A Última Chance escrita por Caroline Oliveira


Capítulo 14
Intriga


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas!! Voltei trazendo um capítulo gigante para vocês! Eu fico meio hesitante de trazer capítulos tão grandes, mas não queria deixar a última parte desse para o próximo!
Portanto, aproveitem a leitura!!
Leias as notas finais!



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À tarde

Lúcia Pevensie

— Então ficamos acordados assim? – Naim indagou após a longa conversa.

O acordo comercial não fora estabelecido bilateralmente, mas com as cláusulas e ajustes pertinentes às três nações: Arquelândia, Calormânia e Nárnia.

Os preços e taxações foram tabelados mediante os pedidos de importações e Caspian já deixou encomendado boas quantidades de cereais e vinho vindos de Arquelândia e especiarias, vegetais e outros produtos da Calormânia.

Caspian comentara que pretendia aumentar as importações com a seca depreciando as plantações, mas seria prudente no gasto financeiro, afinal não sabíamos quanto tempo isso duraria, nem quando conseguiríamos vender nossos produtos para o dinheiro retornar.

— Confesso que não esperava que tomar como base o acordo de centenas de anos atrás fosse ser de algum proveito – Ahadash tinha que deixar o desdém escorrer dos lábios como veneno – Porém acredito que é um contrato vantajoso para todas as nossas nações.

— Podemos assinar, então? – Caspian nada acrescentou. Como qualquer um naquele recinto, já estava saturado dos comentários inconvenientes do Tisroc.

Caspian foi o primeiro a assinar, seguido de Ahadash e por fim Naim, que se virou para mim quando terminou.

— Gostaria de dizer que vossa presença fora muito proveitosa e agradável, Rainha Lúcia – Ele estendeu a mão para beijar a minha – É triste o fato de serem raras as vezes em que vemos mulheres tão sábias e determinadas em discutir cláusulas contratuais.

— Fico feliz que aprecie meu empenho – Agradeci – Mesmo que meu reinado já tenha passado, sou grata pela oportunidade de poder ajudar Nárnia.

Caspian tomou a palavra.

— Bem, temos algum detalhe político ou de qualquer outro assunto a discutir? – Questionou e eu não pude ignorar sua ânsia por terminar aquela reunião logo.

— Se me permite, rei Caspian – Ahadash falou – Creio que seja um assunto delicado e que não me diga respeito, mas... receio ter ouvido alguns rumores sobre um possível término de compromisso do senhor com vossa noiva e me questionei se seriam verídicos ou não.

O rei de Nárnia fechou a cara enquanto fitava os olhos maliciosos e provocadores do Tisroc calormano.

— Sim – Respondeu por fim – Meu compromisso com Lady Liliandil foi encerrado. Não somos mais noivos.

— E eu acredito que tal decisão tenha sido... encorajada pela rainha Susana? – Ele já estava indo longe demais.

— O que o Tisroc quer dizer com tal afirmação? – Ignorei o irritante “que ele viva para sempre” dos guardas calormanos que esperavam do lado de fora da sala privada de reuniões.

— Não creio que seja prudente trazer tal temática à tona, tisroc – Naim reprovou, e os guardas irritantes falaram a mesma frase outra vez;

— Não é de meu feitio ou intenção ofender outro monarca, ainda mais em sua casa – Justificou-se – Apenas desejo oferecer um pouco de sabedoria.

Naim maneou com a cabeça e trocou um olhar com Caspian.

— Creio que vossas majestades tenham muito o que conversar – Naim foi sensato o bastante para se retirar dali, afinal o acordo estava feito e ele não pretendia entrar em guerra com nenhum dos senhores ali presentes no calor da emoção.

— Perdoe a indiscrição – Ahadash quebrou o silêncio, a voz experientemente tranquila, jogando com as palavras – Porém em Calormânia temos o costume milenar de passarmos de geração em geração as histórias de nossos antepassados e...

Meu sangue ferveu.

— Se pretende se referir ao príncipe Rabadash...

— Não se precipite, majestade – O que ele pretendia dizer? Que minha irmã tinha prazer em ver os rapazes rompendo seus compromissos por ela? Ele sequer a conhecia! – Como dizia, a memória de nossos antepassados é vívida em nossas mentes e é meu dever alertar outro monarca acerca de... matrimônios desastrosos.

Caspian piscou um par de vezes, os olhos baixos. Parecia ponderar, mas não sei se eram as palavras de Ahadash que ele digeria.

— Lúcia, se não for ofender você – Pediu – Pode nos deixar a sós?

Não acreditei em suas palavras. Minha reação foi arregalar os olhos incrédula e comprimir os lábios. Antes, porém, vi nos olhos de Caspian algo que me tranquilizou um pouco, apesar de não estar satisfeita de ter que sair.

— Vou me ofender se você der ouvidos ao que quer que o Tisroc diga sobre minha irmã – Lancei um olhar furioso a Ahadash antes de sair.

 

Caspian X

Feliz, ou infelizmente eu era rei de Nárnia. E como rei, eu estava sujeito a tradições, leis e deploráveis jogos e artimanhas das monarquias de meu tempo.

Como rei, por mais que não concordasse, eu sabia que poderia chegar a ser necessário fazer ameaças de soberano para soberano, ameaças consistentes. Eu não poderia, contudo, colocar a vida de Lúcia em perigo, deixando que ela testemunhasse a conversa venenosa que estava prestes a acontecer.

— E o que você pensa que tem para me avisar, Ahadash? – Minha tolerância estava por um fio.

— Não tenho intenção de ser leviano com você, rei Caspian – Explicou-se – E pode não crer, mas vejo em você o jovem rei que fui um dia. Eu gostaria que tivessem me avisado a respeito da mulher que tomei como esposa antes de eu tê-lo feito.

— Sejam quais forem os seus problemas conjugais, não vejo motivos para que tente manchar a imagem da rainha Susana – Retruquei de cara.

— Venho a ti com fatos, rei Caspian – Ele passou a caminhar pela sala – Apenas a rainha Susana sabe o que realmente aconteceu em Tashbaan para que ela fugisse. O príncipe estava mui enamorado por ela; atravessou o grande deserto com o coração ansioso em encontrá-la, tentou ao máximo impressioná-la com um honrável torneio, deu-lhe todos os presentes que pôde.

Eu tinha algumas vagas lembranças da época narrada por ele, lembranças das histórias que o professor Cornelius me contava anos atrás na calada da noite.

— Então, lhe pergunto – Continuou – O que de tão grave o apaixonado Rabadash teria feito para obrigá-la a fugir da Calormânia?

— Eu não sei – Respondi simplesmente – E não tenho razões para revolver uma história tão antiga quanto o tempo! Eu confio na rainha Susana. Sem falar que infelizmente, Ahadash, não és tão digno de confiança quanto gostaria.

— Que razões eu lhe dei para que desconfiasse de mim? – Ofendeu-se.

— Me diga você! – Retruquei – Diga-me por que uma cimitarra calormana foi encontrada nas costas de um soldado narniano que trazia o carregamento de grãos para a cidade?

— De que me acusa? – Ergueu a voz. – Cuidado com as palavras, rei Caspian!

— Cuidado você com as suas – Avisei entredentes – Não vai ofender a rainha Susana no meu castelo. Sugiro que deixe minha corte amanhã mesmo. Não voltarei atrás com nosso acordo de comércio, tampouco atacarei o seu reino. – Me aproximei de Ahadash devagar, permitindo que meu tom baixo fosse suficiente para que ele entendesse – Mas se algo mais sumir... nem que seja uma taça de prata... saberei quem o fez.

— Irá se arrepender amargamente por essas palavras, Caspian – Declarou, deixando finalmente a cordialidade de lado – Tash me fará justiça.

— Acredite, Aslam o fará melhor. Ele sabe quem ataca quem aqui e a justiça prevalecerá.

— No dia em que essa mulher o destruir e voltar para o lugar de onde veio, saberá que eu tinha razão!

Eu realmente esperava não ter iniciado uma guerra com isso. Apesar de Ahadash ser um rei experiente e ter sido derrotado recentemente por nosso exército, calormanos costumavam ser bastante impetuosos, impulsivos.

De certa forma, porém, ele havia ganhado hoje. Talvez não na discussão, não nas ameaças. Mas ele havia conseguido plantar uma maldita pulga na minha orelha. O que acontecera entre Susana e Rabadash em Tashbaan?

 

Pedro Pevensie

Apesar de toda a turbulência da noite anterior e da noite mal dormida, a canção da dançarina calormana rondava a minha mente. Ela me fazia refletir sobre minha estadia em Nárnia, meu futuro em meu mundo, sobre o que eu já tinha passado e sobre o que eu poderia vir a passar.

Eu queria saber de onde viera aquela música.

Após o almoço, assim que Caspian e Lúcia seguiram para a reunião com os monarcas convidados, decidi procurar Hiandra. Eu me sentia um bobo procurando uma garota para saber a história de uma música, mas não podia negar que estar em sua companhia novamente não seria nada desagradável.

Voltei ao pátio próximo a sala onde ela e as outras meninas ensaiavam no dia do baile. O local estava calmo, apesar das moças conversarem e rirem alto.

— Com licença – Pedi ao me apresentar à porta aberta.

— Majestade! – Uma delas exclamou e as outras fizeram uma exagerada reverência, quase ajoelhando-se ao chão.

— Eu procuro Hiandra – Expliquei – Sabem onde ela está?

As duas meninas mais próximas a mim congelaram; outras se entreolharam e outras ainda cochichavam tensas.

— Majestade – A sacerdotisa de Tash, Katrizia, surgiu atrás de mim, arrancando um calafrio que percorreu minhas costas – Posso ajudar em algo?

Virei-me para ela, engolindo o espanto. Ela vestia laranja dessa vez, o vestido cheio de bordados, a cintura marcada com uma faixa laranja lisa, combinada com um tecido que funcionava como uma capa, presa às alças grossas do vestido. Os cabelos esvoaçantes e o adorno elaborado davam a ela uma aparência empoderada, mais impactante até que a própria primeira esposa do Tisroc.

— Hiandra – Foi o que consegui pronunciar diante de sua presença gélida – A dançarina, eu... gostaria de vê-la.

— Não sei se gostará tanto assim quando a ver naquele estado – Debochou com as sobrancelhas erguidas, deliciada com o que quer que Hiandra estivesse passando.

— O que houve com ela? – Exigi saber.

— Bem, Hiandra não é como as outras meninas, milorde – Ela passou por mim e entrou na sala. Segui-a com o olhar – Essas meninas são filhas de tarcaãs, escolhidas a dedo para servir ao rei da Calormânia. Hiandra, porém, é filha de um escriba. Não é tão ruim quanto ser filha de um escravo, mas dá quase na mesma.

— E o que tem isso? – Por que ela não dizia logo onde Hiandra estava?

— Ela não tem quem lute por seu bem estar entre as cortesãs – Deu de ombros, como se fosse óbvio – A primeira esposa do Tisroc, que ele viva para sempre, a faz trabalhar para ela, porque odeia que seu marido idolatre a garota como o ser mais lindo que já passou por essas terras. – Deu de ombros outra vez, indo até uma das garotas e enrolando uma das mechas do cabelo dela – Deve estar na lavanderia do castelo. Mas, se desejar, temos várias outras meninas que não hesitariam em agradá-lo.

Ah, ela achava que eu estava procurando Hiandra para...

— Não, obrigado – Neguei de imediato – Só quero fazer uma pergunta, nada além disso. Com licença.

— Toda – Fez uma reverência graciosa, elevando os lábios num sorriso lascivo.

Tinha algo de estranho com aquela mulher. Susana e Lúcia haviam a testemunhado conversar de modo suspeito com o Tisroc, contudo não era a isso que eu me referia. Sua presença era sombria, gélida, não saberia explicar.

Deixei isso de lado e me concentrei em meu objetivo. Eu não me recordava da localização da lavanderia do castelo, mas suspeitava que as pessoas da cozinha saberiam me indicar.

Caminhei a passos largos até lá, o rosto de Hiandra rondando minha mente.

— Não sei se gostará tanto assim quando a ver naquele estado.

O que a sacerdotisa queria dizer com isso?

A chefe da cozinha me explicou como chegar na lavanderia, bastante desconfiada sobre minhas razões para ir lá.

Quando lá cheguei, diversos criados e criadas realizavam seus afazeres, incluindo os das comitivas estrangeiras, tratando de deixar as roupas de seus patrões impecáveis.

Passei com dificuldade entre os funcionários, alguns suspiravam cansados, outros suavam muito por causa do calor.

Hiandra não estava em lugar algum. Olhei entre todas as moças e até confundi uma delas com a dançarina, afinal a maioria delas tinha cabelos escuros, longos e cacheados. Mas nada da moça que eu procurava.

No começo, era só uma curiosidade, mas a fala da sacerdotisa e o sumiço da garota me fez ficar levemente preocupado. O que teria acontecido e onde Hiandra estaria agora?

 

Susana Pevensie

— Então marcaram a data? – Exclamei ao ouvir as palavras da princesa Neriah sobre finalmente ter decidido a data de seu casamento com o general Tácito.

— Sim, não é adorável? – Ela estava radiante, o coração transbordava de alegria e expectativa – Ele está tão feliz, Susana! Sabe, é confuso, mas ao mesmo tempo que me sinto alegre por este sonho está prestes a se realizar, me sinto alegre também ao vê-lo feliz! – Franzi o cenho um pouco confusa sobre o raciocínio dela – Sua felicidade demonstra que me ama verdadeiramente, que anseia isso tanto quanto eu!

— Sim, sim, agora compreendo – Sorri para ela.

— E sobre o rei Caspian? – A pergunta surgiria cedo ou tarde – Sei que é um tanto inconveniente, mas é que todos ouvimos os brados tempestuosos do pai de Lady Liliandil ontem a noite e compreendemos que o noivado havia sido desfeito. Sem falar que qualquer um presente no baile notou a magia que envolve você e o rei. – Fez uma pausa – Jamais imaginei que o motivo pelo qual a senhorita não queria ir ao baile era um coração partido.

— Minha história com o rei Caspian é um tanto complicada – Expliquei – Como deve saber, não sou natural deste mundo e a cada vez que viemos a Nárnia, temos que voltar a ele quando cumprido o desafio. Isso acaba por separar Caspian de mim.

— Compreendo o que quer dizer – Comentou por fim.

— Neriah! – Ouvimos a voz do rei Naim no pátio onde conversávamos. Ele vestia uma indumentária formal, já que estava numa reunião com Caspian e Ahadash.

— Rei Naim – Cumprimentei quando ele se aproximou, seus guardas ficando a alguns metros de nós – Se permite perguntar, como foi a reunião?

— Bastante proveitosa – Respondeu – Vossa irmã, a rainha Lúcia, é muito sábia e valorosa; nos foi de grande auxílio. Receio, entretanto, que as coisas tenham se exaltado entre o rei Caspian e o tisroc depois.

Entreabri os lábios, surpresa.

— Eles discutiram? – Perguntei aflita, afinal aquilo poderia não acabar nada bem.

— Receio não ter permanecido até o fim – Lamentou o rei, virando-se para a filha – Tácito falou com você?

— Sim! – Neriah exclamou numa nova explosão de alegria – Ah, muito obrigada, pai! – Ela agradecia porque o pai havia autorizado o casamento.

— Você merece toda a felicidade do mundo – Ele tomou as mãos de Neriah e as beijou.

Baixei a cabeça e confesso ter sentido uma pontada de inveja. Meu coração lamentou jamais poder receber a benção de meu pai por um casamento, afinal ele já não estava mais vivo. Lembro que na viagem para a América, ele me apresentou alguns rapazes, esperançoso que eu me interessasse por algum, mas não poderia. Meu coração batia por um outro rapaz, um que papai jamais conhecera.

— Falando nele... – Ouvi Naim falar e avistei Tácito vindo ao nosso encontro. Decidi que era a hora de me retirar.

— Essa é a minha deixa – Anunciei – Deem as felicitações a Tácito por mim.

— Até mais ver, majestade – Neriah me fez uma reverência.

Caminhei pelos corredores rumo ao gabinete de Caspian, rezando para que ele ainda estivesse lá e para que tudo houvesse acabado bem.

O afeto transmitido por Naim e Neriah haviam me deixado melancólica; contudo afastei os pensamentos tristes.

Ao me aproximar do local finalmente, doutor Cornelius saía da sala devagar, como cabia a um senhor de idade. Ele franzia o cenho, mas alegrou-se ao me ver.

— Majestade – Ele me reverenciou da forma que pôde.

— Como ele está? – Perguntei temerosa.

— Calado – Respondeu simplesmente – Pensativo. Apenas me pediu que supervisionasse e auxiliasse a partida da corte de Calormânia. – Arregalei os olhos. Eles foram expulsos? – Foi a minha reação – Riu ele – Porém, não foi tão grave.

— Será que ele irá me receber?

— Minha senhora é bálsamo para a dura caminhada do meu menino – Sorri com sua resposta – Nenhuma tensão é forte o bastante que não se dissipe diante do sorriso de vossa majestade.

— O senhor é muito gentil – Agradeci.

Cornelius, então, se foi. Acreditava que Caspian já ouvira minha voz, visto o silêncio fúnebre em que se encontrava sua sala.

Abri a porta devagar, apenas o suficiente para que meu rosto pudesse entrar.

— Incomodo? – Indaguei. Ele estava sentado em sua poltrona, os dedos tamborilavam na madeira.

— Não, pode entrar – Ele forçou um sorriso, levantando-se e vindo em minha direção.

— Como você está? – Fechei a porta atrás de mim e fui ao seu encontro.

Caspian nada respondeu, tomando-me num abraço delicado, porém cheio de significado. Seu coração batia acelerado apesar da postura calma, seus pensamentos estavam à mil.

— O que houve, Caspian? – Perguntei, afagando seus cabelos – O que houve entre você e Ahadash?

Ele desfez o abraço, com um meio sorriso.

— Acredite, não é com ele que estou preocupado – Ergueu uma sobrancelha. Os pensamentos voltaram a sua mente e ele baixou a cabeça. – Susana, eu... estou me sentindo o tolo, mas preciso ser sincero com você. Ahadash trouxe à tona o seu passado com o príncipe Rabadash.

Comprimi os lábios, extremamente desconfortável. Nunca pensei ter que conversar com Caspian sobre isso e não era algo que eu gostaria de fazer.

— O que ele disse?

— Ele pôs em dúvida as circunstâncias que a fizeram sair escondida de Tashbaan e os motivos pelos quais Rabadash tomou o exército e veio contra Nárnia. – Explicou – Como disse, estou me sentindo um tolo, porque não posso evitar cair em sua armadilha de palavras. Mais do que qualquer mentira que ele pudesse contar, ele pôs em cheque a própria verdade: somente você sabe o que aconteceu. E eu me sinto ridículo por me sentir incomodado de não saber também, porque foi que ele usou para me atingir.

Arfei com um leve sorriso.

— O que acha que aconteceu? – Indaguei – E por que isso agora? Rabadash está morto há séculos, essa história está morta há séculos!

— Eu sei... – Seu semblante visivelmente reconhecia que não era racional pensar sobre aquelas coisas – Bem, Susana, isso me fez repensar sobre outra coisa. Eu desfiz o noivado com Liliandil porque você é a mulher que amo. Não conseguia estar tão perto de você e não poder dizer tudo o que sinto, culpando-me por te amar. Mas não posso evitar ter medo do que acontecerá quando o enorme desafio que teremos pela frente acabar. E eu pergunto, Susana... ficará em Nárnia comigo?

Encarar seus olhos naquele momento foi difícil. Senti os olhos marejarem conforme o peso de sua pergunta recaía sobre meus ombros. Eu não tinha resposta para aquilo simplesmente porque nunca senti que a escolha estava em minhas mãos. Eu jamais poderia prometer aquilo, porque caso não acontecesse conforme eu dissera, a última coisa que eu gostaria era que Caspian pensasse que eu havia mentido.

— Você sabe que não posso prometer isso, Caspian – A verdade era dolorosa demais para ser dita sem derramar lágrimas – O que desejamos nem sempre se reflete na realidade. Mas não minto quando digo que te amo e que meu desejo é compartilhar o resto dos meus dias com você.

Ele assentiu por fim, tomando minhas mãos e as beijando.

— Eu te amo – Disse-me voltando a olhar em meus olhos – Não esqueça disso nunca.

— Não vou – Assegurei.

Foi quando respirou fundo.

— Pode me deixar um pouco sozinho? – Pediu, então.

Suas palavras me magoaram um pouco, por assim dizer. Por mais que fosse bobagem pensar assim, senti que queria se afastar de mim, embora soubesse logicamente que não era isso. Por mim, eu o consolaria de seus pensamentos conflitantes e lhe daria todos os beijos necessários até arrancar o mais sincero sorriso.

Deixei a sala, no entanto.

Lúcia Pevensie

Depois de todas as tensões da tarde, a noite veio mais rápido do que eu esperava. O jantar foi monótono e até solitário. As cortes jantaram em particular; Edmundo mal comeu metade do que tinha se proposto a colocar no prato, ávido por voltar a auxiliar Coriakin no cuidado com Liliandil; Caspian passara o resto do dia sozinho, seja no gabinete, seja em seus aposentos, restando apenas Susana, Pedro e eu na mesa gigantesca.

— Esta vinda a Nárnia tem sido estranha, não acham? – Perguntei a meus irmãos.

— O que quer dizer? – Pedro falou antes de tomar um gole de vinho.

— Não sei ao certo, mas... parece que as coisas estão acontecendo e nós não estamos conseguindo intervir. Estou me sentindo inútil sem poder reverter essa seca e esse clima de deserto; sem poder ajudar Liliandil a se recuperar, ou atenuar as tensões diplomáticas de Nárnia e Calormânia!

— Eu também estou me sentindo perdido – Pedro reconheceu – Sabe, estou assim desde que nossos pais morreram, na verdade. Eu gostaria que Aslam nos enviasse um sinal. Algo que nos mostrasse um rumo a tomar.

— Eu pedi isso a ele uma noite – Susana comentou – E senti que me ouviu. Talvez ele queira testar nossa paciência e perseverança.

— É, talvez seja isso – Não era reconfortante, apesar de tudo.

 

[...]

Recolhi-me cedo para dormir, afinal as conversas estavam escassas e eu não tinha paciência sequer para ler. Encarei o teto.

— Aslam, por favor, nos diga o que fazer – Pedi.

Ainda fiquei acordada por vários minutos, até finalmente cair no sono.

 

Como se tivesse despertado de um sono profundo, abri meus olhos devagar e me vi numa imensidão de areias douradas que me cercavam por todos os lados, estendendo-se em todo o horizonte. Pelo que podia me recordar, deveria ser o Grande Deserto.

Girei em meu próprio eixo, procurando por algum sinal de vida. Comecei a caminhar, os pés afundando levemente na areia quente.

De repente, como numa miragem através da poeira que subia quando o raro vento dava, vi algo sibilando, arrastando-se. Pisquei algumas vezes e pude ver a grande serpente que se aproximava cada vez mais. Ela começou a acelerar sua caminhada assim que me viu sozinha e indefesa. Eu era sua presa.

Peguei as saias do vestido de qualquer jeito e corri pelo deserto com a serpente do tamanho de um tigre ao meu encalço. As areias prejudicavam minha fuga, fazendo meus pés falharem de tempos em tempos, até que caí e rolei por uma duna.

Atordoada e tossindo, tentei levantar desesperada, mas a serpente lançou sua cauda como um chicote em minhas pernas, derrubando-me.

Quando me vi prestes a perecer, a boca da serpente abrindo-se para mim, revelando seus dentes sedentos em perfurar minha pele, envenenar-me e devorar-me, sua cabeça foi cortada por uma espada e tombou para o lado.

Virei-me para meu herói e vislumbrei os olhos determinados de Rilian. Ele me ajuda a levantar e me coloca atrás dele.

Ao longe, o corpo caído da serpente se transforma numa mulher. Suas vestes de tecidos finos e esvoaçantes sibilam com o vento, cruel e perigosamente sedutora, mas eu sequer conseguia ver seu rosto.

O cenário muda de repente. Vejo-me no Bosque Trêmulo, local em particular que reconheci como aquele em que encontrei Aslam durante a batalha contra os Telmarinos.

O grande leão me aparece, maior e mais imponente do que me lembrava, o pelo dourado resplandecendo com o sol através dos galhos das árvores.

— Aslam!

— O garoto, Lúcia. O garoto sabe quem é ela é. De seus lábios saíram as mentiras que o levaram à masmorra. De sua boca sairá a voz que a incriminará.

 

Caí da cama ao acordar e dei um grito. Acabei batendo a cabeça na madeira da cama e esfreguei o local para aplacar a dor. Havia zombado de Susana quando aconteceu com ela e, olha só, o feitiço virou contra o... feiticeiro.

Era isso. A mulher que enfeitiçou Nárnia. Rilian sabia quem era.

Aquilo não podia esperar até amanhã. Eu tinha que vê-lo agora.


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Notas finais do capítulo

E então? Gostaram? Bem, eu só queria avisar que essa semana eu tenho algumas provas bem complexas na faculdade e que talvez o próximo capítulo demore pra sair, já que eu ainda preciso escrevê-lo! Peço que tenham paciência e não pensem que eu desisti da fic, ta? Beijos!! Espero que tenham gostado desse!