Cracóvia escrita por Sensei Oji Mestre Nyah Fanfic


Capítulo 8
Dois tiros num beco...




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Berlim, Alemanha

Durante os meses de janeiro e fevereiro de todo ano ocorre o campeonato nacional da juventude hitlerista. A escola atual em que Jacob estuda era o palco principal para os outros colégios e reformatórios de toda a Alemanha. Cada escola havia um tutor militar. Schmidt ficou responsável para a escola que Jacob estava.

A bandeira da Alemanha Nazista foi hasteada no grande pátio e o hino tocado. O tenente-coronel iniciou o discurso exortando os feitos da escola, pois de 15 edições, ali venceu 10. O atual recordista era Grimsley quando ainda servia antes das olimpíadas. De lá para cá o mesmo ficou invicto, sobretudo no começo da guerra quando o campeonato fora interrompido por dois anos. Agora a instituição reuniu os atletas, os alunos mais aptos a participarem.

Todos os alunos, da crianças aos adolescentes, ficaram ansiosos pelo início dos jogos. Em contrapartida, Jacob continuou preocupado com o teste anatômico no fim daquela semana. Se descobrirem que o seu prepúcio fora tirado, deduzirão que ele é judeu e será o seu fim. Portanto, pensou num jeito para se safar de ser desmascarado.

— Que tensão. Também nunca fiz os jogos a nível sênior, mas não estou tão nervoso. Agora você tá suando demais. Tá se sentindo bem, Ralph?

— Uhum — Jacob queria fugir dali.

— Vocês já podem aguardar na sala de química — disse o professor Ernst.

A qualquer momento a sua identidade poderia vir à tona. Por sorte ou azar uma imensa fila se formou no corredor para a sala de química. Os rapazes ficaram de um lado, as moças de outro.

— Minha nossa. Ralph, está se sentindo bem?

— Lola, minha linda, ele tá focado em ser o melhor de nós — disse James colocando o seu braço em volta do pescoço dele.

— Só nervoso — respondeu Jacob.

Contudo Lola ficou preocupada com a saúde do colega. Suar demais não era sintoma de nervosismo normal.

Foram duas horas de uma espera torturante. A verdade prestes a ser descoberta a qualquer momento. E agora?

Faltando apenas mais um à frente, Jacob inventou um desmaio. O professor correu para acudi-lo.

— Eu disse que isso não era um simples nervosismo — falou Lola.

Um soldado ajudou Jacob a ir para a enfermaria. Mesmo o médico não achando sintomas de algo grave, advertiu para que o rapaz não fosse perturbado naquele dia.

À noite, tentou costurar o prepúcio com uma agulha e linha de costura. Aquilo foi torturante. Dois dias depois o pênis inchou e ficou com pus por causa da ferida daquela cirurgia mal feita do Jacob. Doeu demais. Doeu tanto que Jacob chorou no banheiro. Ainda bem que cada quarto havia o seu próprio banheiro e James era o companheiro com o sono pesado.

Na semana seguinte, o professor Ernst insistiu para Jacob fazer o teste e que um desmaio não era desculpa. A pressão do professor de biologia levou o rapaz ao limite.

 

Mansão Fitschen

Durante o jantar, o coronel Fitschen perguntou ao rapaz como ia a sua adaptação na escola nova e a relação entre ele e os colegas. Sandra pediu ao marido que não forçasse ele.

— Eu me comunico com Ralph apenas por cartas e quando fico frente a frente com ele não posso saber o que se passa?

— Tudo bem, senhora. Senhor, a escola está me fazendo muito bem. Conheci muitos amigos e aprendi muitas coisas.

— Isso é muito bom, não é? Mas há algo que lhe perturba e está nítido. Tem como me contar?

— Por favor, querido.

— Não, senhora. Tudo bem. Eu passei mal semana passada por intoxicação alimentar no mesmo dia de um teste anatômico para o campeonato. Ainda estou me recuperando, mas há um professor que vive para me pressionar. Ele não entende que eu estou a me recuperar. Ele me odeia.

O coronel Fitschen se levantou da mesa e ficou preocupado com a prepotência desse tal professor. Prometeu ao filho de que Ernst seria demitido da escola ainda naquele dia.

 

Os burburinhos causados pela demissão do professor Ernst foram inevitáveis. Praticamente todos os alunos comentavam o fato, haja vista era algo extraordinário um professor do gabarito dele ser dispensado assim. Até mesmo entre os professores o assunto era o mesmo. Claro, o sobrenome Fitschen contribuiu nos burburinhos. Antes apenas um aluno como qualquer outro, Jacob atraiu a grande atenção.

— Andando nas nuvens, amigo? Soube que o Coronel pediu a demissão do professor Ernst — falou James ao vê-lo na entrada da escola.

— Não sei você, mas eu sofri semana passada com aquele desmaio. O professor ficou me pressionando e acabei não me recuperando.

— É, mas até para os alunos que não simpatizavam com ele, como eu, isso foi demais. Ser filho de um grande coronel nazista deve ter as suas vantagens.

Ambos entraram no quarto. Antes, porém, Jacob ficou sendo observado pelos outros.

— Você superestima demais o meu pai adotivo.

— Superestimar? O Coronel Fitschen? Esse homem é o que mais contribui para esta escola. A maioria dos alunos queria ser filho dele. Você não sabe a sorte que teve ao ser adotado por ele. Talvez até receba o próprio Führer em casa.

Papo vai papo vem, trocaram de roupa e foram para a aula de alemão. Lola ficou observando sem ressalvas para o loiro. Quando o professor terminou, a morena se levantou da carteira e deu um beijo no rosto dele. As meninas riram e os meninos ficaram boquiabertos. James continuou cabisbaixo, pois sentia algo por ela.

 

O tenente-coronel Schmidt, agora treinador, liberou Jacob do teste anatômico e permitiu que o jovem iniciasse os treinos. Os rapazes faziam desde caminhada, corrida e até musculação. A parte que mais pediu sangue frio de Jacob foi quando os alunos, armados com baionetas, furavam um boneco de pano de tamanho real vestido com o típico pijama listrado dos judeus presos nos campos de concentração. Jacob sabia daquele vestuário, porque leu em jornais sobre. Não teve jeito, não teve como repudiar aquilo, sua única saída era desempenhar o papel de falso ariano. Precisava se manter vivo para cumprir a promessa que fizera à sua mãe momentos antes de partir, em 1939.

Schmidt parou todo o treinamento a fim de verificar o melhor tempo. De todos os alunos seniores da escola, apenas cinco mantiveram uma performance no melhor nível. Jacob ficou em primeiro e James em quarto. O treinador escolheu os cinco para o campeonato.

 

As pessoas reuniram-se no grande pátio da Juventude Hitlerista. Nesse ano, Adolf Hitler se ausentou, haja vista a guerra tomou-lhe grande parte do tempo. O único político do grande escalão do governo que apareceu foi Joseph Goebbels, o homem mais astuto e ardiloso de toda a história do Nazismo. O manipulador mor, a alma por trás da ascensão de Hitler ao poder. Unha e carne com o Führer, padrinho do seu casamento com Magda. Ter Goebbels num evento era praticamente ter o próprio Hitler em pessoa.

Os pais adotivos de Jacob chegaram por volta das nove horas da manhã. Foram para um grupo de tendas armadas para o conforto dos espectadores mais especiais, como Goebbels. O coronel do exército reconheceu o Ministro da Propaganda e foi com Sandra para cumprimentá-lo.

— Olha só, se não é o nosso estimado ministro Goebbels. É um prazer em revê-lo, ministro. Senhora, Goebbels.

— Magda, pode fazer companhia à senhora Fitschen?

As duas se afastaram um pouco, deixando os cavalheiros a sós para uma conversa social entre homens.

— É uma pena que Hitler não veio. Esse ano promete.

— Problemas na guerra, meu caro. O comandante supremo precisa ficar 24 horas atento aos desdobramentos, principalmente na guerra contra os russos. E por falar a verdade eu odeio esse negócio de guerra, apesar de ser necessário — um garçom trouxe bebidas para os dois.

— Um expansionista entediado com uma guerra de expansão. É como... a família Rotschild cansada de explorar os outros — ambos riram. — Mas as coisas estão indo bem. Recentemente tomamos o controle de Minsk e boa parte do leste.

— E você não está mais no campo de batalha?

— Fui substituído por outro comandante. Aproveitando as minhas férias para passar com a minha família. E por falar nisso, há pouco tempo Sandra e eu adotamos um adolescente. É a nossa alegria.

— É... soube da infeliz condição matrimonial de vocês. O garoto é bom? — Bebericou a bebida.

— Excelente. Ele está aqui. Vai participar do torneio. Ficou em primeiro nos treinos e espero que vença.

— Seu filho pode ser bom, mas... a Juventude possui um recordista invicto. Eu o conheci em Nuremberg e o pai dele já era um renomado capitão. 

— Você fala do Forchhammer?

— É esse mesmo. Meio insubordinado. Não era totalmente fiel ao nazismo. Deu no que deu. Pelo menos o filho fez história.

Nesse momento, Jacob apareceu diante de Sandra. Ela apresentou-o para Magda e depois levou-o aos cavalheiros.

— Viu, Goebbels. Ele se parece com um perfeito ariano?

— Perfeito até demais. Prazer, jovem. Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda.

Um dos privilégios de ser filho dos Fitschen era saber das coisas que se passavam na Alemanha. As propagandas de rádio e o audiovisual eram constantes e sempre levavam o nome de Joseph Goebbels. Portanto Jacob sabia sobre Goebbels e a sua história como o homem mais leal a Hitler, o homem cujo o objetivo era alienar o maior número de pessoas na Alemanha.

— Vai me deixar no vácuo, Ralph? — perguntou ao não ser cumprimentado pelo rapaz de imediato. Jacob sentia ojeriza, mas logo teve que cumprimentar para manter o disfarce.

— Eu fiquei um pouco impressionado, senhor. Desculpa por hesitar no cumprimento.

 Goebbels levou na brincadeira e desejou sorte para Jacob. Os alunos representantes foram colocados no meio do pátio. Orientados pelos treinadores, foram para as marcas. Eram dezenas de participantes, incluindo austríacos.

— Veremos se aquele rapaz manterá a sua invencibilidade.

— Põe fé no seu filho, coronel?

— Você não viu a dedicação dele, Goebbels. Meu Ralph é um puro homem perfeito. Uma máquina de combate.

O primeiro desafio era uma corrida com obstáculos, porém não eram obstáculos como no atletismo. Eram objetos como pneus,cercas, muros de madeira, troncos de árvores entre outros obstáculos — tal como competição em acampamentos, por exemplo.

Schmidt deu um tiro para o alto e assim iniciou os jogos da Juventude Hitlerista. Por cinco dias consecutivos os adolescentes competiram em diversas modalidades, cada uma eliminando os últimos colocados. Por fim o que sobrou mesmo foi algo parecido com o triatlo moderno — apenas com a bicicleta e a corrida. A corrida terminou dentro do estádio de Berlim, usado nas Olimpíadas. E quem foi o vencedor?

A medalha de ouro foi entregue para Jacob pelo desempenho espetacular nos jogos, incluindo a quebra do recorde da competição. Pela primeira vez desde que Grimsley participou alguém quebra recorde. Jacob ultrapassou as expectativas e venceu o queridinho da juventude desde 1935. Cerca de dez mil pessoas aplaudiram o agora famoso Ralph Fitschen pelo grande feito e por mostrar como um "ariano fazia". Mesmo em meio a guerra, o povo alienou-se naquele show. Quem ficou satisfeito mesmo foi o Coronel Fitschen, que inclusive relembrou a Goebbels o que disse cinco dias antes.

— Parabéns. Subestimei a nova leva de homens alemães. Isso só prova que a nossa raça está evoluindo — disse Goebbels cumprimentando os Fitschen.

Sim, um cara metade judeu quebrou o famoso recorde de um alemão puro. O que provou que a raça superior ariana era pura balela e que se Jacob fosse de qualquer etnia, desde que com o mesmo preparo físico, venceria do mesmo jeito.

Foi a primeira vez que o coronel esboçou um sorriso e mostrou-se mais afetuoso com ele.

 

Abril de 1942

A guerra ainda em curso, Jacob sabia que a qualquer momento estará num campo de batalha. Na escola teve que lidar com as investidas mais insistentes de Lola, por isso resolveu voltar à Cracóvia para duas coisas: rever Dorota e talvez saber onde sua família estava. Saber que voltaria a ver o seu amor de adolescência foi um alívio, porque até então ficava com a consciência pesada perto de Lola.

O trem para a a Polônia saiu de uma estação da capital para o sul do país vizinho. Aguardou ansioso para saber sobre a sua família. Seria um alívio caso soubesse que ficaram a salvos.

Vestido com a farda marrom da SA, com uma suástica no braço esquerdo e carregando uma bagagem de mão, teve privilégios. Nem mesmo os poloneses viajavam na classe A do trem. Enfim, a viagem foi longa, cansativa e nostálgica. Desde 1939 não voltava para a antiga cidade que deixou para trás. De lá para cá mudou muita coisa tanto com ele quanto com a sua família.

O expresso chegou em Cracóvia mais de um dia depois. Por sorte dele a viagem terminou às sete da manhã, portanto não teve preocupação de procurar lugar para ficar. Pegou um táxi e foi direto para a loja O'Shea. No entanto, o ateliê permaneceu fechado. 

— Posso ajudar, amigo? — perguntou um policial nazista.

— Procuro as proprietárias dessa loja. Elas se chamam Diane e Dorota O'Shea.

— Desculpe, amigo. Não faço ideia. Talvez se esperar mais um pouco elas apareçam.

— Não, tudo bem. Depois eu volto aqui.

O loiro pegou um táxi para o prédio onde morava com a sua família antes da invasão. Muitos momentos felizes vieram daquele lugar e saber que outras pessoas estão morando, invasores, será um choque para ele. Antes, porém, passou na frente do muro do gueto. Era a primeira vez que ficava tão perto daquela prisão a céu aberto. Sequer imaginava o sofrimento da sua família ali, do desaparecimento do seu pai. Também não imaginava que depois de uma revolta judaico-socialista sua família fora levada num trem, exceto Wolfram.

— Parado! Até para alemães é proibido passar ao outro lado. É para a sua segurança — explicou um guarda.

— É... desculpa. Tenho que ir — quando Jacob preparava-se para entrar no carro, viu Joachim ao longe. Reconheceu o guarda, era um ex-amigo e filho da empregada, porém não se sentiu confortável para chegar perto dele. Não, Jacob não confiava num alemão que o conhecia. Seu disfarce precisava manter-se a salvo e a identidade em segredo.

Subiu ao andar da sua antiga casa. Chegou perto do trinco até tocá-lo, retrocedendo ao simples burburinho da família nova ali dentro. Pareciam felizes e despreocupados. A única coisa que fez foi chorar agachado ao lado da porta.

 

Ateliê O'Shea

— Não posso acreditar. Jacob?

— Senhora O'Shea. Até que enfim. Cheguei em Cracóvia há duas horas. Saí, depois voltei e aguardei mais algum tempo.

— Incrível. Você está muito bem. Entre, vamos — Diane destrancou a porta e convidou o rapaz. Ela acabou de chegar.

Receptiva como sempre, Diane ofereceu algo para o rapaz beber e comer.

— Muita coisa mudou, não foi?

— Ah, meu filho. Muita coisa mudou mesmo. Você, por exemplo, parece estar muito bem. Sem sombra de dúvidas quem te olha vai pensar que é um ariano com essa farda. Tá idêntico! Pelo menos aos alemães das propagandas. Quem será que inventa aquelas propagandas falsas?

— Acho que já apertei a mão dele...

— Quê?

— Nada. É uma história muito longa. Eu consegui driblar o sistema alemão e inventei que era um ariano. A minha aparência e o meu sotaque ajudaram bastante nisso. E como vai a senhora e a Dorota? A senhora sabe de alguma coisa da minha família?

— Calma, Jacob. Vamos com calma. Saiba primeiro que muitas coisas mudaram de quase três anos para cá. Seus pais, seus irmãos e avô foram expulsos de casa pelos nazistas por causa de uma lei que obrigava todo o judeu a morar num bairro feito para eles. O gueto é fortemente vigiado e tem um muro alto separando o lado de lá com o de cá. Toda a sua família está lá... pelo menos eu acho que ainda estão...

— Não hesite! Conte-me, por favor.

— Parece que houve uma rebelião dentro do gueto que acarretou muitas mortes. Também vão comboios com vários judeus para a estação de trem de cargas. Dezenas ou centenas deles vão para os campos de concentração longe daqui. É muito difícil a sua família ter continuado em Cracóvia. Sinto muito.

Deduziu que os comboios levaram a sua família para Auschwitz, um campo de extermínio. Recentemente o seu pai adotivo revelou que o governo autorizou o assassinato em massa nesses campos. Saber que toda a sua família possivelmente foi exterminada deixou-lhe com um frio no estômago. Abaixou a cabeça, com as mãos no rosto. Tentou esconder toda a sua frustração, toda a sua tristeza e a sua impotência em ter feito nada para salvá-los. Quando levantou o rosto, viu Dorota entrar na loja.

— Filha? Pensei que não viesse hoje.

Os olhares se cruzaram. Jacob levantou-se, aproximou-se dela, mas percebeu a sua fria recepção. Pensou ser a farda que usava, contudo Dorota pediu para esclarecer as coisas.

— Ficarei lá nos fundos para dar mais liberdade a vocês.

— Dorota... eu...

— Como você está?

— Bem. Estou bem. Consegui sobreviver a tantas coisas que você nem imagina.

— Que bom. Fico feliz que tenha se dado bem na vida.

Dorota sequer olhou para o rapaz, que notou ali a sua frieza inexplicável. A verdade era que, desde que chegou, as coisas pareciam estar estranhas demais.

— Jacob, sinto muito. Nada pode haver entre nós.

— Por que não? Foi uma promessa nossa, não? Quando saí daqui juramos nos reencontrar e voltar...

Mostrou a aliança no dedo esquerdo.

— Estou casada, Jacob. — Aquilo foi um choque de realidade para ele.

— Como assim? Não entendo.

— Um ano depois de você fugir para o leste, o governo alemão obrigou o governador da Polônia a usar jovens alemãs para serem as mães da futura geração da raça ariana. Apesar da minha mãe ser autossuficiente em casa e nos negócios, a falta de uma liderança masculina nos deixou vulneráveis. Seríamos deportadas para a Alemanha, porém não era isso que queríamos. Quando um outro primo da minha mãe se ofereceu para nos ajudar.

Desesperado, Jacob implorou para que ela dissesse o resto da história. No relato, Dorota melancolicamente revelou que esse primo, vinte anos mais velho que ela, pediu a sua mão em casamento. Recusou a princípio, porque era uma proposta estapafúrdia e imoral. O tal primo ameaçou não defendê-las contra o governo e ainda pediria que ambas fossem para um campo de trabalhos forçados em território alemão. Preocupada com a sua mãe, e depois de saber do que os nazistas eram capazes, Dorota aceitou se casar. Ainda adolescente se casou com um homem com mais de trinta anos de idade.

— EU VOU MATÁ-LO!!! 

Tanto Diane quanto Dorota puxaram o jovem, pedindo que ficasse calmo e não fizesse besteira.

— Deixe-o. Diga que era comprometida comigo. Estou disfarçado, não estou?

— Agora é tarde — ela puxou a mão dele e colocou sobre o seu ventre. — Engravidei dele. Sinto muito. Nossas histórias não faziam parte de um conto de fadas. 

Sem forças, Jacob parecia desolado demais para ficar em pé. O gosto amargo na boca depois de descobrir que a sua namorada casou e terá filhos. Quem poderia imaginar que Dorota engravidaria ainda adolescente? Numa Europa tomada por extremismos, tudo pode acontecer.

— Preciso ficar sozinho. Amanhã eu volto para Berlim bem cedo.

— Tenho um quartinho nos fundos. Pode ficar e passar a noite — disse a senhora O'Shea, mostrando o lugar depois da saída da filha.

— Obrigado.

— Perdoe Dorota, por favor.

— Tudo bem. Além de descobrir que a minha família foi levada para o gueto ou pode estar morta, a garota que eu amava casou com outro. Desde que saí daqui, a minha vida passou por várias desgraças. Uma delas certamente foi o sacrifício que Pavel fez por mim.

— Oh céus!

— Estávamos num comboio rumo ao leste quando um avião nos bombardeou. O trem descarrilou e fugimos no meio da floresta e neve. Era pra eu estar morto, dona O'Shea. Alguns soldados nos caçavam e quando estavam prestes a nos matar com uma bomba, Pavel pediu para eu... para eu ficar escondido na ravina. Ele saiu, ficou no campo de visão deles e foi fuzilado. Eu vi tudo, mas não tive tempo de chorar ou de dar um adeus a ele. Fugi com um comunista para um acampamento russo. Passei quase dois anos numa escola comunista. Fui capturado, inventei que era ariano e aqui estou. Se não fosse por ele eu teria morrido naquela travessia em dezembro de 1939.

Diane chorava.

— Aqui. Meu nome falso é Ralph Trutzinsky Fitschen. Decidi homenageá-lo inventando esse sobrenome.

— Obrigada por ter dito a verdade sobre Pavel. Ele sempre foi protetor com a família. Mesmo que nos últimos anos não fôssemos tão apegados, ele sempre vinha aqui e perguntava sobre nós.

— Por que as pessoas boas morrem cedo demais enquanto os maus ficam? Se desse pra ter salvo Pavel naquele dia... se desse pra ter salvo outras pessoas que cruzaram o meu caminho...

— Você soa como se fosse o culpado. Não se culpe. 

— Como queria ver a minha família e ter alguma chance de abraçá-los. Não sabe mesmo o que houve?

— Como eu disse, não sei dos detalhes. Sei que foram despejados para o gueto e dois meses atrás  houve uma rebelião. Sinto muito, muito mesmo.

Sozinho no quarto, dividiu o pensamento entre Dorota e a família. O pior dia da sua vida demorou a passar.

Quando o sol raiou entre o céu nublado de Cracóvia, Jacob arrumou-se para ir embora até Berlim o mais rápido possível. Já não mais pertencia àquela cidade.

...

2 meses antes...

Os preparativos para o plano do grupo sionista estava a todo o vapor. Coletaram o máximo de armas possíveis, bolaram um esquema de fuga que incluía o sequestro do Tenente Buchmann e a explosão de parte de uma das fábricas localizada no grande gueto. Tudo parecia se encaminhar na verdadeira tranquilidade quando Wolfram soube que ele deveria levar as bombas para a tal fábrica. Óbvio que ele não sabia disso, sequer fora avisado de antemão para se preparar mentalmente.

Em casa, a sua mãe melhorou da febre, apesar de ser forçada a ir trabalhar doente. Por acaso um dos patrões dela fez questão de dar um dia de folga sem autorização dos guardas. Mas como o dono da fábrica e Buchmann eram colegas, os soldados não fizeram queixas. Assim Sofia melhorou e continuou o seu trabalho para o alívio da sua família.

— O que houve? Tá com cara de paisagem? — perguntou Angela ao ver Wolfram olhando para o nada na janela.

— Não é da sua conta.

— Não consegue esconder a sua tristeza misturada com a frustração. Há algumas semanas estava feliz, decidido lá no seu grupo radical, mas de uma hora para outra ficou cabisbaixo. Que foi? Os caras te expulsaram?

— Até parece que vou dar detalhes sobre o grupo pra você. Eu sempre fico assim desde quando esse inferno começou, porque eu não consigo ter sangue de barata e fingir que nada acontece.

— Só espero que não se arrependa. Talvez se um dia venha se arrepender, será tarde demais.

Não, não há nada bem. Ser um homem bomba e se sacrificar pela causa judaica não estava nos seus planos. Sebastian e Karl pareciam tão nobres ao falarem com os membros, contudo suas ordens ultimamente foram demasiadas severas.

Entretanto, ainda na mais pura inocência, Wolfram continuou como membro dos sionistas e tão logo se preparou para o plano. Acreditava que Sebastian quis falar apenas sobre colocar as bombas no local, não disse acerca de se explodir junto. Ledo engano, pois a missão de Wolf era justamente explodir as bombas, e se necessário se explodir junto. Foi um choque e tanto para ele.

— Vai amarelar? Se não quer ajudar então sai deste recinto e saiba que estará do lado dos nazistas.

— Tudo bem, Sebastian. Eu faço.

Naquela reunião específica, o grupo preparou tudo para que o plano pudesse entrar em prática na noite do dia seguinte.

 

Arthur Buchmann, o algoz mais terrível até agora aos judeus, ficou sabendo de um plano para explodir uma fábrica alemã e assim muitos soldados da SS morreriam pela explosão e num confronto armado. O delator sequer foi um judeu, haja vista precisou de um simples guarda disfarçado para isso.

— Um plano mirabolante desse só pode ter vindo de alguém muito inteligente — disse Buchmann no seu gabinete.

— Heil Hitler! — disse um guarda ao chegar.

— Heil. O que você trouxe pra mim?

— O dossiê sobre a vida daquele judeu chamado Sebastian.

— Obrigado, guarda.

Com o delator, Buchmann leu o dossiê. Espantou-se ao ver que o tal Sebastian era na verdade Boris Knauss, um militar do exército alemão durante a República de Weimar, entre 1927 e 1933. Antigamente os judeus eram aceitos no exército, apesar do racismo. Contudo, a data de afastamento dele coincide com o início do governo Hitler. Obviamente ele saiu devido ao sucesso do austríaco e dos nazistas.

— Aquele homem é perigoso e você nem sabia disso, Miroslav, ou como os judeus te chamam... Karl.

— Sebastian é um homem mais reservado e quase não se abre para ninguém. Até eu que teoricamente sou o seu melhor amigo no gueto nunca descobri sobre isso dele.

Buchmann contratou um soldado de fora para se passar por um judeu do gueto. Não foi fácil, principalmente porque por mais que fossem milhares naquele gueto, a mentira poderia ser revelada. Muitos judeus se conheciam, portanto precisava-se colocar mais judeus estrangeiros e infiltrar Miroslav sem chamar a atenção. Com o grande fluxo de entrada e saída de judeus, a infiltração deu certo. Miroslav, sob o pseudônimo de Karl, conseguiu passar despercebido. O plano de Buchmann era desmantelar toda a rede de grupos revolucionários antes mesmo de agirem, não cometendo os erros em Varsóvia — que ainda vive em guerra contra pequenos grupos judaicos revolucionários.

— Aquele energúmeno pensa que se sairá vitorioso dessa. Pobre diabo. Ordenarei aos meus homens que capturem-no com vida, porque eu quero torturá-lo em cada centímetro do corpo dele. Tirando você, todos os participantes desse grupo serão exterminados.

O gordo mandou os seus soldados se prepararem para o confronto que acontecerá no dia seguinte.

 

Enquanto isso, a mãe de Wolfram retornou ao trabalho. Sentindo-se melhor, teve total apoio de um dos patrões. 

A fábrica de tecidos coincidentemente era o alvo primordial dos sionistas no plano sobre as explosões. Entretanto, Wolfram sequer desconfiava disso.

Sofia recebia olhares de repúdio dos guardas, mas esse dono insistia para ela ir embora mais cedo e evitar encarar um SS. No caminho de volta, muita movimentação dos nazistas na direção da entrada do gueto. Porém acatou o que o seu chefe dissera e evitou se meter em problemas.

— Onde está Wolfram? Ainda ocupado com o grupo?

— A senhora fala com tanta naturalidade! Isso me irrita bastante.

— Calma, filha. Fomos tão ríspidas com ele nesse tempo todo. Quero que a harmonia volte, porque, depois que seu pai foi levado, nunca mais houve um sorriso aqui nessa casa.

August chegou em casa pouco antes do toque de recolher. A chuva o pegou de surpresa, por isso ficou encharcado.

— O que é isso?

— Minha neta, isto é frango assado.

— Que maravilha.

— Por Deus, meu sogro. Onde o senhor arranjou algo tão escasso por aqui?

— Com um cara que trabalha na fábrica do doutor Schindler. Os judeus por lá são bem tratados e o próprio dono faz questão de ser afável com os judeus.

— Achar um nazista que seja bondoso é difícil, mas parece que ainda existem. O difícil mesmo é falar isso para o meu irmão caçula que resolveu se enveredar para o radicalismo da coisa.

 

Obviamente o tenente Buchmann ficou com a lista de todos os membros do grupo sionista. Karl delatou todos sem nenhum tipo de remorso e ainda deu todas as informações possíveis do dia do ataque. Segundo o espião, os membros se reunirão em um dos apartamentos abandonados, próximo ao local em que as bombas explodirão. Isso evitará que os membros sejam capturados nas rotinas noturnas ou que se atrasem para o confronto armado.

— Hehehe... — riu Buchmann enquanto lia o papel.

De fato no dia seguinte as coisas ficaram mais tensas para os judeus. Havia um toque de saída para o trabalho ainda na madrugada, por volta das 4 da manhã. Buchmann sequer dormiu e resolveu agir o dia todo. Sem sombra de dúvidas seria o dia mais cruel dele em todo o tempo de trabalho.

Um caminhão chegou por volta das quatro e meia. O comboio será dos judeus para a linha de trem e dali para Auschwitz. Inclusive o gordo foi além e pediu que todos os membros e familiares fossem separados e cada um levado para um campo diferente.

— Vamos! Trabalhem, seus vermes nojentos! — deu um tiro para cima.

Naquele fatídico dia, Buchmann começou a matar e a fuzilar qualquer judeu por qualquer razão. Sua fúria aumentou mais ainda a urgência do grupo dos sionistas a botarem o plano em prática.

— Cadê o Wolfram? Aliás, cadê o Karl e mais um monte de gente? Pensava que esse grupo estaria lotado, mas só vieram treze pessoas!

— Mantenha a calma, amigo. Eles virão.

— Ou pode ser que eles tenham sido presos ou mortos.

A ansiedade de Sebastian aumentou quando um dos membros falou que os nazistas podiam ter prendido ou matado os outros membros. Para Sebastian, era uma maldição se o seu plano desse errado no final.

— O Wolfram chegou.

— Onde foi que você se meteu? Está meia-hora atrasado.

— Calma, Sebastian. Sabia que os nazistas estão por todos os lados? Há rumores de que descobriram o nosso plano.

Sebastian sorriu para o jovem à sua frente e se afastou um pouco. Era nítido que ele estava um tanto alterado.

— Quem poderia ter contado sobre o nosso plano para aquele porco de farda, hum? Algum de vocês que estão aqui? Ou o nosso querido atrasado aqui?

— Pega leve com o Wolf, cara. Ele se mostrou muito eficiente durante esses meses. 

— Ah, cala a boca! Somos quatorze guerreiros de Deus que resolveram lutar contra a opressão nazista. Mas e o resto? As dezenas que juraram lealdade ao sionismo revolucionário? Bando de covardes. Covardes! Covardes sim, senhores. Dias a fio, driblando o sistema do gueto, conectando-nos como irmãos... Para quê? Quando chega o dia em que eu preciso deles, fogem como ratos que abandonam o barco no primeiro revés. Aqueles covardes. Um deles usou a sua bocarra imunda para revelar ao porco de farda sobre as nossas reuniões.

— Ainda vai acreditar que sou o traidor? — indagou Wolfram impressionado com o acesso de fúria do outro.

O décimo quinto homem chegou. Com uma expressão de cumplicidade e fazendo o sinal de "garganta cortada" com a mão.

— Vejam bem, amigos. Quem poderia ter nos delatado sem chamar a atenção? Um judeu traidor? Mas os nazistas odeiam veementemente um judeu, por isso estamos falando de um falso judeu.

Todos naquele recinto ficaram surpresos com as palavras de Sebastian. Um nazista se passar por um judeu era algo inimaginável.

— Não se espantem, rapazes. Estou falando de algo que mais cedo ou mais tarde aconteceria. Falo do energúmeno do Karl.

— Não pode ser. Karl não é judeu?

— Você não acabou de ouvir, retardado?

Os homens começaram a brigar entre si. Sebastian pediu calma a todos e explicou que suspeitava de um traidor há muito tempo e que confiou sua suspeita a um espião do grupo. Nesse dia descobriu que Karl era um oficial da Schutzstaffel, dando ordens para matá-lo na primeira oportunidade.

O corpo de Karl fora encontrado por guardas alemães pendurado pelo pescoço e dentro de um quarto.

— Muitos traidores ficaram para trás, mas não precisamos de covardes, não é mesmo? Agora posso confiar em você, Wolfram? Existe uma fábrica de tecidos que está próxima ao muro que dá para o outro lado do gueto. Entre, ponha as bombas lá e fique de tocaia para, se precisar, explodir junto com elas.

— Eu me explodir junto?

— Sim, explodir junto. Seu sacrifício não será em vão. A não ser que esteja com medo do sacrifício... Não esqueça que nesse gueto, a qualquer momento, poderá morrer sumariamente nas mãos dos nazistas. Se for para morrer, morra de forma heroica. Que foi?

— Só existe uma fábrica de tecidos aqui. Minha mãe trabalha nela.

— A operação será à noite. Aposto que ela não vai trabalhar a noite toda.

Wolfram recusou participar da loucura de Sebastian. Meses antes, contou para ele que a sua mãe trabalhava na mesma fábrica de tecidos. Com certeza o líder da revolta se aproveitou dessa informação, mas esqueceu que Sofia trabalhava até depois do toque de recolher.

— Você se preocupa muito com os outros! Precisamos colocar nosso plano em prática, sem percalços! Não importa se a sua mãe estará lá, porque o mais importante é o plano. O PLANO! Entendeu.

— Não, Sebastian. Você ficou louco de vez. Eu não posso participar dessa loucura. Estamos falando da minha mãe, e você não tem o direito de incluí-la nos seus planos.

 

Enquanto isso, Buchmann ordenou que mais famílias fossem transferidas. Agora a ficha era sobre a família Wilczogórski. Na fábrica de tecidos, dois guardas entraram e conversaram com o gerente. A contragosto, indicou a mãe de Wolfram.

— O que houve? — perguntou ela, abrindo a porta de casa, sem saber da gravidade da situação.

— Você e a sua família serão transferidos a outro lugar.

 A família de Wolfram foi despejada do apartamento do gueto e levados para a calçada de uma rua onde outras famílias estavam. Buchmann acompanhava o processo quando ouviu dos seus homens que faltava alguns judeus e que as famílias ficaram incompletas. Sem remorso algum pediu que independentemente das famílias estarem incompletas, fossem transferidas imediatamente aos campos de concentração.

— Temos um problema, sargento. Precisamos procurar os judeus que querem nos destruir. Vamos mostrá-los que a SS é tão poderosa quanto a força de vontade deles.

— Sim, tenente.

A família Wilczogórski com mais dez famílias foi transferida para a estação de trem. Angela chorou, Sofia pensava em seu filho e August era aquele que acalmava as duas. Pelo menos Wolfram sobreviverá se continuar a fugir das garras de Buchmann. Para Sofia, porém, era quase impossível rever seus filhos.

 

Na reunião dos revolucionários, Wolfram foi espancado por Sebastian.

— Seu tolo! Melhor sair daqui antes que eu te mate!

Com a recusa de Wolf para executar o plano de se explodir junto, quem "explodiu" fora Sebastian. Ele não tolerava covardia e ia até o fim para colocar os seus planos em prática. Foi duro para Wolfram receber aquela punição da pessoa que ele antes admirava.

— Antes de eu sair, preciso saber de uma coisa — disse enquanto cuspia saliva com sangue.

— Fale, covarde. O que um tolo como você quer saber?

— Naquele dia em que o meu pai foi levado pelos nazistas... foi acusado de ter matado o senhor Donnitz. Mas ele foi responsabilizado por algo que não fez. Eu estava com ele quando chegou pra abrir a oficina. Diga-me, você matou o senhor Donnitz?

Sebastian deu um leve sorriso sarcástico, aproximou-se do mais jovem e sussurrou que ele nunca irá saber.

— Morra com essa dúvida. Vamos embora.

Os membros saíram com as suas faces raivosas para com Wolfram. Ali perderam um precioso membro. O nicho mais radical e sem noção dos rebeldes judeus. Os mais violentos da formação judaica naquele gueto fedido. Uns "gatos pingados" foi o que sobrou. Wolfram foi o único "gato" que teve a decência de pular fora.

...

Horas se passaram e o gueto ficou cada vez mais perigoso para uma alma judia ali. Os guardas ficaram mais cruéis, matando quem protestasse com os expurgos de famílias para os campos de concentração. Buchmann aproveitou para implementar uma política de tolerância zero. Radicalizou ainda mais.

Por volta das 16 horas, Wolfram conseguiu chegar no prédio onde morava. Tentou entrar no apartamento, mas alguém havia trancado. Arrombou a porta, entrando no apartamento. Viu que ninguém estava ali.

Às 17:30 os rebeldes que sobraram do grupo de Sebastian chegaram na fábrica de tecelagem e invadiram. Dois guardas alemães foram mortos a tiros e os trabalhadores judeus expulsos.

— Saiam todos daqui! Não machucarei nenhum irmão judeu, mas se tentarem me impedir, eu juro não terei pudor em matar.

Os guardas judeus, poupados, conduziram os trabalhadores para fora enquanto os rebeldes entraram na sala do dono e fizeram cerca de seis alemães como reféns.

— Apenas não nos machuque. Não temos nada contra e estávamos em constante  vigilância dos nazistas.

Mas Sebastian impiedosamente matou o dono da fábrica e ameaçou os outros cinco, incluindo a esposa, filhos e uma secretária. Retirou de um saco de batatas umas ferramentas para perfurar a parede e usaram os reféns como trabalhadores.

— Atrás dessa parede há a tão almejada liberdade, senhores. Quebrem essa parede e eu juro que pouparei a vida de vocês.

— Sebastian! Os nazistas estão vindo.

— Vão. Matem qualquer um que esteja de farda. Não hesitem um segundo sequer!

Buchmann e mais dez soldados se aproximaram da fábrica assim que descobriram da invasão. O tenente pediu aos seus homens para entrarem no local, contudo foram recebidos a tiros. Quatro guardas foram alvejados fatalmente e mais dois de raspão. O gordo tenente apitou para que mais homens fossem ajudá-los.

 

Ainda por volta das quatro e pouco da tarde, antes do confronto na fábrica, Wolfram retornou para o prédio e o apartamento que morava. Nada nem ninguém estava mais lá. Sua família simplesmente evaporou da face da Terra. O desespero apareceu, tentou sair e procurar na rua mesmo com os guardas ainda estarem expurgando pessoas. No entanto, um grupo de cinco guardas se aproximaram do apartamento pelas escadas, forçando-o a entrar novamente e procurar algum lugar para se esconder. Dentro de um piso falso, viu os nazistas procurando por cada cômodo. Estavam com suas pistolas em mãos, ou seja, estavam ali para matar. 

— Limpo. Não há nada aqui.

Assim que saíram, Wolfram levantou a tampa do que seria um alçapão e saiu vagarosamente do recinto. Agora aqueles guardas não estavam mais ali. Uma oportunidade para sair do prédio.

Do lado da rua, por sorte que não havia guardas ali perto. Ele pode sair do prédio e procurar um beco perto para se esconder. Cansado fisicamente e mentalmente, ficou escondido dentro de uma caçamba de entulhos. 

Minutos depois, aparentemente a rua ficou deserta. Nem judeus, nem alemães. Algo ficou muito errado, como se todo mundo evaporasse. Saiu da caçamba, olhou cuidadosamente para os lados e correu para um local mais afastado, num restaurante onde judeus se reuniam. No trajeto meticuloso, Wolf ouve uma enorme explosão atrás de sim. Uma nuvem de fumaça preta subiu, indicando que ocorrera na parte limítrofe do gueto, perto do antigo trabalho de sua mãe. Ficou poucos segundos observando a fumaça, que surgiu por trás dos prédios que ficavam entre ele e a fábrica.

Dois guardas viram ele, correram já com as suas pistolas em punho. Wolfram entrou num beco e deu de cara com um guarda alemão. Era Joachim Jackson. Aquele suspense durou segundos até Joachim apontar a sua pistola para Wolfram.

Os dois guardas escutaram o barulho de dois tiros e foram ao beco.

— Terminei com esse — disse Joachim. 

Os guardas viram o colega com a pistola apontada para Wolfram deitado e ensanguentado no chão. Aparentemente o judeu não se mexia e aquilo foi suficiente para a dupla sair dali.

 

Sebastian ficou completamente transtornado com o confronto com os nazistas que xingava até os próprios companheiros. Numa troca de tiros, três colegas seus morreram alvejados.

Um canhão foi levado até perto da entrada da fábrica. Buchmann ordenou que explodissem o local. Aquilo deixou quase todos os rebeldes feridos. 

Vendo que seu tempo estava para acabar e logo os guardas invadiriam, Sebastian pediu ao seu amigo que retirasse os explosivos de uma bolsa. Depois pediu ao seu amigo que levasse toda a família para fora e os fizesse de reféns a fim de parar os nazistas. Assim foi feito e antes que os nazistas entrassem, o judeu saiu com os reféns em meio os escombros da entrada.

— Parem! Não atirem! — ordenou Buchmann quando viu os reféns, pois conhecia-os.

— Fiquem aí ou eu os mato! — disse entre os cinco reféns e com duas pistolas em cada mão.

Do lado de dentro, Sebastian e um último colega abriam um buraco do lado de fora do gueto. Os explosivos serviriam para distrair os alemães enquanto realizavam a fuga.

— Faça isso por mim, irmão de batalha.

— Sim, Sebastian. Nunca irei te abandonar — disse carregando os explosivos. Esse judeu se explodiria enquanto Sebastian fugiria.

Um guarda deu uma volta por trás para aproximar-se do judeu. Naquele instante a maioria dos guardas ficaram concentrados perto da fábrica.

Quase seis da tarde o judeu viu os reféns se abaixarem e assim o guarda de trás atirou três vezes e o judeu mais quatro. Ambos morreram no confronto, dois reféns atingidos. Buchmann pediu que levassem o guarda atingido e os reféns.

Segundos depois desse confronto, dois guardas do lado de fora do gueto atiraram contra Sebastian assim que ele pôs os pés para fora.

Buchmann inteligentemente pediu a eles minutos antes que saíssem, pois desconfiava da escapada.

— Sebastian! Tá ferido...

— Merda! Levei um tiro na minha coxa. Aqueles malditos sabiam do buraco na parede.

Os dois escutaram a invasão dos guardas na fábrica. Sem saída, ambos entraram numa troca de tiros com os nazistas. Infelizmente, para Sebastian, seu fiel colega foi atingido com um tiro na nuca e morreu. O mentor da fuga levou outro no peito direito e caiu perto de uma máquina de datilografar.

— Deem a volta. Preciso de mais guardas nos quatro cantos deste gueto.

— Sim, senhor!

Aparentemente o interior da fábrica ficou limpa de qualquer ameaça. Buchmann foi na frente, mas acompanhado por uns dez homens. Viu a sala executiva atrás da sala das máquinas. Entrou, viu um judeu morto no chão. Ao lado dele, perdendo muito sangue, viu Sebastian escorado no canto da parede, sentado e ofegante.

— Achou mesmo que fugiria das minhas garras, Boris Knauss? Consegui neutralizá-lo. — Viu o buraco de 1 metro na parede. — Ah, esse era o seu plano? Fugir? Achou que conseguiria fugir com esse plano chinfrim? Passou meses planejando a fuga do século e o que você me entrega é essa coisa feita nas coxas?

— Você... é um ser... horriv... el, porco de farda. Mas eu admito que é... espert... hehehe.

— Ora, por favor. Ser elogiado por um judeu seria o fundo do poço para mim — destravou a pistola para atirar na cabeça dele.

Antes mesmo de Buchmann pensar em atirar, Sebastian acionou a bolsa de explosivos que tirou do outro judeu momentos antes. Em fração de segundo, tanto ele quanto Buchmann se desintegraram com a explosão. Cerca de quinze guardas morreram na hora, mas dez foram atingidos do lado de fora e morreram e mais trinta ficaram gravemente feridos. A explosão derrubou o prédio de três andares da fábrica e criou uma nuvem de fumaça que fora vista por Wolfram antes dele ir ao beco.


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