Família Hatake - MenmaNG escrita por Teleya Inshinda


Capítulo 5
Laços




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Usagi havia completado dois anos poucos meses atrás e, para tormento do pai, a criança esperta e risonha começava a se tornar birrenta e cheia de vontades. Naquele momento tentava simplesmente vestir uma calça em seu coelhinho, que esperneava recusando-se a deixar colocar a roupa em suas perninhas gorduchas. “Não, não, não”, era somente o que ouvia da criança de uns tempos para cá. Estava enlouquecendo e desconhecia o porquê de tanta negação. Sabia que era só com ele, já que com Iruka presente os horários eram cumpridos, choradeira na janta nem pensar, as roupas não voavam por todos os lados. Queria muito ligar, queria pedir socorro, mas se fizesse sabia que teria de pedir desculpas e isso estava fora de cogitação.

Derrotado, liberou Usagi para que escolhesse a própria roupa, enquanto relia as anotações que havia feito durante sua pesquisa na biblioteca. Ao que tudo indicava, Usagi passava por um período chamado “adolescência do bebê” que é o momento em que a criança passava a entender que poderia ter suas próprias vontades e fazia tudo para reafirmar essa independência. O livro aconselhava a dar escolhas aos pequenos, mas com certo controle. O grande problema era que Kakashi não fazia ideia do que isso queria dizer. Até pouco tempo atrás, seu trabalho com a cria se resumia em dar muito afeto e atender suas necessidades fisiológicas, talvez um pouco de disciplina, mas a educação ficava quase que integralmente por conta de Iruka, que parecia feliz em desempenhar tal papel. Tudo mudou quando eles “terminaram”. Como se termina um relacionamento sem que haja de fato um relacionamento ele não sabia dizer.

— Eu vou de shote, papai. — Usagi puxou a manga da blusa de Kakashi mostrando que estava com a roupa pronta para sair.

— Você demorou tanto que já perdemos a melhor hora na pracinha, quando está vazia e posso tirar um cochilo sem as crianças jogando pedrinhas em mim. — apesar das reclamações levou o filhote aos braços com um sorriso bobo. A cada dia que passava estavam mais parecidos, os cabelos antes branquinhos agora eram acinzentados como os seus e uma bela pintinha decorava a região do queixo igualzinha a sua. Somente os olhos ainda eram idênticos aos da mãe, mas isso já não lhe incomodava mais. — Hoje você vai finalmente conhecer um velho amigo do seu papai.

— O titio Iluka vem, papai? — Todos os dias a mesma pergunta e a mesma resposta, que deixavam ambos os Hatakes de olhos tristes.

— Hoje não, mas quem sabe amanhã.

— Amanhã não quelo. — emburrou com os braços cruzados e as bochechas infladas, mas nada que uma pequena corridinha no colo do mais velho não fosse capaz de curar. Usagi adorava velocidade e altura.

*     *     *

Ser Hokage já é por natureza um motivo de atenção nas ruas de Konoha, quem dirá ser bonito, solteiro e estar acompanhado de uma criança sorridente que retribui a todos os acenos de cidadãos simpáticos. Por isso Kakashi odiava sair perto do horário de almoço, não conseguia dar dez passos sem ser parado principalmente por mulheres muito solícitas e cheias de histórias para contar. Definitivamente odiava toda aquela atenção, então usava toda sua habilidade ninja para ser furtivo, caminhando entre as árvores, usando cada sombra que podia para se esconder dos olhares atentos, até finalmente alcançar seu destino.

A clareira era adornada com banquinhos de metal ou de madeira onde os responsáveis podiam sentar para conversar enquanto as crianças corriam livremente pela grama. Também era muito comum ver animais de estimação se lagarteando ao sol, ou famílias inteiras fazendo piqueniques sobre toalhas estendidas ao chão.  No entanto os planos do Hatake eram outros. Encontrar uma boa árvore nas redondezas, onde poderia acampar em um dos galhos, a salvo dos bons samaritanos que poderiam querer compartilhar suas histórias entediantes com ele, e o que era ainda melhor, onde poderia reler um de seus livros favoritos sem interrupções.

Encontrando o que desejava, libertou Usagi de seus braços, mas antes que a criança fosse atraída por alguma distração qualquer, Kakashi lhe disse que apresentaria um novo amiguinho. Só precisou de um pouco de sangue e alguns movimentos de mão e ali estava, um pequeno cachorro franzido de expressão mal-humorada. Pakkun, um pug de pelos castanhos claros, focinho e orelhas mais escuros, uma das invocações do Hatake.

— Fala, Kakashi, quanto tempo que não nos vemos. Virou Hokage e esqueceu dos amigos, não é, seu convencido?

— Cachorro! — Usagi observava sem coragem para se aproximar.

— Queria que fosse só isso, mas deixa pra lá. Pakkun, quero te apresentar alguém muito importante para mim. — apontou na direção de Usagi que parecia estar em estado de euforia ao ver o cão falante. — Acho que pela semelhança já deve imaginar quem seja.

O queixo do cão foi ao chão ao mirar a versão júnior de seu amigo. Mesmo sem que houvesse necessidades, decidiu cheirar o pequeno filhote e se certificar de que era mesmo uma criança e não um truque de Kakashi, já lhe parecia inacreditável que ele tivesse se tornado pai.

— Rapaz, não acredito no que meus olhos me mostram. É seu mesmo? Com quem foi? Por que não me falou disso antes? — Demasiadas perguntas para pouca disposição para papo na concepção do outro.

— Eu chamo Usagi Hataki, cachorro.  — Com um pouco mais de confiança, Usagi começou a afagar as orelhas do novo amigo.

— Digamos apenas que ter filhos nos deixa sem tempo. E você também não ia gostar de brincar com um bebê, eles só babam e choram. Agora já dá até pra conversar. Bem divirtam-se. — Ele acenou para ambos.

— O que quer dizer com “divirtam-se”?

— Quero dizer que você deve manter meu coelhinho longe de perigos. Não vai ser nada difícil para alguém com seu treinamento. Até mais.

Antes de qualquer outro protesto, Kakashi já havia sumido. Pelo cheiro Pakkun sabia exatamente onde estava e que não era longe, mas não acho que seria tão ruim passar um tempo com o mais novo Hatake da família.

*     *     *

As primeiras duas horas passaram rápido. Pakkun estava exausto de correr atrás não somente de seu protegido, mas de todas as crianças com quem havia feito amizade. Não era de se estranhar, afinal de contas um cão falante chamava atenção — aos que se comportavam direitinho, ele concedia o benefício de acariciar as almofadinhas de suas patas que, segundo ele, eram muito macias.

— Acho que já é hora de encontrar o preguiçoso do seu pai. Você deve estar com fome não é, Usagi? — Ao concluir a pergunta franziu ainda mais sua testa enrugada, confuso.

Entre as crianças ao seu redor, nenhuma era a de seu interesse. Em algum momento de distração, aparentemente Usagi afastou-se de suas vistas e não importava por onde olhasse, o menino não estava.

Aquilo poderia ser um problema se não fosse por seu olfato bem treinado que já havia registrado o cheiro necessário. Seguiu a trilha desejando apenas que nada tivesse acontecido à criança no tempo em que a perdera de vista. A única coisa a atrapalhar sua busca, no entanto, era a enorme quantidade de gente querendo a todo custo acariciá-lo, alimentá-lo, jogar-lhe bolinhas. Ao que parecia os ninjas de hoje em dia não tinha respeito por um niken (literalmente “cão ninja”).

*     *     *

Não muito distante dali, Usagi se embrenhava em sua primeira grande aventura solo. Em sua imaginação juvenil, estava fazendo como o pai nas histórias que os mais velhos lhe contavam, quando na verdade apenas andava bravamente por entre as árvores, arrancava folhinhas dos arbustos e atirava pedrinhas e gravetos em criaturas imaginárias.

Se continuasse seguindo por este caminho, encontraria o portão principal da vila poucos metros à frente e, com sorte, os porteiros reconheceriam a cria do Hokage, porém algo chamou a atenção da criança que correu de volta a clareira, mais precisamente, invadiu uma toalha de piquenique.

— Olá, quem é você, pequeno? — A moça gentil que sorria para Usagi era Hinata Inuzuka. — Eu acho que já te vi em algum lugar.

— Eu chamo Usagi Hataki, tia. — Com a curiosidade a mil, abriu a cesta da família sem cerimônias.

— Opa, opa. Não mexe aí, menininho levado. — Kiba ergueu Usagi a cima da cabeça arrancando vários risinhos. — Se é Hatake é o filho do sexto.

— Ah, verdade, amor. Acho que já o vi passeando com o Iruka sensei algumas vezes. — Ela afagou os cabelos ouriçados de Usagi.

— Gosta de cachorro? Quer andar em um cachorrão? — Kiba acenou para Akamaru que deixou a criança montar em suas costas, para sua alegria.

Ao ver a criança que brincava com os pais, o tímido Akita, único filho do casal Inuzuka, se aproximou, reconhecendo o novo coleguinha. Ele tinha pouco mais de três anos, era quieto, muito comportado para a idade, parecia ter herdado boa parte da personalidade da mãe e raramente se introzava com estranhos.

Logo as crianças criaram suas próprias brincadeiras. Usagi lançava as ideias mirabolantes em sua euforia típica, enquanto Akita pacientemente dava as regras e coordenadas não apenas para seu amiguinho humano, mas também para os cinco filhotes do Akamaru que pareciam entender as crianças com perfeição.

*     *     *

O choro de Usagi doía os ouvidos não apenas de Pakkun, mas de todos ali presente. A criança se recusava aos berros deixar o novo amiguinho, enquanto segurava no pescoço do menino ligeiramente mais alto que ele. Hinata ajeitava o cabelo, constrangida com os olhares curiosos lançados para eles, enquanto Kiba tentava explicar o porquê do menino dever acompanhar o cachorro de volta para o pai.

— E se eu fosse com o Akita até o pai dele, amor? — Foi o pai Inuzuka o primeiro a pensar em um meio termo para a situação.

— Não sei não, Kiba. Já está tarde e o Akita nem almoçou.

— Que isso, Hina. O Kakashi não pode estar longe. Só vamos ali e já voltamos. — Ele colocou ambas as crianças sobre as costas de Akamaru que latiu em apoio. — Criança faz isso mesmo. O Akita também quer ir, não é?

O menino assentiu com um sorrisinho travesso e escondeu o rosto nas costas do outro todo coradinho. Não restou opção a Hinata a não ser concordar, mesmo que sua expressão deixasse claro o descontentamento. Naquele momento só desejava estar em casa para bater um bolo para o lanche da tarde.

Os cinco partiram em seguida, seguindo o cão que indicava o caminho enquanto tagarelava sobre seus feitos na vida ninja para Kiba que demonstrava grande interesse, vez ou outra parando para ouvir também.

*     *     *

Algumas semanas mais tarde, Kakashi ainda tinha sérios problemas com o comportamento de Usagi que parecia agravado pela constante mudança de babás, já que por um motivo ou outro acabavam deixando o trabalho, fosse por vontade delas ou dele. Mas não foi pela criança que ele decidiu jogar a toalha naquela tarde chuvosa e ligar para Iruka. Na verdade sentia falta das conversas após o jantar, dos pés gelados que disputavam o sofá, até mesmo das reclamações constantes que haviam sido motivo para a briga que os separou. Pegou o telefone decidido a deixar o orgulho de lado e pedir desculpas ao outro.

O telefone tocou, tocou e nada do Umino atender, o que trouxe certa revolta ao Hatake. O que ele poderia estar fazendo em um dia de folga com um tempo horrível como aquele? As respostas que vieram a sua mente não foram nada agradáveis e mesmo sabendo que não tinha direito algum de esperar que Iruka estivesse sozinho naquele dia, o ciúme velado o fez bater o fone no gancho e abolir o desejo de se reconciliar.

Usagi brincava no chão da sala, empilhando blocos sem maiores preocupações, despertando grande inveja no pai que não conseguia se desvencilhar dos pensamentos irritantes sobre seu “amigo”. Nem mesmo a leitura de um novo conto erótico que lhe havia sido altamente recomendado pelo dono da livraria o manteve entretido.

— Usagi, que tal vir tirar um cochilo com o papai? — implorou aos céus para que a criança comprasse a ideia, mas ainda eram quatro da tarde e o Coelhinho parecia longe de estar com sono. Muito pelo contrário, corria pela sala agora derrubando os muros que havia construído.

— Não quero! — A criança correu após sentenciar veementemente.

Deixou a cabeça cair sobre uma almofada, mas se controlava para não adormecer, sabendo o quanto poderia ser perigoso caso Usagi ficasse sem supervisão por mais que alguns minutos. Seus esforços, porém, foram em vão e em poucos minutos ele se viu mergulhado em um sonho bastante caótico envolvendo Iruka, a mãe de Usagi, um dia na praia e o jutsu dragão de água.

Apenas despertou ao ouvir batidas persistentes na porta da frente, que pensou seriamente em ignorar. Antes que tomasse alguma decisão sobre a inoportuna visita, a porta se abriu revelando um rosto bastante familiar, completamente encharcado pela chuva e bastante irritado.

— Você NUNCA tranca a porta? — Iruka esbravejou. O chão ao seu redor formando uma poça em seus pés.

— Quem seria doido de invadir a casa do Hokage. — Ajudou com a jaqueta molhada e fechou a porta. Dividia-se entre o que desejou falar mais cedo ao telefone e as paranoias que havia alimentado durante a tarde.

— Deixe me pensar... Alguém que quer matar o Hokage, sequestrar o Coelhinho, talvez algum dos seus amigos coloridos. — Deu um pequeno sorriso na ultima palavra.

— O que te trouxe aqui debaixo desse temporal?

— Senti saudades.

O beijo que se desenrolou em seguida foi uma iniciativa de ambos. Os corpos se chocaram no abraço, Kakashi estremeceu com a água fria das roupas de Iruka, as mãos em suas costas trazendo-o o mais perto possível.

— Pera... Saudades minhas ou do Coelhinho? — Kakashi se afastou o suficiente para encarar o rosto incrédulo do parceiro.

— Idiota. — Ele empurrou Kakashi e saiu andando casa adentro, com a liberdade de quem há anos entrava ali, seguiu direto ao banheiro onde entrou no chuveiro de roupa e tudo e sentou no chão aliviado pelo frio que ia embora. — É claro que eu senti saudades do meu bebê. Por sinal se a gente brigar de novo, exijo divisão da guarda. Só que eu to falando de você, seu idiota.

— Iruka, olha...

— Não! Espera. Eu quero me desculpar.

— Você? — Kakashi ergueu ambas as sobrancelhas e entrou debaixo do chuveiro, ocupando um lugar ao lado do Umino.

— Droga! Agora você não vai poder buscar a roupa pra mim.

— Isso é mais importante. Prossiga...

— Certo. Eu pensei bastante e apesar de todas as minhas reclamações serem bem justas, eu não deveria ter surtado daquele jeito. Você é teimoso, bagunceiro, descompromissado...

— Ei! Achei que ia pedir desculpas!

— E eu vou. A questão é que eu exagerei reclamando sem parar. Até porque acho que no fundo eu... — Pigarreou procurando as palavras. — Acho que eu estou incomodado com essa coisa de amizade colorida.

Kakashi bateu de leve a cabeça no azulejo atrás deles.

— Eu não estou te cobrando uma relação, não precisa ficar assim. Eu só estou explicando...

— Não. Não é isso. — Deu um beijo e se levantou correndo. — Já volto.

— O quê? VAI MOLHAR A CASA TODA!

*     *     *

Ele voltou alguns minutos depois, seco e trazendo duas toalhas limpas debaixo do braço. Enquanto esteve só, Iruka teve tempo suficiente para elaborar duas hipóteses para a fuga do Hatake, a primeira era de que ele queria evitar qualquer assunto relacionado a compromisso, a segunda e mais provável era que ele havia esquecido do Coelhinho e, a julgar pelo silêncio, a criança estava aprontando.

— Onde ele estava?

— Domindo...

— Onde, Kakashi?

— Cozinha. Está tudo coberto de farinha.

Os dois começaram a rir da situação. Em outro momento, aquilo seria motivo para uma discussão, mas depois de tantos meses separados, ambos só queriam matar aquela saudade irritante.

Quando os beijos casuais e as noites descompromissadas começaram a se tornar mais do que um alivio para necessidades do corpo e se tornaram a própria necessidade, Kakashi não sabia dizer, mas pensava que fosse como fosse não queria Iruka longe por tanto tempo outra vez.


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