Estranha Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 4
Incertezas




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***
Heriberto olhou para Victoria com certeza de algo que ele havia suspeitado: a presença dela era extremamente impositiva para ele. Ela se vestia como uma verdadeira rainha, mas não era só isso. Ela também o olhava e tinha uma postura de rainha. Além disso, estavam todas as questões envolvendo a culpa que ele sentia. Nunca conseguiu se perdoar por como havia se comportado com ela e por ter permitido que sua mãe resolvesse tudo com relação ao grande pecado que haviam cometido.

É claro que era muito jovem quando tudo aconteceu, ele tinha 17 anos e ela 16, mas sabia que não era jovem demais para se comportar como um homem. Havia sido um fraco e era muito mais fácil acreditar que Victoria não era para ele, que a vida do seminário era a que ele tinha escolhido. Era só voltar a vê-la em sua frente que todas as suas certezas caíam por terra. Contudo era fato consumado que aquelas certezas jamais haviam existido.

Não podia ser natural que o simples fato de ler o nome dela em um jornal ou uma revista, ver uma reportagem sobre ela com seu marido ator na televisão, ou ler algo sobre ela na internet o abalassem a ponto de ele questionar se havia feito a escolha certa quando teve, diante de si, duas opções. Ana Joaquina, sua mãe, não considerou que existissem duas, mas ele sim. O que ele sentiu com Victoria naquela noite jamais deixou de atormentá-lo independente dos anos que passassem ou do quanto ele se dedicasse no serviço social.

Por duas ou três vezes ao longo dos vinte anos que se passaram os dois voltaram a se encontrar, mas nunca era natural. Sempre encontros carregados de silêncios sufocados, de olhares acusadores de segredos impossíveis de revelar. Com ter uma família, era mais que óbvio que ela o havia esquecido, mas ele... jamais havia superado o que sentiu quando teve a jovem Victoria em seus braços.

— Minha vocação... quase nunca é uma escolha, Victoria. — Heriberto se defendeu de suas palavras que sabia que eram muito mais do que um simples comentário.

— Você fala de qual das duas? — Ela indagou fitando o firme desconcertando-o ao ter seus expressivos olhos verdes cravados sobre os dele.

— De ambas. Mas, principalmente, sobre ser padre. Foi uma vocação que me escolheu, a necessidade de ajudar crianças que precisavam, tanto é que antes de fazer meus votos eu comecei a estudar medicina. Eu sabia que assim eu poderia ajudar melhor à tantas crianças.

— E nem assim você abriu mão de ser padre. Espero que ao menos essa vocação que você escolheu tenha te satisfeito. — Não queria continuar aquele diálogo ao mesmo tempo em que uma força a mantinha ali, sem que ela o deixasse para trás. — É que sua mãe sempre falava de sua generosidade, de seu altruísmo, de sua capacidade de se doar aos necessitados, mas eu sempre tinha em minha lembrança um Heriberto que, uma noite, depois de tantos dias de aproximação, me disse que sonhava em ter uma família, que não tinha certeza de ser padre.

— Por favor, Victoria! — Ele se irritou com as lembranças.

— Por favor, o quê, Heriberto? O que você vai dizer? O que me disse sua mãe? Que foi um momento de fraqueza? — O sarcasmo foi tão forte que era quase possível tocá-lo. — Que você é um santo homem dedicado a Deus e que não poderia viver uma simples vida mundana com qualquer mulher?

— Eu não entendo porque você está me fazendo essas cobranças. Já nos vimos antes e você parecia muito mais resiliente, mais superior. — Ele falou com um nó na garganta, era uma lembrança que a ele doía. — E justo agora quando já passou tanto tempo você demonstra que a mágoa está mais do que viva em você. Por quê?

— Não foi você quem mencionou que eu acabo de me separar? O meu casamento te blindava de que eu recordasse aquela noite, aquelas palavras e aquelas carícias. Mas agora Osvaldo se foi. E eu não tenho nada mais que calar. Então não me venha falar do quanto você foi generoso ao ir se doar para as crianças necessitadas enquanto me abandonou uma noite depois de ser o primeiro homem de minha vida Heriberto! Para essas crianças você pode ser um herói, mas para mim... para mim você não passa de um covarde!

Ela se virou deixando-o ali extremamente afetado por suas palavras. Entretanto era evidente o quanto aquele encontro inesperado também a havia afetado ao ponto de a grande Victoria Sandoval ser tão sincera como nunca havia sido com relação àquela situação. Pipino a encontrou ao final daquele corredor e ela deu um jeito de encerrar a visita àquela instituição o mais rápido possível.

***

— Victoria, o problema com as costureiras já foi resolvido, nosso cronograma está assegurado. — Antonieta entrou na sala de Victoria com as melhores notícias.

— Ótimo! Não aceito que nada mais dê errado! — Disse Victoria expelindo amargura.

— O que aconteceu? — Surpreendeu-se Antonieta com seu mau-humor não tão raro assim.

— Heriberto! Aconteceu esse maldito homem que não tinha nada que voltar à minha vida. — Praguejou.

— Heriberto, o padre? — Antonieta arregalou os olhos muito surpresa.

— Sim, Antonieta! O maldito que se tornou padre depois de ser meu primeiro homem! Mas eu devo mesmo ser uma péssima amante para que um homem que me confessa que tem dúvidas sobre a vocação, sobre nunca ter uma família, veja suas dúvidas desaparecerem depois de passar uma noite comigo. — Sorriu de si mesma sarcástica.

— Vocês eram adolescentes, Victoria. Adolescente nenhum tem certeza de nada.

— Mas se passaram vinte anos! Vinte anos! E em nenhum desses malditos anos ele me procurou para me dizer que eram mentiras de sua mãe. A única coisa que restou foi aquela maldita carta que não serviu de nada apenas para aplacar a consciência dele.

— Victoria, eu estou surpresa. Eu nunca te vi assim tão afetada por Osvaldo. Você disse bem, se passaram vinte anos e esse homem ainda mexe...

— Esse homem ainda nada, Antonieta! Eu sou Victoria Sandoval, uma grande estilista e minha carreira é tudo que me importa. Heriberto Ríos Bernal está muito enganado se pensa que é bem-vindo para alterar minha vida. Faz vinte anos que ele escolheu o seminário, pois ele que fique com sua bendita vocação que eu já tenho a minha e não preciso dele!

***

 


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