Pokémon - Luz do Amanhecer escrita por Benihime


Capítulo 27
Rivais? Nunca mais.




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Calista só acordou novamente no anoitecer do dia seguinte. Ela imediatamente olhou em volta, buscando aqueles olhos cinzentos que, estranhamente, já haviam se tornado tão familiares. Só encontrou, porém, os olhos castanhos de seu irmão.

— Ei, mana. — O rapaz disse, abrindo um sorriso de puro alívio. — Até que enfim te vejo acordada! Você me deu um baita susto ontem, cheguei a pensar que Cynthia tivesse mentido sobre a sua melhora. Mas e aí, como se sente?

A morena sorriu. Ash tinha a mania de tagarelar quando ficava nervoso, o que era até fofo. Ela tentou responder para lhe dizer que se sentia perfeitamente bem, mas foi delatada antes mesmo de proferir aquela mentira pelo fato de não conseguir falar. Sua garganta doía demais.

— Eu ... — A voz do rapaz tremeu levemente enquanto seu rosto se retorcia de preocupação. — Eu vou avisar ao Dr. Sanderson que você acordou. Ele disse que queria fazer uns exames assim que possível.

Calista assentiu, subitamente distraída por algo. Assim que se viu a sós, voltou o olhar para sua mão esquerda, notando uma fita de seda negra que escapava por entre seus dedos e se enrolava em seu pulso. Ao abrir a mão, que estava fechada em um punho cerrado, não ficou nem um pouco surpresa ao ver a pena.

Não era uma pena de pássaro comum, e a irmã de Ash soube disso imediatamente. Aquela pena tinha um belíssimo tom verde claro, que se tornava mais escuro na ponta. Seu formato era o de uma pequena foice, graciosamente curvada, e sua haste era enfeitada por um pequenino fecho dourado de onde saía a fita de seda negra.

Calista encarou aquele objeto. Sabia o que era aquilo, algo tão raro quanto misterioso: uma Asa Lunar, o amuleto lendário que tinha o poder de combater os pesadelos causados por Darkrai. A lembrança de Cynthia colocando o objeto em sua mão na noite anterior, prometendo ajudá-la, era clara, e aquela Asa Lunar era a prova de que Calista precisava para acreditar que havia sido real.

É claro. Afinal, se havia uma pessoa no mundo que saberia exatamente quais as propriedades daquele objeto e como obtê-lo, seria a campeã de Sinnoh. A morena soltou um longo suspiro, seus dedos se fechando ao redor do amuleto enquanto ela se recostava novamente no travesseiro.

Ash voltou alguns minutos depois com um doutor de meia idade cujo rosto fez Calista imediatamente pensar em um Furret. Os fartos cabelos castanhos do homem já apresentavam mechas grisalhas, e seu sorriso era tão simpático que a jovem não conseguiu evitar sorrir de volta.

— Senhorita Ketchum. — O tom do médico foi cordial, combinando com a expressão atenciosa naqueles olhos castanhos. — Sou o Dr. Sanderson. É ótimo finalmente vê-la acordada. Como se sente?

— Dói ...

Foi só o que Calista conseguiu responder, em um fio de voz. O doutor lhe pediu que não falasse, simplesmente indicasse onde a dor era mais intensa. Exames foram feitos e ele logo lhe garantiu que a melhora era apenas questão de tempo. Os gritos de quando acordara, aliados ao longo período de desuso, haviam ferido suas cordas vocais, que levariam alguns dias para voltar completamente ao normal.

Após ser deixada novamente a sós com seu irmão, assegurada de que ficaria bem, a jovem notou Ash digitando algo no celular.

— Cynthia. — O rapaz revelou, interpretando corretamente seu olhar interrogativo. — Ela acabou de perguntar como você está. Quer responder, mana? Deixo você fingir que fui eu, se quiser.

Calista balançou a cabeça em uma negativa, embora um sorriso brincalhão pairasse em seus lábios. Ela achava a ideia divertida, mas não iria ceder.

— Você é quem sabe, Caly. — Ash deu de ombros. — Vou dizer a ela que está tudo bem. A isso você não vai se opor, não é?

A mulher mais velha outra vez respondeu com um meneio de cabeça. Não, ela não se opunha. Não poderia se opor mesmo que quisesse, e sabia disso.

— Ótimo. — O garoto moreno abriu um sorriso malicioso. — Eu diria a ela de qualquer jeito, quer você quisesse ou não. Depois de tudo, acho que a Cynthia merece pelo menos isso.

Sim, merecia. Calista sabia disso, mas não conseguia reunir coragem para fazê-lo pessoalmente, e os dias foram passando. Mais exames se seguiram. Exatamente como o doutor Sanderson dissera, sua garganta aos poucos melhorou e, cinco dias depois de ter acordado, já conseguia falar. Teve certeza disso porque, na manhã de seu quinto dia no hospital, se viu discutindo acaloradamente com Ash.

— Não! — Ela protestou com o máximo de veemência que pôde arrancar de sua voz ainda baixa e rascante. — Nem pensar! Não, não, não. Sem chance, Ash!

— Caly, isso tudo é uma tremenda bobagem. Se o Gary pode vir te ver hoje, por que se recusar a ver a Cynthia? Achei que vocês duas já tivessem acertado as coisas.

— Quem te disse isso, pirralho?

— Cynthia. — O rapaz respondeu. — Naquele primeiro dia, logo que você acordou. Não se lembra? Ela estava aqui com você.

— Sim, eu me lembro. — A jovem morena bufou, irritada. — Ah, aquela loira fofoqueira!

— Hey, já chega! — Ash protestou severamente. — Tudo bem ser orgulhosa, eu também sou e só você sabe o quanto, mas isso já é um exagero, mana. Ainda mais depois de tudo o que a Cynthia fez por você.

Exatamente. Calista pensou, seu olhar caindo para suas mãos, descansando comportadamente em seu colo sobre o lençol branco. Tudo o que ela fez. E tudo o que eu fiz. É exatamente por isso que não posso vê-la.

— Não. — A jovem performer disse simplesmente, mesmo sabendo que estava sendo covarde, e se detestando por isso. — Eu não quero que ela me veja assim.

Ash pensou em discutir, em tentar fazer sua irmã ver a razão, mas a determinação nos olhos dela logo o demoveu dessa ideia. Ele conhecia aquela expressão bem demais, sabia que não adiantaria protestar. Ela não cederia a argumento nenhum.

— Certo, você é quem sabe. — O jovem treinador de Pallet cedeu, frustrado. — Quando Cynthia perguntar, vou dizer a ela que você ainda não se recuperou totalmente. Está bom assim?

Os lábios da morena se curvaram em um sorriso que era tanto um pedido de desculpas quanto um agradecimento. Ash simplesmente deu de ombros e saiu do quarto, ainda zangado. Gary entrou logo em seguida e Calista abriu os braços para seu noivo, que aceitou o convite e a abraçou com força, enterrando o rosto em seu cabelo.

Era a primeira vez que aqueles dois se viam desde que a irmã de Ash acordara. A pedido da própria Calista, Dehlia e o professor Carvalho haviam mantido o rapaz longe. Ela não quisera que ele a visse naquele estado de fraqueza, também.

— Você quase me matou de preocupação, Caly-Nite. — Gary declarou com a voz embargada, seus braços a envolvendo com tanta força que quase chegavam a machucar. Ela não se importou. — Eu pensei que ia mesmo te perder dessa vez.

— Não vai, não. — Foi a resposta, enquanto ela afagava aqueles cabelos rebeldes. — Eu prometi, lembra?

Gary a soltou e endireitou a postura, apenas para se inclinar para beijá-la momentos depois. O gesto foi extremamente cuidadoso, quase um roçar de lábios, e tanto cuidado fez Calista sorrir.

— Sabe ... — Ela disse, seus olhos verdes brilhando de malícia. — Eu posso estar ferida, mas não sou de porcelana.

— Não comece, sua doida. — O neto do professor Carvalho ordenou, seu tom firme sendo distorcido pelo riso. — Você precisa descansar.

— E você precisa parar de ser mandão.

— Admita, você gosta quando eu sou mandão.

— Garoto bobo. — Ela riu, lhe dando um tapinha no ombro com as costas da mão direita. Ele segurou seu pulso.

— Você é má, Caly. — O jovem pesquisador declarou. — Se continuar me chamando assim, não vou te dar a surpresa que eu trouxe.

Gary teve que conter uma gargalhada ao ver os olhos de sua noiva brilharem de curiosidade. Aquilo era típico. Juntamente com seu orgulho desmedido, a curiosidade era o pior defeito da irmã de Ash, sempre fazendo com que se metesse em encrencas desde que era criança.

— Surpresa? — Ela repetiu, erguendo uma sobrancelha.

— Feche os olhos e estenda as mãos.

Calista obedeceu e sentiu algo redondo ser depositado em suas mãos.

— Pode abrir agora.

A morena abriu os olhos e sorriu, adivinhando imediatamente qual pokebola Gary lhe entregara. Num movimento rápido ela libertou Mirabelle, que soltou um gritinho de alegria e se jogou em seus braços, suas fitas se enrolando apertado ao seu redor.

— Mira! — A jovem exclamou, sua voz embargada pelas lágrimas. — Ah, caramba, que saudade eu senti de você, sua fadinha maluca!

Ela quase esperava que Mirabelle se afastasse, protestando porque sua treinadora a abraçava com muita força, mas a Sylveon simplesmente se aproximou ainda mais e escondeu o rosto em seu peito.

— Ela sentiu sua falta também. — Gary comentou. — Aposto que essa doidinha teria ficado aqui com você o tempo todo, se tivéssemos deixado.

— É claro que teria. — A morena sorriu cheia de orgulho enquanto acariciava as longas orelhas acetinadas da pokemon tipo Fada, que começou a ronronar de prazer. — Mira pode ser uma chata a maior parte do tempo, mas é a pokemon mais leal que já treinei. Bom, exceto por IceFire.

O comentário fez Mirabelle erguer o rosto, revirando os olhos para a morena com um rosnado baixo.

— Relaxe, fadinha. — Calista riu. — Vocês duas são minhas parceiras, mas você é a minha favorita. Só não conte a ninguém, ok?

A Sylveon deu uma risadinha, aninhando-se contra o peito de sua treinadora novamente, sem parecer nem um pouco disposta a sair dali por um longo tempo.

Depois daquela tarde Calista ainda levou mais três dias para se considerar forte o bastante para levantar da cama. Assim que tentou ficar de pé por conta própria, a jovem percebeu que estava redondamente enganada. As fitas de Mirabelle se enrolaram ao redor de sua cintura com firmeza, sustentando-a antes que caísse.

— Mira, não precisa fazer isso.

A Sylveon soltou um "humf" de desaprovação, com um olhar exasperado para sua treinadora. Mais três dias se passaram até que Calista estivesse de fato forte o bastante para caminhar por contra própria.

Mirabelle simplesmente se recusou a sair de seu lado nesse ínterim, mesmo que por curtos períodos de tempo. Aquelas fitas azuis continuavam enroladas ao redor do pulso direito da jovem, logo acima da pulseira de couro na qual sua pedra-chave estava engastada, sem soltá-la nem mesmo quando a Sylveon dormia.

— Já chega. — Ash declarou no final da segunda semana de Calista no hospital. — Acabaram as desculpas furadas. Você tem que falar com ela.

"Ela", é claro, se referia a Cynthia. A recusa de Calista em vê-la continuava firme. Ash supusera que fosse por orgulho, e não estava completamente errado, mas nem sequer imaginava que sua irmã mais velha na verdade estava com medo. Medo e vergonha de encarar a campeã de Sinnoh novamente.

A jovem simplesmente soltou um longo suspiro de rendição ao ouvir aquela frase, largando o livro que estivera lendo. O tomo descansou com a capa para cima em seu colo.

— Ash ... — A morena disse baixinho, em tom cansado. — Eu ainda não ...

— Nem comece! — O rapaz interrompeu, zangado. — Se você não quer mesmo vê-la, seja adulta o bastante para dizer isso a ela você mesma. Eu cansei de mentir. Me sinto um canalha por estar fazendo isso. Caly ... A Cynthia está preocupada pra caramba. E você sabe que ela não merece isso.

— Ah, por favor, Ash! — A jovem revirou os olhos, fingindo indiferença. — Aquela mulher não se preocupa com ninguém. Ela é ...

— Chega dessa besteira! — Ash ordenou severamente. — Isso já não é mais orgulho, Caly, é burrice. Você está sendo burra, e não vou ficar do seu lado nessa.

Calista se calou, sabendo que seu irmão estava certo. Às vezes, especialmente quando seu orgulho estava em jogo, a morena sabia que era propensa a perder a capacidade de julgamento. Nessas horas era Ash quem parecia ser o mais velho, sempre lhe dizendo aquilo que ela não queria ouvir.

— Aquela mulher é um iceberg, Ash. — A jovem insistiu quase por força do hábito, mesmo sabendo que não era verdade. — Uma pedra de gelo, pura e simplesmente. Ela não se preocupa com ninguém, porque não tem sentimentos.

— Que seja, mana. Se não falar com ela, eu juro que ligo para Cynthia agora mesmo e conto toda a verdade.

A primeira reação da jovem foi de raiva, mas então uma ideia lhe ocorreu. Jamais teria coragem, mas Ash era corajoso o bastante pelos dois. Contendo um sorriso ante seu plano maquiavélico, a jovem estreitou os olhos em afronta, reagindo como o esperado ante aquele ultimato.

— Você não se atreveria! — Ela exclamou com o máximo de raiva que pôde reunir.

Ash simplesmente cruzou os braços e a encarou de volta, irredutível.

— Pague para ver, então.

Calista sentiu suas bochechas esquentarem e baixou a cabeça, encarando a capa do livro em seu colo. Quase se sentia mal por usar seu irmão daquele jeito. Chegava a ser injusto.

— Você é um babaca, Ash Ketchum. — Ela resmungou, sabendo que era exatamente isso que Ash esperava que dissesse.

— E você é uma bobona, Caly. — O moreno rebateu simplesmente. — Boba e infantil. Agora seja boazinha e faça a coisa certa, ok?

— Vá se ferrar, pirralho.

A pior parte era que Ash tinha razão em tudo o que dissera. Calista sabia disso, mas convencer a si mesma era uma história completamente diferente. Parte de si temia que Cynthia pudesse vir a odiá-la pela forma como agira durante aqueles cinco anos, insistindo em uma hostilidade que nunca tivera razão de ser. A outra parte simplesmente não tinha coragem de encarar a campeã depois de todas as coisas horríveis que dissera.

Exatamente como Calista esperava, Ash não apareceu sozinho no dia seguinte. A morena fez o possível para parecer irritada ao se dar conta do fato, escondendo o melhor que pôde seu prazer ao ver a mulher loira ao lado de seu irmão.

— Ash. — Ela disse severamente. — Pensei que tivéssemos um trato, pirralho. Você me prometeu.

— A escolha não era só sua, mana. — O rapaz rebateu acidamente. — E, além disso, você não pode dizer que eu não avisei.

— Suma daqui, Ash! — A morena exclamou. — E vá se ferrar!

O moreno obedeceu, deixando Calista a sós com Cynthia. Assim que ele passou e fechou a porta, a jovem performer relaxou e abriu um sorriso, toda a sua pretensa hostilidade posta de lado.

— Me desculpe por isso. — Ela disse. — Mas meu irmãozinho precisava aprender uma lição para deixar de ser tão intrometido.

Cynthia hesitou por um breve instante antes de por fim esboçar um sorriso.

— Tenho certeza de que o seu irmão só estava tentando ajudar. — A campeã disse.

— Claro. — Calista bufou ironicamente. — Só por curiosidade, o que ele disse para convencer você a vir?

— Que você estava melhor e tinha algo a me dizer.

— E você não desconfiou de nada, dado tudo o que aconteceu entre nós? — A loira simplesmente negou com um gesto de cabeça. — Caramba Cynthia, você não existe! Ingênua até o fim quando se trata dos seus amigos.

— Então era mentira?

— Não, o Ash não mentiu dessa vez. Eu queria mesmo conversar com você. — Calista admitiu. — Mas primeiro ... Vá em frente. Pode ficar com raiva e gritar comigo, se quiser. Prometo que vou ouvir em silêncio, não importa o que você diga.

— Não tenho nada a dizer. — Cynthia rebateu calmamente.

— É mesmo? — A morena desafiou, erguendo uma sobrancelha. — Todos esses anos eu a acusei de ser uma trapaceira mentirosa, o que você definitivamente não é, apenas para acabar fazendo ainda pior. É irônico, até eu tenho que admitir. No seu lugar, eu definitivamente teria algumas coisas a dizer.

— Não seja boba. — A campeã respondeu. — Nós duas tivemos nossos motivos, e o que aconteceu não importa mais. Aquilo tudo é passado, no que me diz respeito.

— Claro que importa! — A irmã de Ash exclamou veementemente. — Cynthia, eu ... Sinto muito. Não só por ter mentido dessa vez, mas por tudo o que falei depois de Snowpoint.

— Está tudo bem, eu também errei naquele dia. — Foi a resposta. — Você tinha razão, eu deveria ter dito a verdade no momento em que nos conhecemos.

— E por que não disse?

— Porque tive medo. — Cynthia admitiu baixinho, pela primeira vez demonstrando alguma hesitação. — Você é ... Uma das poucas pessoas que não me trata diferente por causa de meu título. E eu não quis que isso mudasse. Acredite, eu não pretendia manter segredo para sempre, mas planejei lhe contar a verdade de outra forma. Uma que não teria estragado tudo entre nós.

O silêncio se instalou entre as duas mulheres. Calista estendeu uma das mãos. A campeã, que até então mantivera distância, hesitou, o que fez a jovem morena sorrir. Era a primeira vez que via qualquer sinal de timidez naquela mulher.

Após um breve segundo a loira aceitou seu convite silencioso e pôs a mão sobre a sua. Calista gentilmente a puxou para mais perto, e a campeã se deixou ir sem oferecer resistência.

— Me diga ... — A jovem performer disse enquanto Cynthia sentava-se na beira da cama. — Como teria sido se eu tivesse descoberto a verdade nos seus termos?

— Eu queria esperar até nos enfrentarmos na Liga. Só então eu lhe contaria a verdade e a desafiaria para uma batalha oficial. — A loira sorriu, seu rosto adquirindo uma expressão de enlevo sonhador, como se pudesse visualizar a cena que descrevia. — E que batalha teria sido!

— Você teria vencido. — A morena provocou. — Exatamente como em Snowpoint.

— Vencer ou perder não teria importado. Teria sido incrível de qualquer jeito, ainda mais do que a nossa batalha no torneio.

— Acha mesmo que aquela batalha foi incrível?! — Calista inquiriu, surpresa.

— Uma das melhores. — Cynthia admitiu. — Se Garchomp não fosse tão bem treinada, acho até que você poderia ter vencido.

— Ah, me poupe, Cynthia!

— É verdade. — A campeã asseverou. — Sabia que minha Garchomp até hoje não consegue enfrentar um Charizard sem ficar completamente furiosa?

— Por causa de IceFire?

— Exatamente. — A loira assentiu, seus lábios se curvando em um sorriso malicioso. — Acho que sua Charizard deixou uma impressão e tanto. Foi o mais próximo que chegamos de uma derrota em muito, muito tempo.

— Exagero seu. — Calista rebateu, embora tenha corado de prazer ao ouvir aquelas palavras. — Mas em uma coisa você esteve certa esse tempo todo: se eu houvesse parado e me dignado a ouvi-la depois do torneio, teríamos nos tornado boas amigas. Na verdade ... Espero que ainda não seja tarde demais para tentarmos. Eu ... Gostaria muito de uma segunda chance.

— Está mesmo falando sério? — Cynthia inquiriu, surpresa. Calista simplesmente assentiu em resposta. — Então por que mentiu que ainda estava fraca demais para me ver?

— Porque eu não sabia o que dizer. Eu precisava de mais tempo. Além do mais, eu não conseguiria me desculpar apropriadamente se mal podia falar. — A irmã de Ash riu baixinho, de si mesma. — Eu ... Acho que também tive medo. Medo que minha teimosia idiota a tivesse levado a me odiar.

— Calista ... — A loira suspirou dramaticamente, balançando a cabeça em um gesto exasperado. — Por que você sempre insiste em complicar tudo? Eu já a perdoei há muito tempo, sua boba, e jamais poderia odiá-la. Você não precisava se desculpar.

— Claro que eu precisava. — A morena rebateu. — É o mínimo que você merece.

— Nesse caso, eu também deveria me desculpar por ter mentido para você.

— Deixe de ser boba, isso não importa mais.

— Exatamente o que eu disse.

— Droga! — Calista exclamou ao perceber o que a campeã estivera fazendo. — Que truque sujo, Cynthia! Não acredito que estava usando psicologia reversa para me fazer concordar com você!

As duas mulheres se entreolharam, então Cynthia caiu na risada. A irmã de Ash percebeu que nunca a havia ouvido rir de forma tão despreocupada e para seu espanto se viu rindo também, surpresa pelo fato de o senso de humor da campeã ser tão similar ao seu e por gostar tanto de ouvir o som daquela risada.

— Só por curiosidade ... — A loira disse depois de alguns minutos. — O que fez você mudar de ideia?

— Você. — Calista admitiu. — Apesar de tudo, você não foi nada além de gentil quando nos reencontramos em Alola. E mesmo depois, aqui em Kanto ... Eu percebi que só podia estar errada a seu respeito. Alguém tão gentil jamais humilharia outra pessoa apenas por prazer.

— Finalmente! — A campeã exclamou. — Já era hora de você perceber, cabeça de pedra.

— Cabeça de pedra? — Calista repetiu com uma sonora gargalhada. — Caramba, loira, arrume um insulto mais criativo!

— Nenhum outro estaria tão perto da verdade.

— Ouch! — A jovem exclamou, levando uma das mãos ao peito em um gesto dramático. — Ok, retiro o que eu disse. Você não é tão irritante quanto eu pensava, campeã, é muito mais.

Mas, apesar daquelas palavras, a irmã de Ash estendeu a mão livre para o arranjo floral ao lado da cama, enormes flores cor de rosa que Dehlia havia trazido no dia anterior a seu pedido. Ela girou uma das flores entre os dedos antes de estendê-la para Cynthia.

— Uma Gracídea! — A campeã exclamou, surpresa.

A reação de Cynthia já era esperada. Flores Gracídea eram dadas como presente na região de Sinnoh, consideradas agradecimento e sinal de amizade desde tempos antigos. Sendo uma especialista em mitologia, obviamente que a loira conheceria seu significado, talvez melhor do que qualquer um.

— Sim. — Calista disse calorosamente. — Isso é por não ter desistido de mim, mesmo quando eu lhe dei motivos. E ... Eu realmente sinto muito pelas coisas horríveis que eu disse.

Foi a vez de Cynthia corar, desviando o olhar para a flor cor de rosa que ela agora girava entre os dedos. O silêncio caiu entre elas novamente. Calista podia dizer só de olhar que a campeã tentava organizar seus pensamentos antes de dizer qualquer outra coisa, o que a fez se perguntar desde quando conseguia entendê-la tão bem.

— Foi muita irresponsabilidade sua. — A loira disse finalmente. — Ter se arriscado por mim daquele jeito.

— Simplesmente fiz o que era certo.

— E se arriscou mais do que imagina. Um risco que pessoa alguma deveria correr.

— O que quer dizer com isso?

— Os pesadelos. — Cynthia disse simplesmente. — Você ainda os tem, não é?

— Todas as noites. — A morena admitiu. — Mas eles são ... Diferentes agora. Não são mais tão intensos, mas ... Parecem muito mais ... Reais. É mais difícil dizer se estou sonhando ou acordada.

— A diminuição de intensidade provavelmente é efeito do amuleto. É uma ...

— Uma Asa Lunar. — Calista completou casualmente. — Um amuleto que, segundo as lendas, é feito das penas da própria Cresselia. Ela e Darkrai são contrapartes, por isso a Asa Lunar tem o poder de anular a influência dos pesadelos.

— Diminuir. — Cynthia corrigiu quase automaticamente, num ato reflexo. — Mas sim, é isso mesmo. Como você sabe disso?

— Fiz algumas pesquisas quando estive em Sinnoh. — Foi a resposta, acompanhada de um sorriso ante a expressão surpresa da campeã. — O que foi, você acha que é a única a se interessar por mitologia?

Por um momento foi isso mesmo que a surpreendeu, o fato de que as duas compartilhavam aquele interesse em comum. Cynthia levou um segundo a mais para perceber o significado mais profundo daquelas palavras.

— Então você sabia sobre o Abismo das Sombras? — A loira inquiriu devagar, incrédula.

— Sim, eu sabia. — Calista admitiu. — Por falar nisso ... Eu acordei, venci o efeito do ataque. Isso não deveria anular a influência de Darkrai?

— Talvez. — Cynthia respondeu pensativamente. — Os efeitos da influência de Darkrai são misteriosos, só o que se sabe sobre eles são antigas lendas. Não há precedentes de alguém que tenha despertado após ser atingido pelo Abismo das Sombras, pelo menos não oficialmente.

— Mas você sabe de alguma coisa, não sabe?

A campeã mal pareceu surpresa por Calista adivinhar aquele fato como se pudesse ler seus pensamentos, ela simplesmente assentiu.

— Já vi alguém conseguir esse feito. Digamos que ... Seria melhor se ele tivesse morrido.

— O que aconteceu com ele?

A pergunta já era esperada, e Cynthia lamentou não poder dar a resposta que ela merecia. Para sua própria surpresa, percebeu que queria poder lhe contar tudo.

— É melhor não saber. — A loira disse simplesmente, sua expressão se tornando sombria.

Calista hesitou, mas assentiu e não fez mais perguntas. Pela atitude da campeã, sabia que poderia conseguir a resposta se estivesse decidida. Mas a expressão naqueles olhos cinzentos a fez pensar que não gostaria de ouvi-la.

— E quanto a mim? — A jovem inquiriu — O que você acha que vai acontecer comigo?

— Não há como afirmar com certeza. — Foi a resposta. — Mas acredito que a influência de Darkrai vá desaparecer com o tempo. Até lá ... Não vou permitir que ele chegue a você, isso eu prometo.

— Não pense assim. — Calista disse gentilmente. — Isso não foi culpa sua, nem eu sou sua responsabilidade. Eu sou forte, Cynthia, e não preciso que me protejam. Nem você, nem ninguém. Além do mais, eu sabia dos riscos, e salvei você porque escolhi fazê-lo.

— Isso é uma coisa que venho querendo lhe perguntar. — A campeã declarou suavemente. — Por que salvar alguém que você odiava tão intensamente?

— Porque eu nunca odiei você. — A morena revelou gentilmente. — Além do mais ... Acha mesmo que eu iria deixar algum pokemon vencê-la antes de ter minha revanche e derrotar você?

A piada e a atitude despreocupada da morena tiveram o efeito desejado: fazer Cynthia sorrir, mesmo que um sorriso mínimo.

— Está bem. — A loira disse. — Só não acredito que você ainda não tenha desistido de se iludir com essa possibilidade.

— Você é uma sonsa, campeã. — A irmã de Ash rebateu, rindo. — Espere só. Pode apostar que eu vou te desafiar de novo.

— E eu não vejo a hora desse desafio.

— Por falar em hora ... — Calista enrolou um cacho de seu cabelo no dedo indicador da mão esquerda, subitamente hesitante. — Isso me fez lembrar de uma coisa que eu sempre quis perguntar a você.

— Vá em frente.

— Aquela estátua de Dialga que existe na cidade de Eterna ... Eu sempre me perguntei se foi feita em tamanho natural.

— É claro que não. — A campeã riu. — Dialga tem mais de cinco metros, imagine só uma estátua em tamanho natural.

— Seria possível. — A jovem resmungou, corando de leve. — Cinco metros, huh? Eu não fazia ideia de que Dialga era tão grande.

Cynthia conteve um sorriso. Já esperava que Calista ficasse curiosa. Vinha lidando com a curiosidade das pessoas sobre aquele assunto desde o dia da batalha no Pilar da Lança. O que não esperava era estar apreciando aquela curiosidade.

— Dialga não é só enorme, é um dos pokemon mais poderosos que já vi. — A campeã revelou. — Além de ... Magnífico. Não há palavras para descrever sua aparência.

— Tente. — Calista praticamente implorou, ávida como uma garotinha ouvindo contos de fadas antes de dormir. — Por favor.

— Tudo bem, tudo bem. — Cynthia cedeu, recostando-se contra a parede de forma a ficar mais confortável. — Primeiro, imagine aquele titã se avultando sobre você. É gigantesco e, perto dele, tudo parece desacelerar. É como se o próprio tempo parasse. Aquele colossal corpo de metal brilha sob a luz do sol, impedindo que você o encare diretamente, mas mesmo assim você sabe que aqueles olhos vermelhos a estão encarando, como se pudessem ver através de você, tudo aquilo que já foi ou um dia será. É essa a sensação de estar diante do Senhor do Tempo.

— Parece ... Assustador. — Calista admitiu, inquieta com aquela vívida descrição. Cynthia tinha mesmo jeito com palavras. — E aposto que você enfrentou essa besta sem sequer hesitar.

— Ah, você não faz a mínima ideia. — Cynthia rebateu, mais divertida do que ofendida com a provocação da morena. — Aquela foi facilmente a batalha mais apavorante da minha vida.

— Mais do que a batalha contra mim?

Dessa vez a loira não conteve uma sonora gargalhada.

— Nem se compara.

Para sua própria surpresa, Cynthia se viu respondendo às perguntas da irmã de Ash, entrando em detalhes sobre o que acontecera no Pilar da Lança como nunca fizera com nenhuma outra pessoa. Por mais estranho que parecesse, dada sua história, sentia que podia confiar em Calista. Era como se a conhecesse sua vida inteira.

Quando Ash chegou para ficar com sua irmã, ao final do horário de visitas, encontrou as duas supostas rivais sentadas juntas na cama, conversando como se fossem velhas amigas. O rapaz não pôde deixar de rir, o que as fez se voltar para olhá-lo.

— Já?! — Calista inquiriu, surpresa. — O tempo passou tão rápido!

— Oi pra você também, mana. — Ash rebateu ironicamente. — Oi, Cynthia.

— Oi, Ash. — Cynthia respondeu, já se pondo de pé. — Bem, Calista, nos vemos outra hora.

— É bom mesmo, campeã. — A morena rebateu. — Você ainda precisa me contar o final daquela história.

A campeã lançou um rápido olhar para Ash, percebendo imediatamente o que Calista estava fazendo. Um discreto sorriso curvou os lábios da jovem kantoniana, e ela baixou a cabeça para que seu irmão mais novo não a visse tentando conter o riso.

— Que história? — O rapaz perguntou, curioso. Exatamente como Calista esperava que fizesse.

— Não é nada importante, Ash. — Cynthia declarou, já na porta, entrando no jogo proposto por sua mais nova amiga. — Até outra hora, vocês dois.

Quando a loira já havia saído, o irmão mais novo de Calista se rendeu a uma sonora gargalhada. Isso fez com que a jovem performer cruzasse os braços e o encarasse, furiosa.

— Qual é a graça, pirralho? — Ela rosnou.

— Para quem disse que a odiava pouco tempo atrás, você não está sendo muito convincente. — Ash declarou jocosamente. — Vocês duas pareciam amigas. Bem próximas, se quer saber.

A declaração fez a jovem corar até a raiz dos cabelos, pois sentira a mesma coisa. Passar a tarde com a campeã de Sinnoh havia sido fácil como respirar, e estranhamente agradável. Mas, é claro, Calista era teimosa demais para admitir. Ao invés disso ela simplesmente resmungou um "cale essa boca, Ash".

O rapaz não se deixou enganar. Ele sabia que aquela rivalidade boba entre sua irmã mais velha e Cynthia já era história deixada para trás.


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