Estranha Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 12
Convicções estilhaçadas




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***
Se você é do tipo que acha que não se é possível explicar as sensações da paixão sobre o corpo, é porque não viveu um momento como o que Victoria e Heriberto viviam naquele salão praticamente vazio. A paixão arrebata, obceca, obstina, queima a pele e a alma! Tudo isso ao mesmo tempo.

A paixão move o chão, modifica o cenário, desvanece as pessoas reduz o mundo a apenas duas pessoas e lhe aniquila, convertendo-lhe unicamente àquela sensação, àquela estranha sensação que, independente de onde nasça, vai lhe dominar completamente em cada um de seus sentidos por mais que dure apenas um segundo.

Victoria já estava absolutamente fora de si por tudo o que havia vivido naquele dia e todas aquelas taças de champanhe que havia ingerido quase que instintivamente. Mas bem lá no fundo, onde seu superego ainda conservava alguma soberania, ela sabia que jamais devia haver-se permitido perder tanto o controle na presença de Heriberto.

No fundo ela sabia que aquele homem era seu calcanhar de Aquiles e não havia maneira de que ela se mantivesse no comando de suas ações um tanto quanto alterada pela bebida. Tudo que existia em seus olhos era uma incontrolável vontade de ser beijada por ele, como se nada mais importasse.

Heriberto, ao mesmo tempo em que se perdia do mundo ao seu derredor, pôde sentir cada uma das inúmeras reações de seu corpo à presença de Victoria. E eram muitas! Porque ele também sabia que ela era seu maior ponto fraco, a única força capaz de abalar suas certezas e sua segurança, de destruir sua vida ao mesmo tempo em que era a personificação do próprio paraíso.

As mãos trêmulas suavam enquanto um formigamento percorria todo seu corpo à raiz da agitação de sua circulação sanguínea que lhe provocava uma intensa adrenalina. A garganta secou como se não restasse uma gota mais de saliva na boca enquanto os lábios tremiam e, por fim, suas pupilas se dilataram no exato momento em que ele viu cada pelo de seu corpo se eriçar em um impreterível arrepio.

Aproximaram-se quase que hipnotizados e consumaram aquele beijo que os havia consumido em desespero por tomar forma durante tanto tempo. Seus lábios estavam envolvidos enquanto os braços fizeram o mesmo caminho e ambos sentiam a pulsação de seus corações no mesmo ritmo com os corpos colados.

Beijavam-se como se nunca houvessem feito isso, havia tanta necessidade um do outro que o beijo nada mais era que a personificação da entrega desesperada que os arrebatava. Havia uma necessidade de sentirem o gosto, o hálito, a entrega, o corpo... Victoria se viu ficar trêmula em seus braços e pensou que não podia e talvez não queria viver sem aquela sensação.

Imploraria que Heriberto voltasse a fazê-la sua tamanho o anelo e ardor que aquele beijo lhe despertou se não visse a realidade chamando-a de volta, apesar de toda a bebida que havia ingerido. Afastou-se abruptamente ao mesmo tempo em que Heriberto abriu os olhos e a olhou perplexo. Por alguns segundos seguiram se encarando até que olharam para os lados e todas as sensações daquele beijo foram substituídas pela perturbação que aquele acontecimento representava. Ou deveria representar.

— Va-vam-vamos... Vamos sair daqui, eu te levo. — Disse Heriberto depois de quase não conseguir falar pela gagueira.

— Meu Deus! — Reagiu Victoria ao que havia terminado de acontecer. — Eu preciso sair daqui imediatamente.

Tentou que caminhar a passos largos rumo à saída, ignorando completamente a presença de Heriberto, mas o desequilíbrio quase fez com que ela terminasse caindo no chão. Ainda assim, ela se apressou e se viu na frente do carro que a empresa havia deixado para levá-la, com o motorista esperando-a. Heriberto chegou ali segundos depois, havia instintivamente seguido-a pelo salão.

— Victoria, deixe que eu te leve, precisamos conversar sobre o que aconteceu... — Heriberto já parecia recomposto e sabia bem o que ela estava fazendo porque um dia havia sido ele quem fugiu depois de um momento com ela.

— Nada aconteceu, Heriberto! — Ela mal podia articular as palavras, mas não deixava de falar com seu característico jeito autoritário. — Não volte a me procurar, não volte a aparecer em minha vida, vá cuidar de suas malditas obras sociais e deixe de me atormentar.

Heriberto queria retrucar-lhe, ao mesmo tempo em que sentia um intenso desespero ao vê-la ir, seu coração se confundia, era como se a estivesse perdendo uma vez mais, mas o fato é que estava acorrentado à sua vida, às suas escolhas e às suas convicções que, com um único beijo ele viu estilhaçarem-se.

***

Depois de dois dias sem aparecer no trabalho alegando que tinha problemas pessoais, Luiz foi à sala de Heriberto na ONG assim que teve uma folga entre as consultas. Heriberto estava diferente. Agitado, ansioso, bem longe daquela imagem de homem controlado que ele sempre havia sustentado.

— Você está bem? Quais foram esses problemas pessoais que te fizeram não vir trabalhar, estava preocupado com você, na casa paroquial ninguém atendia.

— Eu desliguei o telefone e estive fora também. Não se pode chamar o que estou enfrentando de problemas, Luiz. Fui completamente engolido por um furacão e não sei que caminho tomar, esse furacão destruiu todas as minhas convicções.

— Quantas metáforas! — Ele comentou confuso. — O que aconteceu? Desde que pegou o convite para o desfile de Victoria Sandoval desapareceu daqui. Estar perto dela tem a ver com esses dois dias de ausência e essas palavras cheias de metáforas?

— É claro que sim. — Confessou ele com um triste sorriso de sarcasmo. — Não sei como, nem porque, mas ela estava ali, na minha frente e eu... a beijei, Luiz. Simplesmente a beijei!

— Está explicado! E ela? E você? O que aconteceu depois? — Luiz sabia que não estava muito distante de que isso acontecesse. Conhecia seu amigo e o que a paixão pode provocar em um homem como ele.

— Ela? Fugiu! Como eu fiz um dia. — Nada o impedia de recordar o modo como ele mesmo agiu com ela na juventude. — Me disse que não a procurasse mais e se enfiou naquele carro, desaparecendo.

— Mas, e você? E seu sacerdócio? Vai se confessar, receber uma penitência e seguir sendo padre como sempre?

Heriberto deu um sorriso antes de se levantar e caminhar até a janela e encarar as crianças fazendo exercícios no pátio da ONG, alheias a todo aquele turbilhão que ele carregava.

— Não era uma metáfora, Luiz, estou no olho de um furacão. Eu estive durante esses dois dias resolvendo as burocracias, procurando um lugar para morar e protocolando meu desligamento da igreja.

— Então... — Luiz tinha os olhos arregalados enquanto via Heriberto se tranquilizando.

— Então aquele beijo não deixou pedra sobre pedra, Luiz. Eu não posso mais ser padre. O único problema é como dar essa notícia à minha mãe.

***

 


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