentei trilhar o caminho da retidão e falhei. Cada vez que tento me esquivar desse sentimento, ele redobra suas forças. Estou presa a isso e não tenho como fugir.

Novamente o olhar em chamas de Esmeraldo encarou a ministra das chamas da lareira, e ela fechou os olhos, imaginando-o ali, caminhando até ela, estendendo-lhe a mão para que levantasse, olhando-a fixamente. E dessa vez Claudia permitiu que a paixão que sentia tomasse conta dela, desistindo de vez de lutar. Era um sentimento maravilhoso demais, ela não teria forças para resistir, mesmo que quisesse.

“Irá condenar sua alma por causa de um bruxo cigano?” a voz severa a advertiu e a ministra, ainda imaginando-se ao lado de Esmeraldo, seu corpo em chamas, sorriu sem alegria.

— Que Deus tenha piedade da minha alma, mas eu não posso mais lutar. Então que ele seja meu.

Esmeraldo estava tão perto, em Notre Dame, bastava ir até lá e falar com ele. Bastava ir e lhe dizer o que sentia, implorar, se fosse necessário, para que ele acabasse com aquele tormento. Claudia, ansiosa, voltou à janela e encarou a magnífica catedral.

— Você terá a oportunidade de escolher, cigano. – ela disse, como se pudesse ver Esmeraldo encarando-a de volta, de cima de um dos parapeitos, ou olhando-a através de uma das janelas – Escolha a mim e estará livre para ir. Acabe com esse sofrimento e eu o liberto, custe o que custar.

“E se ele não a escolher?” a voz severa provocou-a e a ministra, diante daquela possibilidade que certamente a destruiria, fechou as mão em punho e seu olhar tornou-se assassino.

— Então ele irá queimar! – ela declarou e deixou a janela.


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Notas finais do capítulo

"But he willl be mine or he... will.. BUUUURN!"

Não entendeu? Então olha esse cover dessa obra prima e me diga se não é exatamente nossa ministra Frollo! https://www.youtube.com/watch?v=Fquy0YO6psU



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