4/4 & +1 || BYLER escrita por Lady Capuccino


Capítulo 1
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Mike Wheeler sempre foi muito bom em saber das coisas. 

Ele possui uma capacidade de ser excepcionalmente perceptivo mesmo nos momentos mais inconvenientes. 

Ele sabe quando Nancy está mentindo sobre dormir na casa de alguma colega só para poder se esgueirar pelo centro de Hawkins com seus amigos idiotas, fazendo coisas idiotas e rindo de piadas que, pelo menos para o seu 'eu infantil de apenas 9 anos', não fazem o menor sentido. 

Ele sabe quando sua mãe está chateada por seu pai ter esquecido mais um aniversário de casamento e ele definitivamente sabe que eventualmente Ted Wheeler irá voltar para casa tarde da noite, com um pedido de desculpas ensaiado na ponta da língua, um sorriso apologético emoldurado em seu rosto enrugado e entregar-lhe flores e bombons recheados, todos com uma quantidade de calorias suficiente para fazer com que Karen Wheeler jamais chegue perto, encarregando Mike da honorável tarefa de devorar as guloseimas, algo que ele faz com prazer. 

Ele sabe de cór toda a tabuada, do número um ao dez. 

Ele pode dizer com precisão qual é a distância exata entre a Terra e o Sol (cerca de 92,9 milhões de quilômetros, a propósito). 

Ele já decorou mais de cinquenta casas decimais de PI e está bastante próximo de ultrapassar essa marca, algo que até hoje impressiona o seu professor, o Sr. Clarke, e o faz parecer um gênio precoce perante o resto de sua turma. 

O fato é: Mike Wheeler simplesmente sabe das coisas. 

É por isso que, quando ele conheceu Will Byers no primeiro dia do Jardim de Infância, soube instantaneamente que gostava dele. 

Will era alguém fácil de se gostar, isso era bem verdade. 

Ele era extremamente tímido e retraído, o que o fazia ser a criança perfeita aos olhos de todos os adultos que o conheciam, e, assim como eles, Mike gostava da quietude de Will Byers. 

Ele gostava dos silêncios confortáveis que compartilhavam juntos durante os primeiros dias de sua amizade, gostava da forma como Will se voltava para ele, o rosto repleto de imersiva concentração e simplesmente ouvia o que Mike tinha a dizer, sorrindo suavemente ao longo de toda a conversa até que estivesse suficientemente a vontade para falar também, rindo calorosamente das piadas que trocavam, divagando sobre as suas bandas de rock favoritas, sobre o lançamento de algum Game muito aguardado ou sobre a nova receita de bolo de limão que a mãe havia feito no final de semana. 

Mike adorava secretamente esses momentos, pois sabia que eles eram raros. 

Will dificilmente se permita ser mais do que a criança quieta e reservada que costumava aparentar, mas quando deixava seu lado mais espirituoso e animado dar as caras, geralmente Mike era quem estava por perto para compartilhar o momento. 

Havia muitas outras coisas em que ele gostava no amigo; seu sorriso gentil, a voz calma e aveludada que soava aos ouvidos como uma canção de ninar, os olhos de um verde profundo que tinham a incrível capacidade de expressar tudo sem que ele precisasse dizer uma só palavra, a forma como ele segurava a sua mão quando eles patinavam juntos durante o inverno e como a apertava nervosamente quando andavam de montanha russa no verão. 

Era especialmente naqueles momentos que Mike percebia o quão vulnerável Will aparentava ser. 

O quanto sua mão era pequena e delicada, o quão frágil ele parecia, quase como se fosse anos mais novo. 

E era por esse motivo que Mike estava encontrando dificuldade em se perdoar nesse exato momento, enquanto corria em direção ao amigo deitado no chão, a bicicleta caída ao seu lado em decorrência da queda que acabara de sofrer. 

"Will! Você está bem?" pergunta agachando-se, apoiando os joelhos na grama úmida do The Hawkins Park 

"É, acho que tô." ele sorri, fazendo uma careta de dor ao tentar mover a perna "pra uma primeira vez caindo de bicicleta até que não doeu muito." 

Mas Mike mal parece ouvir suas palavras, a testa franzida com preocupação. 

Ele se inclina em direção ao amigo, levando a mão ao seu rosto corado pelo esforço físico recente e puxa a pálpebra inferior do olho esquerdo pra baixo, fitando-o com muita concentração. 

"O que você tá fazendo?" 

"Checando se você tá bem mesmo." 

"Ah... E dá pra saber isso pelo meu olho?" 

"É o que os médicos fazem, eu vi num filme." 

"Mas é a minha perna que está ferida, não o meu olho." ele remoe o rosto em confusão 

Mike se vira abruptamente, encarando a perna machucada do amigo. 

"Você está sangrando." 

Will não tem certeza se ele está perguntando ou afirmando. 

As vezes Mike tinha a incrível capacidade de fazer as duas coisas ao mesmo tempo. 

"Tem alguma coisa vermelha escorrendo no meu joelho?" 

"Sim." 

"Então eu definitivamente tô sangrando." 

Mike olha pra ele, o rosto atônito moldado em uma caricatura cômica da mais pura seriedade, é fofo e engraçado, tudo de uma vez só, e Will sabe que não deveria, mas imediatamente começa a rir. 

"Isso não tem graça!" 

"Tem sim, você faz parecer que eu tô morrendo quando na verdade é só um cortezinho de nada." 

"É, mas podia ter sido pior. Tipo, muito pior." diz, der repente muito assustado com as possibilidades 

"Ei, eu tô bem, juro juradinho. Só preciso limpar a ferida com um pouco de água e vou ficar novinho em folha." 

"O que? Nem pensar, William Byers! Eu vou fazer um curativo nisso aí." 

Ele faz uma careta ao ouvir seu nome completo. 

Quando o amigo o dizia assim, geralmente costumava significar que áquela altura do campeonato nada podia fazê-lo mudar de ideia. Seja qual fosse a ideia. 

"Não precisa, além disso minha casa fica muito longe daqui do parque." 

"Eu te levo pra minha. Lá tem curativos também. Se a gente não tratar direito, isso aí pode inflamar e talvez você tenha que amputar a sua perna e eu não quero que você ampute a sua perna." 

Will não pode se impedir de rir mais uma vez. 

"Você viu isso num filme também?" 

"Não, aconteceu com o meu primo." 

Ele o encara aterrorizado. 

"Tô brincando." Mike ri, observando o amigo exalar um suspiro aliviado "mas vamos fazer um curativo mesmo assim." 

"Você não vai desistir tão fácil, não é?" 

Ele balança a cabeça teimosamente. 

"Que tipo de pessoa eu seria se desistisse de cuidar do machucado do meu melhor amigo?" 

Will sorri docemente e então Mike sabe que, dessa vez, ele ganhou. 

 

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"Isso pode doer." sua voz soa hesitante enquanto ele se abaixa em frente ao joelho ferido apoiado no sofá 

Will repousa a revistinha que está lendo no colo, uma edição nova dos X-Men que havia encontrado sobre a mesa da sala de estar e começara a folhear enquanto esperava pelo Wheeler mais novo, ouvindo-o revistar os armários da cozinha nervosamente em busca do Kit de Primeiros Socorros. 

Ele engole em seco e Mike sabe que ele está com medo. É óbvio que está. Ninguém gosta de sentir dor, apesar do fato de que Will parecia ser muito bom em tolerar qualquer tipo de dor. 

Ele sempre foi irremediavelmente corajoso e essa é só uma das muitas coisas que Mike Wheeler adora sobre Will Byers. 

"Tudo bem, eu confio nos cuidados do meu melhor amigo favorito." 

"Mas eu sou seu único melhor amigo, Will." protesta, sentindo muito ciúmes da ideia de que possa haver outro 'melhor amigo' 

"E também é meu favorito." 

Mike ri, realmente ri por alguns instantes, e isso parece quebrar um pouco da tensão. 

Ele despeja parte de um liquido translúcido de cheiro e textura duvidosos em um pedaço de algodão e com uma delicadeza que jamais julgou possuir, começa a limpar o corte. Will respira agudamente, os músculos da perna tensos com o súbito incomodo. 

Tudo acaba tão rápido quanto começou quando Mike fixa um band-aid no topo de seu joelho, o machucado desaparecendo de suas vistas. 

"Melhorou?" 

"Sim, um pouco." 

"Ainda dói?" 

"Não." 

Mas Mike sabe que ele está mentindo e, de alguma forma, isso não parece certo. 

Há alguma coisa faltando, uma ideia ainda impensada cutucando o fundo de sua mente e como se um fantasma sussurrasse a dica em seu ouvido, ele instantaneamente sabe o que é. 

"Eu tenho que beijar pra melhorar." 

"O que?" 

"Beijar o machucado." diz, encolhendo os ombros "Assim a dor vai embora mais rápido." 

"Ah" ele entoa baixinho, a voz muito mais quieta que o normal 

"Minha mãe faz isso quando eu caio de bicicleta. A sua não?" 

"Não sei, eu nunca caí de bicicleta antes." 

"Ah" Mike repete, um silêncio expectante recaindo sobre o ambiente 

"Ok então." o amigo sussurra simplesmente e Mike sabe que ele está concordando 

Ele se endireita, limpando a garganta e inalando profundamente, muito consciente de que está nervoso mas não quer pensar sobre o porquê. 

Mike não acha que vai encontrar uma resposta racional para o fato de que seu coração está batendo muito rápido com a simples ideia de beijar Will alí. 

Ele se inclina, pressionando os lábios no curativo. É morno, suave e inesperadamente breve. 

Quando se afasta, seu rosto está formigando e ele sente uma sensação engraçada na boca do estômago, quase como se algo estivesse pairando  dentro de si e ele fosse ser arrancado do chão a qualquer momento e flutuar lentamente em direção ao céu, o que é francamente ridículo, pois Mike sabe que existe uma coisa chamada gravidade e não é exatamente assim que ela funciona.  

"Melhor?" questiona, fitando-o finalmente 

Will está olhando-o de um jeito estranhamente enigmático, os lábios crispados num sorriso que permeia todas as linhas de suas feições alcançando o brilho cintilante em seus olhos. 

Por um momento louco, Mike se questiona se ele sente que pode flutuar também. 

"Melhor." ele sorri, balançando a cabeça "Obrigado, Mike." 

E, pela primeira vez na vida, Mike Wheeler entende que há coisas das quais ele não sabe, coisas misteriosas demais para que ele possa sequer começar a compreender. 

Will Byers é uma delas. 


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