Pokémon - Luz do Amanhecer escrita por Benihime


Capítulo 13
Agarrando o touro pelos chifres




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— Ei, Caly. — Ash chamou, apontando para uma manada de Tauros não muito distante nos campos. — Sabe quem capturou aqueles Tauros?

— Não. Nem ideia.

— Eu capturei todos! — O garoto declarou, estufando o peito com orgulho. — E te desafio a montar um deles.

Calista disfarçou uma risada, lançando um olhar divertido para seu irmão mais novo e se aproximando de modo a poderem falar mais baixo. Não queria que sua mãe os ouvisse.

— Ok, estou dentro. Escolha um para mim.

Ash analisou os Tauros com atenção, tentando escolher o de aparência mais durona.

— Aquele ali. — O garoto apontou enfim, indicando o maior e mais musculoso touro do rebanho. — Aposto que você não consegue.

— O que vale? — A morena inquiriu desafiadoramente.

— Se você conseguir montar, paro de discutir com o Gary. Para sempre.

— Ah, por favor! — A jovem lhe deu uma cotovelada brincalhona. — Fale sério, Ash!

— Estou falando sério.

Calista o encarou, arqueando uma sobrancelha num misto de descrença e desafio.

— E se eu perder?

— Então você vai fazer qualquer coisa que a mamãe disser por um dia inteiro.

— Fechado. — A mulher concordou, seus olhos brilhando ante o novo desafio. — Antes de irmos para casa, eu vou montar naquele Tauros.

— Qual é, mana! — Ash riu, mas havia uma ponta de preocupação em sua voz. Ele sabia que, mesmo sem conseguir de fato fazê-lo, sua irmã ainda seria louca o bastante para tentar. — Você mal consegue andar, como acha que vai conseguir montar aquele monstro?

— Espere e vai ver, bobalhão. Eu tenho meus truques.

O rapaz mordeu o lábio para se impedir de gargalhar, não querendo que Dehlia ouvisse o pequeno desafio dos dois. Era divertido espicaçar sua irmã, apenas para ver quão longe ela estava disposta a ir. Não que ela fosse, mesmo, louca de ir até o fim com aquilo.

— Mamãe vai te matar.

— De jeito nenhum, maninho, porque vou dizer a ela que a ideia foi sua.

— E você acha que ela vai acreditar?

Eles se entreolharam, Ash abrindo um sorriso arrogante. Calista cedeu a uma risadinha, assentindo em concordância.

— Verdade. — A morena admitiu.

— Ash, Caly. — Dehlia chamou, desconfiada. — Sobre o que vocês dois estão cochichando?

Calista respondeu quase imediatamente dizendo "nada, mãe". Ash sufocou outra gargalhada.

— Admita, mana. — Ele sussurrou quando Dehlia desviou a atenção novamente. — Ela é assustadora.

— Pra caramba.

Ash riu de novo, enquanto Calista se virava de frente para o lago. A superfície era lisa como um espelho, quase transparente de tão límpida.

— Ei, professor, todos os pokemon tipo Água ainda vivem aqui? — A morena perguntou, depois de ficar em silêncio por alguns segundos.

— Alguns. — Foi a resposta. — Há um outro lago não muito longe. Grande parte deles preferiu viver lá, especialmente as espécies menores.

A jovem performer se aproximou da água, seus olhos examinando a superfície com atenção. Ela sabia o quanto aquela superfície límpida era enganadora. O lago era muito mais profundo do que a maioria imaginava. Profundo o suficiente para ...

Bem nesse momento, um jato de água atingiu-a em cheio no rosto. Calista o secou com as mangas da camiseta, rindo enquanto o fazia.

— Olá, Aphrodite. — A jovem disse carinhosamente, dando um passo para mais perto da água. — Eu sabia que você estaria aqui.

A Milotic que havia batido com a cauda na superfície do lago para causar aquele jato de água, e que Calista chamara pelo nome de Aphrodite, apenas a encarou.

Somente seus olhos e antenas estavam visíveis na superfície da água. Aqueles enormes olhos vermelhos tinham uma expressão severa, irritada.

— Está bem, está bem. Eu já entendi. — A irmã de Ash deu um suspiro dramático, levando uma das mãos ao peito e pousando-a sobre seu coração. — Sinto muito. Eu sei que deveria ter vindo visitar você antes.

Aphrodite soltou um som baixo, o mais próximo de um rosnado que uma Milotic conseguiria emitir, expressando sua concordância com um olhar de enfática reprovação.

— Ei, mana. — Ash chamou, se aproximando por trás de sua irmã mais velha. — Com quem você está falando?

— Com uma velha amiga.

A pokemon tipo Água soltou um gritinho de raiva ao ouvir aquelas palavras, deslizando rapidamente para perto da margem e parando com o rosto a centímetros do de Calista. Ash riu alto.

— E ela parece bem zangada com você. — O rapaz comentou.

— Só porque eu a chamei de velha. — Calista riu, lançando um olhar divertido à sua pokemon. — Aphrodite é vaidosa, odeia isso.

O comentário fez Ash revirar os olhos, soltando uma risadinha irônica. Calista ignorou seu irmão, aproximando-se do lago até estar quase com os pés na água, estendendo uma das mãos.

Aphrodite, que havia se afastado após seu pequeno ataque de raiva, aproximou-se novamente, encarando os olhos verdes de sua treinadora. Depois de alguns segundos de imobilidade a Milotic serpenteou graciosamente, descansando a testa escamosa contra a de Calista.

— Isso. Muito melhor. — A jovem disse ternamente ao lhe acariciar, aninhando o rosto da pokemon entre as mãos. — Também senti sua falta, sua bobona.

A pokemon tipo Água cutucou-lhe a bochecha com o focinho. Suas escamas eram geladas, e o frio fez Calista se arrepiar, mas ela não se importou. Pelo contrário, abraçou o pescoço fino de Aphrodite com os dois braços.

Só depois de soltá-la e se voltar para o restante do grupo Calista percebeu que Dehlia e o professor Carvalho a haviam estado observando aquele tempo todo. Sua mãe estava boquiaberta, embora fizesse o possível para esconder o fato e manter uma expressão neutra. O professor lhe sorriu com orgulho.

— Impressionante. — Ele elogiou. — Você seria uma grande pesquisadora, Caly. Tem muito jeito para lidar com os pokemon.

— Obrigada, professor. Mas sou uma performer, o senhor sabe disso. Essa é a minha vida.

O silêncio entre eles subitamente se tornou pesado após aquela declaração. Calista, é claro, sabia o motivo. Sua perna havia melhorado, ela já estava andando quase normalmente, mas ... Dançar?

Dançar era outro assunto. Estava completamente fora de questão, devido ao forte estresse físico exercido sobre seu corpo. Cada músculo seu lhe dizia que não seria capaz, pelo menos não por mais algum tempo.

— Logo, querida. — Dehlia tentou animá-la, apoiando uma das mãos em seu ombro. — E eu vou estar na primeira fila para ver você ganhar o prêmio.

Apesar de saber que as probabilidades eram poucas, ainda assim a morena esboçou um sorriso de agradecimento por aquelas palavras.

Ash, Daisy e Dehlia começaram a organizar o piquenique. Por insistência deles, Calista ficou sentada em uma rocha próxima ao lago para descansar.

— Hey. — A jovem chamou carinhosamente. — Venha cá, peixinha.

"Peixinha" era a forma como chamava Aphrodite quando esta ainda era uma Feebas, antes que evoluísse. A Milotic sorriu ante a lembrança e se aproximou, saindo da água para poder descansar a cabeça no colo de sua treinadora. A jovem a acariciou, correndo os dedos pelas escamas surpreendentemente macias de suas longas antenas cor de rosa.

— Oh, eu já ia esquecendo. — O professor Carvalho disse, quebrando o breve silêncio. — Gary enviou isso para você. Feliz aniversário, Lina.

A jovem lhe dirigiu um sorriso enquanto erguia a pokebola que o professor lhe entregara. Ao seu lado, ela ouviu Ash murmurar algo que soava como "Gary babaca".

— Ash Ketchum! — Calista e Dehlia repreenderam ao mesmo tempo, expressões zangadas idênticas em seus rostos.

Ash ergueu a cabeça com olhos arregalados de susto, depois caiu na risada.

— Caramba, Caly! — O rapaz exclamou. — Não me assuste desse jeito, mana!

Calista simplesmente continuou a encarar seu irmão de cara fechada e braços cruzados. Era em momentos como aquele que ficava óbvio o quanto a morena se parecia com sua mãe, mesmo que não quisesse admitir.

— Então não aja como um bebê. — A treinadora kantoniana rebateu acidamente.

— Você vai olhar esse pokemon ou não?

A jovem riu ao ver quão vermelho estava o rosto de seu irmão, então ergueu o dispositivo no ar, libertando o pokemon que continha.

A pequena criatura azul parecia um leão-marinho, com um longo focinho branco que terminava em um nariz redondo, cor de rosa. Seus grandes olhos negros olharam curiosamente para Calista por um momento, então o pokemon se ergueu nas nadadeiras traseiras e bateu as dianteiras uma contra a outra, suas orelhas de abano balançando enquanto se movia.

— É tão fofo! — A morena exclamou em deleite. — Professor, que pokemon é esse? Nunca vi nada parecido.

— Eu também não sei. — O velho pesquisador respondeu, fitando a criatura com curiosidade. — Vai ter que perguntar ao Gary. Ele não quis me dizer nada.

Calista riu consigo mesma, entendendo o plano do rapaz. Gary queria ter certeza de que ela iria ligar. Fora tudo armação dele.

— Certo, então. — Ela disse, já tirando seu celular da bolsa. Por sorte deixara-a para trás antes de se aproximar do lago, ou o aparelho não teria escapado dos esguichos de água de Aphrodite. — Vamos resolver isso, azulzinho?

O estranho pokemon assentiu alegremente, enquanto Calista se inclinava e o pegava no colo. Aphrodite, ainda ao lado de sua treinadora, mudou de posição para que sua cabeça descansasse no alto da dela, sem querer se afastar. A morena então discou o número de Gary. Ele atendeu prontamente.

Ele estava esperando. A irmã de Ash pensou, divertida. Esse moleque espertalhão pensou mesmo em tudo.

— Oi, Slowpoke. Eu pensei que você não ia mais ligar.

— Muito engraçado, Carvalho. — Ela zombou. — Então ... Sobre esse pokemon ...

— Você gostou?

— Sim, é muito fofo. Mas o que ele é, exatamente?

— Se chama Popplio. É um dos iniciais aqui em Alola.

— Deixe-me adivinhar ... Tipo Água?

— Exatamente. Fêmea, se quer saber. E tem mais uma coisa ... O vovô te deu a pedra?

— Pedra?

O professor, ouvindo Calista dizer aquela palavra, se aproximou com uma pequena caixa negra nas mãos, que entregou para a morena. Ela lhe agradeceu com um meneio de cabeça, seus lábios formando a palavra "obrigada" silenciosamente.

A irmã de Ash abriu a caixa para ver uma linda pedra de um rosa intenso aninhada contra o fundo negro. Havia uma figura gravada no centro da joia, algo que, depois de uma inspeção atenta, Calista decidiu que parecia uma minúscula fada em pleno voo.

— É linda. — A morena admitiu. — Mas você não precisava ...

— Essa não é para você, Caly. — Gary interrompeu, rindo. — É para a Mirabelle.

— O que?!

— Lembra daquele colar com a pedra brilhante que eu te dei? 

— É claro. — A irmã de Ash respondeu, sua mão esquerda se erguendo para tocar o pingente que pendia na base de sua garganta, sem querer admitir que não o havia tirado desde aquela noite. — Por que?

— Pois então, essa pedra cor de rosa forma um par com ele. Pensei que seria legal vocês duas combinarem no palco.

— Gary, eu nem sei se vou voltar a competir. — A jovem o lembrou. — Mas obrigada assim mesmo. Aposto que a Mira vai adorar.

— Espero que sim. — Gary respondeu. — Ah, e diga a ela que o Umbreon mandou um oi.

— Deixe que ele mesmo diga. — A morena declarou, erguendo a voz para gritar "ei, Mira, venha cá!".

Mirabelle se aproximou, saltando com leveza e se acomodando sobre a cabeça de Aphrodite, exatamente entre as antenas, de modo a poder ver por cima do ombro de Calista sem dificuldade.

A jovem rapidamente mudou a configuração da chamada para vídeo, de modo que Umbreon e Gary aparecessem na tela.  A Sylveon soltou um gritinho e escondeu o rosto entre os cachos da morena, que riu.

— Sem sorte, Umbreon. — Calista zombou. — Ou talvez não. Acho que a minha garota aqui também gosta de você.

Mirabelle não gostou do comentário e acertou Calista com suas fitas, quase jogando-a no lago. Aphrodite a ajudou a recuperar o equilíbrio, empurrando-a delicadamente de volta com sua forte cauda em forma de leque enquanto Gary uivava de rir.

— Muito engraçado, Carvalho. — A jovem kantoniana rosnou, ligeiramente ofendida. — Vá se danar.

— Admita, Caly-Nite, foi hilário. — O neto do professor Carvalho rebateu. — Ah, e sobre a pedra ... Faça assim.

Gary se afastou para que a câmera o enquadrasse de corpo inteiro, cruzou os dois braços em um X na frente do rosto, depois os esticou com os punhos cruzados. Trazendo-os ao peito, as mãos do menino formaram uma figura em forma de coração. Ele então abriu os dois braços e ergueu a perna direita.

— Entendeu? — Perguntou, endireitando a postura e se aproximando da câmera novamente.

— Sim. Para que isso serve?

— Eu não vou te dizer. — Ele sorriu maliciosamente. — Você vai descobrir da próxima vez que batalharmos. Só me prometa que as duas vão usar essas pedras.

— Certo, eu prometo. Mal posso esperar para chutar sua bunda de novo.

— Veremos. Vou tentar não facilitar para você. — Gary riu, então uma voz soou ao fundo chamando seu nome. — Ok, tenho que ir. Tchau, Caly-Nite. Ah, e vou te mandar informações sobre o Popplio.

— Tchau, Gary. Obrigada.

— De nada. Feliz aniversário, Caly.

Ainda sorrindo, Calista desligou e se voltou para Mirabelle.

— E aí, sua maluquinha, onde quer usar essa pedra?

A Sylveon pensou por um momento, então estendeu a pata dianteira esquerda. A pedra era envolta por uma pulseira de couro bege, leve e resistente, que se moldou perfeitamente enquanto Calista fechava o ornamento ao redor da pata de sua pokemon.

Um ping indicando um novo e-mail soou, desviando sua atenção. A morena o abriu com interesse.

— Então ... — Ash se aproximou, curioso. — O que o Gary disse?

Em resposta a morena fez sinal para que ele chegasse mais perto e virou a tela em sua direção, ajustando a posição de modo que os dois pudessem ler juntos.

Popplio fica em cima de seus balões de água flutuantes para saltar mais alto. É um grande lutador acrobático!

— Que legal! — O rapaz exclamou. — Um acrobata! Que tal ver como se sai em uma batalha?

— Nada de batalhas. — Dehlia interferiu severamente. — Sua irmã precisa se recuperar, Ash.

— Certo, mãe. — Ash suspirou, desapontado.

— Ei, não fique assim, maninho. Quando eu melhorar, vamos ter uma batalha completa. Seis contra seis. O que me diz?

— No estilo da Liga? — O rapaz perguntou, esperançoso.

— Melhor ainda: no estilo de uma batalha do Torneio de Campeões. Que tal?

Ash assentiu com um sorriso, animado meramente por imaginar a batalha. Calista revirou os olhos, voltando sua atenção para a Popplio em seus braços, que tombou a cabeça para trás para olhá-la nos olhos.

— Você precisa de um nome. — A jovem declarou pensativamente. — Que tal ... Aqua?

— Que nome bobo! — Ash opinou zombeteiramente. — Não consegue pensar em nada melhor, mana?

— Cale a boca e não se meta, pirralho. A não ser que tenha uma sugestão muito boa.

— Bom ... Segundo o arquivo que o Gary mandou, a evolução final de Popplio é Primarina, um pokemon cujos ataques são baseados em música ...

— Espere aí! — Calista o interrompeu, surpresa. — Quando foi que você leu isso?

— Agora. Olhe o material que o Gary enviou, sua cabeça de vento.

A morena checou o arquivo ainda aberto em seu celular. De fato, Ash tinha razão. A informação realmente estava ali.

— Certo, certo, você venceu. Deixei essa passar. — A performer admitiu, embora a contragosto. — Que nome você sugere?

— Que tal Arya?

— Arya? Como um solo musical?

— Isso. O que achou?

— Perfeito! — Calista sorriu, aprovando a sugestão com entusiasmo. — O que acha, azulzinha?

A Popplio sorriu, batendo suas nadadeiras dianteiras alegremente e assentindo para indicar sua concordância.

— Tudo bem então. — A jovem performer declarou. — Bem vinda ao time, Arya.

— Caly, Ash. — Dehlia chamou. — Venham, está tudo pronto.

A toalha de piquenique havia sido estendida a alguns metros da rocha onde os dois irmãos estavam. Ash ajudou sua irmã a levantar e os dois se juntaram ao grupo enquanto Aphrodite voltava para dentro do lago, mantendo-se próxima e atenta.

O grupo comeu, conversou e riu, tão envolvidos nas histórias compartilhadas que não perceberam a passagem do tempo. Logo o céu estava escurecendo, tingindo-se com os vários tons de amarelo, laranja, vermelho e roxo do pôr do sol.

— Hora da grande surpresa. — Dehlia declarou. — Feche os olhos, Caly.

Calista pareceu igualmente divertida e desconfiada com a ordem.

— O que a senhora está tramando, mãe?

— Será que é tão difícil simplesmente fazer o que eu pedi, só dessa vez?

— É, mana, deixe de ser teimosa.

A mulher soltou um grunhido de contrariedade, mas obedeceu. Ash riu, Daisy também. Até mesmo a risada do professor Carvalho soou, profunda e rouca, extremamente familiar. Só então Dehlia lhe deu permissão para olhar, e Calista caiu na gargalhada assim que abriu os olhos.

À sua frente estava um bolo, mas não um bolo qualquer. Aquele tinha o formato de um Sylveon com cara muito, muito zangada.

— Parece com você, Mira. — A morena zombou.

— Bem ... Só podia ser. — Sua mãe riu baixinho. — Ela foi minha modelo, afinal.

Calista riu ainda mais, o que fez Mirabelle lhe mostrar a língua enquanto se afastava. Quando terminaram de comer o bolo, decidindo que o crepúsculo tornava o clima frio demais para ficarem ali fora, o grupo decidiu voltar para casa.

Mais uma vez, todos insistiram para que Calista sentasse e descansasse enquanto recolhiam tudo. A jovem obedeceu, sabendo que seria inútil tentar discutir.

— Na verdade ... Acho que quero dar uma caminhada. — A morena disse depois de alguns segundos. — Preciso exercitar essa perna se quiser que ela melhore.

— Está bem. — Dehlia concordou. — Só não vá longe, meu bem.

— Relaxe, mãe. — Ash interferiu. — Eu vou com ela. Não precisa se preocupar.

— Ótimo. — A mulher mais velha sorriu, satisfeita. — Assim fico mais tranquila. Obrigada, Ash.

— Sem problemas.

O rapaz mais uma vez ajudou sua irmã a levantar e ofereceu-lhe o braço para que se apoiasse.

Assim que se viram longe da vista do grupo, os dois trocaram sorrisos, como crianças prestes a fazerem uma travessura. Exatamente como quando eram mais jovens, o que fez Calista sentir uma pontada de nostalgia. Jamais se perdoaria por ter estado ausente da vida de seu irmão mais novo por tantos anos, por mais que houvesse sido necessário.

— Tem certeza disso, mana?

— Absoluta. Vamos logo ver esses Tauros. Quero ganhar a aposta e humilhar você.

A única resposta de Ash a isso foi uma risada.

Os Tauros pastavam pacificamente, e o rapaz se recostou contra a cerca que delimitava o pasto enquanto sua irmã mais velha se aproximava dos pokemon, indo diretamente até o Tauros indicado por ele mais cedo.

A morena não vacilou, encarando o touro até ele olhá-la nos olhos. Quando enfim conseguiu contato visual, se aproximou a passos curtos, sem nunca desviar o olhar. Movia-se lenta e deliberadamente. Ash teve que dar o braço a torcer: Calista sabia o que estava fazendo.

Quando chegou perto o suficiente, ela estendeu uma das mãos e pousou-a no pescoço do touro, que não se moveu. Segundos depois, Calista se impulsionou e saltou com agilidade para o lombo do pokemon, segurando seus chifres com firmeza.

Apesar de a luz diminuir cada vez mais rápido com o final do dia, Ash não deixou de notar a aura magenta que envolveu sua irmã quando ela saltou sobre o Tauros. Algum dos pokemon dela estava escondido por perto e havia usado Psíquico para ajudá-la.

Então esse era o plano dela. O moreno riu consigo mesmo. Ah, aquela trapaceira.

— Isso aí! — Ela comemorou em voz alta. — Ei, Ash-Karp, acho que eu venci!

— Há, não cante vitória ainda, mana. — O rapaz respondeu, agora rindo abertamente. — Vamos ver quanto tempo você aguenta.

A jovem revirou os olhos, mas cedeu ao novo desafio, cutucando Tauros suavemente com os pés para que o pokemon começasse a andar na direção da cerca onde Ash se apoiava.

Ela não contava, porém, com um bando de Zubat. Os morcegos pokemon passaram voando logo acima do campo, soltando seus gritos estridentes de gelar o sangue. O barulho assustou Tauros, que disparou em uma corrida selvagem.

Calista perdeu todo o controle. Como a própria pokedex dizia e ela sabia muito bem desde sua juventude, era quase impossível parar um Tauros uma vez que ele começasse a correr.

Os músculos de sua perna ferida mais uma vez a atrapalharam, perdendo a força naquele momento crítico. Ela só conseguiu se segurar devido à pegada firme que mantinha nos chifres do pokemon, mas podia sentir seus dedos afrouxando a cada segundo. Sua testa porejava de suor e lágrimas de dor corriam por seu rosto. Horrorizado, Ash disparou em uma corrida alucinada de volta ao lago para buscar ajuda, rezando para ser rápido o bastante.

Agindo por puro desespero, Calista soltou os chifres e abraçou o pescoço do Tauros, ficando quase deitada sobre o pokemon. A nova posição ajudou a diminuir o peso sobre sua perna ferida, e a dor diminuiu um pouco. A jovem se amaldiçoou em pensamento por não estar com nenhuma de suas pokebolas à mão. Nem mesmo a de Popplio, que havia deixado em sua bolsa, na beira do lago.

A ideia lhe veio repentinamente, um plano que sabia ser absolutamente maluco. Ela calculou rapidamente, estipulando a velocidade do Tauros. Não haviam se afastado tanto assim, não ainda. Podia dar certo, se sua noção de distância não a enganasse.

Ignorando a dor, a morena firmou as pernas em ambos os lados dos flancos do Tauros, usando os calcanhares para se segurar, e soltou uma das mãos, que usou para levar dois dedos à boca e assoviar o mais alto que pôde. Menos de um segundo depois ouviu um uivo agudo soar em resposta, o que a fez sorrir. A ajuda estava a caminho.

Feral praticamente se materializou ao seu lado, correndo em uma linha paralela ao Tauros. E ele não estava sozinho. Demetria, a Vivillon, voava logo acima da cabeça do Houndoom.

Calista não ficou surpresa. A borboleta pokemon estivera por perto o tempo todo, fora ela quem usara Psíquico para ajudá-la a montar. Pela expressão apavorada em seu pequeno rosto redondo, Demetria só não agira antes devido ao pânico.

— Feral, use seu Lança Chamas para parar o Tauros. Demetria, use Psíquico. Não deixe as chamas se espalharem.

O Houndoom obedeceu, usando suas chamas para criar uma parede logo à frente do Tauros, com Demetria usando Psíquico para impedir que se espalhassem. Ao invés disso, o fogo formou um paredão de aparência bem sólida, um legítimo muro de chamas.

O plano foi um sucesso. Tauros podiam ser rápidos e fortes como tanques, mas não tinham nenhuma agilidade. Só corriam em linha reta, eram horríveis quando se tratava de manobras para desviar de obstáculos. O paredão de chamas fez com que o touro parasse de correr tão subitamente que o solavanco lançou Calista para a frente sobre sua cabeçorra.

Ágil, a irmã de Ash conseguiu rolar para diminuir um pouco o impacto da queda. Em segundos estava recuperada, sentando-se devagar para ter certeza de que não se ferira. Fora a dor na perna direita, não sentia mais nada, então supôs que estivesse tudo bem.

— Obrigada. — Ela disse fervorosamente. — Muito obrigada, a vocês dois.

Feral lhe deu uma lambida na bochecha em resposta, em seguida se aproximou do Tauros, agora já completamente dócil. O Houndoom habilidosamente começou a conduzir o touro de volta na direção do rebanho. Demetria, por sua vez, pousou no joelho de sua treinadora, olhando-a com preocupação. Desde que se conheceram na floresta de Santalune, o que Demetria mais temia era ver a mulher que a salvara se ferir.

— Está tudo bem. Eu estou bem. — Calista garantiu, estendendo uma das mãos para acariciar a cabeça de sua pokemon. Bem no topo, entre as antenas, onde sabia que ela gostava mais. — Parece que nosso destino é salvar uma à outra, huh?

Demetria assentiu devagar, e a jovem abriu os braços. A borboleta encolheu-se contra o peito de sua treinadora, exatamente como fizera no dia em que fora salva na floresta de Santalune. A morena retribuiu passando os dedos de leve pelo exterior de suas asas, cuja textura era suave como veludo e morna ao toque.

— Calista. Selina. Ketchum! — Uma voz furiosa soou, fazendo com que as duas se afastassem abruptamente. — No que diabos você estava pensando, sua garota irresponsável?

Calista ergueu os olhos para encontrar o olhar furioso de sua mãe, que se aproximava com Ash, Daisy e o professor Carvalho em seus calcanhares. O jovem moreno foi o primeiro a alcançá-la.

— Que droga, Caly! — Ele exclamou. — Você é louca de verdade ou o quê?!

— A ideia foi sua, maninho. — A morena rebateu, divertida, o que fez Dehlia dirigir um olhar furioso ao seu filho mais novo. — Além do mais, até que valeu a pena. Foi ... Divertido.

— Sua maluca! — Ash repreendeu. — Só propus a aposta porque achei que nem mesmo você seria doida o bastante para ir adiante com isso!

— Eu nunca volto atrás, Ash. — Calista o lembrou. — Desafio é desafio. Você aprendeu isso comigo desde criança, lembra? Se não puder vencer, caia tentando.

— Anda, sua demente. — O treinador kantoniano disse, estendendo uma das mãos para ajudá-la a levantar. — Vamos para casa. Você precisa mesmo descansar.

Calista aceitou o apoio de seu irmão e tentou se pôr de pé, mas não conseguiu. Ash teve que passar um braço em torno de sua cintura como apoio, e mesmo assim ouviu-a soltar um arquejo de dor quando tentou apoiar, por um breve instante, seu peso sobre a perna direita.

— Viu o que acontece quando se age sem pensar? — O moreno disse acidamente.

Calista riu e estava prestes a rebater com algum comentário jocoso, mas parou ao ver a preocupação nos olhos de seu irmão mais novo. Ao invés de dizer qualquer coisa, passou um braço pelo pescoço dele e lhe bagunçou os cabelos. Ash lhe deu um tapa na mão com a mão livre, mas não havia força no gesto.

O professor a apoiou pelo outro lado, o braço dele logo acima do de Ash, ao redor da cintura da jovem ferida. Ninguém falou enquanto o grupo seguia de volta para o laboratório.

Uma vez em casa, Ash carregou sua irmã mais velha escada acima e a colocou na cama. Não deixou de notar o pequeno gemido de dor que escapou dos lábios dela quando sua perna ferida tocou o colchão.

— Caly ... — A voz dele era baixa. — Me desculpe por aquela aposta. Foi uma idiotice.

— Está tudo bem, maninho. — Foi a resposta. — Fui eu quem insistiu em tentar montar o Tauros. A culpa é minha. Além do mais, teria sido divertido se não fosse por aqueles Zubats. Morceguinhos desgraçados! Como detesto aqueles pokemon!

Ash sentiu um aperto no peito. Era óbvio que Calista estava com dor, mas mesmo assim tentava não demonstrar. Mesmo assim fazia piadas para confortá-lo. Sabendo que era o que ela queria, o jovem forçou um pequeno sorriso.

— Zubats ainda são mais bonitos do que você. — O garoto zombou fracamente. — Sério, Caly ... Me desculpe.

— Sem problemas. — Calista sorriu, estendendo uma das mãos para pegar a de seu irmão e puxá-lo para perto, de modo a lhe dar um soco sem força na altura do estômago. — E eu totalmente venci a aposta, pirralho.

Isso fez Ash rir de verdade enquanto sentava na cama ao lado da morena. Uma das mãos dela descansou em seu joelho esquerdo, que estava mais perto, e o jovem permitiu o gesto.

— É. — Ele disse enfim, já mais bem humorado. — Acho que não dá pra discutir com isso.

A morena riu dessa resposta, mas se encolheu de dor logo em seguida. Vendo a expressão preocupada de seu irmão, ela lhe apertou o joelho em um gesto de conforto.

— Não se preocupe com a minha perna, ok? Não dói tanto assim. Eu posso aguentar. Daqui a pouco o remédio vai fazer efeito. Vem aqui, seu bobão. Eu sou a mais velha. Deixe que eu me preocupe por nós dois por enquanto.

Ash não respondeu, apenas pousou uma das mãos sobre a de sua irmã, que entrelaçou os dedos aos dele como fazia quando eram mais jovens e Ash tinha medo de monstros debaixo da cama. Pikachu pulou de seu ombro e foi deitar sobre o peito de Calista, que o acariciou com a mão livre.

O jovem se recostou contra a parede aos pés da cama, sem soltar a mão de sua irmã mais velha e foi assim que Dehlia os encontrou, cerca de uma hora depois. Os dois estavam dormindo a sono solto, Ash com a cabeça pendida sobre o peito. Pikachu os observava, vigiando atentamente.

— Ash. — Ela sussurrou, sacudindo o ombro do garoto para acordá-lo. — Ash, querido, acorde. Você vai ficar com dor se dormir assim.

Ele levou alguns segundos para abrir os olhos, pesados de sono. Dehlia repetiu a frase e o rapaz finalmente levantou, cambaleando até seu quarto seguido por seu fiel parceiro tipo Elétrico.

A mulher ficou ali mais um momento, parada ao lado da cama de sua filha mais velha. Enfim, como se tomando uma decisão, ela se inclinou e afastou com uma carícia as mechas escuras que caíam sobre o rosto de Calista. Bem devagar, como se temesse acordá-la, Dehlia lhe deu um beijo na testa antes de deixar o quarto.


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