Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 12
A Busca por Paris


Notas iniciais do capítulo

Bem, aí está a continuação dessa história que, a cada capítulo vai ficando mais sombria. Claudia decidiu que caminho tomaria e isso está lançando trevas por Paris. Segure-se, leitor, e lá vamos nós.



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A noite logo cairia, os céus de Paris já assumiam um tom avermelhado enquanto o sol se punha no horizonte. O Sena brilhava como um rio de sangue, tudo ao redor parecia sinistro. Não havia qualquer beleza naquele fim de tarde para a ministra Claudia Frollo. Tudo agora parecia frio, sem vida, sem significado e, quando ela viu-se diante da catedral de Notre Dame, mesmo aquele santuário antes tão amado parecia à juíza um local sombrio.

Claudia caminhava pela praça apressadamente, o manto negro esvoaçando atrás dela, uma figura alta, imponente, mas assustadora naquela tarde melancólica. Seu rosto pálido estava endurecido, os olhos cinzentos faiscavam em ira e havia um quê de loucura em seu olhar mas sua mente estava mais afiada que uma navalha.

“Se alguém ajudou aquele cigano maldito a fugir, esse alguém é Quasímoda.” Ela pensou corretamente, lembrando-se do olhar terrivelmente doce que a garota lançara ao rapaz, depois de sua ousadia quando livrou-o da prisão. “Ela o ama, a pobre tola! E arriscou-se por ele várias vezes! Mas resolveremos isso, e será agora mesmo!”

Claudia encarou o magnífico pórtico de entrada de Notre Dame mas desviou os olhos das estátuas ali gravadas. Era a primeira vez que a ministra entrava na catedral desde a desastrosa conversa com Esmeraldo, onde ela o chantageara e lhe roubara um beijo. Fazia mais de uma semana que isso ocorrera e a vergonha a impedira mesmo de ir à missa no domingo, como era seu costume. Agora, porém, não era apenas a vergonha que a impedia de sentir-se à vontade ali. Afinal, como uma alma que optou conscientemente pela danação eterna poderia se sentir bem em um local santo?

Entretanto havia um motivo poderoso que obrigava a ministra a agir e ela, movida por uma vontade de ferro, entrou resoluta na catedral, obrigando-se a andar e a ignorar os sentimentos que agitavam-se dentro dela. Ela caminhou rapidamente sem olhar para os lados, indo diretamente em direção à porta que dava acesso à longa escadaria em caracol que levava até a torre de Quasímoda.

Porém mais alguém estava ali naquele momento e, assim que o arquidiácono viu a ministra entrar tão apressadamente na igreja, sem a costumeira reverência ao local, franziu as sobrancelhas e, aproveitando que deveria fazer isso de qualquer forma, chamou-a:

— Ministra Frollo, preciso conversar com a senhora agora mesmo. – o religioso aproximou-se resoluto de Claudia, que olhou pra ele maquinalmente mas desviou os olhos no mesmo segundo, voltando ao seu caminho para a torre.

— Não tenho tempo para isso agora. – foi a resposta seca que o velho sacerdote recebeu e ele, surpreso, desconfiado e bastante preocupado, sem se deixar intimidar, seguiu-a.

— Ministra Frollo, eu disse “agora mesmo”. – o arquidiácono respondeu com tamanha autoridade que Claudia sentiu-se obrigada a encará-lo de volta e, assim que o fez, sentiu-se intimidada. O velho padre era sempre amável e gentil, mas agora seu rosto redondo estava tomado por uma resolução inquestionável, que assustou a ministra.

— O que é? – ela suspirou, mas o religioso não respondeu imediatamente, fazendo sinal para que ela, frustrada mas vencida, o acompanhasse até seu escritório. Quando chegaram, o arquidiácono sentou-se, fez um gesto para que ela fizesse a mesma coisa e, com os olhos cravados em Claudia, ele começou a falar.

— Faz uma semana que não vejo a senhora aqui, ministra. Desde o dia em que a senhora conversou com o cigano Esmeraldo. Não, não se espante e não me interrompa: sei o que aconteceu, o sacristão me contou que esteve aqui e Esmeraldo, desde aquele dia, andava por aí murmurando sobre chantagens e beijos roubados. E, para piorar, monsieur Leon de Dunois me disse que a senhora estava abatida demais. Será que não deseja me contar nada?

O arquidiácono era o confessor e diretor espiritual de Claudia, conhecia-a bem e sabia quando sua paroquiana precisava de ajuda e tinha total liberdade para falar com ela daquela maneira. Aquela situação era, em sua visão, muito preocupante, e ele desejava ajuda-la. Mas, para sua frustração, Claudia meramente deu de ombros e respondeu, ainda seca:

— Não desejo dizer nada e preciso ir, Eminência. Se me der licença...

— Não, ainda não lhe dou licença. – o tom do religioso era categórico, mas suas palavras seguintes foram ditas com uma bondade e preocupação comoventes, como um pai que conversa com sua filha – Claudia, você faltou à missa no domingo passado, cairia o mundo antes que você fizesse tal coisa, no entanto você fez. Agora a vejo assim, abatida, entrando na igreja sem ao menos fazer o sinal-da-cruz, seu rosto enfurecido, seus modos desrespeitosos. Será que não vê que algo está errado? Não vê que precisa de ajuda? Por que se esconde? Por que não falou com monsieur Dunois? Por que não quer falar comigo?

— Monsieur Dunois é quem anda falando demais, não acha? – ela respondeu sarcasticamente para desviar o foco do assunto, mas o velho arquidiácono não caiu naquele truque e continuou firmemente.

— Ou você é quem anda falando de menos, filha, embora devesse me contar o que há entre você e Esmeraldo.

Claudia pensou por um momento, a dúvida assaltou-a. Sua consciência gritou com força em sua mente. "Fale! Confesse-se, arrependa-se, não precisa jogar tudo para o alto! Por favor, tenha piedade de si mesma e diga ao padre o que está sentindo! Liberte-se!" mas uma outra voz rebateu, sinistra, cruel, e a ministra encolheu-se. "E como Deus teria piedade de você se você o renegou? Agora aceite seu destino, alma condenada! Não há mais esperança para você". Finalmente empertigando-se, ela encarou o religioso, seus olhos lavados de lágrimas, cedendo ao comando da voz maligna que tirava dela toda a força para lutar.

— O que há entre mim e Esmeraldo? Nada! – ela finalmente explodiu, sentindo que isso era uma grande e terrível verdade, deixando que a frustração por esse fato contaminasse cada uma de suas palavras, seu olhar, seu rosto – Não há nada entre nós! Ele me odeia, eu o odeio profundamente, e nada existe além disso! Estou só, sempre estive e sempre estarei, portanto não há nada que eu queira lhe dizer. Agora, Eminência, se me der licença, preciso ver minha afilhada.

Sem esperar resposta ou autorização, Claudia levantou-se e deixou a sala do arquidiácono tão rápido quanto um raio, fechando a porta atrás de si com violência, deixando para trás um homem preocupado, que escutara aquelas palavras amargas e acabava de entender, entre estupefato e penalizado, que aquele “não há nada” era a maior causa de todos os problemas da ministra Frollo.

E Claudia, praticamente correndo, finalmente alcançou a escadaria que levava à torre de Quasímoda e subiu-a tão rápido que, assim que chegou no alto patamar de entrada, sua respiração estava ofegante e pesada. Mas apesar do cansaço pela subida desenfreada, a ministra entrou com a mesma velocidade e violência no amplo cômodo, assustando a garota e batendo a porta atrás de si.

— Madrinha? – Quasímoda levantou-se de sua mesa de trabalho e correu até Claudia, mas parou assim que notou o olhar furioso da ministra.

— Você o ajudou a fugir! – Claudia acusou sem pestanejar, os olhos cinzentos cravados na apavorada sineira – Você ajudou aquele assassino a fugir e agora ele está por aí, sabe-se lá onde! Você me desobedeceu falando com ele, ajudou-o a escapar da prisão, quase matou um de meus guardas e agora ajudou um homem acusado de homicídio a fugir de Notre Dame! E ainda por cima apaixonou-se por ele! – essa última acusação foi dita em um rosnado cruel, que fez Quasímoda encolher-se de medo e culpa.

— Madrinha, ele não fez nada. – a garota tentou responder, o medo visível nos olhos azuis, a vergonha pelo que sentia por Esmeraldo machucando-a – E eu não... eu... ele não sente nada por mim...

— Mas você o ama! – Claudia explodiu – Você passou por cima das minhas ordens e da própria lei mais de uma vez por causa dele! Você nega isso?

— Não, eu...

— Você nega que o ajudou a escapar de Notre Dame, mesmo sabendo que poderia colocar um assassino de volta às ruas de Paris e, dessa forma, comprometer a segurança dos cidadãos? – a ministra dardejava sem piedade, Quasímoda tremia de medo, atrapalhando-se, sem saber o que pensar.

— Ele não fez nada, eu...

— E você nega que se deixou enfeitiçar por aquele maldito bruxo a ponto de agir como uma tola, arriscando tudo apenas por causa de um demônio disfarçado de homem? – mais um golpe e a garota continuava confusa.

— Madrinha, eu...

— Onde ele está? – a juíza pressionou, aproximando-se da afilhada, que negou com a cabeça.

— Eu não sei! Por favor, madrinha, eu não sei onde ele está! – Quasímoda implorava, incapaz de suportar essa tortura psicológica por mais tempo, esforçando-se ao máximo para não relevar a Claudia o que sabia a respeito da fuga de Esmeraldo e do plano de Phoebe. Por mais que não confiasse na capitã, se a ministra soubesse que a oficial tinha algum dedo naquela história, provavelmente a pressionaria e ela diria para onde levou Esmeraldo e o rapaz estaria perdido.

— Você não sabe ou não quer me dizer? – mais uma vez a sineira viu-se apertada e, rompendo em lágrimas, desatou a falar.

— Eu não sei! Por favor, eu não sei para onde ele foi, só sei que fugiu daqui. Madrinha, por tudo o que é mais sagrado, pare! Não posso ajudar mais do que isso!

— Não pode ou não quer? Tudo para salvar aquele assassino da fogueira. Sim, pois é para lá que ele vai, você sabia? Aquele bruxo vai arder como merece por tudo o que fez! E você, garota tola, caiu nos encantos dele. Mas que chance você teria contra alguém tão pérfido quanto aquele demônio, não é? – o rancor e a maldade na voz da madrinha eram tamanhos que Quasímoda sentiu-se ferida, como se aquelas palavras fossem dirigidas a ela mesma. Do medo, ela passou à indignação e, finalmente empertigando-se, uma estranha força a devolver-lhe a razão, a garota encarou a ministra nos olhos, resoluta, como uma leoa.

— Eu o amo sim, e ele não é um demônio! – ela reagiu, pela primeira vez, o senso de justiça e o amor falando tão alto que renovaram as forças da garota para enfrentar a furiosa juíza, não importando que consequências isso lhe traria – A senhora sabe que ele é inocente, sabe quando mentem para a senhora e sabe que Esmeraldo não matou aquela mulher! Ele lhe disse que é inocente e a senhora, que reconhece a verdade nos olhos das pessoas, deveria ter acreditado!

— Ele é um mentiroso! – Claudia, quase fora de si, continuou – Ele mentiu para mim descaradamente, eu apurei os fatos, mesmo as mentiras que ele me contou, e a conclusão é que o cigano Esmeraldo é, além de um assassino, um mentiroso de marca maior! E você, pequena, acreditou nele! Deixou-se enganar por aquele maldito e, mais uma vez, como vem fazendo desde que o conheceu, cometeu uma idiotice sem precedentes!

Quasímoda ouvia pasma o que a madrinha dizia, via seu olhar furioso e quase desvairado, sentia a maldade que fluía dela e, mergulhando cada vez mais em uma tristeza profunda, concluiu que não a reconhecia mais. Aquela não era a madame Frollo que por tantas vezes a ensinara a ser bondosa e justa. Não era a madrinha que, mesmo diante das estripulias da garota, agia com sabedoria ao corrigi-la, nunca com violência. Aquela mulher rancorosa não era a mesma que a ensinou a amar e perdoar seus inimigos. Aquela era uma estranha para a sineira e a garota, conforme foi ensinada a vida toda, concluiu que não poderia haver justiça alguma no julgamento de alguém movido por tamanho ódio.

Mas aí as queixas de Esmeraldo vieram-lhe à mente. Quasímoda lembrou-se de que sua madrinha também o amava e isso a feriu ainda mais. Como alguém que diz amar pode agir com tamanha maldade?

“Aquilo não era amor, Quasímoda. Era... não sei o que era.” A garota lembrou-se do dia em que Esmeraldo lhe falara de Laurette e dos sentimentos que a mulher nutrira pelo cigano. Lembrou-se de que aquela mulher um dia ameaçara aquele rapaz gentil e bondoso de morte se ele não se casasse com ela. Olhando para madame Frollo, a sineira viu exatamente aquela mesma disposição na mulher que mais admirava nesse mundo e seu corpo congelou.

— A senhora vai matá-lo apesar de tudo. Mesmo amando-o a senhora prefere matá-lo, mesmo sabendo que ele é inocente. – ela disse em um sussurro e Claudia, pega de surpresa por aquelas palavras e pela perturbadora verdade daquela afirmação, não soube o que dizer.  Sua mente afiada reagiu, mas não da forma mais assertiva e a ministra viu-se em uma situação terrivelmente constrangedora, onde sua inocente afilhada, contrariando tudo o que se poderia esperar, acabava de perceber com clareza toda a escuridão que habitava seu coração e que regia suas disposições.

— Como ousa? – ela rebateu em um sussurro venenoso, era o máximo que a ministra conseguia dizer – Que tolice está dizendo, menina?

— A senhora vai matar o homem que ama simplesmente porque ele não sente o mesmo pela senhora. – Quasímoda repetiu, a decepção estampada em seus olhos e lágrimas escorrendo por seu rosto - Por quê? O que aconteceu com a minha madrinha? Por que age como Laurette de Beaufort?!

No segundo seguinte a garota gritou de susto e de dor, quando um golpe duro atingiu seu rosto. Claudia, agora definitivamente fora de si, encarou-a furiosa, a voz não passando de um sussurro, sua respiração tão ofegante que falar era quase um milagre.

— Eu devia ter deixado você naquele estrado de madeira, menina. – a ministra finalmente disse após um abismo de doloroso silêncio e, dizendo isso, retirou-se trêmula enquanto Quasímoda, golpeada não na face mas no peito por aquelas palavras, caiu no chão e chorou como uma criança desesperada, torcendo para que Esmeraldo tenha de fato deixado Paris pois, se ainda estivesse na cidade, corria perigo mortal e rezando fervorosamente para que Deus devolvesse a ela sua madrinha e levasse embora aquela mulher horrível que acabara de renegá-la.

A noite foi agitada em Paris, com guardas andando de lá para cá, atentos ao menor movimento, interrogando passantes e exigindo de qualquer cidadão, cigano ou não, que dissesse se sabia algo a respeito do paradeiro do cigano Esmeraldo. Ninguém sabia, mesmo os mais bem informados, para a frustração da capitã Phoebe que liderava pessoalmente aquela missão.

Quando o dia cinzento raiou, a capitã ainda estava acordada, o cansaço visível em seu rosto e um sentimento de verdadeiro ódio pelo cigano fugitivo, que a fizer ficar a noite toda acordada depois de submetê-la a tantos constrangimentos, inéditos em sua impecável carreira.

Quando os sinos de Notre Dame badalaram pela primeira vez naquela manhã nublada, Phoebe reuniu seus homens e foi até a praça da Grève, onde a ministra Frollo se encontraria com ela para receber notícias e dar suas ordens. Sob hipótese alguma a garota disse ou diria à ministra que foi ela a causa da fuga de Esmeraldo de Notre Dame. Madame Frollo a mataria se soubesse o que fez e ela não estava disposta a admitir um fracasso daquele porte à juíza, que andava tão indisposta ultimamente.

Phoebe estava agora empertigada no lombo de seu cavalo branco, a armadura dourada empalidecera na luz cinzenta da manhã, seus homens enfileirados impecavelmente atrás da superior, apenas aguardando a chegada da ministra. Felizmente não precisaram esperar muito pois logo a silhueta de uma figura alta, de capa, montada em um cavalo negro, destacou-se na neblina que cobria a praça.

Segundos depois, viram nitidamente madame Frollo aproximar-se, os olhos rodeados por escuras olheiras, o cansaço e a ira visíveis no rosto pálido. Ela não trajava um vestido elegante mas as vestes de ministra: uma longa túnica negra, fechada até o pescoço, coberta pela toga de veludo também negro, ombreiras listradas em vermelho, as mangas largas com bainhas de seda roxa. Uma tiara listrada entre roxo, preto e vermelho no alto da cabeça loira, os cabelos presos em um coque apertado, de onde pendia uma fita de cetim vermelho. Naquela manhã fria e cinzenta, a visão dela, vestida daquele jeito e com o olhar tão cruel, era sinistra e não houve guarda ali que não se sentisse intimidado.

— Capitã! – Claudia, seca e pragmática, aproximou-se de Phoebe, que voltou-se para ela e bateu continência, aguardando – Alguma notícia de Esmeraldo?

— Não, senhora. – a oficial respondeu, pragmática como sempre – Mas ninguém deixou a cidade pois coloquei homens em cada entrada e próximos ao Sena também. Ninguém entrou nem saiu sem que eles vissem. Esmeraldo ainda deve estar na cidade.

— Então vamos achá-lo, nem que isso leve uma vida toda. – a juíza declarou – Se não fugiu, aquele rato está escondido na toca. Onde fica o Pátio dos Milagres?

— Ninguém sabe. – Phoebe respondeu, desanimada – É um segredo que eles guardam a sete chaves, só os ciganos sabem onde fica esse lugar.

— Pois nós descobriremos esse segredo, capitã. É pelo Pátio dos Milagres que começaremos a busca. Andando!

O cavalo negro da juíza adiantou-se e, junto com ela, ia a capitã Phoebe, tão decidida a recapturar Esmeraldo quanto sua superior. Atrás das duas mulheres ia um destacamento de algumas dezenas de homens, que pensavam surpresos que aquela era a primeira vez na história da cidade que uma ministra ia à frende da equipe de buscas para recapturar um fugitivo.

“Esse tal Esmeraldo deve ser perigoso mesmo ou a ministra em pessoa não estaria tão determinada a recapturá-lo!” eles pensavam enquanto moviam-se disciplinadamente.

— Por onde começaremos, senhora? – a garota questionou.

— Ciganos amam ouro. Dê dinheiro a eles e contarão tudo o que deseja saber. – foi a resposta da ministra Frollo, que olhava de um lado para outro ansiosa para encontrar qualquer cigano, uma sacola cheia de moedas pendurada na cintura.

— Ali, senhora. – Phoebe apontou e Claudia praticamente voou na direção do cigano, que assustou-se quando viu a ministra em pessoa cavalgar até ele tão rapidamente.

— Você – Claudia parou na frente do confuso cigano e encarou-o, decidida – Pago dez peças de ouro se me disser onde fica o Pátio dos Milagres.

O homem piscou confusamente para ela, avaliou a proposta e fechou o cenho.

— É nosso santuário. – ele respondeu repetindo as palavras que o rei da França dissera ao ceder o local para os imigrantes.

— Mas esconde um réu foragido. – a ministra rebateu, seu olhar endurecendo – É meu dever prendê-lo mesmo se ele lá estiver. Pela última vez, diga-me onde fica o Pátio dos Milagres e será recompensado.

Mais uma vez o cigano avaliou a ministra mas aquele povo era muito unido, enfrentara muitas dificuldades e não seriam dez peças de ouro ou qualquer outra coisa que o faria revelar a localização do único local no mundo onde finalmente seu povo conseguiu ser livre. Olhando para as moedas na mão da ministra, o corajoso homem fechou a cara e seu olhar foi suficiente para que Claudia entendesse a resposta.

— Prenda-o. – ela ordenou e Phoebe fez sinal para um guarda, que algemou o resoluto cigano, que não se deixou intimidar – Que ele nos acompanhe e sirva de exemplo para os demais.

Bastaram poucas horas para que, junto com o destacamento de guardas que acompanhava a ministra, andasse também, cansados, sofridos mas resolutos, uma verdadeira caravana de ciganos, todos algemados, pois nenhum deles disse onde ficava seu lar, mesmo diante das ofertas de ouro oferecidas por Claudia ou da visão do homem extenuado que caminhava sem parar.

Iam nessa sinistra procissão tanto homens quanto mulheres e crianças, mulheres grávidas, com filhos pequenos, pessoas adoentadas, feridas, que não podiam andar sem grande sofrimento. Mas a ministra Frollo, obcecada como estava em encontrar Esmeraldo, não se importou com nada além de seu objetivo.

Logo a notícia de que a ministra Frollo procurava o Pátio dos Milagres espalhou-se por toda Paris, como fogo na palha seca, e até os cidadãos nativos da cidade sentiram pena dos ciganos, tanto dos que estavam presos e eram obrigados a quase correr atrás dos guardas, cansados, famintos e entristecidos, quanto dos que ainda não sabiam que estavam sob ameaça de ter seu lar descoberto. Era um espetáculo triste de se ver, aquela longa fila cheia de pessoas que choravam e sofriam visivelmente. Muitos parisienses sentiram compaixão e viraram o rosto, incapazes de suportar aquela visão tão triste.

— A ministra enlouqueceu. – dizia um parisiense à sua esposa após ver passar a longa procissão.

— Como assim? – foi Leon de Dunois quem questionou, ele passava por ali naquela hora e, preocupado com os boatos, queria ver pessoalmente o que estava havendo.

— A ministra Frollo está atrás do Pátio dos Milagres porque parece que o cigano Esmeraldo está lá. Ela está obcecada, tenta obrigar os ciganos a dizerem onde fica esse lugar e, quando eles não respondem, ela os prende. Tem crianças ali, monsieur Dunois! Vi várias delas, junto com mulheres grávidas, doentes, velhos, todos enfileirados atrás de seu destacamento, mal aguentando dar mais um passo mas obrigados a praticamente correr pelas ruas, para servirem de exemplo a quem não quer colaborar.

Leon, pasmo, correu para ver aquilo pessoalmente, incapaz de acreditar no que ouvira daquele homem. E, para seu total espanto, ele deu de cara com a ministra justo no momento em que ela abordava uma família de ciganos e, naquele caso em específico, havia duas crianças com eles. Quando Claudia mandou que os guardas prendessem a todos, mesmo as crianças, o médico arregalou os olhos e correu até ali.

— Madame Frollo! – ele aproximou-se correndo, a preocupação visível em seus olhos – O que está acontecendo? Por que está prendendo duas crianças dessa maneira?! Não pode fazer isso!

— Saia! – Claudia respondeu secamente mas Leon não saiu.

— Solte aqueles que não podem mais andar, as crianças e as mulheres, ministra, pelo amor de Deus! – Leon apelou desesperado mas Claudia não cedia – Há idosos aqui que mal podem se sustentar em pé! Seja piedosa, madame Frollo!

— Mandei sair da minha frente, monsieur Dunois! - ela elevou a voz, ameaçadora, mas nem isso intimidou Leon, que encarou-a também resoluto enquanto ela ainda falava – Quer que eu o acuse de obstrução da justiça e o prenda, como fiz com esses ciganos? Estou procurando um réu foragido e ele está no Pátio dos Milagres! É meu dever encontrar aquele local e o farei a qualquer custo. Agora saia da minha frente agora mesmo ou será preso também.

— E quer que eu diga ao Rei da França que a senhora, utilizando-se de seu cargo e de suas atribuições, está submetendo mulheres, idosos e crianças a um tratamento cruel? Acha que ele vai gostar de saber disso? – a resposta de Leon foi dita apenas para Claudia ouvir, os olhos do médico faiscando, a convicção em suas palavras era admirável e a juíza, mesmo furiosa com aquela argumentação, ainda carregava dentro de si um pouco da justiça que sempre praticou no passado e, com um único gesto, atendeu ao pedido de Leon.

— Vocês dois – ela apontou para dois guardas – acompanhem esses ciganos a Notre Dame e garantam que fiquem ali até segunda ordem!

Assim foi feito e, conforme Leon pediu, as mulheres, idosos e crianças foram retirados da fila e encaminhados a Notre Dame. A sinistra procissão diminuiu de tamanho mas ainda havia muitos ciganos ali, cansados e cheios de sofrimento, que andaram por horas sem descanso.

— Está feito, monsieur Dunois. Agora saia da minha frente. – Claudia ordenou friamente e Leon, vencido, foi obrigado a sair, mas não sem encarar com um misto de decepção e compaixão do rosto frio da mulher a quem amava.

— Que Deus a ilumine, ministra Frollo – havia muito significado naquela prece e naquele olhar. Leon enxergou a desesperança e as trevas nos olhos cinzentos de Claudia mas, ao invés de desistir dela por causa da decepção, a imagem da mulher gentil, sábia o bondosa que ela era encheu sua mente e ele desejou com todas as forças que ela voltasse a ser assim e, em mais um esforço, o médico concluiu antes de deixar o local – Ainda estou aqui se precisar de mim.

Por um momento o olhar compassivo de Leon surpreendeu a ministra e ela, consciente de quão afundada em trevas estava, comoveu-se por ainda receber daquele homem tão bondoso um gesto de compaixão que ela sabia não merecer. Mas isso durou apenas um segundo pois, quando o mal captura uma presa, não a abandona facilmente e, na mesma hora, a imagem de Esmeraldo, foragido, cheio de desprezo por ela, lançou uma sombra naquela pequena luz.

— Andando! – ela ordenou com voz forte e o cortejo prosseguiu, os ciganos exaustos voltaram a andar e as nuvens de chumbo nos céus escuros de Paris pareceram ainda mais tenebrosas.


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Notas finais do capítulo

O que acharam desse capítulo? Comentem aí pra eu saber! Até logo, leitores, e vamos com tudo que logo teremos fortes emoções por aqui.



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