Projekt FORSH escrita por Raquel Severini


Capítulo 2
Capítulo II: 교사와 학생


Notas iniciais do capítulo

Apresentando o Kyo ♥
Espero que gostem do capítulo!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/778693/chapter/2

 II. Aluno e Professor

24/01/2046, Coreia do Sul, 5:49am.

— Todos pro chão! Eu disse, pro chão! – Um militar com cerca de quarenta anos gritava.
Olhando ao redor, o cenário era caótico. Uma guerra em meio a uma nevasca. A neblina impedia que se enxergasse um palmo a frente do nariz e o som de tiros, gritos e bombas ecoava por todos os lados. Eu estava escondido atrás dos destroços de um prédio em chamas, segurando uma arma com mãos que não pareciam as minhas. Cerca de oito ou dez soldados se agrupavam ao meu lado, todos abaixados atrás de barricadas ou pilastras de concreto. Tiros vinham em nossa direção a todo momento, perfurando as paredes, errando o alvo por centímetros de distância. O soldado ao meu lado, um rapaz com cerca de vinte anos, foi atingido de raspão no rosto. Ele caiu, segurando a parte afetada com uma das mãos. Abaixei-me ao lado dele, agarrando-o pelos ombros.

— Adrian! Adrian! Você está bem? – Berrei, mas a minha voz não era minha. Era a voz de uma mulher.

A gengiva dele estava à mostra. Todo o lado direito de seu rosto havia sido dilacerado pelo projétil, inclusive seus dentes e metade da língua.

— Eu vou te tirar daqui! – Gritei, em desespero.

Ajudei o soldado a se levantar e cambaleamos juntos para a retaguarda. Uma nova bala o atingiu, dessa vez na perna. Adrian berrou de dor, arrebentando ainda mais a própria bochecha. Todo o peso de seu corpo foi jogado para cima do meu subitamente, mas lutei com unhas e dentes para mantê-lo de pé.

— Não desista! Vamos chegar ao posto médico! – Pedi, arrastando-o. – Vamos!

Abaixem-se!— A mesma voz de antes gritou.

Tudo aconteceu tão rápido que não tive tempo de perceber. Um morteiro atingiu o prédio em que estávamos nos abrigando, arremessando pedaços de aço e concreto para todos os lados. Pude sentir o calor queimando minha pele e a força do impacto jogando a mim e a Adrian para longe. O corpo dele, que estava atrás do meu, acabou absorvendo a maior parte da onda de choque. Pude presenciar, com horror, o momento em que seus membros foram arrancados e voaram em diversas direções.
Então foi a minha vez. Minha cabeça se chocou violentamente quando atingi o chão. Meus ouvidos não escutavam nada senão um apito agudo. Meus olhos se fechavam lentamente, encarando uma poça do meu próprio sangue, espalhando-se cada vez mais, em contraste com a neve. A última coisa que vi foi o pneu de um carro, que estacionou bem ao meu lado. Na calota observei meu reflexo, mas não era eu. Era o reflexo de uma mulher que eu nunca havia visto antes.

O som do alarme tirou Dosakyo Komei de seus pesadelos. Completamente ensopado e sentindo calafrios pelo corpo, respirou fundo antes de desligar o relógio, que marcava seis horas em ponto. Ele vinha tendo esse tipo de pesadelo todos os dias, como se estivesse preso em uma espécie de filme de terror.
Espreguiçou-se lentamente, tentando afastar a tensão dos músculos e então se levantou. Sua casa não passava de um pequeno cômodo nos arredores de Seul. A cozinha era divida com a sala e havia apenas um banheiro. Alongando-se enquanto caminhava, percorreu o corredor, passando por uma centena de troféus e medalhas empilhados de forma desordenada. Ligou a TV em um canal qualquer e dirigiu-se ao minúsculo reservado, abrindo a torneira do chuveiro. A medida em que se despia, podia ouvir o barulho de um desenho animado, mas sua mente estava cansada demais para prestar atenção.

Dosakyo entrou sob a ducha quente, silenciando todos os sons ao seu redor. Encarando seu próprio reflexo dentro de um pequeno espelho colocado no box, suspirou. Ele exibia uma aparência cansada e ausente, quase apática. Respirando fundo, ergueu o rosto e deixou a água quente cair sobre si. Quando abriu os olhos novamente, seu reflexo não era mais seu. A mesma mulher com a qual ele sonhara o encarava de volta, mas não parecia vê-lo. Ao fundo havia uma porta branca com a logo de uma empresa aérea de Hamburgo. Dosakyo continuou observando-a, tentando descobrir se o que estava vendo era real ou apenas sua imaginação. Foi então que o vapor quente do chuveiro embaçou o espelho, impedindo-o de chegar à conclusão. Quando ele esfregou a superfície de vidro com o punho, seu reflexo havia voltado ao normal.

Dosakyo saiu do banho com uma sensação estranha, como se algo muito ruim estivesse prestes a acontecer. Ele não era o tipo de homem que acreditava em premonições ou sexto sentido, mas não importava o quanto tentasse, simplesmente não conseguia se livrar daqueles pensamentos. Vestiu seu casaco e calças esportivas antes de caminhar até a cozinha. Enquanto preparava um sanduíche, escutava a TV, ao fundo. O som do desenho animado foi cortado subitamente, seguida da música introdutiva que indicava notícias urgentes.

— Estamos ao vivo do Aeroporto Internacional de Hamburgo, na Alemanha, onde acaba de acontecer um atentado terrorista...

Interessado, Dosakyo pegou o sanduíche e sentou-se no sofá, prestando atenção na repórter. Ela estava do lado de fora de um aeroporto em chamas, com dezenas de ambulâncias, policiais, bombeiros e até mesmo militares atrás de si. Pessoas feridas apareciam a todo momento e eram atendidas pela equipe médica. Na legenda, lia-se: (Atentado no Aeroporto Internacional de Hamburgo) e na sublegenda: Explosões causam queda de voo 357. Ainda não há estimativa do número de mortos e feridos.
Foi então que o coração de Dosakyo parou. Ele sentiu o corpo inteiro arrepiar-se com um calafrio enquanto encarava a imagem da mulher que passava em frente as câmeras. Era ela. Era a mulher com a qual ele estava tendo pesadelos. A repórter estendeu o microfone em sua direção, mas ela passou direto, desviando os olhos da câmera de maneira discreta.

Sem acreditar nos próprios olhos, Dosakyo correu em direção ao quarto e pegou o celular. Abrindo o navegador de busca, digitou: lista de passageiros do voo 357 Hamburg Airlines. Como imaginava, uma relação com os nomes e fotos já tinham sido divulgadas em um site de notícias de última hora. Ele rolou a tela de maneira frenética, encarando as imagens uma por uma, da forma mais rápida que conseguiu. Estava quase no final da página, quando a encontrou. Vestia uma farda da FAA (Forças Armadas da Alemanha), seus cabelos claros estavam presos em um coque e as mãos para trás das costas em uma postura tipicamente militar. Os olhos eram tão azuis quanto Dosakyo se lembrava em seus sonhos. Com um sentimento de alívio e inquietação, ambos ao mesmo tempo, ele acompanhou com o dedo a linha da planilha, até encontrar o nome que buscava: Tayla Abigail Chroe.

Dosakyo jogou o celular na cama e passou a mão contra os cabelos, com uma adrenalina crescente dentro de si. Como era possível? Como era possível que ele sonhasse com uma pessoa que nunca havia visto antes? Como era possível que ele soubesse que Tayla Abigail Chroe estava dentro de um voo para Hamburgo, no exato momento em que um ataque terrorista estava prestes a acontecer?

Seu celular tocou, tirando-o de seus devaneios. No visor, lia-se: “Treinador Do-Kyung Seo”. Pegando o aparelho, notou que que já passava de sete horas da manhã.

— Sim?

— Kyo? Onde você está, maldito!? Seus alunos já chegaram! – A voz rouca de seu chefe soou através da linha.  

— Minhas desculpas. – Respondeu, com a voz calma. - Ocorreu um imprevisto, senhor. Chego em instantes.

Quando o sinal ficou mudo, Dosakyo pegou sua mochila de treino, calçou os sapatos e saiu de casa, às pressas. A academia ficava a alguns quarteirões de distância, em uma das ruas mais luxuosas de Seul. Sua fachada possuía três grandes andares, com janelas de vidro que impossibilitavam visualizar o interior dos cômodos pelo lado de fora e permitia aos alunos observar o exterior pelo lado de dentro. Na entrada havia um portão minimalista, seguido de um jardim perfeitamente arrumado, com uma pequena fonte no meio. As portas que davam na recepção eram de madeira, em estilo oriental clássico, bem como o interior do recinto.

Dosakyo encontrou a recepção vazia, então seguiu para as escadas, saltando de três em três degraus. Chegou ao terceiro andar, no qual os estudantes, cerca de vinte adolescentes, faziam alongamentos. Kyung Seo observava a cena com uma cara de poucos amigos. Assim que avistou Dosakyo, lhe lançou um olhar fulminante e sussurrou, para que apenas ele ouvisse:

— Mais uma dessas e está demitido.

Dosakyo abaixou a cabeça em sinal de respeito e esperou ele sair para começar. Antes de qualquer coisa, uma mão puxou suavemente seu casaco. Dosakyo virou-se para encarar Na-Yeong, sua estudante número um e filha de Do-Kyung Seo. Ela era baixa e magra, com cabelos castanho-escuros sempre presos em um rabo de cavalo. Seus olhos, grandes e amendoados -delineados por sobrancelhas perfeitamente alinhadas e um nariz pequenino - tornavam seu rosto tão belo quanto uma garota de dezesseis anos poderia sonhar ser.

— Aconteceu alguma coisa? – Perguntou ela, com a expressão preocupada.

Dosakyo desvencilhou-se da mão dela discretamente e agachou-se para abrir a mochila.  

— Não se preocupe, não é nada.

Houve uma pequena pausa, na qual a garota parecia receosa. Por fim, ela se aproximou alguns passos.

— Quer ajuda com o kimono? –  Indagou, com a voz baixa.

Ele encarou-a, pronto para lhe dar um sermão. Na-Yeong era sua primeira aluna. Ele a conhecia desde que era apenas uma criança e a amava como um irmão mais velho. Recentemente Dosakyo havia percebido que a garota começara a nutrir sentimentos maiores por ele, então passou a afastar-se dela aos poucos. Além de menor de idade, Na-Yeong era filha de seu chefe e sua estudante. Dosakyo não queria nem imaginar os problemas em que poderia se meter caso cedesse aos caprichos dela.

— Não precisa. – Respondeu, desistindo do sermão. Ele não conseguia brigar com a garota, por mais que quisesse.

Dosakyo terminou de se vestir e enfim deu início a aula.

No final da tarde, Dosakyo observou os alunos irem embora e bebeu um gole d’água antes de começar o treino seguinte. Era uma aula avançada, específica para os lutadores que se classificaram em competições importantes. Naquele dia, somente ele e Na-Yeong permaneceram de pé sob o tatame.

— Dae-Won e Chang-Hoo não deveriam estar aqui? – Questionou ele, olhando pela janela.

— Eu pedi que não viessem hoje. – Na-Yeong respondeu, fechando a porta que dividia o cômodo do corredor.

Kyo virou-se para ela, encarando-a com um olhar sério.

— O que você está fazendo, Na-Yeong?

Ela se aproximou, com os olhos plantados nos próprios pés e uma expressão tímida.

— Kyo... – Murmurou. – Tem uma coisa que preciso te contar.

Dosakyo sentiu o próprio sangue gelar. Ele não imaginava que a garota teria tanta coragem a ponto de lhe confessar seus sentimentos. Antes que ele pudesse impedi-la, Na-Yeong continuou:

— Eu gosto de você. Eu sempre gostei de você, desde que descobri o que gostar significa...

— Na-Yeong, pare. – Pediu ele, interrompendo-a. – Eu tenho trinta e três anos e sou seu professor, você não devia...

A garota agarrou-o pela borda do kimono e ficou nas pontas dos pés, roubando-lhe um beijo. Dosakyo segurou-a pelos ombros e afastou-a, irritado.

— Na-Yeong! – Gritou ele, explodindo. – Ficou louca!?

— Qual é o problema? – Rebateu ela, segurando as mãos dele. – Você não gosta de mim por que sou nova demais? É isso!? – A garota também começara a gritar, com lágrimas transbordando dos olhos.

— Você é como uma irmã...

— Cale a boca! – Interrompeu ela, sacudindo-o com agressividade. – Você me enxerga dessa forma por que me vê como uma criança!

— Você é uma criança! – Replicou Dosakyo, sem acreditar que ela podia se comportar de maneira tão violenta.

Ao ouvir essa frase, Na-Yeong soltou-o lentamente e afastou-se alguns passos. Seu cabelo havia soltado durante a briga, encobrindo-lhe parcialmente o rosto. Ela colocou uma mão sob a faixa do próprio kimono e encarou-o com olhos determinados.

— O que pensa que está fazendo? – Dosakyo indagou, passando uma mão entre os cabelos de maneira nervosa.

A garota desatou e faixa e retirou a parte de cima do roupão, ficando somente com uma camiseta preta. 

— Na-Yeong! – Dosakyo não sabia o que fazer. – Pare já! O que você está fazendo!?

— Provando que não sou sua irmãzinha. – Rebateu ela e arrancou a blusa de uma só vez.

Dosakyo se virou de frente para janela, encarando a paisagem lá fora.

— Já chega. – Pediu ele. – Chega desse espetáculo. Se me respeita como seu professor, amigo e como homem, para já com esse absurdo! 

— Está bem. – Replicou ela. – Olhe para mim por um segundo e prometo que me visto novamente.

— Isso não é uma brincadeira, Na-Yeong. Tem ideia do que está fazendo?

— Dosakyo! – Berrou ela, em um novo ataque de fúria. – Haja como um homem e olhe para mim! Olhe!

Sem conseguir tolerar nem mais um segundo, Dosakyo caminhou em direção a porta, encarando os próprios pés durante todo o trajeto. Para seu espanto, Na-Yeong bloqueou a saída com o próprio corpo. Kyo segurou-a pelo braço e empurrou-a para o lado com a maior cautela que conseguiu reunir no momento. Na-Yeong, por sua vez, voltou a impedir sua passagem, recusando-se a sair da frente da porta. Ele a empurrou novamente, dessa vez com mais força e ela o empurrou de volta, determinada a afastá-lo da saída.

Perdendo a pouca paciência que lhe restava, Dosakyo segurou-a pelo pulso e arrastou-a para o meio do tatame, afim de derrubá-la. Na-Yeong começou a chorar e se debater freneticamente, agarrando-o pela barra do kimono.

— Chega! – Berrou Dosakyo. – Me solte!

— Não! – Ela gritou de volta, com o rosto vermelho.

— Na-Yeong! – Advertiu ele, furioso.

— Não! – Esperneou ela, batendo no peito dele. – Não! – A cada negação ela lhe desferia um tapa. – Não! Não! Não! Não! Não!

Percebendo que Na-Yeong não ia se acalmar, Dosakyo derrubou-a de barriga no chão com um golpe rápido, imobilizando uma de suas mãos contra as costas com o peso de seu corpo. Ela se debateu por alguns minutos, chorando e esperneando de maneira inconsolável. Dosakyo esperou-a se acalmar para soltá-la e, por fim, caminhou até a porta.

— Kyo! – Gritou ela. – Dosakyo!

Ele não lhe deu ouvidos e saiu, caminhando furiosamente. Quando atravessou a recepção, encontrou Do-Kyung Seo entrando com uma sacola de compras na mão. Ele encarou o estado de Dosakyo; seu kimono fora aberto e rasgado em um dos lados, havia marcas de arranhão em seu peito, os cabelos estavam desgrenhados e a expressão feroz como de uma besta selvagem.

— Espere! – Berrou Kyung. – O que está acontecendo!?

 Dosakyo estava furioso demais para dar ouvidos e continuou seguindo em frente. Kyung Seo escutou os gritos histéricos da filha e deixou a sacola cair no chão, correndo em direção as escadas.

Dosakyo se acalmou correndo pela cidade, sem rumo. Exercitar-se sempre o ajudava quando tinha muitos problemas em mente. Somente depois de esgotar suas energias, caminhou para casa.
Chegou em frente ao pequeno portão de madeira e tateou os bolsos em busca de suas chaves. Sentindo-se idiota, lembrou-se que havia esquecido a mochila na academia. Por sorte, ele guardava chaves extras embaixo de um vazo de plantas que ficava em uma das janelas. Suspirando, pulou o muro baixo e encontrou o que procurava exatamente no lugar onde deveria estar.

Aliviado, Kyo abriu a porta de entrada e fechou o limiar atrás de si. Foi então que uma sombra surgiu atrás dele e o golpeou na cabeça com violência. Sentiu seu próprio corpo tombar sobre o chão, sem forças para resistir. Aos poucos sua consciência foi se esvaindo; seus braços e pernas ficaram dormentes, sua visão turva e, por fim, a escuridão o engoliu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E ai, o que estão achando?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Projekt FORSH" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.