4/4 & +1 || BYLER escrita por Lady Capuccino


Capítulo 3
3/4


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo se passa em algum momento após fim da segunda temporada.
Foi escrito a partir de ideias instantaneas e boas doses de suco de maracujá.
Nada realmente planejado ahuhuahua
Boa leitura ♥



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Para Mike Wheeler, uma das piores coisas de se estar crescendo é definitivamente não caber mais nos lugares onde você se enfiar com facilidade caso ainda fosse alguns pares de centímetros menos largo. 

 

E, no exato momento, isso estava se provando cada vez mais verdade enquanto ele engatinhava com dificuldade para debaixo da cama, impulsionando o corpo com a ajuda dos cotovelos, em busca do par de sapatos de camurça que havia ganhado de presente dos avós paternos em um dos muitos natais que passaram juntos. 

 

Ele fez uma careta quando o nariz esbarrou em uma das meias fedorentas esquecidas em meio a bagunça que mantinha milimetricamente escondida naquele cantinho de seu santuário particular, soltando um suspiro aliviado ao sentir a ponta dos dedos tatearem dois objetos que, caso não fossem, se pareciam muito com seus calçados há muito tempo esquecidos. 

 

Mike rastejou de volta para o carpete azul escuro que decorava o centro do quarto no exato momento em que a porta se abriu e uma Nancy Wheeler afoita e bem vestida entrou no cômodo. 

 

”Você podia bater, sabia?” 

 

”Se eu batesse, você não abriria.” 

 

Ele dificilmente poderia dizer que ela estava errada. 

 

”A mamãe me mandou aqui.” disse, caminhando até o armário 

 

”É, eu sei.” 

 

Sua mãe havia pedido que Nancy o ajudasse a escolher uma roupa que, pra variar, não tivesse estampas coloridas, desenhos de super-heróis ou qualquer outro adereço informal que dissesse em alto e bom som "sou um adolescente normal dos anos 80 e gosto de me parecer como um.” 

 

Em outras palavras: tudo o que ele costumava vestir. 

 

Mike realmente não via necessidade em se cobrir com vestes sociais quando haviam dezenas de camisetas de algodão e bermudas jeans suficientemente confortáveis a sua disposição, bem ali, dentro do armário. 

 

Pra falar a verdade, ainda estava considerando seriamente expulsar Nancy do quarto e escolher ele mesmo suas próprias roupas. 

 

Com treze anos recém completos, ter a irmã mais velha vasculhando até a sua gaveta de cuecas em busca de algo 'socialmente aceitável para vestir' era, no mínimo, humilhante. 

 

"Você cresceu." disse ela, olhando com espanto a numeração de suas calças 

 

"Nossa, meus parabéns. Você acaba de definir o que é estar na puberdade." 

 

"Mais respeito maninho, ou eu chamo a mamãe e daí ela é quem vai te escolher o seu traje." 

 

A simples menção da ideia o fez retorcer o rosto, horrorizado. 

 

Não queria terminar a noite enfiado em suéteres tricotados a mão ou algum cardigan de lã tão velho que poderia estar sendo usado como objeto de estudos pré-históricos. 

 

"Você não faria isso." 

 

Nancy arqueou as sobrancelhas, fitando-o com um sorriso malicioso nos lábios. 

 

Ele revirou os olhos. 

 

"Certo, certo, é claro que faria." 

 

Ela voltou-se para frente, continuando a constrangedora tarefa de revistar seu guarda roupa. 

 

Soltando um suspiro cansado, Mike encolheu-se na cama enquanto os pensamentos se perdiam em questões muito mais pertinentes do que o seu vestuário . 

 

Hoje era a noite em que a famosa Feira de Talentos anual da escola primária de Hawkins aconteceria, uma exposição de artes manuais que costumava reunir metade da cidade no local. 

 

Em outras circunstâncias, ele estaria muito mais animado com isso. 

 

Adorava o evento desde que havia sido criado, principalmente pelo fato de que, sempre que ocorria, a escola concedia uma pausa nas atividades acadêmicas com a intenção de que os alunos pudessem se dedicar exclusivamente aos seus projetos. 

 

E, considerando os acontecimentos recentes, ele bem que precisava de alguma distração. 

 

Já fazia alguns meses que o Devorador de Mentes havia sobrecarregado Hawkins e a vida de todos que o cercavam com uma nuvem negra do mais puro terror e Will é quem fora o mais afetado em tudo isso. Agora, semanas depois, o amigo parecia estar bem. 

 

Tinha recuperado a aparência saudável, os sorrisos doces e o apreço pelo calor fresco do verão, algo que a entidade havia roubado dele enquanto tentava fazê-lo se tornar uma parte fria de si. 

 

Will, inclusive, era um dos colaboradores da Feira. 

 

Encorajado pelo Sr. Clarke e por todos os amigos, ele finalmente começou a enxergar o evidente potencial de seus desenhos e, nos últimos dias, empenhou-se em criar uma variada coleção deles, dessa vez emoldurando-os em quadros, utilizando das mais diversas cores de tinta e todos os tipos de pincéis que conseguiu reunir, confeccionando-os com a dedicação de um verdadeiro artista, para serem expostos na barraca que ele e o resto do grupo haviam montado nos jardins da escola. 

 

De fato, ele voltou a ser como antes e saber disso proporcionava um imenso sentimento de alivio em Mike. Mas a verdade é que não era a primeira vez que aquela sensação de calmaria se apossava dele para logo depois ser completamente arruinada por mais uma leva de acontecimentos imprevistos. 

 

Quando o amigo saiu do Mundo Invertido, todos achavam que a partir dalí tudo ficaria bem, mas não ficou, pois afinal, era o mundo invertido que precisava sair de dentro dele. 

 

Agora que o Devorador de Mentes havia sido expulso de seu corpo e suas vidas voltaram a girar num eixo de normalidade novamente, o que impedia que isso tudo também não passasse de uma ilusão momentânea? 

 

"De novo isso?" 

 

"Isso o que?" 

 

"Na sua testa." 

 

Ele levou a mão a testa, olhando para a irmã como se ela tivesse enlouquecido.

 

Fitou-se no espelho e, como suspeitava, não havia nada lá. 

 

"Por favor, não me diga que o excesso de laquê no seu cabelo te fez entrar em estado avançado de alucinação."

 

"Engraçadinho." disse ela, mostrando-lhe a língua "Tô falando dessa ruga de preocupação aí." 

 

Andou até ele, parando ao seu lado, abaixando-se o suficiente para que o rosto ficasse a altura de seus ombros. 

 

"Você sempre faz uma cara engraçada quando ta nervoso, sabia?" 

 

Ela se inclinou, crispando as sobrancelhas com força e enchendo as bochechas de ar, numa tentativa cômica e caricata de imitar a expressão delineada em suas feições. 

 

Seus rostos agora estavam lado a lado em frente ao espelho e Mike quase podia afirmar que eram de fato muito parecidos. 

 

Tinham moldes faciais triangulares e olhos brilhantes que, ainda que tivessem cores diferentes, conservavam os mesmos formatos grandes e adornados por cílios longos demais. 

 

Olhando-os assim, ninguém duvidaria do claro parentesco existente ali. 

 

Ele respirou fundo. 

 

Talvez o laquê estivesse começando a afetá-lo também. 

 

"Eu não tô nervoso." 

 

Nancy riu, olhando-o com a descrença de quem não acreditava em uma só palavra. 

 

"Pode confessar, maninho. Tá ansioso pra ver a Eleven, é?" provocou 

 

Mike por pouco não sorriu com isso. 

 

Sim, queria ver a namorada novamente, era um dos motivos pelos quais estava indo ao evento afinal. Eleven (ou Jane Hopper como agora estava sendo chamada) tinha a incrível capacidade de espantar suas preocupações com apenas um único sorriso. 

 

Mas, por algum motivo, quando se tratava de seu melhor amigo as coisas não eram tão simples assim. 

 

"Jonathan confirmou se o Will vai estar lá mesmo esta noite?" perguntou, antes de conseguir se conter

 

Nancy desmanchou a careta, assumindo uma postura séria ao perceber enfim o que o incomodava. 

 

"É a noite dele, Mike, é claro que ele vai estar lá. Você precisa parar de se preocupar o tempo inteiro, sabia? É hora de seguir em frente." 

 

"Eu sei." ele disse, deslocando o peso do corpo de um pé pro outro "Mas há um ano achávamos a mesma coisa, lembra? E estávamos todos errados no fim das contas." 

 

Ela o fitou inquisitoramente, a testa assumindo uma ruga idêntica a que o irmão carregara há não mais que alguns segundos atrás. 

 

"Ele voltou a agir de um jeito estranho novamente?" 

 

"O que? Não! Claro que não. Ele está... bem. Eu acho." 

 

O fato é que Will estava muito bem desde que tudo terminara. O amigo era ainda mais quieto do que costumava ser, isso é verdade, mas Mike conseguia penetrar em sua bolha de auto-proteção silenciosa com facilidade. 

 

Der repente, ele sentiu-se muito idiota. 

 

"Você tem razão, tô me preocupando por nada." 

 

Nancy sorriu de maneira solidária, suspirando pesadamente enquanto apoiava o queixo em seu ombro. 

 

Tinha uma expressão de profunda reflexão no rosto, os olhos perdendo o habitual ar de 'sabe-tudo' que ela costumava ostentar por aí. 

 

"O que será que têm nos irmãos Byers, hein?" questionou, daquela forma particularmente enigmática que só as irmãs mais velhas pareciam possuir 

 

"O que você quer dizer com isso?" 

 

"Eles definitivamente tem alguma coisa que deixa nós, Wheelers, inquietos e com os nervos a flor da pele." 

 

Mike ergueu os lábios em um sorriso ironico. 

 

"Você só se sente assim porque está caidinha pelo Jonathan." 

 

Ela soltou uma risadinha. 

 

"É, talvez seja isso mesmo." sorriu para si mesma, cravando os olhos nos dele um segundo depois "Mas e você, por que se sente assim?" 

 

Uma batida na porta os interrompeu. 

 

Sua mãe entrou no quarto igualmente bem vestida, carregando uma embalagem metálica de laquê entre os dedos enluvados. 

 

Aparentemente, todas as mulheres da sua família usavam aquilo para manter os fios no lugar. 

 

"E aí, conseguiu achar alguma coisa?" 

 

Nancy deu a volta ao redor da cama, sorrindo orgulhosamente ao erguer o cabide com as roupas que havia escolhido. 

 

"Essa é a coisa mais próxima de uma veste de gala decente que ele tem no guarda-roupa." 

 

A matriarca Wheeler bateu as mãos em palminhas excitadas de aprovação. 

 

"Perfeito. Vista-se rápido, Mike! Já esta quase na hora de irmos." 

 

"E trate de passar algo para arrumar esse seu cabelo." ordenou a irmã, vindo até ele e bagunçando as mechas escuras ainda mais 

 

"Tipo um pente?" indagou como se fosse óbvio 

 

"Não, tipo isso." ela tomou o frasco de laquê nas mãos, rindo enquanto borrifava uma boa quantidade do produto em sua cabeça 

 

"Eca! Sai daqui, sua maluca!" gritou, empurrando-a para fora do quarto junto a mãe enquanto ambas gargalhavam histericamente 

 

O cômodo estava agora silencioso e Mike Wheeler se encontrava imerso numa densa nuvem provocada pelo produto capilar enjoativo e também por um incomodo sentimento de inquietação. 

 

Afinal, por que ele se sentia assim? 

 

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

 

O evento já estava em seu ponto mais alto quando o Chevrolet de um vermelho escuro e brilhante dos Wheeler estacionou em frente a escola. 

 

Mike saltou do carro antes de todos, disposto a entrar logo na festa. 

 

"Ei, mocinho, não está esquecendo de algo?" a mãe indagou, ainda sentada dentro do carro, carregando Holly no colo 

 

"O que?" perguntou, temendo ter que dar um beijo de despedida em sua bochecha alí na frente de toda aquela gente 

 

Ele realmente não tinha mais cinco anos. 

 

Para o seu alívio, ela apenas indicou o banco do passageiro com a cabeça, onde um pequeno ramo de flores jazia no canto mais escuro do local. 

 

As flores de Will. 

 

"Ah, sim."  ele se inclinou, agarrando a fita colorida que as enlaçava e puxando-as para si "Peguei." 

 

A mulher sorriu, erguendo as mãos para apertar suas bochechas. 

 

'Um beijo no rosto teria sido menos constrangedor', ele pensou, fazendo uma careta. 

 

"Comporte-se."ordenou arinhosamente 

 

Mike virou-se, pensando que se comportar era exatamente o que ele não iria fazer no momento. 

 

Estava indo direto para o interior da barraca de Will, o que tecnicamente era contra as regras, somente os donos das barracas e seus pais poderiam entrar e se a Srta. Young --- a inspetora veterana da escola e organizadora do evento --- o pegasse lá, ele estaria realmente muito ferrado. 

 

Até agora não havia visto nenhum dos amigos, nem mesmo a namorada parecia estar lá, o que indicava que ainda não tinham chegado, mas como Will era um dos colaboradores da Feira, certamente já estava no local. 

 

Ele caminhou por dentre as pessoas e depois de um tempo era como se cada passo que desse determinasse a quantidade de gente presente no ambiente que parecia cada vez mais cheio e barulhento. 

 

Uma mistura de aromas diversos --- pipoca com manteiga derretida, maçãs do amor mergulhadas em caramelo, espetinhos de carne refogados em molho de churrasco --- preenchiam seus sentidos. 

 

Por pouco ele não parou para comer pois antes que sequer cogitasse a ideia já estava na ala colorida onde a parte central da Feira ficava. 

 

A visão o deixou sem fôlego, tinha muito mais gente ali do que de costume e a barraca do amigo, que carregava uma placa com o nome de 'Castle Byers' em homenagem ao modelo original que a inspirou, estava lotada. 

 

Ele quase podia ver Joyce Byers trabalhando freneticamente, embalando os quadros que estavam sendo vendidos. 

 

Erguendo-se na ponta dos pés, tentou visualizar Will, mas ele parecia longe de suas vistas, então rapidamente supôs que estivesse nos bastidores, talvez organizando algo. 

 

Ele espremeu-se dentre a multidão, tomando cuidado para esconder as flores já bem amassadas atrás de si. 

 

Uma das vantagens de ter ajudado a montar a barraca do amigo é que sabia exatamente como se enfiar lá dentro sem ser visto por um dos inspetores. 

 

E foi exatamente o que ele fez, respirando ofegante ao conseguir atravessar a lona por uma brecha estrategicamente deixada alí, conseguindo finalmente entrar pelos fundos. 

 

Como suspeitava, lá estava Will, de costas pra ele e trajado com roupas não muito diferentes das suas, as mãos ocupadas com alguns dos desenhos que estava emoldurando. 

 

Ele pigarreou tentativamente, conseguindo enfim a sua atenção. 

 

"Mike?!" 

 

"E aí, Van Gogh." 

 

"O que você tá fazendo aqui?" indagou, aproximando-se surpreso "A Srta. Young disse que é proibido vir pra cá até o fim do evento." 

 

"Se eu te disser que utilizei do meu enorme charme para convencê-la a me deixar entrar, você acreditaria?" 

 

"Tenho certeza de que você tem sim um 'enorme charme'," disse, o rosto ficando vermelho como um tomate maduro "Mas não acho que ele funcionaria com a Srta. Young." 

 

E estava certo, a mulher tinha uma cara carrancuda de quem vivia pisando em cacos de vidro. Nenhuma lábia no mundo parecia ser capaz de neutralizar tamanho mau humor. 

 

"Então vamos apenas dizer que dei um jeito de entrar escondido dela." deu de ombros, sorrindo "Você sabe como sou péssimo em seguir regras, teria vindo com alguma camiseta de super-herói se a minha mãe não tivesse tirado uma carta da manga no último minuto." 

 

"Que carta?" 

 

"Uma chamada Nancy. Você deve conhecer, é baixinha, intrometida, obcecada por produtos de cabelo e pelo seu irmão." 

 

Will riu. 

 

"Sei quem é. Mas também sei que ela não é a única Wheeler teimosa da sua família, então aposto que debaixo dessa roupa toda aí, você deve estar vestindo alguma coisa colorida que desafia todas as normas de etiqueta existentes." 

 

Mike arregalou os olhos. 

 

"Will Byers, como sempre o mais sábio." entoou solenemente, agarrando a barra do tecido e puxando-a pra cima, para revelar uma camisa espalhafatosamente estampada com uma enorme quantidade de desenhos cartunescos 

 

Isso foi o suficiente para arrancar várias gargalhadas do outro. 

 

"Você não existe." ele disse carinhosamente 

 

"Eu sei." ergueu o queixo, numa falsa demonstração de exibicionismo "Sou bom demais pra ser verdade, né?" 

 

"Vai sonhando, Wheeler." provocou, dando-lhe um soquinho no braço 

 

O golpe fez com que o outro acabasse se esquecendo do que estava escondendo atrás das costas, Will finalmente percebendo o ramo de flores atrelado a suas mãos. 

 

"O que é isso?" 

 

"Ah sim, isso." pigarreou, endireitando a postura "Mamãe me convenceu a trazer, aparentemente era a coisa certa a se fazer. Ela disse que essa é sua grande noite e artistas gostam de receber flores em suas grandes noites." 

 

Mike apertou o buquê nervosamente nas mãos, tentando não pensar muito sobre porque diabos estava sentindo como se fosse hiperventilar a qualquer momento. 

 

Will parecia surpreso ao se inclinar para pegar o ramo colorido entre os dedos. 

 

"Obrigado." ele disse simplesmente, fitando o presente como se fosse alguma espécie de raridade "Foi ela quem escolheu as flores também?" 

 

"Não, isso fui eu." admitiu, coçando a nuca desconcertado "Já te vi pintando tulipas antes, então eu achei... achei que eram a melhor escolha." 

 

"São sim, Mike. São lindas, eu... não sei nem o que dizer." 

 

"Você gostou?" indagou, preocupado

 

"Claro!" ele respondeu de imediato "Quer dizer, eu gostei sim, de verdade." 

 

"Então isso já basta." sorriu "Elas estão um pouco amassadas, tá vendo? Tudo culpa dos seus fãs que estão criando o maior tumulto lá fora." 

 

Will riu, corando lindamente. 

 

"Eles não são meu fãs." 

 

"Ah sim, claro, são só pessoas que estão aguardando numa fila só pra comprar seus quadros. Isso parece muito com a definição de 'fã' pra mim." 

 

"É tão surreal, Mike." desabafou, mordendo os lábios enquanto pousava as flores no balcão ao lado "Só hoje já vendi pelo menos uns quinze deles, eu nunca pensei que fosse dar tão certo. Tenho medo de estar delirando, acordar e descobrir que isso tudo é só mais um sonho da minha cabeça." 

 

"Torça pra não ser porque senão eu vou ficar muito chateado com você por estar sonhando comigo vestido dessa forma." 

 

Os dois riram, as vozes se misturando, criando um som que parecia muito melodioso aos ouvidos de Mike. 

 

"Você merece isso." ele finalmente disse depois de alguns instantes, olhando-o com seriedade "E pra falar a verdade tenho certeza de que não é surpresa nenhuma pra qualquer pessoa lá fora que isso esteja acontecendo. Você precisa parar de se por pra baixo assim, sabia?" 

 

"É, eu sei. Mas depois de tudo que aconteceu nos últimos meses eu achei que as coisas nunca voltariam ao normal, achei que nunca mais desenharia, que nunca mais seria eu mesmo." 

 

"Por um tempo eu também achei." confessou num sussurro "Mas quero que me prometa que vai deixar isso de lado, certo? Não precisamos mais ficar remoendo o que já passou." 

 

"Tem razão." ele suspirou "Juro que vou esquecer." 

 

"Jura juradinho?" levantou a mão, erguendo o dedo mindinho 

 

"Nós ainda fazemos isso?" 

 

"É a única forma de garantirmos que a promessa nunca vai ser quebrada." 

 

E, de fato, era. 

 

Para ambos, o juramento do mindinho era o ponto final de todas as promessas jamais desfeitas. 

 

"Tudo bem, eu juro." falou, entrelaçando o dedo menor com o do outro 

 

"Uau." 

 

"O que foi?" 

 

"Sua mão tá tão gelada." 

 

"Está?” indagou confuso, olhando a própria mão “Acho que é nervosismo. Ainda não tô acreditando em tudo de bom que anda acontecendo.” 

 

Mike envolveu o punho com o seu, apertando-o gentilmente. 

 

Ele odiava senti-lo assim, frio. O fazia se lembrar do que acabou de jurar esquecer, dos dias em que Will era cada vez menos ele mesmo e cada vez mais parte do Devorador de Mentes, a entidade gélida que o corrompia com uma frieza invisível. 

 

”Ei, tá tudo bem?” o amigo perguntou depois de um tempo, a voz tensa com apreensão 

 

”Tá sim.” disse, suspirando um pouco “Só me dê sua outra mão.” 

 

Will hesitou por um instante, ponderando o porque daquilo, mas um segundo depois ergueu a mão direita a qual o outro segurou com igual apreço.

 

Ele entrelaçou seus dedos, fitando-os com muita concentração enquanto os erguia lentamente a altura de seus lábios.

 

Por um momento de duração incalculável onde suas respirações entrecortadas eram as únicas coisas que se faziam ouvir no ambiente, Will achou que talvez, apenas talvez, ele fosse beijá-lo alí e sentiu a pele instantaneamente se arrepiar com a ideia. 

 

Mike deve ter percebido isso e pensado que ele estava com frio, pois a próxima coisa que fez foi totalmente inesperada. 

 

Ele separou os lábios, soprando suavemente, embebendo a pele do outro com lufadas cálidas de ar quente, numa clara tentativa de expurgar a frieza latente concentrada naquela pequena parte de seu corpo. 

 

”Mike...” começou, entorpecido, sem saber muito bem que rumo as palavras tomariam 

 

”O que?” 

 

Will apertou os lábios, abrindo-os momentaneamente só para fechá-los de novo como se estivesse se impedindo de falar, parecendo muito confuso para dizer qualquer coisa. 

 

Por algum motivo, essa era a coisa mais adorável que ele poderia ter feito naquele momento. 

 

Não dizer nada, apenas ficar parado ali, sem saber como agradecer, agindo daquele jeito contido e atordoado que parecia acompanhá-lo sempre que ambos estavam juntos. 

 

Mike sorriu, finalmente compreendendo.

 

”De nada.” entoou, beijando-o rapidamente no dorso da mão 

 

O ato provocou exatamente o efeito outrora desejado, pois Will sentiu a pele incendiar-se de imediato com o contato. 

 

Ele nunca se sentira tão aquecido em toda a sua vida. 

 

”Will?” sua mãe surgiu dentre as cortinas, chamando-o “Will, por que tá demorando tanto? Você-” 

 

Ela se deteve, notando a presença do outro garoto ali. 

 

”Mike? O que você está fazendo aqui?” indagou, surpresa 

 

”Longa história tia Joyce.” ele olhou pro amigo, ambos compartilhando um sorriso cúmplice 

 

A mulher balançou a cabeça, rindo carinhosamente. 

 

”Uma história que eu vou adorar ouvir, só que depois. Agora precisa dar um jeito de sair daqui sem que a inspetora te pegue, e você” ergueu o dedo, apontando-o para o filho “Precisa vir comigo.” 

 

”Tô indo mãe, só vou me despedir.” 

 

"Tudo bem, mas não demorem!" 

 

Ela saiu, deixando-os a sós novamente. 

 

”Então,” ele começou, colocando as mãos nos bolsos nervosamente “O Jonathan vai me levar ao parque hoje mais tarde, sabe, pra comemorar. Dustin, Lucas e a Max vão. Você podia vir também, e trazer a Eleven, claro.” acrescentou 

 

”Vou sim, só preciso falar com a minha mãe antes.” 

 

”Só toma cuidado pra ela não descobrir o que você tá vestindo por debaixo desse casaco porque daí talvez ela não permita.” 

 

Mike riu. 

 

”Pode deixar.” 

 

Ela tinha que permitir. 

 

Não havia como Mike Wheeler perder uma noite inteira de diversão ao lado dos amigos. 

 

Ao lado de Will. 


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Notas finais do capítulo

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Até a próxima!



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