O ateliê de Afrodite escrita por Kate Lewis


Capítulo 6
Da benção de Afrodite




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Atena sentiu os dedos dele apertarem seus dedos quando enfim teve de fechar os olhos, viajando em segundos até um lugar que desconhecia. Sentiu os pés pousarem novamente, então, e percebeu que o vento ali lhe chegava fraquinho. Olhou em volta. O chão de terra era estreito, e folhas compridas quase a tocavam de lado. Podia ouvir o som do mar, e adivinhou rapidamente que aquela trilha levaria à praia – uma praia virgem, no meio de um litoral inexplorado.

Sabia o quanto a ideia devia agradar Poseidon, e olhou para ele para entender como estaria. Ele olhava pelas brechas entre as árvores, quase ansioso para voltar à própria casa, e virou seu rosto para ela quando viu que o encarava. De todas as pessoas do mundo, era nela em que confiava para mostrar aquele canto tão secreto.

Olhou em seus olhos, e adiantou-se para a trilha à frente, querendo que ela visse logo o que ele esperara dias para lhe entregar.

Atena veio logo atrás de si, e foi observando o modo como ele andava por ali como se tudo lhe fosse tão familiar. Olhou para a terra, e percebeu que seus tons iam se tornando mais claros – pequenos grãos de areia misturando-se ali porque a praia chegava mais perto. Quando enfim aqueles grãos se multiplicaram imensamente, olhou para frente e percebeu que a trilha acabava, e a noite escura abria-se novamente.

Parou onde estava, porque o mar tão próximo acertou-a em cheio. Fazia um tempo muito longo desde que ela o vira tão de perto, e tão à noite. Suas águas escuras misturavam-se aos reflexos cálidos da luz da lua, e ela pensou no quanto pareciam estar sozinhos no mundo – nenhuma outra iluminação por toda a extensão que ela podia enxergar.

A praia não era assim tão longa, e ela se imaginou conhecendo com ele seus detalhes mais íntimos. Quis conhecê-la com os pés descalços, e se sentiu instantaneamente acanhada pela presença dele. Quando o olhou, no entanto, percebeu que já havia deixado os sapatos em um canto (é claro), e caminhara um pouco mais para perto da água. Mordeu o lábio, e enfim descalçou seus pés delicados, pisando a areia e sentindo um arrepio morno passar pelo corpo. O vestido que usava era curto, e a brisa levemente fria do mar lhe mostrava que estavam em algum ponto de uma zona temperada. Pensou que talvez a água estivesse gelada, mas viu Poseidon molhando os próprios pés com tanta naturalidade que quase quis imitá-lo.

Olhou-o assim com alguma distância, parecendo tão sozinho em frente àquela imensidão que era sua casa, e sentiu qualquer coisa diferente no peito. Identificação, talvez, mas não tinha tanta certeza. Os pés dele afundavam na água, seu corpo forte virado para tudo aquilo como se tivesse algo a lhe desabafar. Quase entregue, ao que fosse.

Atena nunca tinha parado tanto para pensar, mas percebeu que ele talvez fosse o deus mais contemplativo entre seus irmãos e primos. Era muito claro, pela forma como deixava seu cabelo se bagunçar daquele jeito, o quanto estava acostumado a ficar assim olhando para o mundo. Parecia não estar pensando em tanto o tempo inteiro, e ela se permitiu apreciar isso nele – ao mesmo tempo em que percebia, deuses, que havia qualquer tipo de tristeza em seu modo tão sozinho.

Talvez tenha se aproximado por causa disso. Pisou a areia como se não a conhecesse, passo por passo, e chegou ao seu lado querendo lhe tocar de alguma forma. Reprimiu os próprios dedos, mas seus braços se roçaram levemente. Poseidon estremeceu, olhando-a de lado –perto demais –, percebendo que seus olhos brilhantes eram muito do que andara desejando aquele tempo todo. Atena tinha soltado o seu coque, e seus cachos loiros – opacos pela luz fraca da lua – caíam por suas costas de um jeito encantador.

— Faz muito tempo – ela disse, sua voz clara e o som das ondas por trás dela – desde que não visito a praia.

— Sei disso.

Atena sorriu levemente, olhando pro mar.

— Consegue saber sempre que algum deus pisa na areia?

— Basicamente – ele deu de ombros, como se “algum deus” não fosse realmente o importante. – Sei que não te percebo pelos litorais há muitos anos.

Ela ficou em silêncio, mordendo o lábio.

— Acho que andei te evitando sempre que pude.

— Pelas nossas brigas?

— Também. Por orgulho. Mas também porque você sempre... sempre foi algo tão confuso pra mim.

Ele franziu o cenho, olhando-a de lado e vendo que seus lábios curvavam-se ligeiramente. Os pés descalços também haviam se afundado na água fria, e ele não entendia como ela poderia ter se acostumado tão rápido.

— Não sou assim tão confuso.

— Não é, mesmo. Acho que sempre evitei te entender o quanto pude, porque a raiva que você me desperta talvez não seja... – parou, franzindo os lábios.

— Não seja o quê?

Atena o olhou reprimindo um sorriso, os olhos espertos.

— Talvez não seja párea para uma certa admiração que sinto por você.

Ele ergueu as sobrancelhas, mal acreditando que ouvira mesmo isso dela – ao mesmo tempo em que podia sentir o próprio corpo mais quente.

— Admiração?

— Talvez você me entenda bem – e ela disse isso, ainda quase sorrindo, porque já havia percebido as tantas vezes em que ele lhe lançara olhares escondidos.

Poseidon riu levemente, olhando para o mar de novo.

— Mas é muito fácil te admirar, Atena. Você faz tudo muito bem, sabe tanto sobre tudo.

— E é por isso que me admira? – ela arqueava uma sobrancelha, desconfiando que não fora isso que o trouxera para perto, depois de tudo.

— Admiro que você não se canse de buscar respostas, mesmo depois de milênios. Admiro que sua postura de mármore caia por terra quando te vejo andando entre os mortais.

Você sempre andou muito entre os mortais – ela replicou, mas um pouco corada por ouvi-lo dizendo aquilo.

— Ah, Atena, não tanto quanto você. Eu estou sempre pela praia, e converso com quem também está por lá. É diferente.

E ela anuiu, porque de fato sempre gostara de conhecer mais dos movimentos que corriam pelas bocas do mundo. Ficou em silêncio por segundos, pensando, no entanto, que sua própria admiração por ele ia tão além disso. Olhou para a areia em seus pés, para a água que quebrava em um som tão bonito, e não pôde deixar de escapar um pequeno sorriso.

— Admiro você porque tudo aquilo que te toca me salta aos olhos – ele a olhou, surpreso pela sua voz baixinha e pela forma como parecia lhe confidenciar um segredo de anos. – Dos seus cabelos negros e bagunçados, dos seus pés que só calçam chinelos, e de como você parece aceitar tudo com uma naturalidade extrema.

— Gosta de mim porque aceito as coisas?

Olharam-se, e as respostas talvez nunca fossem inteiras. Porque ela também gostava, antes de tudo, de como seus olhos eram cercados por rugas de sorriso, e de como ele sempre parecera provocativo. De como gostava de arranjar brigas com ela, e de como se olhavam de uma forma tão intensa, inevitáveis.

Ela abaixou os olhos, sentindo que a mão dele encostava a sua sem segurá-la. Estremeceu, sem saber onde queriam chegar com tudo aquilo, ao mesmo tempo em que tinha uma ideia clara demais.

— Atena...

Ela o olhou com toda a intensidade de seus olhos azuis, entendendo tanto do que ele parecia querer lhe dizer. Abriu um sorriso pequeno, sentindo que aquele conflito, que talvez não chegasse a um fim, também não poderia ser adiado. E, na verdade, ali do lado dele, percebeu que não queria mesmo arrastá-lo para lugar algum.

— Queria que soubesse, Poseidon, que em todos esses anos te neguei muito mais do que devia. E, talvez... – e Atena mordeu o lábio, sentindo o contato leve do braço dele no seu, e seus olhos escuros envolvendo seus olhos – Talvez tenha ignorado tão mais do que isso.

Poseidon abaixou os olhos, e sorriu um pouco. Olhou para o mar, para aquilo que ele esperava tão ansiosamente que também se tornasse a sua casa, e percebeu, pela sua respiração rarefeita, que o que quer que estivessem sentindo tinha algo de muito recíproco.

— Não sei se você sabe, mas essa encosta não existia.

Atena franziu o cenho, olhando-o singelamente, e confusa.

— Que quer dizer?

— Quero dizer que o mar invadiu um pedaço pequeno do continente, e desgastou suas rochas e formou seus ângulos – seus olhos brilhavam levemente. E lhe falou baixinho: – Venho construindo essa praia pra você há tanto tempo, Atena, sem saber que você era o motivo.

Atena estremeceu, entreabrindo os lábios até entender que não queria lhe negar mais nada. Segurou sua camiseta, sentindo-o ofegar, e passou os dedos pela sua barba malfeita como se viesse esperando para lhe acariciar daquele jeito. Sentiu quando ele abraçou sua cintura com as mãos quentes, e quando ele estremeceu ao beijá-lo no canto dos lábios. Tão de leve, que ele chegou a apertá-la um pouco mais. Sentiu nos lábios os outros beijos dela, estremecendo, até não aguentar mais, e então beijou-a fundo, pensando que jamais se esqueceria de seu gosto.

A noite era azul, o barulho das ondas muito claro, e eles se beijaram até que ele percebesse, os olhos verdes cheios, que o vestido que ela usava havia crescido e se enchera de pérolas. O azul se estendia em recortes volumosos até os pés descalços. Seu rosto era o mesmo, as pintinhas em torno de seus olhos e em sua bochecha, e seus cabelos loiros cheios de cachos. Beijou seu nariz, reescrevendo a própria história.

Afrodite, em uma benção, havia-lhes aberto um novo parágrafo.

(Tão lindo...)


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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