Estranha Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 6
Impacto




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***
— Vamos trabalhar que temos pacientes a atender. — Respondeu Heriberto fugindo do assunto.

Luiz não insistiu naquela incômoda conversa, mas percebeu o quanto seu amigo ficara afetado. Heriberto, por sua vez, refletiu sobre cada palavra que havia ouvido. Eram dúvidas que sempre o haviam acompanhado e muito mais agora que chegava à chamada meia idade. Não era mais um garoto que podia aceitar que a mãe controlasse, mas havia passado a vida toda dizendo a si mesmo que aquela carreira era uma escolha sua, não poderia suportar todos aqueles anos se acreditasse que havia feito tudo simplesmente para agradar a sua mãe.

Essa noite deveria celebrar uma missa do outro lado da cidade em uma paróquia cujo padre responsável havia adoecido. Jamais se negava a uma missão e muito menos se dissesse respeito à Igreja e seus sacramentos. Além disso, agradeceu a Deus a incumbência que fazia com que ele tivesse que, por alguns minutos que fossem, não entregar-se àqueles pensamentos tão incongruentes com as escolhas que tinha feito. Entrou em seu carro simples ainda sem se recuperar do incômodo encontro com Victoria e se dirigiu àquela igreja.

Victoria trabalhou até o fim da tarde quando já não conseguiu mais sufocar a ansiedade que sentia e decidiu ir para sua casa. Como aquele não era o horário que ela costumava sair, seu motorista não estava à postos e ela decidiu, ela mesma dirigir até sua casa sem nenhuma disposição para esperar. Estava muito perto daquele desfile para o qual ela havia se dedicado por meses. Era o melhor momento de sua carreira e ela não queria permitir que homem nenhum, nem Osvaldo e nem Heriberto pudessem estragar seu momento invadindo seus pensamentos e roubando-lhe a capacidade de se dedicar à seu trabalho.

Heriberto dirigia com seus pensamentos viajando entre seu passado e seu presente, mas, sobretudo, se perdia na estranha sensação que a presença de Victoria lhe provocava. Pensou que para que as coisas não ficassem piores dentro de si o melhor seria manter-se o mais distante possível dela. Porque até uma animosidade, uma briga, uma gama de mágoas saindo à superfície em um encontro com ela pareciam pesadas demais para ele. Bem perto da Igreja, em uma curva acentuada, viu quando um carro luxuoso não respeitou a sinalização e atravessou o cruzamento.

       

Ao tentar evitar o impacto, o condutor do outro veículo se virou, batendo de leve no carro de Heriberto, mas sendo forçadamente parado por uma árvore que estava logo à frente. O primeiro impulso de Heriberto foi descer e correr até o carro para ver se podia ajudar, se a pessoa havia se machucado. Aliás, sempre que via um acidente agia assim, mais ainda se ele mesmo estivesse envolvido no fato. A porta do motorista estava levemente amassada e ele rapidamente tentou abri-la mas viu que ela, aparentemente, estava travada. Deu leves batidas no vidro para que quem estivesse dentro do carro a abrisse.

Uma pequena aglomeração se formou no local e Heriberto tentou acalmar a todas as pessoas dizendo-lhes que era médico. Estava pálido com o incidente, mas conseguiu empalidecer-se mais quando juntamente com a motorista conseguiu abrir a porta do carro e se deu conta de que era Victoria. Era como se o destino quisesse pregar-lhes uma peça e, quanto mais fugiam do contato um do outro, mais terminavam próximos.

— Desculpe, eu não vi que vinha ninguém... Eu... Heriberto? Você? — Ela desceu impactada.

— Você está bem? — Foi a primeira e mais imediata preocupação dele.

— Estou com uma dor infernal na mão, senti um forte impacto nela, tenho medo de que tenha quebrado.

— É a mão direita? — Ele indagou estendendo sua mão para segurar a dela.

— Sim. — Ela suspirou tentando recompor-se depois daquele susto.

— Deixe-me te examinar? No mais você está bem, mais algum impacto? Em todo caso seria melhor que você fosse a um hospital fazer alguns exames.

— Não, eu não quero ir ao hospital! — Puxou bruscamente a mão e soltou um gemido alarmando a Heriberto.

Heriberto então tocou sua mão para examiná-la, mas ainda que com essa intenção, sentiu seu coração alterado com aquele toque. Ele foi examinando-a com cuidado enquanto tinha aquela sensação de magnetismo com o conhecimento dos olhos de Victoria sobre ele.

— Não parece que houve nenhuma fratura, mas eu ainda insisto que você vá a um hospital examinar essa mão.

— Não é necessário, uma noite de repouso já está ótimo. — Respondeu Victoria sentindo que se exalava no ar aquele embaraço que existia entre eles.

— Eu te acompanho até o hospital e em pouquíssimo tempo você já estará fora de lá. — Heriberto insistiu sentindo que era sua obrigação.

— Não é necessário. — Victoria voltou a negar-se gelando com a possibilidade de passar ainda mais tempo perto dele.

— Victoria, você é estilista, sua mão é seu maior instrumento de trabalho, não pode deixar de cuidar dela. Ou teria algum motivo a mais para que você não queira ir ao hospital?

— Nenhum! — Foi curta e grossa. — Aqui está meu contato, procure meus advogados que eles vão arcar com todos os prejuízos, a responsabilidade é minha. Meu seguro cobre tudo.

— Vic...

Heriberto tentou detê-la, mas ela entrou rapidamente no carro tentando ligar a ignição. A insistência em girar a chave não deu resultado e o carro não ligou, o impacto produziu algum dano no veículo que impossibilitava que ele voltasse a ligar.

— É até arriscado que você ande em seu carro depois desse acidente. O meu teve apenas um leve amassado. Além disso, você está muito nervosa. Se você não quer ir para o hospital, eu não vou insistir, mas por favor, deixe-me te levar para casa.

Vencida, Victoria aceitou. Ligou para Oscar pedindo-lhe que resolvesse com o seguro o problema do carro e entrou no carro de Heriberto. Intensamente incômoda. Não incômoda pela simplicidade do veículo, nem por aceitar a carona dele, mas unicamente por aquilo: era ele. Se alguém lhe contasse que um fato como aquele se deu por coincidência, jamais poderia acreditar, mas havia acontecido precisamente com ela, tão cética com relação ao acaso.

Sua casa ficava a poucas quadras do local do acidente e logo chegaram. Na entrada da incrível mansão sem terem conversado muito pelo caminho, ficaram parados olhando-se, sem ação. Victoria usou o controle que estava em sua bolsa e abriu o portão. Percebendo a falta de atitude de Heriberto, Victoria quebrou o silêncio:

— Você pode me levar até a entrada da casa? Fica muito longe do portão e agora que a adrenalina está baixando...

— Claro, claro. — Concordou Heriberto. — E, se você me permitir, eu posso te examinar mais detidamente. Se você insiste em não ir ao hospital, eu ficaria mais tranquilo.

— Está bem, não vou mais me negar. — Aceitou Victoria já sem forças para insistir. Contudo, dentro do seu coração um outro acidente acontecia entre passado e presente, entre razão e aquele turbilhão de emoções.

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