Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 3
Entre a Imensa Alegria e a Tristeza Mortal


Notas iniciais do capítulo

Esmeraldo realmente entrou na vida tanto de Quasímoda quanto de Claudia para mudá-las totalmente.
Sinceramente, leitor, eu tenho pena dele. Sem saber o impacto que causa, o cigano simplesmente... vive, mas muda vidas e destinos somente por existir. É um fardo ser como ele em alguns casos, enquanto, em outros, pode ser uma verdadeira bênção.
E aqui você vai ver isso acontecendo. Prepare-se para momentos de fofura, mas também para... bem, você vai ver.



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Quasímoda assistiu tristemente de sua torre o Festival dos Tolos, pelo qual esperara tão ansiosamente, acabar muito mais cedo do que o programado e de uma forma extremamente lamentável.

Um sentimento esmagador de solidão tomou conta da menina. Madame Frollo era tudo o que Quasímoda tinha e agora, por culpa de sua desobediência, a madrinha estava furiosa e não viria vê-la, provavelmente. Ela teria de amargar essa situação completamente só e, percebendo isso, sua torre de repente lhe pareceu fria demais para que aguentasse ficar ali.

Ainda chorando, Quasímoda foi andando lentamente em direção à porta de entrada. Qualquer lugar seria melhor do que aquele amplo e desolado cômodo.

— Eu nunca mais vou sair daqui. Fui uma idiota e estraguei um dia que devia ter sido especial. Nuca mais farei nada parecido! Nunca mais! Nunca mesmo! – ela disse de si para si, sem notar que alguém se aproximava dela, subindo lentamente os degraus de pedra.

— Mas não pense que foi tudo perdido, Quasímoda. Você foi feliz por um tempo, eu vi! – era Esmeraldo, que acabara de achar o caminho para os aposentos de Quasímoda. A garota levou um susto e encarou o cigano com um misto de alegria e preocupação. Enquanto ela o encarava, ele subiu os últimos degraus de pedra e entrou na torre.

— Esmeraldo! Você não devia estar aqui! Se madame Frollo pegar você falando comigo... você ouviu o que ela disse! – Quasímoda respondeu enquanto olhava para os lados, como se Claudia fosse aparecer a qualquer momento para piorar a situação para ambos.

— Só vim dizer que sinto muito! Nunca devia ter colocado você naquele palco! Se soubesse que sua madrinha ficaria tão furiosa...

— Tudo bem, não se preocupe – Quasímoda, apesar da alegria de rever o cigano, estava realmente assustada – mas você deve ir! Não quero que minha madrinha pegue você!

— Ela não está aqui agora, está? – Esmeraldo olhou ao redor despreocupadamente, certo de que estavam ambos seguros – E mesmo se estivesse, ela não tem qualquer poder sobre mim aqui. “Santuário”, lembra? Este é local de asilo, é livre para todos que quiserem estar aqui. Qualquer igreja é.

— Mas... – a garota ainda tentou argumentar mas o cigano a interrompeu.

— Tudo bem, eu sei que você tem medo da ministra. Na verdade, quem não tem, não é? Ela é assustadora! E já que é assim, não vou preocupar você ainda mais. Só me diga se há alguma hora em que eu possa vir sem que ela me pegue. Adoraria rever você.

Quasímoda arregalou os olhos e encarou Esmeraldo sem saber o que dizer. Ele queria revê-la? Ela ouviu direito? Ele queria rever a ela? Seu coração ficou até mais leve depois de saber que aquele lindo cigano se importava com ela a ponto de desafiar madame Frollo só para vê-la.

— De tarde madame Frollo está no Palácio da Justiça. Venha entre duas e seis da tarde. – a resposta saiu quase automaticamente – Será bom rever você, Esmeraldo.

— Será bom rever você também, Quasímoda. – o rapaz respondeu e continuou – Mas eu ainda posso ficar mais um pouco. Por que não me mostra a catedral? Assim você fica mais alegre e nós conversamos um pouco mais.

Quasímoda, sem resistir àquele sorriso, feliz por ter aquele rapaz tão gentil ali, tão perto, em um momento em que precisava desesperadamente de um amigo, apenas sorriu e fez sinal para que o cigano a acompanhasse.

— Você já esteve aqui antes? Se não, posso começar mostrando a nave para você.

— Nave? O que é isso? – Esmeraldo franziu as sobrancelhas – E nunca estive aqui, cheguei faz pouco tempo a Paris, então tudo o que me mostrar será novidade.

Quasímoda desceu as escadas de pedra com Esmeraldo logo atrás, e entraram na nave, onde um suave canto gregoriano inundava o ambiente. Os fiéis já haviam se retirado após as Vésperas e o ambiente estava completamente vazio. As velas acesas jogavam uma luminosidade quente e aconchegante em toda a extensão da majestosa construção e Esmeraldo, extasiado, olhava tudo a seu redor com visível interesse. Quasímoda, vendo os olhos cor de esmeralda do cigano brilharem, começou a explicar.

— Essa – ela ergueu os braços, como que abarcando toda a extensão da ampla igreja – é a nave. É a parte da catedral onde acontecem as missas, entende?

— É tão lindo. – Esmeraldo sorriu – É impressionante o que o homem pode criar quando está inspirado, não acha? Essas colunas, esses vitrais, esses arcos e esculturas! Não é nada parecido com o que eu via em minha terra.

— De onde você é? – a garota perguntou, curiosa, enquanto ambos caminhavam pela nave lenta e despreocupadamente, o coração de Quasímoda infinitamente mais leve, agora que tinha alguém querido para conversar.

— Sou de uma cidade no interior da Espanha, meu povo veio para cá faz uns anos, quando Clopin conseguiu um salvo-conduto do rei da França que nos permitia viver em paz e segurança aqui, desde que prometêssemos nos submeter às leis locais.

— E você gostou de Paris?

— Bem... é muito cedo para dizer, mas parece melhor do que a minha terra natal. Pelo menos não existe centenas de nobres nos perseguindo por qualquer idiotice, roubando nosso pouco dinheiro, molestando nossas mulheres, nos queimando em fogueiras sob falsas acusações...

— Que horror! – Quasímoda sentiu uma pontada de pena ao ver o olhar triste de Esmeraldo.

— Aqui, ao menos, ciganos têm um lugar. Podemos ter comércios, podemos sair à rua sem que os guardas nos parem por qualquer coisa... mas ainda há uma coisa que me preocupa aqui.

— O que é?

— Sua madrinha. – Esmeraldo sentiu um calafrio ao relembrar do olhar de profundo ódio que madame Frollo lhe dirigiu – Ela parece meter medo em todos nós e você já viu que ela me odeia simplesmente por ter chegado perto de você. Pelo jeito, não terei tanta paz aqui quanto imaginei.

— Minha madrinha é uma boa pessoa, Esmeraldo. – Quasímoda respondeu docemente – Ela só ficou brava porque, em primeiro lugar, eu a desobedeci e fui ao festival sem autorização dela. Acho que ela estava mais brava comigo do que com você, sabe?

— Mas por que ela a mantém aqui, longe de todo mundo? E por que, por tudo o que é mais sagrado, você acha isso certo? – Esmeraldo parou e encarou Quasímoda, indignado.

— Porque quando madame Frollo me adotou, havia um bando de pessoas ao meu redor dizendo coisas horríveis a meu respeito por causa da minha aparência. Ela ficou tão indignada que jurou a si mesma que eu nunca mais ouviria qualquer comentário como aqueles. Por isso eu vivo aqui. Não é tão ruim quanto parece, sabe? É só...

— ...que você não conhece o mundo lá fora e não tem nada com o que comparar. – Esmeraldo suspirou, cansado – Mas, bem... também devo concordar com ela que viver lá fora não é fácil. Eu preferia que você vivesse lá, com todos. Podia até mesmo ser na casa de madame Frollo não acha?

— Madame Frollo disse que trocaria com grande alegria a casa dela por Notre Dame. Ela detesta ir para casa no fim do dia e muitas vezes dorme aqui. – Quasímoda respondeu sinceramente e Esmeraldo ergueu uma sobrancelha.

— Caramba... o que leva uma pessoa a detestar sua própria casa? Mesmo com tudo o que eu passei na minha terra, eu sinto falta de lá.

— Ela diz que lá é solitário e frio e que aqui, sim, é uma verdadeira casa. Mas por que você disse que voltaria para sua terra a pesar de tudo o que passou? O que aconteceu com você lá?

— Uma velha rica e maligna feito o diabo, foi isso que me aconteceu. – Esmerado respondeu entre triste e irritado - Ela cismou comigo e queria por toda a lei que eu trabalhasse para ela. Mas eu sabia muito bem quais eram as verdadeiras intenções daquela velhaca e, quando cuspi na cara dela tudo o que eu sabia, ela deu em me perseguir e me ameaçar. Então eu fui obrigado a fugir antes que fosse morto.

Quasímoda não entendeu exatamente o que a velha mulher queria e piscou, confusa. Esmeraldo sentiu um misto de pena da ingenuidade dela e carinho por ter perto dele alguém tão puro e inocente.

— Ela queria que eu, hmmm... me... casasse com ela, digamos assim, e ficou furiosa quando eu me recusei e tentou me matar por isso.

— Que triste! Por que alguém faria isso com alguém como você? Não consigo entender como alguém pode ser mau com alguém de tão bom coração. – a garota encarou o cigano tristemente enquanto fazia um grande esforço para pensar em algo para consolá-lo.

— Quasímoda, infelizmente existem pessoas más lá fora, sua madrinha não está errada quando diz isso, e eu dei o azar de topar com uma dessas pessoas.

— Mas essa mulher se apaixonou por você. Como? Pensei que o amor só fazia bem às pessoas.

— Aquilo não era amor, Quasímoda. Era... bem, não sei o que era. Mas não se preocupe com isso. Eu estou livre daquela mulher horrível e estou feliz aqui, mesmo com sua madrinha por aí metendo medo. – Esmeraldo riu e Quasímoda revirou os olhos.

— Ela não é uma má pessoa. Por favor, dê uma chance a madame Frollo, Esmeraldo. Ela é bondosa, sábia, justa e se preocupa de verdade com o povo. Hoje ela só... bem, ela estava brava por minha culpa, mas em todos os outros dias ela é polida, gentil, amável...

Esmeraldo discordou veementemente de Quasímoda, pois madame Frollo lhe pareceu tudo menos alguém que combinasse minimamente com quaisquer desses adjetivos, mas preferiu não discutir com a garota, afinal, ela era afilhada da ministra e a amava como uma filha ama sua mãe. 

O passeio continuou com Quasímoda mostrando a Esmeraldo cada canto da nave, e o cigano se sentiu aliviado pelo fato de conseguir disfarçar sua antipatia por madame Frollo e por terem aquele passei bastante interessante para distraí-los.

Quando conheceram toda a nave, Quasímoda levou Esmeraldo até a torre dos sinos, pois já estava na hora de fazê-los cantar para Paris. Animada, a garota entregou-lhe um par de chumaços de algodão e recomendou que Esmeraldo os colocasse bem fundo nos ouvidos para não ficar surdo.

— E agora olhe isso! Garanto a você que nunca verá algo tão incrível quanto o soar dos sinos de Notre Dame! Está pronto? – a garota pegou uma das cordas, a alegria era visível em seus olhos.

— Preparado! – o cigano respondeu, deixando-se contagiar pela alegria e pelo sorriso de Quasímoda.

— Então vamos lá! – com essas palavras, a sineira de Notre Dame lançou-se para a corda e deu um violento puxão. A primeira nota de bronze soou alto e Esmeraldo sentiu um gostoso arrepio descer por usa espinha, daqueles que só uma boa música lhe causava. Um a um os poderosos sinos de Notre Dame cantaram para eles com suas vozes límpidas. Uns eram poderosos trovões de metal, que estremeciam as vigas e o chão de madeira do campanário. Outros, porém, eram tão doces quanto os salmos que os frades entoavam.

Esmeraldo, completamente encantado, olhava ao redor e sorria, aqueles sons divinos enchiam seu peito de alegria e ele sabia que lá embaixo muitos também sentiam a mesma coisa. E maior ainda foi sua alegria quando Quasímoda lhe entregou uma corda, perguntando a ele se queria ajudá-la a fazer seus amados sinos cantarem. Sem pensar duas vezes, o cigano agarrou a corda e puxou com força. O sino soou e a corda, conforme o instrumento balançava, o puxou para cima. Ele se agarrou com força à corda e se deixou levar, indo para cima e para baixo, divertindo-se como uma criança.

Assim que os ecos da última badalada sumira, eles simplesmente olharam um para o outro e riram como duas crianças.

— Isso foi inacreditável! – Esmeraldo foi o primeiro a falar, cheio de empolgação – Fazer esses sinos todos soarem, produzir uma música poderosa o bastante para que Paris inteira escute! Quasímoda, você tem um poder enorme e maravilhoso nas mãos!

— Assim como você, que dança tão bem que é impossível a quem o assiste permanecer de mau humor! – a garota sorriu de volta, a admiração estampada em seu rosto – Nem madame Frollo resistiu!

— Bem... ela não estava a fim de prestar atenção em mim no começo... – “e eu deveria ter ficado no meu canto e jamais ter ido lá perturbá-la”, Esmeraldo concluiu mentalmente, esforçando-se para não demonstrar a Quasímoda sua preocupação e seu mau pressentimento.

— Mas depois ela simplesmente não tirava os olhos de você, e o resto da cidade também não! Queria saber dançar assim.

— E eu queria saber esculpir assim! – o cigano acabara de notar o modelo de Notre Dame na mesa de trabalho de Quasímoda, e foi até lá para olhar mais de perto – Você quem fez isso? Sozinha?

— Sim, mas acho que preciso melhorar depois de hoje – a garota sorriu.

— Melhorar? Está perfeito, Quasímoda! Isso é um dom raro! Juro que, se eu soubesse fazer isso, não dançaria na rua por trocados. Caramba... cada detalhe da catedral está em seu lugar, cada escultura, cada coluna, até os vitrais! É fantástico! Parabéns! Acho que não vou ver nada mais bonito do que isso hoje.

— Tem certeza? – Quasímoda olhou para o rapaz com uma expressão enigmática e ele ficou curioso – Há mais uma coisa que eu gostaria que você visse. Guardei para o final de propósito.

— O que é?

— Venha comigo e eu lhe mostro! Mas já aviso que teremos vários lances de escada até você conseguir ver.

Quasímoda não estava brincando e, quanto eles chegaram a um espaço aberto, após incontáveis lances de escada, Esmeraldo estava ofegante e bastante cansado. Mas assim que o vento da noite que acabava de cair tocou os cabelos negros do rapaz, ele olhou para frente e foi até onde a garota estava. Ela sorriu e apontou para fora, para além do parapeito de pedras do ponto mais alto de Notre Dame. Esmeraldo, assim que acompanhou o olhar dela, perdeu o fôlego e seu queixo caiu.

Paris reluzia abaixo deles, iluminada pela lua cheia e por milhares de pequenas estrelinhas coloridas que brincavam nos postes e arandelas, nas janelas das casas, nas pontes, nas torres. O Sena era como uma estrada de prata, que contornava a Ile de la Citè e se estendia por quilômetros e quilômetros adiante. As estrelas pontilhavam o céu de veludo e a brisa fresca soprava com doçura, agitando as bandeiras e cantando baixinho.

— Eu... caramba, Quasímoda! – o cigano não tinha palavras.

— Sabia que você ficaria encantado. – ela respondeu satisfeita, vendo o brilho nos olhos do rapaz ao encarar aquela beleza.

— Nem o rei tem uma vista dessas, pode apostar! Eu agora entendo por que você é feliz aqui. Tem os sinos, a paz da igreja, a calma da sua torre, essa vista de fazer qualquer um perder a fala... Até eu poderia viver aqui!

— Mas você pode! Notre Dame está aberta a quem precisar.

— Não, eu não posso. Tenho minha casa, meu irmão, meu povo... outros talvez precisem mais do que eu do abrigo da catedral. Mas tenha certeza de que eu sairei daqui completamente encantado por Notre Dame! Escreva o que eu disse!

Quasímoda, por um momento, desejou ouvir o rapaz completar aquela frase com um “e por você também.”, mas no mesmo instante a garota afastou da mente essa fantasia boba. “Não sou o tipo dele, melhor não pensar bobagens para não sofrer”.

Ambos ficaram ali por um tempo, admirando aquela linda paisagem, até que Esmeraldo virou-se para a garota.

— Minha amiga, não sabe como eu agradeço por você ter me mostrado tudo isso, mas eu preciso ir agora ou meu irmão vai revirar essa cidade toda atrás de mim.

— Eu acompanho você até lá embaixo. – Quasímoda respondeu, tristonha.

— Mas eu volto. Não lhe disse que voltaria? De tarde, não é? Para não deixar sua madrinha brava. – o rapaz sorriu para consolá-la.

— Bem, se você diz que vai voltar, então eu vou esperar. – a garota sorriu em resposta, novamente feliz. Ainda era um sonho para ela imaginar que Esmeraldo de fato voltaria para vê-la, mas ela se permitiu acreditar nisso dessa vez.

Quando chegaram à nave, Esmeraldo se despediu dela com um aperto carinhoso em sua mão. Quasímoda sorriu e o rapaz repetiu a promessa de que voltaria para vê-la. A garota, muito feliz, ficou onde estava, sua cabeça girando enquanto o mundo parecia desaparecer para ela, que só conseguia pensar naqueles olhos e naquele sorriso.

Esmeraldo desceu as escadas de pedra em frente à catedral com o coração leve, feliz e encantado pela pureza e bondade de Quasímoda. Ela era uma menina impressionante, gentil, amável, pura como ele poucas vezes viu, e o cigano queria realmente ser amigo dela e, quem sabe, seus dias na catedral seriam mais alegres se ele a visse regularmente.

Mas antes que o cigano terminasse de atravessar a praça, escura e deserta àquela hora, ou que percebesse qualquer coisa, uma mão gélida fechou-se sobre seu braço esquerdo e torceu-o para trás de suas costas. Ele grunhiu de dor e tentou se livrar do aperto mas seu braço estava tão firmemente preso que foi impossível se soltar. Empurrado para um canto escuro, ele olhou ao redor e não havia ninguém por perto. O rapaz tentou se soltar novamente mas o aperto era o de uma mão de aço.

— O que foi que eu lhe disse? – era madame Frollo, que vira a afilhada e Esmeraldo no alto da torre enquanto eles admiravam a beleza de Paris. A ministra falava baixo, quase colada ao ouvido do rapaz, e sua voz estava tomada por uma fúria tão fria quanto violenta. – Me dê um único motivo para eu não matar você agora mesmo, demônio!

— Eu só queria ser amigo de sua afilhada! Eu acho que ela precisa de um, sabe, já que a senhora a mantém trancada nessa prisão sem ver quase ninguém! – Esmeraldo respondeu sem se deixar intimidar mas o aperto em seu braço aumentou ainda mais e agora a outra mão de Claudia estava apertando seu pescoço com força.

— Vou repetir pela última vez e fique feliz por eu estar com tamanha disposição para a clemência: deixe-a em paz! Se ela se apaixonar por você...

— É esse o seu medo, então? Que ela venha a me amar? E por que não, ministra? Qual o problema?

— Porque você é um maldito feiticeiro, uma besta em forma de homem! E por falar nisso, como se atreveu a me tocar durante o Festival dos Tolos? Quem lhe deu esse direito, seu canalha?! – agora a voz da ministra tremia com uma raiva mal contida.

— Não parecia que a senhora estava se sentindo incomodada enquanto eu a segurava ou beijava sua mão, ministra Frollo! Muito pelo contrário! - Esmeraldo era ou corajoso demais ou tolo demais, e sua mente reviu aquele momento com nitidez, a resposta escapando de sua boca antes que ele pudesse sequer pensar.

Quando o rapaz disse aquilo, Claudia, forçada a recordar aquele momento fatídico, sentiu novamente a mesma poderosa atração que ele lhe despertou quando a amparou nos braços e beijou sua mão com um olhar tão galante. As palavras morreram antes que ela pudesse dizer o que quer que fosse. Agora ele estava ali, perigosamente perto, e a ministra podia inclusive sentir o perfume delicioso de especiarias que emanava dele. O fogo que a queimara antes reacendeu com força total a ponto de deixá-la por um segundo completamente aturdida e praticamente hipnotizada.

O aperto que a ministra exercia no braço do rapaz diminuiu e ela sentiu-se enfraquecer quanto mais inalava aquele perfume e, percebendo que Claudia baixara a guarda, Esmeraldo soltou-se e virou-se para ela cheio de raiva, pronto para lhe dizer umas verdades por conta da ameaça que sofreu. Mas ao ver o estado da juíza, o cigano sentiu um calafrio descer por sua espinha e suas entranhas se reviraram. Ele conhecia aquele olhar. Conhecia aquele brilho nos olhos dela e notou perfeitamente que Claudia tremia e respirava com dificuldade. Ele sabia exatamente o que se passava pela mente dela e o medo o atingiu como um punho de ferro. “De novo não!” ele pensou enquanto lembrava-se da mulher terrível que o ameaçou em sua terra natal e de todo o mal que ela lhe causou.

Claudia, por outro lado, estava paralisada, dividida entre a paixão violenta e o remorso por sentir aquilo e por ter ferido o rapaz. Ela olhou para ele com olhos suplicantes, fez um esforço enorme para falar, para pedir perdão pela explosão de fúria mas as palavras não saíam.

Esmeraldo, interpretando o olhar suplicante de Claudia de maneira errada, tomado pela repulsa e pelo rancor, deu um passo para trás e já ia virar-se para correr mas ela o segurou pelo braço, seu olhar agora desesperado.

— Por favor, não! Eu... – a ministra, em um fio de voz, chamou-o mas o cigano, cuja mente estava completamente anuviada pelas lembranças e pela completa repulsa, disposto a encerrar ali mesmo aquela história, interrompeu-a sem medo do que diria a seguir enquanto puxava violentamente o braço.

 - Fique longe de mim, sua louca! – ele respondeu em um rosnado cruel, sem se importar com o fato de que acabara de ofender uma autoridade poderosa o suficiente para causar mal a ele e a todo o seu povo – Se chegar perto de mim de novo, eu é que serei capaz de matar você!

— O-o quê? – Claudia respondeu, pasma. A ofensa e a clara ameaça do cigano a atingiram com a força de um aríete e ela não ou sou acreditar no que acabava de ouvir.

— Não ouviu? Disse para ficar longe! – Esmeraldo repetiu categoricamente, o asco e a raiva mais visíveis que nunca - Me esqueça, trate de me tirar da sua mente porque eu jamais serei seu! Prefiro morrer do que ser obrigado a tocá-la de novo! Já passei por isso com uma mulher nojenta exatamente do seu tipo, mas nunca mais! Nunca mais!

Um silêncio mortal caiu sobre ambos após os ecos da última frase de Esmeraldo sumirem por completo. O rapaz, dando meia-volta, desapareceu de vista enquanto Claudia, mortificada e sentindo como se uma lança perfurasse seu peito, apenas andou cambaleante até Notre Dame e deixou-se cair em um banco.

Quasímoda viu a madrinha entrando na catedral completamente aturdida e o remorso a atingiu com força. Julgando que sua desobediência fosse a causa do estado lastimável em que madame Frollo se encontrava, a garota tomou coragem para resolver a questão de uma vez.

— Madame Frollo, eu sinto muito! – ela disse em um fio de voz. A madrinha, cuja mente não estava realmente ali, não ouviu a garota falar e não se mexeu ou fez qualquer coisa em resposta.

— Madame Frollo? – Quasímoda se aproximou um pouco mais e notou o olhar vidrado da ministra, mas a movimentação da garota a trouxe de volta e, com um leve sobressalto, Claudia voltou-se para o lado. Quando deu de cara com Quasímoda, seu rosto se fechou.

— Como você pôde? – ela disse em um sussurro cruel, erguendo-se e encarando a garota nos olhos.

— Pelo menos ninguém foi grosseiro comigo, madrinha – Quasímoda ainda tentou retrucar inocentemente, achando que, ao dizer isso, o estrago seria menor - pelo contrário. Foram amáveis e...

— ... coroaram você como Rainha dos Tolos, a criatura mais feia de Paris! Você acha que isso é gentileza? Eles debocharam abertamente de você, sua pequena tola, e você nem percebeu! Espero que agora perceba a malícia de tudo isso e deixe, pelo menos, de ser a criatura mais estúpida da cidade, já que sua aparência é impossível de corrigir! - Claudia explodiu, toda a raiva, a tristeza, o rancor que sentia por conta de tudo o que aconteceu naquele dia voaram contra a afilhada sem remorso e sem qualquer controle.

Com essas palavras duras, madame Frollo deixou a catedral enquanto Quasímoda, cujo peito latejava, simplesmente voltou cambaleando para sua torre e jogou-se em sua cama, derrotada.


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Notas finais do capítulo

Esmeraldo mudou a vida de Quasímoda, jogou sobre ela uma verdadeira luz celestial, não é?
Mas também acendeu na ministra Frollo uma fornalha digna de uma caldeira infernal. Duas pessoas que encararam o mesmo sentimento de formas diametralmente opostas. Não é curioso?

Isso porque você nem sonha com o que ainda está por vir. Não, você não sabe, não. Eu sei que você acha que sabe e, tudo bem... ok, sabe sim. Mas será que sabe exatamente?



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