Pokémon - Luz do Amanhecer escrita por Benihime


Capítulo 11
Um novo (mau) começo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/779704/chapter/11

 Os olhos de Calista se abriram devagar. Com a visão ainda borrada pelo sono, a jovem franziu a testa, não reconhecendo o teto branco. Ela sentou-se na cama devagar enquanto seus olhos se ajustavam, finalmente se dando conta de onde estava.

As paredes do quarto eram pintadas de um amarelo bem claro, quase cor de areia. Haviam prateleiras de madeira clara na parede oposta à cama, repletas de livros e bichos de pelúcia. Encostado na parede ao lado da porta estava o enorme guarda-roupa de cerejeira, e não muito longe da cama encontrava-se a janela decorada com cortinas brancas que dançavam na brisa, logo acima da escrivaninha de mogno.

Calista sabia sem precisar checar que a última gaveta da escrivaninha estava trancada, e que a chave estava escondida na tábua solta no fundo do guarda-roupa. Sabia que, dentro da Clefairy de pelúcia empoleirada quase fora de vista na estante, havia uma foto de seu pai escondida, a única que sobrevivera à passagem dos anos. Sabia que havia uma tábua solta no teto, perto da janela, onde costumava esconder os livros sobre treinamento pokemon que o professor Carvalho lhe emprestava.

Um cheiro doce se fez sentir, um que a morena logo reconheceu. Quase por hábito ela pulou da cama, alcançou a porta e a abriu, respirando fundo. Estivera certa. Eram panquecas de chocolate, suas favoritas.

— Caly. — A voz de Dehlia soou do primeiro andar. — Ande logo, dorminhoca, o café da manhã está pronto!

Calista riu consigo mesma. Era como ser transportada de volta no tempo. Quantas vezes havia ficado parada no corredor daquela forma, tentando adivinhar o que aconteceria quando descesse para o café da manhã, avaliando o provável humor de sua mãe antes de finalmente deixar seu quarto?

— Já estou indo, mãe. — A jovem respondeu.

A performer pokemon ainda hesitou mais um pouco no corredor, encarando a foto familiar pendurada perto da porta do quarto de sua mãe: Dehlia, Ash, Calista, Gary, Daisy e o professor Carvalho, sentados em uma toalha de piquenique na margem de um lago.

— Não é um sonho. — Calista sussurrou para si mesma. — Eu estou em casa. Não é um sonho.

A jovem balançou a cabeça com incredulidade. Era muito estranho estar de volta àquele lugar, depois de tantos anos, quando aprendera a odiar aquela casa tão intensamente. Pensara estar livre quando partira, tinha certeza de que jamais retornaria.

Não. Calista ordenou a si mesma. Não pense nisso. As coisas mudaram. Tudo vai ser diferente agora.

Sacudindo a cabeça para se livrar das lembranças desagradáveis, Calista foi se juntar à mãe na cozinha.

— Bom dia! — Dehlia cumprimentou sem se virar. — Até que enfim, preguiçosa. Seu irmão teve mesmo a quem puxar.

— Pare com isso mãe. — A jovem riu. — Posso ajudar com alguma coisa?

— Pode fazer o café enquanto termino aqui. Tudo ainda está no lugar de sempre.

A morena assentiu, lembrando-se de que sua mãe mantinha os grãos de café no armário à direita da pia. De fato, ainda estavam lá, e a cafeteira estava sobre a bancada à sua esquerda como sempre estivera. Nada havia mudado por ali.

— Então ... — A irmã de Ash inquiriu timidamente. — Como a senhora está se sentindo?

— Melhor. — Dehlia lhe lançou um breve sorriso por sobre o ombro. Já não sinto mais tanta dor. E a sua perna?

— Mais forte. Só preciso das muletas caso pretenda sair, agora. Posso andar sem ajuda por algum tempo.

— Ah, querida, isso é ótimo!

Calista se virou, apoiando-se contra a bancada para observar sua mãe. Era uma visão familiar: Dehlia fritando ovos, de avental cor de rosa, com os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo bagunçado.

A irmã de Ash se sentiu transportada de volta no tempo. Poderia ser qualquer manhã, em qualquer dia durante sua infância. Era quase surreal estar vendo aquela cena de novo, quando jamais sequer quisera voltar para casa. Pensar nisso a fez sentir uma forte pontada de culpa.

— Mãe, eu ...

— Caly, esqueça isso. — Dehlia interrompeu gentilmente, como se pudesse ler seus pensamentos. — Nós duas concordamos em começar de novo e resolver isso quando estivermos prontas. Seja paciente, filha.

Um Mr. Mime entrou na cozinha antes que Calista pudesse responder, acenando-lhe um olá. A morena pulou de susto e soltou um gritinho de medo, encolhendo-se inconscientemente ante a lembrança:

O Mr. Mime avança, seus olhos fixos nos meus. Eu recuo até sentir minhas costas encostarem contra a parede, me amaldiçoando por ter deixado minhas pokebolas no centro pokemon. Eu jamais devia ter sido tão burra de sair explorando sozinha.

Ergo os punhos, preparada para me defender como puder, quando um rugido e um poderoso Lança Chamas estremecem as paredes da casa abandonada.

Me viro na direção das chamas e, como já esperava, vejo IceFire vindo em minha direção a toda velocidade, furiosa com o pokemon que ousou me atacar.

— Fire! — Grito, aliviada. — Estou aqui, parceira!

Minha Charizard pousa, suas asas se abrindo enquanto ela se posta à minha frente, me protegendo com o próprio corpo. Mesmo de costas, posso dizer que ela está com as garras em riste, pronta para me defender. O rugido de IceFire é tão alto que cubro minhas orelhas com as mãos.

— Eu não sabia que você tinha um Mr. Mime. — A morena comentou baixinho, tentando esconder o tremor em sua voz.

— Oh, sim, ele me faz companhia. — Dehlia sorriu carinhosamente para o pokemon. — Mimey é uma grande ajuda por aqui. Espero que vocês possam se dar bem.

— Sim, claro. Com certeza.

Mas Calista nunca conseguira esconder nada de sua mãe. Dehlia notou o tom estranho em sua voz e virou-se para olhá-la.

— Algo errado, Caly? — A mulher de cabelos castanhos soltou uma exclamação preocupada ao reparar no estado em que sua filha se encontrava. — Querida, você está tremendo! O que aconteceu?

— Estou bem, mãe. — Calista garantiu, se esforçando para que sua voz soasse firme. — É só que ... Fui atacada por um Mr. Mime uma vez. Quase morri. Provavelmente teria, se IceFire não tivesse me salvado. Digamos que eu não ... Não gosto muito deles desde então.

Mimey pareceu chocado ao ouvir aquilo, balançando a cabeça com veemência como se dissesse que não era como aquele outro Mr. Mime que a atacara.

O comportamento do pokemon a lembrou tanto de Ash quando criança, sempre que tentava se livrar de alguma encrenca, que a morena não conseguiu se conter e lançou-lhe um sorriso tímido. Mimey pareceu relaxar com o gesto, e saiu rapidamente.

Dehlia, porém, tinha os lábios contraídos em uma linha fina e a testa franzida. A jovem performer suspirou, cansada. Conhecia aquela expressão bem até demais. Era a expressão que sua mãe sempre fazia quando estavam prestes a discutir.

— É por isso que eu sempre disse que você não deveria ser uma treinadora. — A matriarca Ketchum declarou severamente. — É perigoso demais.

A morena ergueu os olhos, encarando sua mãe. Não era mais uma criança. Não desviaria o olhar.

— Bem ... — Rebateu acidamente. — A senhora não parece achar perigoso demais para o Ash.

— Claro que acho! — Dehlia protestou, sua voz subindo algumas oitavas. — Aquele menino me deixa quase doente de preocupação!

— Mas você o deixou ir.

— Bem ... Eu ... Eu ... Não é como se eu tivesse tido uma escolha. O professor Carvalho praticamente me obrigou.

— Ele também tentou interceder por mim, mas a senhora nunca cedeu.

— É diferente. Você é uma mulher. As mulheres são mais fracas, e muitas coisas podem acontecer com uma garota que viaja sozinha. Veja só o que aconteceu com você.

— Não posso acreditar que acabou de dizer isso, mãe! — Calista gritou, perdendo de vez a paciência e se pondo de pé em um movimento rápido. — Já percebeu que estamos discutindo pela mesma razão de antes? A mesma maldita razão! Quando a senhora vai mudar?

A morena girou nos calcanhares, furiosa, e seguiu para as escadas, mas Dehlia agarrou seu pulso. Toda a raiva desaparecera de sua expressão, substituída por uma súplica quase desesperada.

— Espere! Calista, eu sinto muito. De verdade. Isso não vai mais acontecer, eu prometo. Vamos ... Esquecer essa confusão toda, está bem?

— Mãe, a senhora sabe que não podemos. — A jovem foi firme, inflexível. — Não até que superemos o que aconteceu, e você admita que estava errada.

— Eu estava tentando te proteger! — Dehlia protestou, magoada. — Como isso pode estar errado?

— Você me trancou em casa por dois anos! Dois longos anos, mãe! Se isso não é errado, então eu não sei o que é!

— Eu não teria tido que fazer aquilo se você não fosse tão rebelde.

A morena fincou as mãos nos quadris, erguendo o queixo. Os anos passados a tornaram mais alta do que sua mãe, e Calista apreciou a oportunidade de olhá-la de cima, sentindo uma pontada perversa de prazer ao ver sua mãe recuar.

— Ah, então agora é minha culpa?! — A jovem rosnou, furiosa. — Apenas admita, mãe: sua razão pode ter sido válida, mas seus meios estavam errados. Muito errados. O que você fez foi doentio.

Calista nunca soube se foram suas palavras ou a aspereza em sua voz, mas Dehlia recuou tão subitamente que pareceu ter levado uma bofetada.

— Calista, eu ...

— Já chega. — A morena declarou com firmeza. — Não posso. Não tem como isso dar certo.

Calista soltou-se abruptamente e correu para o andar de cima, trocando de roupa rapidamente e voltando a descer as escadas, dois degraus de cada vez, agradecendo por ser forte o bastante para compensar o peso morto de sua perna ferida com o apoio dos braços. Dehlia estava sentada na mesa da cozinha, com o rosto enterrado nas mãos.

— Calista. — A voz dela soou abafada, num tom de absoluta derrota. — Eu estava errada. Sinto muito. Eu realmente sinto muito.

Calista parou na porta por um momento, encarando a figura desolada de sua mãe enquanto seus lábios se curvavam em um sorriso triste.

— Não, mãe. — A performer morena disse calmamente. — Você não sente, não.

Então a jovem saiu, cada passo fazendo-a detestar ainda mais aquelas muletas ridículas. Mas enfim alcançou o único lugar em Pallet onde sempre se sentira aceita e amada: o laboratório do professor Carvalho.

O próprio professor a saudou na porta, soltando uma exclamação de surpresa e preocupação ao ver o estado em que ela se encontrava. Ele não disse nada, não fez perguntas, simplesmente a guiou para dentro até seu escritório e fez com que se acomodasse no velho sofá de couro.

— O que aconteceu, Caly? — O velho pesquisador perguntou enfim, sentando-se à sua frente.

Calista respirou fundo, reconfortada pelo cheiro de couro e livros velhos. Passara muito tempo naquela sala quando criança, ela e Daisy, lendo ou desenhando em silêncio enquanto o professor trabalhava.

— Sinto muito. — A morena fungou e limpou as lágrimas com as costas de uma das mãos. — Sou ... Patética, não sou? Parece que não amadureci nem um pouco.

— Não, Lina. — Ele respondeu, balançando a cabeça em reprovação àquelas palavras. — Isso só a faz humana, minha garota.

O som daquele apelido, pelo qual só seu pai e o melhor amigo dele a chamavam, fez as lágrimas voltarem a arder em seus olhos. E o tom gentil na voz do professor foi o que bastou para que voltassem a cair livremente. Calista mordeu o lábio inferior com força, tentando se controlar.

O professor Carvalho a puxou delicadamente para si e a jovem se encolheu contra o peito dele, soluçando como uma garotinha, apreciando o conforto do único pai que conhecera desde que tinha sete anos de idade.

— Foi ela, não foi?

A voz do professor foi gentil. Calista tentou responder, mas o nó em sua garganta a impediu de falar. Ao invés disso, concordou com a cabeça. Samuel Carvalho soltou um profundo grunhido de irritação, seus braços envolvendo a jovem morena com mais força.

— Não chore. — Ele disse com carinho, embora sob a gentileza sua voz fervesse de raiva. — Não chore, Lina. Eu vou falar com ela mais tarde, ok? Sua mãe vai ter que me ouvir dessa vez. Isso ... Isso simplesmente não está certo.

Os soluços já haviam se acalmado àquela altura. Calista ergueu a cabeça, chegando a conseguir sorrir minimamente mesmo através das lágrimas.

— Ela não vai. — A morena disse baixinho, sua voz rouca pela crise de choro. — Ash e eu somos tão teimosos por um motivo, professor.

— De fato. — O professor correu uma das mãos pelos cabelos da jovem em um gesto paternal. — Mas também posso ser teimoso. Você vai ver.

— O que o senhor vai fazer?

— O que eu devia ter feito muitos anos atrás. — Foi a resposta. — Mas não se preocupe com isso agora. Fique aqui, vou fazer um chá para nós.

Calista assentiu enquanto Samuel Carvalho a soltava e saía do escritório. Quando retornou, encontrou a irmã de Ash adormecida no sofá. A crise de choro a exaurira, o que não era surpresa.

Devagar, o professor foi até a janela e fechou as cortinas para que a luz do sol não a perturbasse, recuando silenciosamente para fora do escritório. Antes de sair, parou na porta e deu uma última olhada na filha de seu melhor amigo.

Calista era uma garota forte, sempre havia sido, e ele sabia disso. Visitara Dehlia com Liam no hospital, na noite em que a morena nascera. E depois, quando o egoísta do pai dela pusera tudo a perder, assumira a tarefa de protegê-la. De muitas formas, ela se tornara a filha que nunca tivera.

Sabia que Dehlia errara com Calista anos atrás, e não permitiria que ela continuasse insistindo naquele erro que não traria nada além de dor simplesmente por orgulho.

Deixando a jovem ainda adormecida em seu escritório, o professor seguiu para a casa dos Ketchum. Era hora de ter uma conversa com Dehlia, uma que viera adiando por tempo demais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pokémon - Luz do Amanhecer" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.