Estranha Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 3
Nascidos para a carreira




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***

Osvaldo testou pelo menos três vezes suas chaves para finalmente se convencer de que Victoria, de fato, havia trocado as fechaduras da casa. Ele nunca esperou que Victoria sofresse copiosamente pelo fim de seu casamento, mas também não esperava que ela reagisse tão friamente. Nem sequer para contar aos filhos ela demonstrou emoção como eles lhes haviam dito. Não lhe restava outra alternativa senão tocar a campainha.

A empregada abriu a porta e ficou pálida ao vê-lo. Estava dividida entre seguir as ordens muito claras de Victoria de não deixá-lo entrar na casa ou atender à seu antigo patrão. Osvaldo usou todo o charme que costumava usar com qualquer mulher para convencer a jovem a deixá-lo entrar. Disse que precisava pegar documentos importantes que havia esquecido ali e que, se ela não dissesse nada, Victoria jamais precisava saber.

Tendo convencido a jovem, foi direto para o escritório de Victoria onde se empenhou em procurar em cada canto do ambiente os croquis dos modelos do desfile marcado para a semana seguinte. Já estava procurando há mais de uma hora quando, em um canto disfarçado do cômodo, descobriu um cofre cujas chaves ele já havia encontrado um tempo antes.

Sorriu ao ter nas mãos, diante de si, os croquis que eram tão caros à Victoria. Se ela pensou que o que lhe fez com relação à Kelly não teria volta, estava muito enganada. Nada lhe daria mais satisfação do que ver a cara que Victoria faria ao saber que a Casa de Modas Bernarda havia lançado seus modelos antes de seu desfile. O tombo seria grande e ele queria estar na primeira fila para aplaudir sua queda. Nada lhe tiraria essa satisfação.

***

Todos os funcionários da Casa Victoria estavam intensamente envolvidos na preparação do grande desfile dos próximos dias. Victoria não tolerava distrações. Proibia envolvimento entre funcionários e tratava de controlar até quando via grandes amizades. Sabia e queria separar o trabalho das questões pessoais. Mas seu foco nunca foi a vida pessoal, sempre havia sido o trabalho, aquela empresa era sua vida e não lhe importava nada mais que não fossem os negócios e ela exigia o mesmo de todos os seus funcionários.

Entre os patrocinadores do desfile estava uma empresa de tecidos que custearia quase todos os gastos relativos ao grande dia da empresa de Victoria Sandoval. Exigiram, para patrocinar o evento mais importante do ano da casa de modas, que Victoria representasse a empresa visitando uma obra social ligada a um grupo religioso sinalizando a parceria.

Ela era o grande nome da moda, atraía a mídia e a opinião pública, era sinônimo de sucesso e de retorno. Juntamente com alguns funcionários e algumas modelos de sua empresa, Victoria visitou as instalações da sede apesar do momento difícil. Queria demonstrar que a empresa podia confiar em seu profissionalismo porque Oscar tinha razão quanto ao fato de respingar sobre ela o escândalo de Osvaldo. Mas estava pronta a contornar a situação ao custo que fosse.

Depois de entregar a doação da empresa para a ONG, dar entrevistas e conversar com algumas crianças atendidas pelos voluntários e trabalhadores dali, Victoria viu seu celular tocando e se afastou um pouco mais para dentro para atender à ligação. Era da Casa de Modas e ela se preocupou com a confecção dos modelos exclusivos que haviam apenas sido iniciados de acordo com suas ordens.

As notícias recebidas por ela na ligação foram deixando-na ainda mais irritada porque nada era mais difícil para Victoria do que ver que algo em seu trabalho poderia dar errado. Para que seu nome estivesse ligado a algo ela precisava que fosse, no mínimo, perfeito, não exigia nada menos que isso.

— Por favor, Antonieta, você sabe que eu só confio em você e em poucas costureiras. Eu não aceito na equipe uma costureira de quem não conheçamos nem sua competência e nem sua confiabilidade.

— Eu sei disso, Victoria. O problema é que a Janete adoeceu. Nós precisamos de outra costureira ou estouraremos os prazos.

— Não podemos dobrar as horas de trabalho das que já temos? Eu pago! — Dinheiro sempre solucionava tudo para Victoria.

— De maneira nenhuma! Elas não vão se responsabilizar por erros cometidos por excesso de trabalho e nem eu. Não há outra solução. — Antonieta sabia que Victoria não gostava de ser contrariada, mas era muito responsável com seu trabalho.

— Está bem, está bem. Se não há outra maneira, faça como preferir. Mas cheque todas as informações antes da contratação. Não podemos confiar em ninguém.

Contrariada Victoria apertou o passo enquanto guardava o celular na bolsa e não se deu conta do homem que vinha em sua direção também distraído com um prontuário na mão. Se esbarraram fortemente, Victoria chegou a retroceder com o impacto recompondo-se em seguida, pronta a reclamar a ele.

— Pelo amor de Deus, olhe por onde... Você!? — Indagou com assombro.

— Victoria... — Disse Heriberto claramente alterado pelo reencontro.

Se encararam com firmeza, ambos carregando com as marcas do passado em comum que um dia compartilharam. Ambos tomando consciência naquele instante que tudo o que acreditaram estar enterrado estava mais vivo do que nunca. Ambos intensamente tomados de um constrangimento inesperado.

— Eu não sabia que você... que prestava serviços nesta ONG. Na verdade, as últimas notícias que tenho suas é que vivia na África ou... pelo mundo. Que não tinha intenções de voltar ao México. — Ela tentou desfazer a aura de constrangimento que os envolveu.

— Pois eram informações corretas. Entretanto, tive que voltar para resolver algumas questões familiares, minha mãe... Bom, apesar da vida que levo, eu um dia tive uma família e não posso abandona-los à própria sorte.

— E como eu sei disso. — Recordou ela com sarcasmo.

— Eu soube que você se separou, sinto muito. — Heriberto não queria tocar no tema, mas estavam ficando sem assunto, ou se aproximando de outros dos quais ele não queria falar.

— Não sinta. Osvaldo não era para mim. Acredito que, como você, eu também não nasci para ter uma família.

— Não... Você fala isso porque é tudo muito recente, mas você e eu somos diferentes, Victoria.

— Somos absolutamente iguais Heriberto. — Discordou ela. — Eu nasci para me dedicar à moda, ao desenho, a ver meus modelos brilharem nas passarelas. Nasci para a carreira que amo e escolhi assim como você nasceu para ser médico e... padre!

***

 


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