Gassed escrita por Lux Noctis


Capítulo 1
Único




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“And so long as men die, liberty will never perish”



O cigarro estava nos lábios secos e entreabertos. A fumaça parecia ser a única coisa que aquecia seu corpo naquela noite fria e cinzenta. Os céus pareciam armar uma enorme tempestade, mas isso não o impedia de estar ali, no terraço enquanto mais um cigarro ruia aos poucos, tragada após tragada enquanto os pulmões se permitiam intoxicar. A nicotina mentolada não trazia menos estragos, apenas um novo sabor ou dissabor. 

A fumaça tão bem envolvia-se ao vento noturno somado ao dióxido de carbono que por si só já transformava o ar em algo que se enxergava. Mais um poluente não faria mal, não quando era ele a sair ferrado.

Tocou os lábios secos quando retirou o cigarro da boca, soprou a fumaça concentrado no horizonte de luzes acesas nos prédios próximos, que se faziam tão distantes pela falta de foco. Mais um, ficaria ali por apenas mais um cigarro. Era tudo o que precisava, ao menos era tudo o que poderia ter ali.

A guimba fora descartada no cinzeiro que mantinha ali próximo ao parapeito, onde agora debruçava-se olhando para baixo. Tão alto… tão distante de tudo. Ali parecia que seus problemas não poderiam lhe alcançar. Nada parecia grande o suficiente para tirá-lo da graça. Então fechou os olhos, sentindo o vento tocar o rosto de modo diferente, alertando-o que logo a chuva viria, e não seria pouca. Ainda assim permaneceu calmo, tateando os bolsos da jaqueta e da calça, por fim achando o maço de cigarros e o isqueiro que ficava na capa plástica. 

Não era preciso os olhos abertos para fazer algo que, de dias para cá, era tão fiel à seu cotidiano. Colocou o cigarro novo entre os lábios, ainda debruçado no parapeito, uma perna cruzada sobre o tornozelo da outra. Pegou o isqueiro levando-o frente ao rosto enquanto a mão livre ocupava-se agora num bloqueio frente à chama que fazia arder a pele da palma. Uma tragada e então moveu a mão fechando o isqueiro, apagando a chama que trazia certo alento. 

Ainda não era hora, ainda não! Por isso por mais que sentisse os olhos arderem, não se permitiu trazer a eles a solução que cabia. Apenas soprou a fumaça e jogou a cabeça para trás enquanto guardava o isqueiro na capinha plástica do cigarro, e então levava o combo ao bolso, mantendo-o próximo e seguro. Ao menos algo tinha de ser mantido em segurança, não? Algo ele teria que conseguir cuidar.

E então veio a chuva. E então vieram as lágrimas. Em igual tom cristalino, porém muito mais carregadas que o temporal que descortinava. Não correu para se abrigar, não parou de fumar aquele cigarro de um maço que sequer o pertencia. Mas levou a mão ao maço e ao isqueiro, apertando-os contra o corpo como se fosse algo mágico que tirasse sua dor. 

Fechou os olhos sem saber o que corria por seu rosto, se chuva ou lágrima. Afastou-se do parapeito, notando como o céu curiosamente parecia mais claro em meio à tempestade.

—  157 em andamento, algum oficial na escuta? Câmbio. —  o pequeno rádio por satélite era ouvido, mesmo com toda a chuva que caia, mesmo que em certa distância, já que seu equipamento estava sob a proteção de telhados à alguns metros de distância. —  Repito, 157 em andamento. Alguém na escuta?

—  Hawks na escuta. —  aproximou-se a passos largos, deixando o cigarro cair entre os dedos até encontrar abrigo no chão ensopado. Passou a mão nos cabelos, penteando-os para trás de modo brusco enquanto piscava mais forte para que dispersasse as lágrimas que tinha coragem de derramar apenas em meio à chuvas torrenciais.

 

Era essa a sua vida agora, arriscar-se para deter criminosos, agindo de modo impulsivo, fumando e se permitindo amargurar com o passar do tempo. A profissão onde se fosse preciso, daria a vida para proteger um inocente. Profissão que  impediu de estar perto daquele que era seu mundo, sua casa e sua família. Profissão que o fez ficar de fora das investigações que causaram em sua casa um grave incêndio, destruíndo não só o prédio mas os planos de viver uma vida feliz ao lado de seu companheiro, Dabi. 

Vivia por resquícios, fragmentos de momentos que sabia não mais importar, ou contar. Fazia a sua rotina conforme era a rotina do outro, cigarros, café sem açúcar, certo sarcasmo e uma pitada de frieza. Intoxicado com o gás que o fazia achar que aquela vida estava apenas esperando para deixar de existir. 

Enquanto descia as escadas do prédio, permitiu-se acender mais um cigarro e ao levá-lo aos lábios teve a sensação de mais uma vez sentir aqueles lábios nicotinados aos seus. Intoxicava-se enquanto tentava apenas não sofrer.


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