Estranha Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 7
Olhando o passado




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***
Assim como a adrenalina pelo acidente foi baixando ao chegar em sua casa, toda a adrenalina provocada por aquele encontro pareceu também vir à tona. A sensação que ambos compartilhavam é que jamais poderiam estar no mesmo ambiente com naturalidade, sempre haveria no ar uma tensão, um cordel invisível que parecia a todo momento jogar com os flashs daquele passado inconcluso, conflituoso e incongruente com suas atuais escolhas e com as pessoas que eram.

Quando se olhavam, o mundo se detinha e ambos tinham de novo a impressão de que eram adolescentes cheios de ilusões, de que mais de vinte anos não haviam se passado, de que não havia uma estilista famosa e reconhecida e um padre dedicado às missões humanitárias. Eram só um homem e uma mulher tendo que afrontar a cada escolha e decisão que havia tomado na vida.

— Podemos ir a um lugar mais reservado para que eu te examine? — Indagou Heriberto com aquele ar constrangido que sempre tinha na presença dela logo depois de ver uma empregada passando pela sala.

— Claro. — Victoria aceitou muito mais prontamente do que seu coração lhe disse que devia aceitar. Pensou que era melhor acabar de uma vez com aquilo, que ele fosse embora e que tudo fosse esquecido. Como já havia sido uma vez.

Heriberto com aquele ar rígido e nervoso acompanhou Victoria até uma das salas reservadas de sua mansão. Apesar de serem coisas que jamais lhe haviam seduzido ele pensou no quanto ela devia haver trabalhado para construir todo aquele império que desde a entrada até o interior denotavam luxo e opulência sem se perder no exagero.

Sua mãe também era uma mulher muito rica, havia se dedicado sozinha a administrar a herança que seu pai deixou e isso a havia tornado uma mulher de muitas posses, mas pelo próprio estilo da casa dava pra ver que Ana Joaquina e Victoria lidavam de maneira muito diferente com a riqueza. À Ana Joaquina lhe faltava bom gosto e isso era algo muito óbvio.

Ao chegar na sala reservada, Victoria tirou seu casaco porque, apesar de haver insistido para não ir ao hospital, a dor aguda que sentia na mão começou a preocupá-la principalmente porque lhe pareceu que estava irradiando para seu braço. As palavras de Heriberto haviam feito efeito sobre ela, não podia sequer pensar em ter alguma sequela em sua mão, seu maior trunfo para realizar aquele trabalho que tanto amava.

— Você tem certeza que está tudo certo com o restante de seu corpo? — Indagou ele assumindo a posição de médico que ele sabia que era a única que ele devia ter.

— Eu acredito que sim. — Respondeu ela com aquele ar grave que fazia questão de fortalecer na presença dele.

— Tente pensar no acidente... Você sentiu impacto em alguma parte de seu corpo... ou se lembra se bateu a cabeça, algo que possa ser preocupante? — Ele seguiu questionando-a.

— Acredito que o único impacto foi na minha mão. Foi só o que eu me lembro de sentir. — Disse depois de pensar por alguns segundos.

— Então deixe-me...

Ele fez um sinal de que ia pegar sua mão, ambos estavam sentados sobre um sofá divã que ficava no centro da sala reservada. Victoria estendeu a mão, mas seu olhar se desviou imediatamente para os olhos de Heriberto e ela foi capaz de voltar a ver nele aquele garoto que um dia havia lhe provocado a mais irresistível das paixões.

Heriberto, que ao contrário tinha o olhar no rosto dela enquanto ela respondia suas perguntas desviou seus belos olhos verdes imediatamente para sua mão. Claro que para examiná-la como havia se proposto, mas também para fugir da inundação de sentimentos que lhe acometia cada vez que ele se detinha a olhar Victoria nos olhos.

Sempre havia sido assim, em todos os momentos. Não foi por acaso que aconteceu o que aconteceu entre eles na juventude, quando Victoria o olhava nos olhos, todo o mundo desaparecia em segundos e a única coisa que existia era aquela sensação incontrolável de que, por ela, estaria perdido em todos os sentidos.

O exame mais detalhado da mão dela levou alguns minutos e aquele magnetismo jamais os abandonou em todo aquele tempo. Heriberto se perturbou ao sentir a pulsação de Victoria em seus dedos alterada e não pôde evitar se perguntar se seria pelo acidente ou pela presença e pelo contato dele. Ao mesmo tempo, ele próprio sentia sua pulsação alterada e tinha certeza que a causa era Victoria. O forte clima no ar foi interrompido deixando-os claramente desassossegados.

— Victoria! Oscar me contou do acidente, você está bem? — Antonieta entrou na sala fazendo com que Victoria instintivamente tirasse sua mão da mão de Heriberto.

— Estou bem, Antonieta. Por sorte, eu bati no carro de um médico e... conhecido. — Encarou a Heriberto levantando-se sem poder evitar usar de seu sarcasmo característico.

— Eu já vou. — Disse Heriberto desesperado para fugir dali e da presença tão perturbadora daquela mulher. — Sua mão parece estar bem, mas não deixe de observá-la e se notar algum inchaço, a persistência da dor, algo diferente... não deixe de ir ao hospital imediatamente.

— Antonienta, este é Heriberto, o motorista do carro no qual eu bati.

— Heri... Heriberto. — Tentou disfarçar. — Muito prazer. — Estendeu a mão.

— O prazer foi meu. — Respondeu ele sério. — Cuide-se Victoria...

— Não deixe de procurar meu seguro, faço questão de que tudo seja resolvido! — Assinalou Victoria.

— Está bem! Boa noite! — Despediu-se ele sem aguentar um minuto mais ali.

Antonieta esperou que ele desaparecesse pelo corredor que levava à saída da casa para voltar-se para Victoria com os olhos arregalados desconcertada com a situação?

— Victoria, o que estava acontecendo aqui? Que clima era aquele no ar? Vocês brigaram?

— Claro que não! Digo... não de novo. Eu ainda não entendi a peça que o destino ou o diabo querem pregar comigo ao fazerem com que eu me cruze duas vezes com esse homem no mesmo dia! — Esbravejou.

— Talvez não seja obra do diabo, mas de Deus. — Empolgou-se Antonieta.

— Oh, Deus. — Gargalhou Victoria. — Esqueceu-se de que ele também é padre? O que Deus ganharia colocando esse homem diante de mim para me fazer questionar se ele devia ou não ter se tornado padre?

— Ah, Victoria. Ser padre não é uma sentença eterna e, talvez, você não seja a única que esteja fazendo questionamentos... — Antonieta suspirou.

— Esqueçamos esse assunto que é o melhor que fazemos. Já que está aqui, falemos de trabalho: as peças exclusivas, estão encaminhadas?

— Perfeitamente! Tenho certeza que esses dois modelos serão o destaque da moda esse ano, Victoria, não tenho dúvidas.

— É disso que eu preciso, que toda a coleção agrade os críticos, mas que esses dois modelos sejam reverenciados inclusive na imprensa!

— Assim vai ser Victoria. Mas... você não sabe. — Ela disse demonstrando preocupação. — Bernarda de Iturbide antecipou o lançamento da nova coleção de sua casa de modas. Será na semana que vem, um dia antes da nossa.

— Ah, então ela quer me enfrentar? — Victoria tinha um ar irônico. — Vamos ver se ela será páreo para mim.

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