Providência escrita por Tia Lucy


Capítulo 1
Noite escura


Notas iniciais do capítulo

Oilá diamantezinhos da tia, tudo bem com vcs?
Um resumo rápido, criei essa conta no nyah (eu já tenho uma no spirit), pq precisava de novos ares, digamos assim. Por enquanto essa fic será postada apenas no Nyah.
Bock, no caso é de Eduard von Bock, o Estônia.



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...Fui levado por Satanás para a mais alta montanha da terra. Chegando lá, ele me mostrou o mundo inteiro e, como dissera uma vez a Cristo, disse-me "Vejamos filho dos homens, que queres para me adorar?"[...] "Quero ser a Providência, porque o que conheço de mais belo, de maior e de mais sublime no mundo é recompensar e punir".

 

 

A noite estava particularmente pesada, o céu noturno completamente escuro, sem estrelas ou lua. Apesar disso, o jovem marinheiro conseguia discernir os contornos ao seu redor, graças aos seus olhos bem trinados, de anos navegando em situações como essas, ou mesmo piores. A mente de Williams vagava através da silhueta do Elba, onde estava aprisionado o imperador Napoleão. Um soldado brilhante, fruto da indignação com a monarquia absolutista, estava agora trancafiado por terra e mar. Mas realmente, não era isso em que a mente de Williams pensava. No momento ele tinha outras preocupações.

Seu corpo gritava para ter um pingo de descanso, foi um longo dia, comandando os homens do World Stars, um navio mercante que vinha direto da Itália, com carregamento de tecido — e uma ou duas coisas contrabandeadas, que passariam pela alfandega sem maiores problemas. Seus sentidos foram aguçados ao escutar passos pesados sobre a madeira do convés, duas silhuetas humanas pararam a poucos metros de Williams, aparentemente alheios a sua presença:

— Eu realmente não entendo — disse o homem de sotaque carregado. Williams não tinha dúvidas, era Braginsky, um russo sem passado e sem futuro, que navegava no World Stars por pelo menos dois anos. — Como vocês podem deixar o Williams dar as ordens.

Williams franziu o cenho com a menção de seu nome.

— Ele nem esperou o capitão Alexander morrer, para tomar o seu lugar.

— Não creio que seja assim — disse o outro, o jovem Bock veio em sua defesa. — Williams só fez o que achou melhor para a tripulação.

— Se todos sabiam de suas funções, deveriam cumprir sem precisar consultar alguém — insistiu o russo.

— Não é um momento fácil, precisamos de alguém no controle. Se Williams achou melhor assumir o lugar do capitão Alexander, e se todos concordaram, não vejo problema nisso.

— Williams, Williams — Braginsky cuspiu para fora da embarcação. — Me enjoa só de escutar o nome dele. E me enjoa mais ainda saber como vocês o defendem.

— Eu conheço o Williams desde que comecei a trabalhar aqui, não tenho o que reclamar dele — Bock reprimiu um risinho. — Mas realmente não entendo essa implicância com ele. Até onde sei, Williams sempre te tratou bem, como ele trata qualquer um de nós aqui.

— Talvez porque eu seja o único que enxerga as verdadeiras intenções dele.

— A única intenção que o Williams deixa explicita, é que pedirá Beilschmidt em casamento, mais cedo ou mais tarde — Bock riu, com uma reflexão tardia. — Talvez seja isso o que te incomoda nele.

Braginsky apertou o pescoço de Bock, puxando parte do seu corpo para fora do navio:

— Se insinuar qualquer coisa do tipo de novo, não vou hesitar jogar no mar. Estamos entendidos? — Braginsky disse essas palavras calmo, mas era percebível o seu tom ameaçador.

Ele puxou Bock para dentro e o jogou no chão.

Williams escutou tudo meio chocado, meio incrédulo. Ele viu a sombra do russo indo ao seu encontro, passando a milímetros de distância. Braginsky parou dois passos depois. Willians não sabia se era proposital, se Braginsky sabia desde o começo que ele estava lá e disse aquilo de proposito, ou se nem suspeitava da sua presença. Em todo o caso, Williams prendeu a respiração para não ser notado. Logo que o russo continuou a sua caminhada, assim como Bock, que a essas alturas, já tinha parado de tossir e tinha se levantado e voltado para o seu lugar, com os outros integrantes da tripulação.

Williams suspirou fundo, apertando o pássaro esculpido em madeira, que sempre carregava no bolso. O ódio de Braginsky não o afetava, então não era um problema real. Ele caminhou até a cabine do capitão, e se de parou com o homem albino, com os olhos vermelhos arregalados e agitados:

— O capitão Alexander quer falar com você — disse Beilschmidt.

— Ele melhorou? — perguntou Williams.

— Na verdade, acho que está cada vez pior — ele passou a mão nervosamente pela cabeça.

Williams foi deixado na cabine sozinho junto com o capitão, que estava deitado em sua cama, as vezes delirando, as vezes consciente:

— Matthew? — sussurrou o capitão, feliz em vê-lo.

— Quer algo de mim?

— Sim, quero um favor.

— Se eu poder ajudar, eu o farei — Matthew assentiu, segurando a mão do capitão, como forma de conforto.

— Há uma carta — ele apontou para uma gaveta, na escrivaninha, do outro lado da cabine. — Ela precisa ser entregue ao senhor Hugo, em Paris.

— Sim, eu entregarei — disse Matthew. — Mas preciso do endereço.

— Não se preocupe, ele encontrará você — o capitão sorriu.

— Certo — ele balançou a cabeça. No fundo, sabendo que os delírios estavam cada vez mais presentes.

— Mais alguma coisa?

— Você tem que levar o World Stars de volta pra casa.

— Sim, eu já estou levando. Não se preocupe com isso.

— Você é realmente um bom menino, Matthew — Alexander ofegou, sua testa empapada de suor. — Você merece uma vida feliz. Eu abençoo você, Matthew Williams filho do oceano. Essa é a minha herança.

Matthew deu um sorriso triste, comovido com as palavras do seu capitão. Outrora um homem forte, decidido e que tinha tudo sobre o controle, agora um homem doente e à espera da sua hora. Ele pegou um lenço ao lado do travesseiro, molhou em um pouco de água e colocou sobre a testa do capitão, no intuito de dar algum alivio.

Pouco depois, deixou a cabine em silencio, encontrando o seu amado o esperando do lado de fora:

— O que ele disse? — Beilschmidt perguntou, chegando mais perto dele.

— Ele queria que eu levasse uma carta pra ele, para um tal de senhor Hugo — Matthew respondeu.

— E você viu a carta?

— Ele apontou pra uma gaveta na escrivaninha, mas eu mesmo não conferi. Acho que já é os seus últimos delírios — ele mordeu o lábio apreensivo.

— Provavelmente — o outro sussurrou, concordando.

— Gilbert — Matthew disse pensativo, meio melancólico. — Se um dia eu morrer enquanto estivermos em viagem, você promete que joga o meu corpo no mar?

— Que conversa — Gilbert o repreendeu, fazendo o sinal da cruz.

— Não somos eternos — ele sussurrou. — Eu vou morrer eventualmente.

— Em algum dia, muito distante — o albino deu um sorriso amável, colocando os braços em volta do pescoço do namorado. — Mas prometo, eu jogo o seu corpo no mar.

— Não tira o pássaro do meu bolso — Matthew pediu.

— Você deveria jogar aquilo fora — ele riu, a vibração indo direto para o pescoço de Matthew.

— Mas você fez esse pra mim.

— Eu sei, mas foi a tanto tempo, eu ainda estava aprendendo a esculpir — Gilbert beijou o seu pescoço. — Eu posso fazer um bem melhor agora, mas bonito.

— Você pode fazer vários pássaros, eu vou amar todos eles — Matthew beijou a cabeça do namorado. — Mas esse é especial, e não vou me desfazer dele por nada.

Matthew sentiu uma sensação estranha no peito. Talvez fosse pelo clima funesto, talvez fosse pela noite escura sem esperanças, que tivesse dado vasão a tais pensamentos. Em todo caso, ele abraçou Gilbert de volta, tentando se livrar dessa sensação.


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