A Última Chance escrita por Caroline Oliveira


Capítulo 19
Três nações, uma lenda


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem apareceu! Gente, sério, eu nunca me enrolei tanto para terminar um capítulo! Tinha várias cenas separadas na minha cabeça, mas não me decidia quais colocar nesse e quais colocar no próximo! Mas espero que gostem, esse ta gigante! kkkkkk

OBS: Eu tenho uma correção a fazer. Eu não me recordo agora se já mencionei o Rio Ruidoso na história, mas se sim eu me enganei. O Rio Ruidoso demarca a fronteira de Nárnia com as Terras do Agreste do Norte e não da Calormânia com a Arquelândia, que era o que eu desejava. Portanto, o referido e correto rio é o Flecha Sinuosa.



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Caspian X

— Tenho notado que as tensões entre Nárnia e Calormânia tem se acentuado nos últimos dias – Observou Naim – Não é de meu feitio colocar lenha na fogueira, porém esta história não amenizará as coisas.

— O que quer dizer? – Susana indagou.

— Esta é a lenda que circula pela região de fronteira entre Arquelândia e o Grande Deserto – Contou o rei arquelandês – O exato local entre a cadeia de montanhas, o rio e o desfiladeiro foi palco de um acontecimento extraordinário, surgido do ódio e da vingança de uma feiticeira e do amor de um casal da realeza.

“Conta-se que cerca de mil quatrocentos e quarenta anos atrás, durante o reinado do rei Urik da Arquelândia, da rainha Cisne Branco de Nárnia e do Tisroc Merodash da Calormânia, havia uma sacerdotisa chamada Cietriz. A mulher foi criada por um sacerdote para ser a futura rainha de Tashbaan, destinada a casar-se com o príncipe Nihor. Esse príncipe, no entanto, se apaixonou pela rainha Cisne Branco e frustrou os planos de Cietriz e do sacerdote. O rei Merodash não aprovou o relacionamento de Nihor com a rainha narniana e ele não precisou que o sacerdote o manipulasse para aprovar Cietriz como noiva de seu filho”.

— Então isso tem realmente a ver com a Calormânia, como suspeitávamos – Lúcia comentou.

Naim pigarreou antes de continuar.

— Nihor não aceitou a escolha do pai, o desafiou e renunciou ao seu direito ao trono. Cietriz indignou-se e tentou alertar o príncipe da idiotice que ele estava cometendo, porém ele a humilhou – Naim pareceu esforçar-se para lembrar algo – Suas palavras foram “eu jamais trocaria alianças com a bastarda de um tarcaã que foi jogada na sarjeta como um animal, que se deitou com todo o tipo de macho imundo para se tornar sacerdotisa” – Uma pausa – “Eu tenho ojeriza a ti, rebento de feiticeira”.

A atitude do príncipe não parecia mérito dele apenas. Recordei de imediato as palavras de Rabadash para com Susana e imagino o ódio que a tal Cietriz deve ter sentido naquele momento.

— As palavras de Nihor decretaram sua sentença de morte – Prosseguiu o Rei Naim – Nihor fugiu da Calormânia em direção à Nárnia para ser feliz com a amada. Cietriz o seguiu com um grupo de soldados. O rei Urik de Arquelândia concedeu passagem à Cisne Branco para encontrar seu amado na fronteira com o Grande Deserto e ela o esperou às margens do rio Flecha Sinuosa.

“Poucas horas antes do nascer do sol, no momento exato em que Nihor e sua amada se encontraram, Cietriz ordenou que seus cavaleiros os atacassem e jogassem seus corpos no rio. Nihor, Cisne e os soldados narnianos venceram cada um dos homens da sacerdotisa, pintando as areias do deserto com seu sangue. A lenda conta que quando Cietriz desceu do cavalo, o solo tremeu com seu ódio.

Nihor a havia chamado de rebento de feiticeira e ela lhe mostraria todo o poder que havia aperfeiçoado durante anos. Os corpos daqueles que um dia morreram naquela região, bem como seus soldados mortos, levantaram-se ao seu comando”.

— Ela era necromante? – Edmundo disse perplexo, tal qual todos nós ao imaginar a cena.

— Das mais habilidosas – Naim respondeu – Bem, conta-se que Nihor defendeu Cisne Branco de todas as formas e percebeu que não venceria sem derrotar Cietriz primeiro. Quando a atacou, ela mostrou mais uma façanha de seu poder: o controle das areias do deserto.

“Uma tempestade de areia envolveu Nihor, retirando toda a água de seu corpo ao som dos gritos de Cisne. Ele agonizou até a morte.

A rainha Cisne Branco pegou a lança de um de seus soldados e fincou nas águas do rio, implorando a Aslam que desse poder à lança para que ela ceifasse aquele mal. A lança brilhou e Cisne Branco enfrentou a tempestade, cuja areia abria caminho para a lança, e trucidou a feiticeira do deserto no peito.

A magia da lança desintegrou Cietriz como cinzas. O artefato usou toda a força vital de Cisne Branco para o golpe e ela desfaleceu após um sacrifício que não foi suficiente para salvar a vida de seu amado. Os três morreram às margens do rio Flecha Sinuosa”.

— Então a lança de água que estávamos falando esse tempo todo foi a arma que matou a feiticeira anos atrás? – Pedro indagou – Bem, e como é possível que ela esteja viva novamente e tenha lançado a maldição em Nárnia?

— Da mesma forma que é possível trazer Jadis de volta – Lúcia respondeu – Deve ter uma maneira de ressuscitar Cietriz também. Só não sabemos como foi feito.

— Por que não nos contou essa lenda antes, Naim? – Questionei – Falamos dessa lança pelo menos umas duas vezes.

— Porque é apenas uma lenda, Caspian – Assegurou – Ninguém jamais viu o túmulo que surgiu do deserto, ou a lança mágica da Cisne Branco!

— Túmulo? – Susana repetiu – Você não contou essa parte.

Naim arfou, como se tivesse falado demais. Ele realmente não acreditava em uma só palavra daquela lenda.

— Dizem que quando Cisne Branco morreu, um túmulo para ela apareceu no local. Nunca saberemos se é verdade ou não, afinal séculos se passaram e se houve alguma tumba naquela região, foi encoberta pelas areias.

— Aslam nos enviou uma profecia através do mago Coriakin – Retruquei – Acreditamos nela e se essa lenda tem a ver com a profecia, ela também é verdadeira.

— Pois bem – Naim olhou para Neriah antes de prosseguir – Não irei me opor a que visite meu território com um pequeno grupo. – Neriah suspirou aliviada e eu desfrutei do mesmo alívio da boa notícia. – Mas não quero que leve sua disputa com Ahadash para dentro do meu reino. A posição geográfica de Arquelândia não é favorável para esse conflito, então pense bem antes de nos colocar em risco.

— Não é meu desejo trazer guerra a essas terras, Naim – Assegurei – A única coisa que quero é trazer a abundância da qual Nárnia e seus habitantes desde as plantas até os animais, seja as criaturas, seja os humanos sempre desfrutaram. Se o seu povo estivesse à beira da fome, conheceria a minha preocupação e urgência.

— É por essa razão que eu permito sua passagem – Concluiu Naim.

— Eu agradeço em nome de todos os narnianos – Acenei com a cabeça em sinal de reverência.

— Bem, eu receio que devemos partir daqui a poucos dias – Noticiou – Se for de seu desejo nos acompanhar, será melhor visto pelos meus súditos.

— Creio que seja uma ótima ideia – Falei – Concordam? – Pedi a opinião de Susana, Lúcia, Pedro e Edmundo, que assentiram. – Assim faremos.

— Com licença – Naim acenou para nós com a cabeça e Tácito e Neriah fizeram reverências. Os três saíram em seguida.

— Como vamos fazer? – Edmundo perguntou.

— Se concordarem, nos dividiremos em dois grupos – Expliquei – Susana, Edmundo, Trumpkin, Garvis e mais alguns que ainda escolherei vêm comigo à Arquelândia para pegarmos a lança de água e investigarmos a passagem de Cietriz pelo local. – Uma pausa – Deixarei Pedro e Lúcia no comando de Nárnia, com Liliandil, Coriakin e Glenstorm. Se os calormanos estiverem envolvidos na maldição de Cietriz, o que creio que é verdade, ao notarem nossa movimentação vão agitar-se contra nós. Por isso quero Pedro e Glenstorm aqui, prontos para defender Nárnia dos invasores. Tenho uma missão especial para você, Lúcia.

— Para mim? – Franziu o cenho.

Respirei fundo. Não era fácil para mim dar o braço a torcer, mas depois de discutir com Susana, comprovar que estava errado, conseguir seu perdão, decidi repensar outras questões também. Entre elas, a situação de Rilian.

— Apesar de não gostar de Rilian, muito menos da forma como o conheci – Referi-me a sua tentativa de assassinato contra Susana – Aslam assegurou que ele seria a pessoa que reconheceria a serpente do deserto e assim nos levaria em direção ao alvo correto. – Suspirei – Eu preciso que converse com ele. Exercite a mente dele para que se lembre de seu encontro com a feiticeira e teste seu caráter. – Baixei os olhos – Miraz matou o meu pai, usurpou o meu trono... no entanto, não quero agir com seu filho da mesma forma que ele agiu comigo. Não faria mal ao filho dele com Prunaprismia... e não pretendo fazer mal a Rilian também.

— Quer dizer que não vai executá-lo? – O rosto de Susana se iluminou com a constatação. Apesar de ter sido a vítima, ela compreendia os motivos do... meu primo mais do que eu poderia. Ela já dissera mais de uma vez que detestava me ver com raiva, descontrolado de ódio, agressivo. Aquela era uma boa oportunidade de demonstrar que eu estava tentando mudar, ser digno de sua confiança e de seu perdão.

— Não confio dele totalmente para libertá-lo – Confessei – Por isso preciso do julgamento de Lúcia, na qual confio. Mas não tirarei sua vida.

— Macrino vai ficar mais tranquilo – Pedro observou.

— Eu vou até a vila falar com o povo, Caspian – Avisou Edmundo – Quer que eu leve algum recado seu?

— Creio que chegou o momento de sermos honestos com todos. Peço que tenha cuidado com as palavras para não instalar o caos, mas conte-lhes sobre a maldição e sobre nossa jornada. Peça que sejam pacientes, corajosos e que não se assombrem com hipóteses pessimistas. É o momento de nos unirmos, não de nos escandalizarmos.

— Estamos um pouco enferrujados com armas - Susana observou - O que acha de treinarmos ao fim da tarde?

— É uma boa ideia - Edmundo concordou - Quero ver se continua com a mesma pontaria depois de tanto tempo longe de Nárnia, Susana.

— Não me desafie, Ed - Sorriu ela - Acerto uma flecha entre seus olhos com as mãos nas costas!

 

Susana Pevensie

Edmundo continuou tentando me provocar até sairmos da sala do trono, ele seguindo seu caminho para ir até a cidade contar as novas para o povo.

— Susana – Pedro chamou por mim – Pode vir comigo um instante?

— Primeiramente, você está melhor? – Indaguei sorrindo. Meu irmão conservava um semblante de hesitação e eu não estava gostando disso, mas decidi quebrar o clima antes de ele soltar a bomba no meu colo.

— Estou – Relaxou os ombros e coçou o cabelo – De vez em quando, sinto dor de cabeça, mas logo vai passar. – E então? Pode vir comigo?

— Posso, mas o que aconteceu? – Perguntei enquanto o acompanhava.

— Tácito, o general da Arquelândia, me mandou um recado antes de irmos com Liliandil até o rio – Explicou. Ele foi me conduzindo até o andar que reconheci como aquele que acomodava os nossos hóspedes – Com todo o problema do ataque da feiticeira na tenda, só pude ir até ele há pouco. Quero me tire uma dúvida.

— Sobre o quê? – Continuava confusa.

— Você verá – Concluiu e eu arfei em protesto, mas resolvi ter paciência. Era o que me restava, afinal.

Pedro me levou à ala que acomodava a comitiva da Arquelândia e eu supus que foi por isso que mencionou o general Tácito, mas não compreendia o motivo de nosso destino ser seus aposentos.

Meu irmão entrou devagar, abrindo a porta ele mesmo ao dispensar o auxílio dos guardas. O aposento estava escuro, em penumbra na verdade, como quando o sol nasce e sua luz passa através das cortinas logo pela manhã. Mas definitivamente Tácito não estava dormindo.

— Ah, você acordou – Pedro entrou no quarto e depois foi a minha vez.

Ele se dirigia à moça que estava sentada no leito, as costas expostas, repletas de chagas recobertas com unguento. Lembrava-me dela. Era uma das dançarinas calormanas que seguia às ordens da sacerdotisa mau encarada de Tash. Foi quando me dei conta: calormana.

— O que ela faz aqui, Pedro? – Disparei – Não deveria ter retornado com Ahadash para a Calormânia?

— Ela foi açoitada e abandonada aqui – Explicou. A moça fez menção de falar algo, como se quisesse corrigi-lo, mas devia estar acostumada a ser mandada ficar quieta e resolveu se adiantar. – Tácito e Neriah assumiram a responsabilidade de acolhê-la e como eu era o único de nós que tinha tido algum tipo de contato com ela, resolveram me contar.

Suspirei e pus as mãos na cintura.

— E o que pretende fazer? – Indaguei – Sim, porque eu aposto que Caspian ainda não sabe disso.

— Foi por isso que a chamei aqui – Pedro demonstrava em seu olhar que sabia que aquela situação não era a ideal, definitivamente. Mas parecia nutrir afeição pela moça e não queria deixa-la desamparada, afinal ela não estava em condições de se virar sozinha - Tenho consciência de que quando decidimos colocar Caspian no trono de Nárnia, ele estaria acima de nós em autoridade. Nossa vez de governar se foi, ele é o rei agora. Eu não quero entrar em conflito com ele, mas não quero deixar Hiandra desamparada só porque é calormana.

 — Não é minha intenção ofendê-la - Dirigi-me à moça - Mas algo bom pode vir de Calormânia? A única pessoa verdadeira e gentil de que se tem notícia foi Aravis, Pedro. - Referia-me à tarcaína que conheceu o príncipe Cor, conhecido como Shasta na época, e tornou-se sua rainha na Arquelândia. - Estou vendo os ferimentos, mas quem pode me garantir que não é uma espiã?

— Eu entendo que pense assim - Assegurou - Bem, deixe que eu fale com Caspian. Se ele não permitir que Hiandra permaneça, eu encontro outro lugar para ela.

Cruzei os braços.

— Desde quando vocês se conhecem? - Disparei - Quero dizer, desde que ela sumiu, você está movendo céus e terras por esse castelo para encontrá-la e agora põe sua harmonia com Caspian em risco para protegê-la? Estava reclamando a pouco que Lúcia está cega defendendo Rilian e o que você faz?

— Detesto quando você tenta ser nossa mãe - Criticou.

— Você detesta quando eu falo a verdade - Retruquei - Olha, você é quem sabe. Mas não se ponha nessa situação com Caspian, por favor. Neste momento, a última coisa que precisamos é de mais conflito.

Mirei a tal Hiandra, que assistia à discussão calada como um túmulo. Quando meus olhos se encontraram com os dela, ela baixou o olhar. Não conseguia ver maldade nela, mas existia algo ali que me fazia desconfiar.

Deixei os aposentos do general Tácito quando vi que Pedro não diria mais nada.

 

Pedro Pevensie

— Não foi minha intenção provocar conflitos entre vossa irmã e o senhor, majestade - Hiandra falava baixo, culpada, infeliz.

— Ela reagiu como eu esperava - Dei de ombros - Apesar de eu ter um pouco de esperança de que ela fosse ser mais compreensiva. Susana tem seus traumas com o seu povo, não confia em um calormano de jeito nenhum.

Caminhei até perto do leito e encostei-me em uma das barras de madeira que compunham a cama e erguiam o dossel.

— O senhor confia em mim? - Indagou hesitante.

Pensei um pouco antes de responder.

— Numa coisa Susana está certa: nós mal nos conhecemos. - Dei um sorriso de canto - Não sinto ameaça alguma vinda de você, mas sejamos francos em dizer que confiança é um laço que se cria com a proximidade e com o tempo. - Sentei-me ao seu lado na cama - Bom, você não me contou o que aconteceu para terminar açoitada.

Ela baixou os olhos, como se as lembranças trouxessem vergonha a ela. Eu já havia notado que havia muita inveja e maldade entre as mulheres da corte, sobremaneira em relação à primeira esposa de Ahadash.

— O Tisroc, que ele viva para sempre, solicitou que eu dançasse para ele em seus aposentos - Hiandra não me olhou enquanto contava - Eu me desvencilhava de suas investidas da forma que conseguia, mas sabia que cedo ou tarde seria forçada a deixá-lo me tomar nos braços, se é que me entende. Quando cheguei aos seus aposentos, ele já estava alterado por causa do vinho e continuou bebendo enquanto me assistia dançar, até o momento que caiu na inconsciência. - Franzi o cenho - De início, pensei que fosse efeito do álcool, mas ao me aproximar e retirar o copo de sua mão, senti um cheiro diferente na taça. Foi quando a senhora Drusa apareceu de trás das cortinas.

"Ela caçoou de mim e me humilhou. Chamou dois guardas, homens de sua confiança e me levaram para os aposentos dela à força. Foi lá que ela me açoitou e me obrigou a limpar cada gota de sangue que sujou seu quarto. Depois, me expulsou de lá e eu me escondi. Não queria ser obrigada a dar explicações sobre o que tinha acontecido, ou ter que voltar para a Calormânia e continuar a viver naquele suplício".

— Eu não sei nem o que dizer, Hiandra - Eu sentia raiva, indignação e tristeza por ela. Viver na Calormânia sem ser nobre já era difícil para um homem, por mais livre que ele seja. Era pior ainda para uma mulher - É um absurdo que tenha sofrido todos esses abusos e todos do seu povo acharem isso perfeitamente normal.

— Não há muito o que fazer, rei Pedro - Ela finalmente me encarou - O Tisroc, que ele viva para sempre, detém todo o poder militar e é descendente do próprio Tash! Como poderíamos ir contra o desejo do nosso deus?

 — Não é porque o seu rei diz que é descendente do seu deus que não pode cometer erros - Tentei ser sutil, afinal não queria discutir sobre suas crenças, porém não gostaria que ela pensasse que era merecedora de tal sofrimento - O próprio Aslam colocou a mim e aos meus irmãos no trono narniano, contudo cometemos erros como qualquer ser humano. É verdade que ele nos guiou a decisões sábias, mas nem sempre ouvimos a voz dele.

 — Eu... já ouvi falar desse Aslam - Comentou - Ele não aparece muito, não é?

— Todas as vezes em que viemos, encontramos com ele pelo menos uma vez. Apesar da distância, está olhando por nós. Depositando sabedoria em nossas mentes e bondade em nossos corações.

— Se ele é tão bom, por que tem deixado seu país passar por tamanho sofrimento? - Indagou.

— Sabe sobre a seca?

— Fofoca de corredores - Explicou.

— Nós sempre pensamos que o ser superior a nós tem a obrigação de nos dar uma vida maravilhosa e isenta de problemas. Mas as dificuldades nos moldam rumo ao amadurecimento, rumo à sabedoria. É errando que se aprende, é perdendo que se dá valor ao que é ganho. E muitas das coisas que sofremos é fruto dos nossos próprios erros. Aslam é bondoso, mas também é justo e não dá para compreendê-lo de uma forma negando a outra.

Hiandra deu um sorriso singelo e continuou olhando para mim longos segundos depois que terminei de falar.

— O que foi?

— Nós calormanos temos a fama de sermos ótimos contadores de histórias - Respondeu - Mas confesso que me agrada ouvir um narniano falar.

Sorri de volta.

 

Edmundo Pevensie

Não esperava que ficaria nervoso. Inquietei-me não pelo fato de ter que discursar para o povo – mesmo admitindo que havia esquecido o que era fazer isso -, mas sim pelo que diria.

Nos últimos tempos, os responsáveis pelas palavras eram sempre Pedro, ou Caspian. Lembrava-me bem dos dizeres do último para a tripulação do Peregrino da Alvorada que encorajou a todos. Eles estavam conscientes do perigo, mas foram fortalecidos pelas palavras de seu rei a fazer a vontade de Aslam. Aliás, talvez esse fosse um bom exemplo a dar.

Depois de pensar um pouco na sequência das sentenças do comunicado, decidi procurar Liliandil para pedir que fosse comigo. Fazia algum tempo que não conversávamos e sua companhia me acalmava a alma.

Encontrei doutor Cornelius pelos corredores e ele me contou que Liliandil estava organizando os livros da biblioteca no gabinete. Segundo ele, ao vasculhar todos os livros e receber os de Cair Paravel, os livros não observados e os livros já olhados acabaram se misturando e as estantes do tutor de Caspian se tornaram um verdadeiro caos.

A porta estava entreaberta, então não me dei o trabalho de bater nela. Havia um pequeno lance de escadas entre a porta e o nível da sala, que desci rapidamente. Não avistei Liliandil de imediato.

— Liliandil?! – Chamei e um baque de três ou quatro livros me sobressaltou.

O som veio de trás da primeira estante à esquerda e eu caminhei até lá. Ela vestia o típico tom de azul claro, dessa vez um vestido de mangas mais curtas com arabescos em branco estampando as saias. Ela apanhava os livros no chão quando cheguei.

— Eu assustei você? – Indaguei, abaixando-me para ajudá-la.

— Eu estava distraída, não foi culpa sua – Sua voz estava levemente embargada.

Foi quando nos levantamos, ela com três e eu com um livro na mão e eu fitei seu rosto. Apesar da palidez anormal advinda de sua natureza estelar, seu rosto não escondeu o leve ruborizar nas bochechas e na linha dos olhos, típico de alguém que acabou de chorar.

— Aconteceu alguma coisa? – Indaguei, deixando de lado minhas preocupações – Estava chorando?

 Ela hesitou em me encarar, envergonhada por eu ter percebido.

— O senhor veio me procurar, deseja algo? – Desconversou. Pensei em insistir, mas o tempo urgia. Decidi que respeitaria seu silêncio por ora.

— Eu preciso falar com os aldeões e gostaria que me acompanhasse – Convidei e ela se surpreendeu, dando um sorriso de canto – Sua presença me transmitirá a paz necessária para não instalar o caos na cidade com as palavras!

— Eu fico honrada por ter se lembrado de mim – Foi sua forma de dizer obrigado. – Acho que posso deixar a arrumação da biblioteca de lado por um momento. – Liliandil colocou os livros na estante e deu uma olhada em seu vestido – Acha que estou apresentável?

Admirei seu visual outra vez. Sua personalidade delicada transparecia em cada fio de tecido daquele vestido, os detalhes do penteado corroborando com tanta perfeição. Ela pedira que lhe desse uma opinião na mais alta inocência, mas o ato despertava em mim sensações tão fortes que chegava a sentir-me mal por... desejá-la.

— Você está linda – As palavras não foram muito mais que um sussurro e logo suas bochechas ficaram rubras. Foi quando sacudi a cabeça – Bem, vamos?

∞∞∞

Quando chegamos à cidade a cavalo, acompanhados de guardas e de oficiais da guarda, o burburinho entre os moradores começou. Um dos guardas tocou uma corneta trazida por ele e convocou a todos na pequena praça para nos ouvir. Aos poucos, narnianos e telmarinos, conforme suas espécies, foram se apresentando diante de nós e um frio na barriga perpassou por mim.

— Não se preocupe – Liliandil percebeu meu receio – Aslam guiará suas palavras. Eles entenderão e serão fortes.

Respondi seu gesto com um sorriso e esperei que todos se acomodassem e fizessem silêncio para começar.

— Povo de Nárnia! Tenho ciência de que nossa vinda à cidade é motivo de estranheza e até receio de vocês! Mas peço que me ouçam com atenção até o fim para que entendam a situação e não se atemorizem! – Uma pausa – Creio que têm notado as dificuldades de mantimento pelas quais temos passado. Aqueles que se aventuraram pelos bosques puderam observar o sofrimento das árvores pela falta de água e pelo solo doente. Os que conhecem as lendas vão se lembrar do inverno de 100 anos ao qual Jadis, a feiticeira branca, condenou Nárnia há séculos. – O burburinho, antes cessado, recomeçou baixo – Receamos que fomos alvo de mais uma maldição.

Eu já esperava que as pessoas fossem se exaltar com a sentença e esperei que se escandalizassem, até que a corneta foi tocada de novo para que se calassem.

Olhei para Liliandil e ela assentiu para que eu falasse, as sobrancelhas unidas e o rosto firme, dando-me a força que eu precisava.

— Por misericórdia de Aslam, recebemos uma profecia capaz de nos dar a direção para vencer esse mal. Uma feiticeira ancestral deseja nos destruir. Felizmente, já estamos a caminho para salvar nossas colheitas e nossas terras. O rei Caspian partirá numa missão para iniciarmos nosso contra-ataque a essas forças do mal! No entanto, temos consciência de que nossos inimigos pretendem nos enfraquecer tornando nosso mantimento escasso! Por isso, em nome de Aslam e do rei Caspian, eu humildemente peço que sejam fortes e compreendam o racionamento! E também pedimos que compreendam a conduta do exército caso a cidade seja atacada! Vocês precisarão estar prontos para serem levados ao castelo por sua segurança!

— Nós logo estaremos mortos de fome e ainda teremos que nos preocupar com uma guerra? – Gritou um homem e a multidão se exaltou novamente. Pessoas ao redor dele chegaram a empurrá-lo e alguns guardas se aproximaram para conter a confusão.

— E isso vai demorar, majestade? – Uma mulher perguntou em voz alta, mas seu tom não era agressivo – Por quanto tempo mais passaremos privações?

— O futuro pertence a Aslam – Respondi – Faremos o possível para que seja breve. Eu sei que a situação não é uma das melhores, que o rio está secando e os alimentos estão acabando, mas sejam conscientes e pacientes. Nárnia é um reino forte e abençoado. Venceremos mais esse desafio.


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Notas finais do capítulo

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