Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 13
O Pátio dos Milagres


Notas iniciais do capítulo

Oi, Leitor! Esse capítulo ficou maior que os demais mas eu garanto que vale a pena! Só não garanto que as coisas que verá aqui serão felizes. Aperte os cintos, prepare-se pois um ciclo está prestes a se fechar.

Boa sorte a nós todos.



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Os sinos de Notre Dame repicavam as Vésperas. A noite caía em Paris, uma noite escura e triste, as nuvens de chumbo ainda bloqueavam a luz do sol e agora trovões ecoavam na distância. Uma tempestade cairia em breve.

A nave estava cheia de ciganos, que chegaram a instantes atrás após serem libertados por madame Frollo, e que agora recebiam os cuidados médicos de Leon. Felizmente eles estavam relativamente bem mesmo depois de horas a fio de caminhada, sem descanso, água ou comida, à exceção de um ou outro idoso ou doente que precisava de cuidados especiais.

— A ministra Frollo nunca nos tratou desse jeito. – eles se queixavam e Leon ouvia entristecido aquelas palavras – Ela sempre foi piedosa conosco. O que aconteceu? Por que ela odeia tanto Esmeraldo a ponto de nos maltratar assim?

— Esmeraldo é acusado de homicídio, é um crime grave, ela deve estar preocupada demais e exagerou nas precauções. – era o máximo que o médico conseguia responder, mesmo sabendo que não era essa a melhor resposta para aquela pergunta e mesmo diante dos protestos de todos os que ouviram aquilo.

— Esmeraldo é inocente, monsieur Dunois! – todos, sem exceção, diziam aquilo com convicção – Ele não matou aquela mulher! Conhecemos Esmeraldo, ele é um bom rapaz e jamais faria mal a ninguém.

Leon ponderava aquelas palavras enquanto não podia deixar de reparar na certeza na voz daqueles ciganos, que não mediram esforços para defender o amigo com unhas e dentes, mesmo a custo de sua própria integridade física. Isso, Leon admitiu, era admirável. “Ninguém defenderia tanto um assassino, ninguém suportaria tamanho sofrimento para proteger um réu culpado. Será que esse cigano é mesmo inocente e a ministra realmente se equivocou em seu julgamento?”

Esses pensamentos permaneciam na mente de Leon enquanto ele prestava os primeiros socorros aos ciganos que necessitavam e, mesmo depois disso, a possibilidade de ver sua amada condenando um inocente era um tormento difícil de suportar.

“Mas e se ela sente algo por ele, como a capitã Phoebe insinuou?”, Leon raciocinava freneticamente, seu coração doía ao pensar nessa possibilidade “Isso seria motivo suficiente para que ela estivesse tão abatida e cheia de angústia. Condenar o homem que ama seria seu terrível e doloroso dever. Isso explicaria tudo, inclusive sua fúria com os ciganos que tentavam protege-lo. Mas... e se ele for mesmo inocente? Ela certamente não sabe disso ou não estaria tão obcecada em encontra-lo. Pobre cigano. Que a verdade apareça.”

Enquanto isso, Quasímoda, ainda abatida após a conversa com a ministra, andava discretamente pela catedral observando os ciganos refugiados. Ela queria muito falar com eles, ajuda-los, dizer que acreditava em Esmeraldo e em sua inocência, mas o medo a impedia. Já era suficiente saber que madame Frollo arrependia-se de tê-la adotado, ela não suportaria mais uma rejeição naquele dia.

Silenciosamente, a sineira sentou-se em um banco em um canto discreto da igreja e ali ficou, observando e rezando, olhando suplicante para a estátua da Virgem e implorando a ela por piedade.

— A Senhora sabe o que é ver alguém amado ser morto inocentemente. – ela dizia baixinho, relembrando a Crucificação de Cristo, assistida pela Virgem dolorosa, que ficara heroicamente aos pés da cruz até o fim, recusando-se a deixar seu filho só naquele momento de dor – Por favor, tenha piedade de Esmeraldo e de seus amigos, que sofreram tanto para protegê-lo da injustiça. Livre-os. E... por favor, ajude minha madrinha a voltar a ser a pessoa bondosa que sempre foi. – ao dizer isso, a garota caiu em lágrimas, os rostos de Esmeraldo e de Claudia fixos em sua mente, as duas pessoas que ela mais amava no mundo e a quem queria igualmente bem.

Leon, cansado após concluir seu trabalho, passava por aquele mesmo canto discreto da catedral e, comovido, ouvia as palavras de Quasímoda e via seu choro, a inocência de seu olhar e a pureza daquela prece. Resoluto mas devagar, para não assustá-la, ele aproximou-se e se sentou ao lado da sineira.

— Deus jamais deixaria de ouvir uma prece como a sua, Quasímoda. – ele comentou, um sorriso bondoso em seu rosto – A Virgem irá ouvir você, e Deus também.

Quasímoda voltou-se um pouco assustada para Leon, mas relaxou ao ver que era ele. O médico cuidava dela desde que era um bebê, já a conhecia bem e ela não precisava ter medo de ser julgada por ele por sua aparência, já que ele jamais demonstrara medo ou repulsa por ela. Aliviada por ter alguém conhecido por perto, ainda mais o bondoso médico, a sineira recostou-se no banco e olhou para ele.

— Não sabe como eu desejo que essa prece seja atendida, monsieur Dunois. Minha madrinha está fora de si, ela vai matar Esmeraldo mesmo ele sendo inocente! – sua voz era quase um sussurro, as lágrimas ainda desciam por seu rosto pálido e cansado.

— Você também acredita na inocência de Esmeraldo? Por quê? – Leon, intrigado, questionou – Por que todos acreditam que ele é inocente mesmo diante do julgamento da ministra?

— Porque... – Quasímoda não soube responder e nem explicar algo que ela mais sentia do que compreendia – ele é um bom rapaz, monsieur Dunois. Ele me disse, olhando nos meus olhos, que é inocente, disse isso ao arquidiácono, à madrinha também, e não há mentira naqueles olhos. Entende isso? Já esteve diante de alguém que o senhor sabe ser bondoso mesmo que tudo diga o contrário? É assim que me sinto a respeito dele. Mesmo que todas as provas o incriminem, eu sei que Esmeraldo é um bom homem e jamais faria isso.

— Sim, eu sei o que é isso. – o médico lembrou-se imediatamente de Claudia – Então você tem convicção de que Esmeraldo é inocente porque ele é um bom rapaz. Mas só isso?

— Ele não é uma pessoa violenta. Se fosse, ele... – Quasímoda interrompeu o que dizia pois lembrou-se do beijo que madame Frollo roubara do cigano e de quão furioso ele ficou. Ela não podia dizer isso a Leon, não iria expor sua madrinha daquela maneira, mas ainda era necessário explicar o porquê da sua convicção – Bem, se Esmeraldo fosse uma pessoa violenta, daquelas que matam outras pessoas, ele teria feito isso em uma situação que passou aqui. Mas ele não fez, controlou-se, e isso diz muito sobre quem ele é, não acha?

— Estão falando da inocência de Esmeraldo? – era o arquidiácono quem entrava na conversa, interessado.

— Estou dizendo a monsieur Leon que Esmeraldo não seria capaz disso. – Quasímoda respondeu, torcendo para que o religioso reforçasse o que ela dizia.

— De fato, ele não seria. E penso que o senhor pode ajudar a evitar uma injustiça, monsieur Dunois, e a salvar a alma da mulher que ama. – o padre disse categórico diante de um Leon estupefato e de uma Quasímoda pasma e abobalhada – Não, não se espante por eu conhecer seus sentimentos por madame Frollo, eu ainda não me esqueci da primeira vez em que os vi juntos aqui mesmo, nessa catedral, e do olhar do senhor para ela. E sei, como dois mais dois são quatro, que o senhor ainda a ama. Portanto ajude-a.

— O que posso fazer? – mesmo diante da total supressa, Leon respondeu prontamente e Quasímoda, que olhava do arquidiácono para ele com espanto, apenas ouviu, milhares de perguntas zumbindo em sua mente – Farei o que me disser.

— Conhece o Pátio dos Milagres, não é?

— Sim, senhor. Sou eu que cuido dos ciganos doentes então eles me relevaram onde fica esse lugar.

— Pois vá até lá e ajude Esmeraldo a fugir antes que madame Frollo descubra a localização desse lugar e faça uma tolice. Acredite em mim, monsieur Dunois, eu sei reconhecer um homem inocente, a experiência me ensinou até mais do que a madame Frollo quando um homem carrega na consciência um crime grave. Salve o cigano da morte e salve sua amada de tornar-se ela mesma uma assassina pois, se ela não for parada, é isso que se tornará.

— Mas ela pensa que Esmeraldo é culpado, por isso o condenou à morte. Madame Frollo não é uma assassina, Eminência, pelo amor de Deus! – Leon indignou-se e encarou o religioso com horror.

— Ela pensa que sabe, é nisso que quer acreditar mas a verdade é que ela o está condenando pois deixou-se dominar por tamanha luxúria que, quando ele não cedeu ao seu desejo, ela o odiou e preferiu que estivesse morto. – as palavras do arquidiácono foram como um martelo na mente de Leon, atordoaram-no, e ele ficou por um segundo abobalhado – Primeiro eu pensei, depois de vê-la deixar Notre Dame vestida de forma provocante, que fosse um sentimento passageiro e que seu abatimento, sua ausência na missa dominical, suas disposições cada vez menos bondosas, fossem apenas causadas pela vergonha pelo que fizera e por seu comportamento tolo. Mas recentemente eu a vi, falei com ela e entendi que o desejo pelo cigano nunca a abandonara e que isso tanto a desesperava quanto mergulhava-a em ódio profundo por ele. Se Esmeraldo é inocente, ela, sendo como é, ou sabe disso ou ao menos desconfia e, se é assim, basta juntar dois mais dois e perceber que a obsessão da ministra por ele é causada pela paixão desenfreada e não correspondida, e que isso a levará a cometer um verdadeiro crime. Sendo assim, precisamos salvar esse cigano da morte e retirá-lo da cidade. Quanto a madame Frollo, depois cuidaremos dela.

Leon ouviu aquilo tudo sentindo-se fisicamente doente. Então era verdade. A mulher que ele amava estava apaixonada por outro e, por causa disso, transformara-se em uma pessoa cruel e vingativa. Uma fúria crescente agitou-se dentro dele enquanto o médico olhava do arquidiácono para Quasímoda, buscando qualquer consolo para aquela verdade tão dura. Mas a garota, quando recebeu o olhar de Leon, meneou a cabeça confirmando, abatida, tudo o que o religioso dissera. Leon fechou o punho.

— Por favor, monsieur Dunois, se sabe onde fica o Pátio dos Milagres, ajude Esmeraldo! – a garota suplicou sem notar a ira que lutava para dominar o médico. Ele não respondeu.

— Monsieur Dunois, desculpe lhe dizer a verdade de forma tão direta mas não temos tempo para conversas. Se ama madame Frollo como eu sei que ama, ajude-a. – o velho padre encarou o homem lívido, reconhecendo seu sofrimento mas sabendo o quão urgente era a situação.

“Por que eu deveria?” uma voz insinuou-se em um canto escuro da mente de Leon “Ela não me ama, nunca me deu qualquer chance, nem minha amizade quis e agora transformou-se em uma pessoa horrível por causa de uma paixão por outro homem. Será que vale a pena ajudar quem não quer ajuda?”

— Monsieur Dunois? – Quasímoda encarou Leon, que parecia alheio, distante, enquanto os pensamentos contrários chocavam-se em sua mente.

“Você a ama. Ajude-a!” Leon suspirou, o rosto de Claudia, bondoso, sábio, surgiu em sua mente, recordando-o de quem ela realmente era.

“Ela ama a outro, nunca será sua! Não seja idiota!” um trovão explodiu nos céus de Paris, a escuridão vencia os últimos raios de sol daquele dia sinistro.

“Ela precisa de você! Não a deixe tornar-se uma assassina. Salve madame Frollo!” Leon sentia-se jogado de um lado para outro em meio a um furacão. A ira, os ciúmes, a dor, a compaixão, tudo misturava-se em sua mente. Ele não sabia o que fazer.

As velas em Notre Dame começavam a lançar sua costumeira luz aconchegante à medida que a noite caía. A catedral estava mais cheia agora, os ciganos ainda continuavam ali mas, entretidos como estavam, os três não repararam que alguém cantava uma Ave-Maria. Porém a música suave crescia à medida que os ciganos, desesperados como estavam, mesmo não compartilhando da mesma crença dos cristãos ali presentes, aprendiam a simples melodia e agora cantavam juntos, pedindo à Virgem, à Notre Dame, que salvasse Esmeraldo da injustiça. Alguém dissera a eles o mesmo que Quasímoda disse: que a Mãe de Deus conhecia a dor de ver um ente querido morto injustamente, e isso os comoveu e agora eles cantavam, cheios de fé, suas vozes melodiosas enchiam o templo, subindo aos céus como puro incenso.

Leon ouviu aquela canção, surpreso, encantado, e a calma voltou à sua mente como que por um milagre ao mesmo tempo em que ele encarava a estátua da Virgem ali próxima, o mesmo lugar em que encontrara Madame Frollo pela primeira vez em um lindo dia, ela sorrindo, feliz, uma jovem tão encantadora quanto especial. O médico sorriu, aquela disposição sinistra que o impedia de ajudar Esmeraldo tentou uma última vez dominá-lo mas ele, sabendo que se tratava de uma tentação demoníaca, afastou aqueles pensamentos resolutamente. Encarando Quasímoda e o arquidiácono, que ainda esperavam uma resposta dele, finalmente decidindo-se, ele sorriu e levantou-se.

— Vou ao Pátio dos Milagres salvar Esmeraldo. Rezem por mim. – e saiu, deixando a catedral ao som da bela Ave-Maria, enquanto uma paz enchia seu peito e sua consciência acalmava-se. Fizera a escolha certa.

— Vou com o senhor! – Quasímoda correu até Leon, que estava prestes a deixar a catedral para ir em direção ao Pátio dos Milagres. O médico virou-se para ela e estreitou o olhar.

— Não vou colocar você em confusão, Quasí. Já basta o que precisou aguentar até agora. – ele respondeu, mas a garota manteve-se resoluta.

— Eu coloquei Esmeraldo nessa confusão. Se não tivesse fugido da catedral contra as ordens de madame Frollo, nada disso estaria acontecendo. Então eu vou com o senhor. E... já que vamos tirar Esmeraldo de Paris... queria ao menos me despedir, entende? – essa última frase foi dita com tristeza e Leon comoveu-se.

— Você gosta dele, não é? – o médico questionou, colocando a mão sobre o ombro da amiga.

— Eu o amo, monsieur Dunois. – a resposta de Quasímoda, dita com simplicidade e pureza, fez Leon arregalar os olhos, seu coração enchendo-se de pena daquela infeliz garota – Por isso queria vê-lo ao menos uma vez antes que ele se vá. Por favor, leve-me com o senhor.

Leon não queria levar a garota, seu coração lhe dizia que seria perigoso, que eles poderiam chamar a atenção de alguém. Em compensação, o olhar de Quasímoda era tão comovente que o médico não conseguiu dizer “não”.

— Pegue uma capa e vamos, mas venha discretamente está bem? – ele recomendou, mas a ansiedade da sineira era tamanha que ela não soube dizer se conseguiu cumprir à risca aquela recomendação. No segundo em que ela chegou até a porta, ambos deixaram a catedral e, amparados pela escuridão da noite, foram até Esmeraldo.

Claudia ouviu o trovão soando ao longe naquele fim de tarde e fechou a cara, contrariada. Uma tempestade naquele momento atrapalharia a missão e ela teria que interromper as buscas. Os ciganos que seguiam junto com ela estavam exaustos, ninguém ainda comera nem bebera nada, até mesmo a ministra já não aguentava mais e, desde o soar dos sinos de Notre Dame, um estranho cansaço apoderava-se dela e sua mente obrigava-a a parar a qualquer custo e seu corpo estava pesado, como se ela carregasse um peso gigantesco sobre os ombros.

Virando-se para a fileira de ciganos, Claudia chocou-se com o estado lastimável em que estavam, após caminharem um dia todo sem descanso. Ela sentiu uma onda gigantesca de remorso mas evitou demonstrar seus sentimentos pois sua missão ainda era mais importante que qualquer disposição benevolente. Mas ao menos ela sabia que, definitivamente, era hora de parar.  

— Pela última vez: alguém me dirá onde fica o Pátio dos Milagres? – a voz da ministra elevou-se mas nenhum cigano respondeu, ainda decididos a proteger seu lar e seu amigo. Vendo isso, madame Frollo fez sinal para Phoebe – Levem todos ao Palácio da Justiça. Depois está dispensada.

— Sim, senhora! – a capitã respondeu mal disfarçando o alívio que sentia. Os ciganos foram andando ainda enfileirados atrás dos guardas, desaparecendo na escuridão crescente enquanto Claudia, frustrada, guiava seu cavalo para casa, decidida a descansar o máximo que pudesse para, no dia seguinte, retomar as buscas.

— Péssimo dia. – Claudia resmungou enquanto cavalgava para casa, a escuridão da noite adensando-se cada vez mais – Buscas infrutíferas, todos extenuados e nada do maldito cigano. Quando eu achá-lo, ele... mas espere um pouco. Talvez ainda haja algo que eu possa fazer.

A juíza puxou as rédeas do cavalo enquanto um plano desenhava-se em sua mente. No segundo seguinte, ela cavalgava para Notre Dame.

Assim que chegou à catedral, a juíza subiu as escadas da torre da afilhada e entrou, mas o cômodo estava completamente vazio. Ela procurou, chamou, mas nada de Quasímoda aparecer.  Vendo que ela não estava ali, Claudia desceu, um sorriso cruel em seu rosto.

“Eu sabia. Ela com certeza vai até ele! Com sorte, talvez ela o encontre e basta que eu a siga para encontrá-lo também!” a ministra pensou, otimista.

— Onde está minha afilhada? – ela questionou a primeira pessoa que encontrou assim que voltou à nave, mas não obteve resposta. Bastaram, porém, uns poucos segundos para que ela descobrisse que monsieur Dunois havia deixado a catedral acompanhado de uma jovem corcunda não fazia muito tempo.

O arquidiácono, naquele mesmo instante, entrou na nave, reconhecendo a ministra assim que ela virou-se para sair. Apavorado, ele foi até ela.

— Não a esperava aqui a essa hora, ministra. - o velho padre aproximou-se e Claudia o notou – Preciso falar com a senhora agora mesmo.

— Não dessa vez. – ela respondeu simplesmente e deixou a catedral quase correndo pela mesma porta lateral usada por Leon e Quasímoda.

Leon andava furtivamente pelas vielas de Paris, Quasímoda o seguia atenta, mal disfarçando a ansiedade mas conseguindo manter-se nas sombras. O caminho até o Pátio dos Milagres era longo e era provável que ambos encontrassem guardas patrulhando a cidade, por isso os dois seguiam rezando para que nenhuma patrulha os notasse. Não que corressem perigo, mas não seria interessante dizer que estavam indo justamente para o mesmo local que a ministra Frollo tanto desejava encontrar.

Uma viela escura estava diante deles agora, as casas começavam a parecer mais simples e mal cuidadas, a iluminação diminuiu e os trovões continuavam a explodir nos céus. O cenário era arrepiante, digno de uma história de terror. Quasímoda, que nunca tinha saído da catedral, estava visivelmente assustada, mas a presença reconfortante de Leon e a perspectiva de encontrar Esmeraldo mantinham a coragem viva em seu coração.

“Gostaria de ter deixado minha casa em uma oportunidade mais feliz...” a garota pensou enquanto olhava para os casebres assustadores naquela noite tempestuosa, pensando que até gostaria de visitar aquele local, desde que não fosse no momento anterior à despedida definitiva de Esmeraldo.

Já Leon, permanecia em total silêncio, atento ao menor movimento ao redor deles. Até então as sombras pareceram ocultá-los e nem sinal de qualquer guarda naquela região. Sentindo-se abençoado, o médico seguiu, agora mais rápido, e Quasímoda o acompanhou.

O local seguinte era, no mínimo, esquisito. Os dois atravessaram um portão de ferro que dava acesso a um campo desolado, cheio de lixo. Tudo ali parecia abandonado, não havia qualquer sinal de vida ou de presença humana. Havia uma pequena estrada pavimentada com pedras gastas mas que mal se podia ver, o mato tomava conta dos vãos entre as pedras e a lama quase cobria por completo a linha da estrada. Leon seguiu por ali, resoluto, como quem conhecia bem o local, e Quasímoda evitou olhar ao redor temendo se distrair e se perder.

À frente erguia-se uma construção de pedras semelhante a um mausoléu daqueles que se encontra em cemitérios. Como tudo ali, parecia abandonado, mas Leon dirigiu-se para lá e bateu três vezes na porta de madeira gasta e ela se abriu. Ambos passaram por ela e desceram um longo lance de escadas e, assim que atingiram o fundo do que parecia ser uma imensa galeria subterrânea, seus olhos arderam diante da repentina e forte claridade.

— Esse é o Pátio dos Milagres, Quasímoda. – Leon apontou para a sineira que olhou para a extensão daquele lugar, admirada. Aquilo era praticamente uma cidade, com casas, varandas, pequenas ruas, pracinhas, todas coloridas, alegres, cheias de enfeites e de ciganos – Mas não podemos ficar muito tempo e nem devemos entrar antes de ver Clopin, o Rei Cigano. Vamos.

Os dois seguiram por uma ruazinha estreita, entre dois conjuntos de barracos de madeira, todos enfeitados com bandeirinhas coloridas. O caminho era curto e desembocava em uma pequena praça, com uma fonte no meio e, em sua extremidade, uma espécie de palco onde alguém, vestido com roupas coloridas, sentava-se preguiçosamente. Era Clopin que, quando viu os dois recém chegados, levantou-se e olhou, desconfiado.

— Monsieur Dunois! Que surpresa! – o cigano cumprimentou Leon mas estava com os olhos cravados em Quasímoda – E vejo que trouxe companhia, no mesmo dia em que a ministra Frollo, quebrando uma promessa que nos foi feita, procurou nosso lar enquanto maltratava nosso povo. Será que devo dizer que esta é de fato uma boa noite?

— Procuramos Esmeraldo, ele corre perigo! – Leon adiantou-se, notando o perigoso olhar de Clopin, mas sem se deixar intimidar.

— É mesmo? Não me diga. – o rei cigano respondeu irônico – E suponho que o senhor, acompanhado de ninguém menos que a afilhada da ministra, queiram nos ajudar. Nós confiamos no senhor até o momento em que virmos que não podemos mais fazer isso, monsieur, portanto é melhor saírem daqui agora mesmo ou...

— Queremos tirar Esmeraldo de Paris ou minha madrinha vai matá-lo! – Quasímoda falou cheia de tristeza – Eu estou aqui porque... porque amo Esmeraldo, e quero ajudá-lo! Não vamos lhes fazer mal! Por favor, deixe que ele venha conosco!

Um pequeno grupo de ciganos foi se juntando ao redor da praça, encarando aquela cena com um misto de medo e curiosidade, e eles ouviam o que era dito com atenção. As palavras de Quasímoda surpreenderam Clopin e causaram uma onda de comentários entre os curiosos ouvintes, que não sabiam se sentiam pena da garota ou riam daquela situação: uma garota deformada apaixonada por um lindo rapaz. A sineira, porém, não ouvia o que era dito, seus olhos azuis fixos no rei cigano, suplicantes.

— E como saberei se posso confiar em vocês dois? – o cigano mais velho questionou, ainda desconfiado – Se isso for uma armadilha...

— Não, garanto que não é. – Leon respondeu – Nós vimos o que a ministra fez com seu povo hoje e repudiamos aquele ato. Sabemos também da inocência de Esmeraldo e por isso queremos ajudar. Onde está ele? Vamos tirá-lo agora mesmo daqui.

Clopin avaliou o médico e a sineira como uma águia avalia a presa, sem saber se podia ou não confiar neles. Não precisou pensar muito pois, no segundo seguinte, Esmeraldo em pessoa chegava na praça, atraído pelo ajuntamento de pessoas e pela voz de Quasímoda.

— Pode confiar neles, meu velho! – o rapaz declarou com confiança – Quasímoda de ajudou a fugir da catedral e monsieur Dunois... bem, ele sempre guardou nossos segredos, não? Eles jamais nos trairiam.

Clopin, surpreso, olhava de Esmeraldo para os recém chegados e, temeroso como estava pela segurança do irmão, mão viu outra saída além de confiar neles.

— Pois bem, vamos resolver isso. – ele declarou mas algo o assustou e o cigano parou de falar, fazendo sinal para que todos se calassem. Um baque e um grito ecoaram, vindos da entrada do túnel que dava acesso ao Pátio dos Milagres. O medo o atingiu com força e ele desceu de seu estrado.

— O que foi isso? – todos repetiam aquela pergunta enquanto mais sons vinham até eles, sons perturbadores de metal que se entrechocava.

Já Leon e Quasímoda, apavorados, voltaram-se para a direção do ruído e, assim que fizeram isso, empalideceram enquanto os ciganos gritavam assustados pois, na entrada do túnel, acompanhada de um destacamento enorme de guardas armados até os dentes, estava a ministra Frollo em pessoa, um sorriso vitorioso em seu rosto.

— Vejam só o que eu achei. – ela avançou, a voz venenosamente suave, voltando-se para Leon e Quasímoda – Bom trabalho, meus caros.

— Vocês nos traíram! – Clopin apontou um dedo para eles, que voltaram-se e o encararam suplicantes – Isso não ficará assim!

— Não, nós não... – Quasímoda começou a falar mas Claudia, com uma lança nas mãos, bateu a arma no chão e assustou a todos.

— Silêncio! – ela ordenou e apontou para Esmeraldo – Prendem-no!

Os guardas avançaram contra o rapaz que tentou fugir, mas uma flecha passou perigosamente perto dele que, assustado, congelou onde estava e olhou para trás, onde dez guardas, arcos e flechas prontos para atirar, o encaravam.

— Se der mais um passo você morre. – a juíza ameaçou e ele foi obrigado a parar. No instante seguinte, algemas pesadas fecharam-se ao redor de seus pulsos. Estava acabado.

— Madrinha, por favor! – Quasímoda chorou, implorou, gritou, mas Claudia não se comoveu. Leon, por outro lado, olhava pasmo para ela, sem saber o que fazer.

— Por quê? – foi a única coisa que ele conseguiu dizer.

— Ele é culpado de crime de homicídio, monsieur Dunois. Só estou cumprindo meu dever. – ela respondeu friamente.

— Está mentindo para si mesma. Eu sei o que a levou a isso. – o médico rebateu e Claudia ergueu uma sobrancelha dourada.

— Sabe? Ou pensa que sabe? Volte para casa, monsieur Dunois. Não pode fazer mais nada, E da próxima vez, não seja tão ingênuo. – a ministra, após dizer isso, voltou-se para seus guardas e fez sinal para que partissem e levassem Esmeraldo para uma cela no Palácio da Justiça. Quasímoda, desesperada, ainda implorava e, quando a madrinha passou por ela, a garota segurou a barra de suas vestes, em um choro tão doloroso que muitos que viam a cena choraram junto.

— Madrinha, por favor! – ela pediu em um fio de voz mas Claudia afastou-se, ignorando-a por completo, e fez sinal para um dos guardas.

— Leve-a para o campanário e faça questão de que, dessa vez, ela não saia dali. Amanhã teremos uma bela fogueira na praça e faço total questão de que ela assista.


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Notas finais do capítulo

E´amanha, leitor. Amanhã é um dia decisivo na vida de todos esses personagens! O que será deles? O que você acha?

Aguente firme pois amanhã, ao raiar do dia, muita coisa acontecerá.



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