Cabo Amaral escrita por P B Souza


Capítulo 2
Olha o que a maré trouxe


Notas iniciais do capítulo

Bem-vindos à Cabo Amaral a cidade que é tipo a Upper East Side, a Rosewood, o Orange County, o Monterey, do Brasil!!!
Aqui tudo é possível, é o sonho virando realidade, ou o pesadelo :)



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— Pode ser aqui.

— É o coração da cidade pelo que dizem. — O motorista havia parado o caminhão no semáforo. As ruas ali estavam apinhadas.

— É o que parece ser.

Marcelo agradeceu o motorista que ainda lhe deu cinquenta reais e desejou boa sorte.

Então ele desceu do caminhão que lhe dera carona até ali, o semáforo se abriu e o motorista se tornou só mais um no passado. Aquele lugar ali, Cabo Amaral, ali era o futuro.

Era uma encruzilhada onde havia descido. Uma pequena praça repleta de mesinhas e cadeiras de madeira se estendia na sua frente como um barzinho a céu aberto, todas atendidas pelo casarão na frente da praça, onde do terceiro andar uma massa visceral do animal se estendia com janelas no corpo e duas janelas redondas como as de navios, faziam os olhos da cabeça do animal no segundo andar, de cada lado da cabeça havia um letreiro neon “Lula” e “vermelha” brilhavam na noite, iluminando até mesmo a praça.  Os tentáculos da “lula-vermelha” se espalhavam pela fachada do casarão até o chão onde alguns deles formavam bancos, outros se fundiam em postes coloniais de ferro e lançavam luzes piscando em tons vermelhos, roxos, lilás.

Entre os postes havia cordinhas com decorações como ancoras, velas de navios, peixinhos de plástico e sextantes, no meio da praça havia até um círculo de tijolos de barro onde troncos mostravam a existência de uma fogueira, mas não estava a arder hoje. A avenida principal tinha seis faixas, três em cada sentido, mas só duas utilizáveis já que de ambos os lados a faixa ao lado da calçada era como estacionamento já que não havia um estacionamento de fato ali. As ruas que cortavam a avenida principal uma levava para oeste às casas e a outra levava para Leste à costa, o mar estava próximo e Marcelo podia até mesmo ouvir as ondas entre a voz das pessoas e a música.

Tocava Marília Mendonça e tinha casais dançando, o clima era agradável demais, os garçons iam e vinham com litros de cerveja na maior parte do tempo, na lateral uma chaminé saia do casarão de estilo barroco e o cheiro de maresia se misturava com o cheiro de churrasco.

Marcelo atravessou a praça olhando para as pessoas enquanto segurava sua mochila nas costas com seus poucos pertences e tentava achar o que faria agora. Uma vida nova, ninguém te conhece, é perfeito.

Dentro do casarão havia o balcão principal repleto de banquetas onde drinks eram servidos diretamente, ali o cheiro do churrasco era ainda mais forte e sua barriga roncou, não conseguia se lembrar a última vez que comera um churrasco de verdade, cresceu pobre e esse tipo de coisa era caro demais para quem não sabia se teria arroz no dia seguinte. Marcelo se sentou no balcão e balançou a mão, em menos de minuto vieram lhe atender, ele sequer percebia, mas sua expressão era de felicidade, por algo banal, mas tão significativo.

— Uma latinha de Skol. — Pediu, com o dinheiro na mão.

— Acerta depois chefe. — O barman disse piscando para ele. Se virou e enquanto balançava os ombros na batida da música voltou com duas latinhas. — Novo na cidade?

— Como sabe?

— Todo mundo conhece todo mundo aqui. — Ele disse e colocou as duas latinhas na frente de Marcelo. — Essa é da casa, boas-vindas a Cabo Amaral, marujo!

E foi dançando nos seus passos atender outro cliente.

*****

Já na quinta latinha, Marcelo estava encostado no começo do balcão, entre o balcão e a parede, conversando com um dos barmen e petiscando uma porção de batatas fritas.

Contou que estava ali começando de novo a vida, buscava oportunidade porque na cidade grande não era assim como falavam, São Paulo podia ser a terra das oportunidades, mas para Marcelo havia sido a terra da desgraça, aquela selva de concreto triturava os espíritos, até os fortes. O barman concordou com tudo o tempo todo, educado e sorridente.

— O que tá pegando ali?

Disse uma hora.

Marcelo olhou para trás, para fora do casarão onde uma discussão parecia ter tomado forma.

A conversa foi se acalorando lá fora e os ânimos tornaram-se voláteis. Um empurrou o outro e os barmen do Lula-Vermelha avançaram contra os dois. Marcelo assistiu atento e percebeu que um dos homens na discussão era, na verdade, um barman.

Depois da confusão resolvida as pessoas começaram a esquecer depressa e voltaram para as músicas e bebida, mas abrindo espaço para um homem em questão. Todo mundo pareceu olhar para aquele cara como se ele fosse o cara. Marcelo não entendeu, mas também não se importou. Continuou no seu cantinho até que seu barman da noite voltou.

— Tá vendo aquele ali. É o Cegrado, ele é dono de metade da cidade. — O barman jogou seu pano no balcão e então pegou a latinha de Marcelo, tomou um gole. — Que desgraça, logo hoje ele foi arrumar encrenca, e na frente do maldito Cegrado.

— Nada que amanhã não resolva, certo?

— Só se tiver uma máquina de voltar no tempo.

— Se achar uma dessas; eu preciso. — Marcelo riu.

Os dois trocaram olhares por aquele breve momento. O barman então se endireitou e olhando para o teto como quem faz cálculos, foi baixando a cabeça e apontando para Marcelo.

— Você precisa de um emprego, não é?

— Não acho que o rapaz lá mereça…

— Por isso eu sou o chefe, quem acha aqui sou eu. — O barman, de repente não era mais barman. Como eu não percebi antes? — Quer ou não quer o emprego, sangue-novo?

Marcelo olhou para o lado, o Cegrado estava encostado de costas no balcão, olhando as pessoas e segurando um copo de uísque na mão. Usava aquela jaqueta corta-vento branca com punhos e colarinho vermelho, calças jeans escuras e um sapatênis branco, ele era alto e os cabelos penteados em um topete bem millennial.

Marcelo pensou naquele momento na sua vida, as oportunidades raras e onde queria ter chegado, o topo do topo, novos-milionários, os sonhos de uma criança que cresceu na Favela do Moinho nos Campos Elísios, olhando os arranha-céus crescerem enquanto os próprios sonhos só diminuíam, conforme crescia em tamanho diminuía em espírito, reduzido ao animal acuado que eram eles ali no moinho. Olhando o Cegrado, Marcelo via não onde estava, mas onde um dia tinha desejado chegar.

Agora com vinte e cinco anos já sabia que nunca mais conseguiria chegar lá, mas podia recomeçar ali, naquela oportunidade as custas da desgraça alheia, se não fosse ele ocupando o lugar do barman demitido, outro o faria. Eu preciso disso, talvez só disso e tudo vai melhorar.

— Eu quero! — Respondeu por fim, dando o primeiro passo para sua nova vida.

O dono do Lula-Vermelha então sorriu e pegou uma garrafa de cachaça Janaina e copinho de shot.

— Então comemora, sangue-novo. Hoje é o último dia de porre! — Com um tapa no ombro deixou Marcelo ali e foi atender às demandas do casarão.

Precisara morrer em São Paulo, mas finalmente renasceria em Cabo Amaral.


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Notas finais do capítulo

To quase equipe rocket; preparados para encrenca? Encrenca em dobro?
Cegrado e Marcelo na mesma cidade. Coisa boa não pode sair! kkkkk
Ai que vontade de contar tudo, mas nos vemos no próximo capítulo bj de luz, e cuidado com a maré!



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