O ateliê de Afrodite escrita por Kate Lewis


Capítulo 5
Do começo de uma aceitação




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/781503/chapter/5

Ele tinha passado a pisar ali com frequência. De uma hora para outra, sem que ninguém chegasse de fato a compreender o motivo, começara a visitar os jardins do Olimpo, e a jantar em suas salas opulentas (cheias de lustres brilhantes). Os deuses ao seu redor estavam tão desacostumados com a sua presença que, por mais que Poseidon também fosse um deles, era como se seu parentesco estivesse a alguns graus de distância.

Ele não se importava. No final das contas, permanecer em seu palácio marinho, longe da convivência difícil de sua família, havia sido uma escolha sua.

(Às vezes, em seus pensamentos remotos, ponderava se não seria bom ficar mais perto. Mas então voltava a conviver com eles, por poucos dias, e entendia claramente os seus próprios motivos.)

— E então, tio? Não vai contar por que resolveu voltar a comer com a gente? – a voz irônica saía de uma boca levemente curvada, e Dionísio parecia um tanto ridículo com os cabelos negros e encaracolados penteados para trás.

Olhando assim para ele, por poucos segundos, Poseidon chegou novamente à conclusão de que o Olimpo era, mesmo, uma maluquice. Aqueles deuses caricatos, cheios de mil anos nas costas, reunindo-se cotidianamente para jantar (cada um em um horário) como se milhões de conflitos não os houvessem quebrado em tantas inimizades ao longo do tempo.

Dionísio, Ariadne, Apolo, Héstia e Deméter. Todos ali reunidos, discutindo e comendo como se tudo fosse muito natural.

— Senti uma saudade irreprimível de vocês, meu caro – declarou, sem falar sério e, ao mesmo tempo, sem mentir completamente.

— É claro que sentiu – mas os olhos roxos de Dionísio dançavam com seu sorriso, e era como se, no fundo, aquele deus de estatura pequena percebesse coisas nele que Poseidon não poderia admitir.

Se viu pensando em Atena, e suspirou pelos lábios. Afinal, ele estava ali, já há alguns dias, procurando por qualquer oportunidade de contato.

Sempre imaginara a deusa tão apegada a seus deveres que lhe era impensável que ela permanecesse longe dos problemas de sua família – porque família (especialmente aquela), para Atena, devia ser tão mais uma responsabilidade do que qualquer outra coisa.

Mas talvez estivesse enganado. Depois de tantas vezes passando pelos cantos dos jardins e ouvindo a conversa dos deuses nos jantares, não viu qualquer sinal dela. Nada que denotasse que ela costumava estar por ali, conversando com os outros, nem mesmo uma rápida e ocupada aparição.

Começara enfim a se desconsolar, porque sabia que ela não aceitaria qualquer convite formal ou informal que lhe fizesse, e, no entanto, precisava tanto encontrá-la, tanto conversar com ela. Só por tudo isso, tentou armar as coisas para que parecessem naturais – um encontro eventual em um jantar do Olimpo, ou talvez flagrá-la lendo um livro com os pés delicados no sofá da biblioteca.

(No fundo, imaginava tudo dando errado, mas não conseguiria desistir àquela altura do jogo.)

Em meio à surpreendente monotonia daquele jantar, Poseidon poderia ter se afundado nas próprias mãos. Que fazer, pelos céus, se aquela deusa era tão esquiva? Tão inacessível, mesmo depois de lhe ter oferecido tantas mudanças poucos dias antes?

Apolo então, seus cabelos loiros e os olhos castanhos iluminados, dizendo uma só palavra, varreu para longe sentimentos que ele vinha sentido há dias:

— Atena – sorriu, os olhos felizes como se não a vissem há muitos anos.

Poseidon virou a cabeça, talvez com pressa demais, só para enfim sentir no corpo o que vinha guardando há meses. De suas pernas delicadas ao rosto firme, Atena era uma imagem que ele não conseguia esquecer. Olhou-a assim de longe, vendo que ela sorria com gentileza para Apolo porque, quando queria, era simplesmente carinhosa. Estava com um vestido de corte reto, e ele podia ver seus cachos loiros caindo do coque improvisado no topo da cabeça.

— Boa noite – pronunciou, sua voz falhando quando enfim o viu sentado ali tão perto, seus olhos verdes cheios de um sentimento que ela não queria encarar.

Olharam-se de longe enquanto ela franzia os lábios, por instantes tão longos. Ela sentiu a própria face esquentando sem querer, frustrada por não conseguir evitar aquilo que ele lhe causava. Havia fugido por tantos dias, por tantas vezes, que pensou talvez ter levado embora a sensação de formigamento que havia sentido ao jantar com ele, quase um mês antes. Mas, deuses, ela estava logo ali, de repente tomando seu corpo inteiro: de suas bochechas firmes ao comecinho de sua barriga.

Ouviu de leve um resmungar de Deméter, e de repente retomou a consciência de que estava encarando-o abertamente. Olhou para outro lado, tentando fugir de algo que estava estampado em todo o seu rosto, e na forma como ela o negava com as sobrancelhas franzidas.

Quando se sentou ao lado de Apolo, viu que Dionísio a encarava do outro lado da mesa. Seus olhos roxos pareciam repletos de curiosidade e surpresa, e ela entendeu em segundos que não poderia contar com ele para disfarçar coisa alguma.

Ao lado dele, Poseidon havia desviado os olhos para o próprio copo de vidro, e ela estremeceu só de pensar no porquê de ele estar por ali.

— E aí, priminha? Como tem estado? – Apolo mexeu com os dedos uma mechinha loira de seu coque, percebendo qualquer coisa estranha na forma como ela o olhou em seguida.

— Tenho estado... ótima.

E Dionísio pigarreou, é claro, porque não podia perder a oportunidade.

— Tem certeza? – Apolo falou baixinho, os olhos castanhos ligeiramente intrigados, para receber então um leve rolar de olhos cinzas, e um sorriso singelo de Atena.

— E como não estaria? – e, antes que ele respondesse, ela lhe emendou uma pergunta: – Ártemis tem jantado por aqui? Faz tempo que não vejo ela.

— Ártemis? Como eu poderia saber, se ela só vem pra cá quando eu não estou?

Atena sorriu de canto, sem poder evitar, e olhou sem querer para Poseidon. Ele a encarava, um sorriso muito pequeno e distante em seus olhos de mar, e ela pensou que, se inventasse logo uma desculpa para ir embora, ele talvez não tivesse chance de falar com ela.

(Secretamente, no entanto, imaginou-se chamando-o em um canto, porque precisavam resolver aquilo com tanta urgência.)

— Eu vim aqui, na verdade – resistiu, tão pesada, sem sequer dar chance para seus pensamentos reclusos –, porque precisava te deixar um recado – e ela se voltava para Apolo, consciente de que Poseidon a olhava com alguma angústia.

— Sim? – Apolo perguntou, as sobrancelhas loiras adoravelmente franzidas.

E Atena pensou um pouco antes de falar, ansiosa para sair dali ao mesmo tempo em que sabia o quanto estava tentando deixar para depois um problema que a perseguiria por uma eternidade.

— Eu preciso que você... sirva de modelo para mais um de meus quadros – mentiu, qualquer resolução em seus olhos cinzas.

— É claro, querida. Como é que eu poderia recusar um convite como esse? – e ele sorriu abertamente, beijando a bochecha dela em um gesto quase rotineiro, mesmo que ela recuasse um pouquinho sempre que ele o fazia.

— Obrigada – disse, a palavra deixando seus lábios com algum amargor enquanto se levantava e, com alguma rispidez, dirigia-se até a porta.

Desceu os degraus cheia de um sentimento ruim na boca, os olhos quase marejados porque não podia evitar que fosse daquele jeito (que saísse correndo assim tão depressa), e também não podia evitar que seus pincéis o desenhassem daquele jeito tão intuitivo – como se Poseidon fizesse parte dela.

— Atena, por favor.

Ela olhou para cima, e é claro que ele não tivera a decência de lhe dar espaço. Olhou-o nos olhos, contrariada, e viu quando ele desceu cada degrau de mármore até se aproximar o suficiente. A noite parecia um pouco fria, azul escura, e as estrelas lá em cima podiam remexer cada pedacinho dela.

— Eu só tenho um pedido pra você – ele disse, sua voz rouca e seus olhos verdes tão próximos dos dela. – Só um.

Ela o olhou com a respiração quase acelerada, e esperou que ele lhe prometesse algo que não poderiam cumprir.

— Quero que você passe essa noite comigo.

Ela arregalou levemente os olhos, e ele sorriu sem conseguir evitar.

— Me desculpe... não era para sair desse jeito – e a olhou de novo, qualquer leveza tomando seu rosto. – Quero que você venha comigo, porque preciso te mostrar um lugar.

— Um lugar? – perguntou, sua voz fraca porque, naquele momento, quase não tinha forças para resistir a ele.

— Um lugar – ele confirmou, sem lhe dar mais respostas, gostando de como ela parecia um pouco mais aberta. Tocou levemente sua mão, percebendo que seus dedos quase se retesavam, e então perguntou com sua voz grave, e baixa: – Vem comigo?

Atena suspirou, seus dedos levemente segurando os dele, até que anuísse com suavidade, garantindo a ele qualquer chance que ela nunca esperava que lhe daria.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O próximo vai ser o último, e eu espero mesmo que o ritmo esteja bom! Fiquei tanto tempo sem escrever sobre esses dois que posso dizer que estou voltando agora a calejar minhas palavras, e toda a forma como vejo eles.
Mas tenho gostado tanto que penso seriamente em escrever histórias maiores ♥

p.s.: eu agradeceria tanto se vocês deixassem de ser fantasminhas! acho que o gostoso desse site é justamente a troca que existe entre nós, então não fiquem acanhados :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O ateliê de Afrodite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.