Estranha Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 17
Alianças perigosas




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***
O taxista demonstrou impaciência depois de alguns minutos parado diante daquela construção mediana que abrigava a Casa de Modas Bernarda. Ana Joaquina não se importou nenhum pouco com sua impaciência e seguiu observando o prédio, como se estivesse pensando no que ia fazer. O olhar de Heriberto para Victoria nas poucas cenas que ela vira na TV não a enganavam, ele sabia do risco que aquela mulher voltava a representar.

Há vinte anos havia precisado ser muito hábil em criar uma rede de mentiras para afastar aos dois jovens que pareciam completamente apaixonados. Sempre havia sido obcecada com o sacerdócio de Heriberto, como se necessitasse que ele cumprisse aquele propósito para expiar suas próprias culpas e sabia que o fato dele ter se reaproximado de Victoria só podia significar que ele estava se afastando do propósito que ela havia determinado para ele.

Apesar de haver mantido sua soberba e arrogância diante de Victoria em sua casa de moda alguns instantes antes, sabia que àquela mulher forte e triunfadora seria uma inimiga muito mais difícil de enfrentar do que a adolescente sonhadora que ela tinha sido. Havia acompanhado algo de sua carreira, com aquele interesse cheio de ódio e ouvido falar da rivalidade com Bernarda de Iturbide. Ana Joaquina não tinha nenhuma dúvida de que aquela mulher era a aliada perfeita para destruir Victoria e afastá-la completamente de seu filho Heriberto.

— A senhora pretende ir a outro lugar? — Indagou o taxista tirando-a de seus pensamentos.

— Eu ainda não sei. — Respondeu pensativa. — Mas não se preocupe, te pagarei por todo o tempo que utilizar seus serviços.

Depois de mais alguns minutos ali, viu Bernarda saindo acompanhada, provavelmente, de alguma de suas funcionárias. Ainda não tinha o pretexto correto para falar com ela, mas sabia que o momento de selar aquela aliança delas não estava muito distante. Vendo o dia terminar, seguiu para a casa paroquial. Precisava ver Heriberto sobre quem acreditava ainda possuir o mesmo controle de sempre. 

***
— Como assim meu filho não mora mais aqui? — Indagou Ana Joaquina ao padre Rodrigo que era um dos ocupantes daquela casa paroquial e a quem ela conhecia há muitos anos. — Essa não é a residência dos padres que servem na congregação? 

— Ana Joaquina, filha... Heriberto está passando por um momento que... — Padre Rodrigo tentou encontrar as palavras para explicar o que sabia que não seria bem recebido pela beata.

— Já sei... Decidiu partir em outra missão para a África. — Suspirou ela ao constatar algo que em outro momento seria de lamento, mas que agora a alegrava.

— Não. Heriberto aceitou um trabalho no Hospital Continental e, pelo que sei, alugou um flat na cidade. Ele encaminhou há alguns dias ao bispo sua carta renúncia do sacerdócio, Ana Joaquina. Eu sinto muito. — Explicou-lhe Rodrigo.

— Não, Rodrigo, não! — Ela até se esqueceu dos formalismos. — Heriberto está correndo a passos largos para os braços do mesmo demônio que um dia quis destruir sua vida. Precisamos ajudá-lo. — Disse com desespero.

— Ser ou não um padre é uma decisão individual, Ana Joaquina. Nem mesmo Deus quer que nos entreguemos ao sacerdócio por obrigação. Somos pessoas livres, e seu filho já fez uma escolha. 

— Ele nem sequer me comunicou. — Ela seguia sem acreditar.

— E você não imagina o por quê? — Padre Rodrigo disse aquelas palavras com as quais pretendia fazer com que Ana Joaquina refletisse sobre suas próprias atitudes. Não se podia dizer que o padre era um homem ingênuo, mas era um homem de fé. Inclusive de fé nas pessoas.

— É claro que sim! É aquela mulher, a mesma mulher que um dia eu precisei afastar dele para que ele se encontrasse com sua verdadeira vocação. Mas eu já o fiz uma vez. Nada me impede de fazer de novo! — Seus olhos tinham aquele assustador brilho de ódio. 

Padre Rodrigo decidiu dar-lhe ao menos algum tempo para que ela digerisse a notícia a sua maneira. Tinha esperança de que, com o tempo, Ana Joaquina reconsiderasse suas atitudes e pudesse ser a mãe que Heriberto precisava. Sua bondade o impedia de ver que o coração de Ana Joaquina já era uma terra completamente seca pelo ódio. 

***

Apesar da clara advertência de Victoria não houve maneira de que Heriberto não sentisse aquele tradicional frio na barriga enquanto se arrumava para ir até sua casa naquela noite. Censurava-se por sorrir como um adolescente ao lembrar dos ardentes momentos de paixão que havia tido com ela em seus braços, mas o que podia fazer se, ao escolher ser padre havia abdicado de muitas coisas inclusive daquela maravilhosa sensação de borboletas no estômago que se têm instantes antes de se encontrar com a mulher amada?

Quando Victoria abriu a porta para ele, o profundo suspiro que ela deu provocou uma sensação de déjà vu em Heriberto porque ele teve a impressão não de já ter vivido aquele momento, mas de dever já ter vivido aquele momento. Todas as vezes que olhava nos olhos de Victoria ou encarava seu sorriso ele se questionava se realmente havia feito uma escolha ou se havia feito a escolha certa. E, frente a ela, e resposta era sempre a mesma: suas vidas deviam ser diferentes. 

— Você está muito bonita. — Elogiou ele também depois de um longo suspiro entregando-lhe uma rosa que havia comprado para ela. 

— Obrigada! — Sorriu Victoria fazendo sinal para que ele entrasse e pegando a rosa. — Você também está muito bem. 

— Obrigado.  

Depois disso permaneceram olhando-se, ansiosos e inseguros por aquela sensação de descontrole que tinham na presença um do outro e, com a qual nenhum dos dois, por motivos diferentes, sentiam-se confortáveis. Victoria se dirigiu à sala de jantar, seguida por Heriberto e começaram a aproveitar o momento que, apesar de roubarem-lhes a segurança, lhes deixavam hipnotizados, reféns daquela sensação carregada de dubiedade. 

— Você está bem? — Indagou Heriberto à certa altura. — É que você parece nervosa... Nada a ver com a Victoria que eu reencontrei nos últimos dias.

— Mas você também está nervoso. — Constatou Victoria.

— Sim, mas não é uma surpresa que eu fique nervoso quando te vejo. Você revirou minha vida e... Sabe bem o poder que tem sobre mim. — Heriberto se mostrou sem medo. — Já você eu nunca tinha visto assim... Insegura.

— É sua presença. — Confessou ela um pouco constrangida. — Os pensamentos que eu tenho quando estou perto de você entram em conflito com a imagem do padre que ficou na minha mente por tantos anos.  

— Não se preocupe. — Ele disse cheio de segurança olhando-a nos olhos e pegando sua mão sobre a mesa. — Esta noite e em muitas outras eu vou produzir outras imagens de mim em você de maneira que a figura do padre vai ser completamente desvanecida... Até desaparecer por completo. Eu prometo!

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