Não consigo me lembrar sobre o que eu estava sonhando quando a aeromoça me acordou. Ela gentilmente tocou meus ombros, e me informou que havíamos chegado ao nosso destino: Dublin.

— Oh, that's true. Thank you..

Respondi, ajeitando os óculos na cara.

Não me pergunte como eu não acordei com o pouso brusco do avião. Sinceramente, não sei como sobrevivi tanto tempo sem ser assaltada, ao dormir profundamente em ônibus na cidade de São Paulo.

Uma breve espiada pela janela fez com que eu me sentisse em casa de novo. Aquela chuva fina desenhando na janela do avião. Conseguia sentir, do conforto da minha poltrona, o frio que estava fazendo lá fora ao observar os casacos pesados dos auxiliares da pista de pouso.

— Home.. - exalei com um sorriso esboçado no rosto, aliviada por ter sobrevivido às turbulências do Atlântico, e feliz por finalmente estar pisando na Irlanda novamente.

Levantei-me e dirigi-me à saída do avião.

A parte boa de ser a última a deixar essa geringonça, é que não tenho que ficar aguardando a saída dos passageiros mais lentos à minha frente. Cá entre nós, se tem uma coisa que me irrita profundamente, é gente lenta andando na minha frente.

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"Ah, graças a deus um cafézinho!" - pensei animada, ao constatar um Starbucks bem à minha frente e sem nenhuma fila. Olha que máximo!

— Morning. I'd like a capuccino, please.

— Yes, which size?

— Hmmm.. it could be the small one, please.

— No problem. Your name?

— Lina.

Enquanto o funcionário preparava o meu café, resolvi ligar meu celular e aproveitar para roubar aquele wi-fi esperto do aeroporto. Aproveitei para avisar à familia que estava bem e dar aquela geral no instagram.

Nada de novo. Fotos de comida, fotos de pet, fotos de casais que fazem questão de tornar pública sua intimidade para provar que são felizes, fotos de casais que realmente são felizes...

Fui retirada desse buraco negro, vulgo Instagram, pelo chamado do funcionário com meu capuccino prontinho. Peguei, agradeci e saí andando com o copo em uma mão, e o celular na outra, tentando fazer uma ligação fracassada pra casa pelo WhatsApp.

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Sofri pra achar a esteira em que deveria pegar a minha mala, como sempre, e me dirigi à saída do aeroporto. 

Parei um pouco antes da saída para abrir o pdf do meu e-ticket no celular, e descobrir a direção que deveria seguir dali pra frente. Eu estava indo para Cork, e como sou neurótica com organização em minhas viagens, já havia comprado, dias antes, a minha passagem de ônibus.

—  Lina..

— Eu! - respondi num impulso e virei a cabeça rapidamente para ver quem possivelmente havia me reconhecido no aeroporto de Dublin.

Você alguma vez já teve a sensação de o seu coração parar? Você olha pra pessoa e não consegue acreditar naquela maldita coincidência do destino de ter colocado você ali, naquele lugar, naquele momento. "Ah se eu tivesse andado um pouco mais rápido, ou um pouco mais devagar...", pensei.

—Hi.. is that really you? I mean, of  course it's.. what am I saying? How are you? It's been a long time since the last time I saw you.— disse ele, aparentemente um pouco nervoso e surpreso com aquela situação.

— Yeah, I'm fine.— pausa para aquele silêncio constrangedor - well, It's nice to see you again.. hm, but I'm really in a hurry. I should get going..— falei, virando-me apressada.

— Wait, wait... - ele falou, segurando meu braço, o que fez com que eu imediatamente me virasse - I was going to offer you a ride.

É incrível como nosso cérebro consegue recuperar toda a memória que temos de alguém em poucos segundos. O tom da voz, o perfume, o olhar. É como se, de repente, você revivesse tudo aquilo. Os momentos bons, leves e engraçados, mas também todas as mágoas que foram causadas. O que eu senti? Uma mistura de surpresa, alegria, e de vontade de esbofetear a cara dele.

— I bet we're not going same way. Where are you heading to?

— I'm not leaving Dublin tonight.

— Well, I'm going to Cork..so thanks, but...

— I'll take  you there.— ele respondeu prontamente

—It won't be necessary.— respondi, me desvencilhando. — I think we both know that this is not a good idea..

— Oh...you're still mad at me.— respondeu, um pouco desapontado. — It happened more than two years ago. Will you give me another chance to explain?

— I'm just out of a 14-hour flight. I'm sorry, but I'm really not in a mood to discuss a relantionship I don't have.— respondi, sarcástica. 

— Cause you don't want to.. 

— Cause you ruined it, Alex.

Encaramos-nos por alguns segundos.

Ele olha pra baixo, como se não conseguisse mais me encarar nos olhos depois do que foi dito.

— I guess...— retomei o diálogo, encarando-o nos olhos - ... I really need to go now. My bus is leaving in about 10 minutes. Hope to see you around. 

— Yeah..— ele respondeu, encarando-me de volta. Um olhar de alguém que, certamente, ainda tinha tanto pra falar. De alguém que queria se desculpar mais uma vez.

— Bye then.

Dito isto, virei as costas e parti. Reencontrar o Alex trazia à tona uma enxurrada de sentimentos pelos quais eu não esperava. Ele havia sido tudo que eu experimentara de melhor e de pior. O cara mais amável do mundo, e ao mesmo tempo um mentiroso descarado. 

De certo modo, as pessoas que mais nos magoam são as pessoas pelos quais temos mais apreço. É por isso que eu entendo quem tem um coração fechado. Entendo aqueles  que não querem se envolver.

Amor traz complicação demais. E cega. Quando você percebe quem o outro realmente é, a sensação é a de que derramaram um grande balde de água fria na sua vida. Um alerta, pra que você não se deixe levar e nunca mais permita que isso aconteça de novo.

E eu que tinha absoluta certeza que não queria vê-lo de novo, tô aqui suando frio e com uma nada leve palpitação. Estúpida oxitocina