Deep End escrita por Erin Noble Dracula


Capítulo 32
Uma bruxa no divã




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P.O.V. Genevieve.

Terapia. Parece interessante. Vou dar uma chance.

A mulher de cabelos loiros claramente descoloridos, olhos castanhos, pele morena, ela era bom, não era negra porém não era branca. Estava sentada numa cadeira e tinha papéis em mãos.

P.O.V. Doutora Carslile.

Sei que ela assassinou trezentas e três pessoas num ritual? Sim. Sei que ela é uma bruxa? Sim. Mas, decidi assumir o risco.

—Olá. Eu sou a Doutora Felícia Carslile.

—Uma mulher, negra e médica? Devo dizer estou impressionada e chocada. Deveria estar orgulhosa. 

—Estou. Vai me dizer o seu nome?

—Certo. Eu sou Genevieve Levesque, esposa de Percival Boubier. Infelizmente não sou médica, nem nada assim. Eu sou uma bruxa, sou curandeira e parteira. Viu? Nada glamouroso.

—Eu tenho quarenta e cinco anos. Quantos anos você tem?

—Mil duzentos e vinte e nove. Mas, eu morri quando era mais jovem que você. Eu morri aos vinte.

Eu ri.

—Porque está rindo?

—Você morreu?

—Sim. Eu fui assassinada. E vi meus filhos serem amarrados na fogueira antes disso. Eu morri tentando defendê-los. Minha amiga Gaia preservou meu corpo com um feitiço e deixou-me entre a vida e a morte. Estive no purgatório por mil duzentos e vinte e nove anos.

Ai eu percebi que ela tava mesmo falando sério.

—Está falando sério não é? Isso não é uma metáfora é?

—Temo que não.

Ela aparentava calma e sobriedade. Mas, eu já vi pacientes com esta cara. Tem muita coisa escondida atrás desta calma.

—Belo vestido.

—Obrigado. Sua roupa também é... diferente. Ainda é estranho ver mulheres usando calças.

Genevieve estava usando um vestido vermelho na altura do joelho, com um decote V e uma espécie de capa saia do vestido. Ela usava batom escarlate e estava muito bem maquiada, o cabelo cacheado, muito bem penteado.

—Você está linda. É um belo vestido este que está usando.

—Obrigado, Doutora.

Os longos cabelos pretos. Ela tinha olhos azuis. Acredito que a boa aparência de Genevieve, este visual impecável é uma tentativa dela de esconder o que está por baixo. 

—Se me permite, sei que é um assunto delicado mas, como é estar morta?

—Você não sente nada. Fisicamente falando. Não precisa ir ao banheiro, não sente fome ou sede ou frio essa é a parte boa.

—E a parte ruim?

—Por séculos eu fui uma mera espectadora na vida dos meus filhos. Quando eu os vi vivos, bem... quase. Imediatamente senti este... alivio. Mas, o alivio foi logo substituído pelo horror. Depois que Alexander e Jehanne foram transformados eles massacraram o vilarejo sem remorso. Mataram cada homem, mulher e criança e até mesmo os animais. Não posso dizer que não fiquei feliz em ver aquelas criaturinhas ingratas e miseráveis chorando e implorando e então morrendo. Eles mereceram, mas eles passaram dos limites. De todas as formas.

Disse com horror.

P.O.V. Genevieve.

Por um momento pude ver meus filhos massacrando o vilarejo. Pouco antes de retornar ao presente. Para aquela sala de paredes brancas, com aquela luz acesa, uma estante de livros, o tapete creme, a mesa de vidro com um cacto num vaso de barro.

—Sabia que esta planta armazena água? Se algum dia se vir perdida no deserto, pode cortá-la e espremê-la. Ela solta água e pode beber. É também comestível. Basta tirar os espinhos.

—Interessante.

—Então, você era casada com um lobisomem?

—Era. Mas, eu nunca o amei. 

—Nunca?

—Nunca. Eu fui vendida para um homem por algumas moedas e uma galinha. Vendida como um cavalo para ser cavalgada sempre que ele desejasse.

P.O.V. Doutora Carslile.

Um caso de violência sexual?

—Seu marido era um bom marido?

—Digamos que eu estava feliz quando ele não estava por perto. Não me entenda mal, Percival protegia ferozmente a mim e Jehanne, afinal nenhum homem podia me causar dano. Exceto ele. Com o gene de lobisomem vem um temperamento ruim, mas isso não é desculpa. Meu filho Alexander tem o gene, ele ativou sua maldição e ainda assim é um homem melhor do que Percival jamais foi. Meu filho pode ter perdido o crescimento da minha neta, sua infância, mas ele sempre apoiou a esposa e a filha. Percival nunca me demonstrou tal devoção.

Acho que sim.

—E quanto aos seus pais?

—Minha mãe morreu quando eu nasci. No parto. Minha tia Dafne me criou, ela me treinou. Nas artes negras, me ensinou magia defensiva, ofensiva, magia branca e negra. E ensinou-me a ler, escrever, a cozinhar, limpar, entre outras coisas.

—Bem, nossa sessão acabou. Vejo você semana que vem, neste mesmo horário?

—Porque motivo?

—Terapia é algo contínuo. Leva tempo.

—Certo. Então, até a semana que vem, Doutora.

—Até.

Quanto mais eu a tratava, mais eu entendia. Verdade seja dita, apesar de tudo... Genevieve Levesque é a paciente mais fascinante que eu poderia ter. Eu a ouço falar sobre coisas, rituais, seu casamento, seus filhos e coisas que definitivamente não estão relatadas nos livros de história. E então, com um pouco de pesquisa eu descubro que ela foi ressuscitada de mil anos atrás realmente, o que significa que ela estava viva para ver.

—Você está bem?

—Sinto-me cansada. Eu não consigo dormir. Tudo é tão... barulhento o tempo todo. Isso me causa... o que era a palavra? Estresse. Sim, creio que essa é a palavra. Tudo é tão diferente que é quase vertiginoso.

Disse se deitando no sofá.

—Imagino que seja.

—Minha neta e meus filhos tem sido muito atenciosos. Muito amáveis, porém... eles tem suas vidas. E me sinto como... como se eu não...

—Se encaixasse?

—Sim. Eu não sou uma mulher tão independente quanto as outras, como você. Eu fui criada para ser uma esposa e uma mãe. Para limpar e cozinhar, mas agora eu não tenho mais marido e meus filhos são adultos e não precisam comer. Sinto-me, inútil. Como um peso em suas vidas. Talvez eu devesse ter permanecido adormecida. Talvez devesse me colocar para dormir outra vez ou morrer.

Ok. Agora temos um problema.


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