Cracóvia escrita por Sensei Oji Mestre Nyah Fanfic


Capítulo 7
A Professora que sabia demais




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Gueto de Cracóvia

Os guardas do gueto levaram Wolfram pelos braços e lançaram-no violentamente contra uma poça de lama. Informaram que se ele se aproximasse do antigo local de trabalho, matariam sem dó nem piedade. Mas as ameaças dos militares não apagaram da memória a cena do seu pai ir embora com os nazistas para algum lugar desconhecido. Conhecendo o destino dos judeus e a morte brutal de Naftali, ele percebeu que nunca mais veria o seu pai.

Iurik viu a situação deplorável do rapaz e se prontificou em ajudar. Sujo e chorando, o jovem contou que levaram Heiko para matá-lo fora do gueto. Naquele momento as pessoas, todas judias, não levantaram uma palha para ajudá-lo, sequer foram solidárias. O único mesmo foi o policial que ajudou o afilhado, levando-o até o seu apartamente no pequeno gueto.

— Eu sinto muito, Sofia — disse Iurik com grande tristeza.

A família restante, principalmente Sofia, choraram pelo ocorrido com Heiko. Mesmo no seu último momento de vida ele demonstrou ser um verdadeiro pai ao salvar Wolfram das garras dos nazistas.

— Como vamos viver? Como vai ser a nossa vida pela frente? Primeiro o Jacob e agora Heiko. Eu não quero acabar sozinha.

— Mamãe, não vai ficar sozinha. A senhora tem a nós ainda — respondeu Angela.

Os dois filhos abraçaram Sofia. Por mais que tenha perdido um filho e um marido, ainda tem a companhia de mais dois filhos.

Os dias foram passando. Dessa vez a matriarca da família encontrou um emprego como costureira numa pequena fábrica de tecelagem. Aquilo foi uma benção para ela, haja vista o desaparecimento do marido ainda a atormentava. Basicamente era ela usando uma máquina de costura e criando peças para mulheres arianas usarem. Tirando as horas exaustivas de trabalho, ela ficou bem e o patrão não era tão abusivo quanto os outros alemães. E foi por volta desse período que ela conheceu uma pessoa que conhecia um contador judeu que trabalhava na famosa fábrica de panelas de Oskar Schindler.

 

Novembro de 1941

Os revolucionários sionistas planejavam fazer vários ataques contra os guardas alemães tal como acontecia em Varsóvia. Continuaram recrutando novos membros, sobretudo os mais jovens. E isso fez a cabeça de Wolfram.

Durante dois anos ele foi oprimido pelos nazistas. Testemunhou a morte cruel de um amigo e agora o seu pai provavelmente fora morto. A partir dali ele nutriu um ódio por qualquer um que fosse alemão e não judeu. Seu comportamento ficou mais agressivo, maltratou a mãe por não ser judia, deixou o cabelo crescer — escondendo sob o chapéu. Sem saber que indiretamente o causador da morte do seu pai fora Sebastian, ele pediu para entrar no grupo revolucionário sionista a fim de lutar contra os guardas alemães. Sofia, Angela e August se opuseram firmemente a isso, porque eles eram contra violência armada mesmo contra seus algozes nazistas.

— Você tá trazendo ruína para nós, garoto. Mamãe vai morrer de preocupação!

— Azar dela. Eu passei muito tempo quieto, muito tempo vendo a morte de pessoas que eu conheço. Um dia desses eu vi uma criança morrer de desnutrição e nada foi feito. Odeio os arianos, odeio quem não seja judeu.

— Como a nossa mãe?

Wolfram saiu de casa agasalhado por causa da neve que caía.

O ponto de encontro dos revolucionários era nos fundos de um restaurante improvisado. Cerca de cinquenta homens se reuniram para traçarem planos de confrontamento.

...

Munique, Alemanha

Meses se passaram desde que Ilona reencontrou Wolfram, mas nunca teve a coragem de ir ao gueto tentar conversar com ele. Também o seu primo fez de tudo para ela voltar para a Alemanha pois a Polônia não havia se tornado um ambiente seguro a ela — e também para afastá-la de qualquer pista que ligue à morte de seu pai.

— Ela tentou ir para o gueto um dia desses. O que pensou em fazer num lixo daquele? 

— Minha filha não é tola. Algo aconteceu por lá para que ela ficasse com essa ideia na cabeça.

Grimsley retornou para a Alemanha para um evento da força aérea e aproveitou para falar sobre Ilona para a tia. Ainda com o braço em recuperação e usando o seu uniforme militar.

Antje ligou para a filha. Na Polônia o telefone da casa de Brianne tocou e foi atendido pela empregada, mas Ilona correu para avisar que a ligação era para ela.

— Mamãe, o Grim já fez fofoca? 

— Fofoca? Você interessada no gueto? Porque esse interesse naquele local perigoso?

— Eu não fui ao gueto para me encontrar com judeus. Brianne tem um amigo que trabalha como guarda lá e fomos vê-lo.

— Dê o telefone para ela.

Brianne confirmou a falsa história do amigo. Depois da confirmação das duas, Antje ficou conformada. Ilona pediu para a mãe não ser influenciada por outros, sobretudo pelo primo. A mulher assentiu, a princípio. Encerraram a ligação.

— Escute, Grim. Prometi para ela não virar Sherlock Holmes, mas isso sou eu. Você poderia vigiá-la?

— Claro que sim, tia.

 

Cracóvia, Polônia

Meses se passaram desde o último encontro entre Ilona e Wolfram. Apesar da conclusão dela de que ele era o tal menino da praia, não foi de imediato tirar a dúvida. Esperou por semanas até ter a coragem de ir ao bairro judeu. Tanto ela quanto Brianne foram barradas por um soldado da SS, que a reconheceu e informou para Grimsley. Desde então havia um par de olhos nela que a impossibilitou retornar ao local.

— Vamos voltar ao gueto.

— Está maluca, amiga!

— Eu preciso reencontrar aquele judeu e tirar a dúvida. Brianne, você não precisa me acompanhar até dentro do gueto. Fique fora e um soldado me acompanhará.

Brianne suspirou e continuou a achar que aquilo era loucura da amiga. Entretanto, por pressão de Ilona, assentiu em ir.

Quando chegaram na entrada do gueto um soldado nazista parou as duas. Elas desceram do carro e deram uma desculpa esfarrapada para estarem ali.

— Eu te disse que não deixariam a gente entrar. Melhor voltarmos agora mesmo.

Mas Ilona não quis saber de voltar e perder todo o caminho. Pediu ao motorista para dar uma volta e ir para uma entrada alternativa.

— Senhorita, o gueto só tem uma entrada.

Quando quase estava sendo convencida a desistir de tudo eis que um guarda bateu no vidro do carro.

— Posso ajudá-las?

Brianne se enfiou no meio e cumprimentou o jovem guarda. Ele se apresentou como Joachim Jackson.

— Eu posso guiá-las em segurança para o destino. Agora as damas precisam ficar juntas a mim.

— Obrigada, senhor Jackson — agradeceu Scherzinger.

Os três entraram no gueto. As primeiras impressões não foram nada agradáveis: pessoas magras pedindo esmolas, lixos na rua, sujeira e imundície. Aquilo deixou as moças desconfiadas pois sempre foram avisadas que os judeus eram bem tratados. Uma realidade crua e cruel.

— Joachim.

— Sim?

— Estou procurando especificamente um judeu. Alguém que eu conheço, mas que por infelicidade é um judeu. Podes me ajudar.

— Claro. Qual o nome do indivíduo?

— Wolfram.

Aquele nome deu um nó na cabeça de Joachim. Era o mesmo do Wolfram que ele conhecia. Falou que conhecia o rapaz e que levaria as duas imediatamente ao pequeno gueto para se encontrarem com ele.

— Eu ainda estou abismado com tamanha coincidência.

— Acho que você o conhece melhor. Pode me dizer como ele era antes de vir morar no gueto?

— Se eu te dissesse que a família do Wolfram é rica? Sim, minha mãe já foi empregada doméstica deles. Mas eu tinha mais contato com o irmão gêmeo dele, Jacob, pois o Wolfram era mais na dele. Até eu não acreditei que ele estava nesse lugar.

— Disseram que o gueto não era tão ruim de se viver — disse Brianne.

— Depende do ponto de vista. Meu chefe odeia judeus e acha que aqui é o paraíso. Eu já não tenho essa mesma perspectiva pois sei que judeus são pessoas decentes como qualquer um.

— E como aceitou trabalhar como guarda de gueto?

Aquela pergunta de Ilona foi interrompida quando chegaram lá. Joachim explicou que aceitou o trabalho, porque era uma das poucas coisas que rapazes pobres como ele conseguia. Na verdade ele queria ir para o exército, mas Berlim ameaçava quem se recusasse a prestar serviços seja no exército ou como guarda de gueto.

— Chegamos.

Sofia atendeu a porta. Ela sabia quem Joachim era, mas ficou surpresa ao ver duas donzelas bem arrumadas na sua porta. Permitiu que entrassem.

— Se o teu chefe te pega... menino, você terá problemas.

— Não, dona Wilczogórski. O tenente Buchmann não veio trabalhar hoje.

Naquele momento apenas Sofia ficou em casa. Angela e August saíram com a intenção de comprar algo na feira.

— Vocês chegaram num momento talvez ruim. Ninguém em casa. Eu fui a única que não fui trabalhar hoje pois o meu patrão não abriu hoje.

— Senhora, eu preciso que me ajude para algo importantíssimo. Conhece este livro? — Pegou o objeto de dentro da bolsa e entregou para a anfitriã. Ela analisou e disse que era um livro infantil que dera para os filhos no passado.

— Esses livros eram comuns. Não sei quando dei, mas os meus filhos adoravam.

— Quando eu era criança, quando os meus pais me levaram para uma praia, eu conheci um menino muito gentil que me deu esse livro. Sabe o que ele significa pra mim? Eu o carrego desde bem nova e até me inspirou a ser enfermeira. Sempre tive vontade voltar a vê-lo outra vez, mas nunca mais. Há alguns meses eu soube que Wolfram é esse menino. Eu vim para conversar com ele.

Sofia entregou o livro e se levantou. Explicou que se fosse meses atrás poderia encontrar um Wolfram mais simpático, porém o Wolfram de agora tornou-se um militante revolucionário que odiava arianos. Explicou que seu esposo morreu nas mãos dos nazistas e depois disso ele transformou-se em outra pessoa.

— Não sei se seria uma boa escolha ter esse reencontro agora.

Entretanto, Wolfram apareceu diante de todos para a surpresa de Ilona. Ficou novamente cara a cara com aquele homem que tanto a inspirou no passado. A mudança mais significativa à primeira vista foi a aparência física dele, haja vista deixou os cabelos crescerem até a altura dos ombros e usava uma faixa vermelha na cabeça. O rapaz ignorou todos ali e foi pegar algo no quarto.

— Aonde vai? Ilona — disse Brianne ao ver a moça segui-lo.

Dentro do quarto, ela pediu que ele parasse por um momento para conversarem.

— Não vou tomar muito do seu tempo. Pode me escutar, por favor?

— Que não demore muito — ele se sentou no banco.

Entregou o livro para ele. Revelou tudo sobre aquele encontro que tiveram quando crianças e depois do reencontro pouco tempo atrás.

— Esse livro é tudo o que me faz ser o que sou hoje.

— Olha... moça, eu não quero desapontá-la. Essa histôria de se espelhar num mero objetivo é algo maçante de se ouvir.

— Para você, talvez. Para mim foi um divisor de águas. Vim para agradecer...

— Já veio, já agradeceu, ponto final. Faça o favor de se retirar, de colocar seus pés para fora da casa de uma merda de judeu.

Ao ouvir a voz do seu filho ficar mais alta, Sofia foi até o cômodo para repreendê-lo. Wolfram ficou transtornado e sem paciência alguma para ouvir a própria mãe.

— Para de defender esses bastardos, mamãe. São arianos que não merecem nenhuma consideração. Sim, eu tenho ódio dos alemães. Ó-D-I-O. Minha vida virou um inferno por causa de todos vocês. Presenciei a morte do meu amigo por causa de vocês, meu pai morreu por causa de vocês!

— Filho!

— Ai, vamos embora, amiga.

— Espera. Não pense que todos os alemães concordam com o que acontece. Nem todos possuem influência no governo para impedir as desgraças. Estamos todos de mãos atadas.

— Ouça a moça, filho. Recentemente você foi possuído por esse ódio que não te faz nada bem.

— Não, não, não... Eu não posso dar ouvidas a ela. Não posso compreender como a senhora virou traidora, mamãe. Somos nós contra eles e mesmo assim fica do lado deles. Quer saber de uma coisa — pegou o livro e rasgou na frente de Ilona. Sofia ficou chocada com a atitude do filho. — Eu dei esse livro por pura pena mesmo. Um objeto que não tem valor algum e uma patética como você com essa história de "ain, eu me inspirei nisso". Esqueça que eu existo.

Por incrível que pareça Ilona recolheu cada pedaço do livro sem se importar. Aquilo deixou Brianne furiosa, puxando a amiga para irem embora.

— Senhoritas, esperem — disse Joachim.

— O que deu em você, filho? Quanta desconsideração, apatia. A moça veio apenas para conversar.

Ele pegou uma pequena caixa de madeira debaixo do colchão e saiu sem falar com a própria mãe.

Fora do prédio, Ilona viu Wolfram se juntar com um grupo de judeus e partir no meio da multidão. Ela caminhou ainda com os pedaços do livro na mão e ainda com a fúria de Brianne ao seu lado.

— Aquele cretino não devia ter feito isso. Mas eu te disse que era uma péssima escolha ter que vir. Judeus não são confiáveis.

— Não, Bri. Aconteceu algo grave para ele ter se tornado daquele jeito. Não ouviu o que a mãe dele disse? O pai foi levado pela SS e provavelmente morto. Aconteceu na frente dele e não fez nada.

— Mas... mas ele quase te agrediu.

— Não é para tanto.

Joachim se intrometeu na conversa. Revelou ter ouvido falar que um ano antes Wolfram trabalhava num jornal e que viu um amigo morrer.

— Que amigo?

— Não sei de muitos detalhes, mas parece que atiraram de um local desconhecido e o tal amigo morreu nos braços dele. A dona Sofia quem me disse.

Ilona agradeceu a ajuda que Joachim deu para elas e pediu que ele vigiasse Wolfram por ela. O guarda não deu certeza, pois dependia do turno. Mas prometeu fazer o possível.

Dentro do carro, Ilona chorou. Não choro de raiva ou tristeza, e sim de alegria. Reencontrou o menino da praia. Antes se encontraram em duas ocasiões distintas.

— Brianne, lembra daquele jornal que visitamos naquela excursão da faculdade?

— Sim, lembro-me quando conhecemos o seu amigo. Desde lá era ignorante quanto hoje.

— O soldado disse que um amigo do Wolfram morreu em seus braços quando ele trabalhava naquele jornal. Tenho que investigar isso.

— De novo não.

Um outro carro ficou longe, com Olga observando as duas.

...

Jacob se preparou para ir para a Alemanha. Um carro de luxo foi buscá-lo com o mordomo da família Fitschen. Nervoso, o rapaz apenas obedeceu ao que o velho disse e foram para a estação de trem para Berlim.

Dentro de uma cabine só para ele, Jacob sentiu um peso na consciência. Parece que as coisas fugiram do seu controle.

— Senhor Ralph, precisa de alguma coisa? — perguntou o mordomo.

— Não, obrigado. Eu jantei mais cedo — ficou observando a paisagem pela janela.

 

Berlim, Alemanha

O trem parou no horário certo na estação. A classe A saiu primeiro. Jacob foi orientado pelo mordomo até o carro da família Fitschen.

— Não precisa ficar nervoso, senhor. A senhora Fitschen é um doce de pessoa.

— Eu sei. É que me adotaram já velho demais. 

O carro passou pela capital alemã. Era naquela cidade que Adolf Hitler morava e mantinha o seu governo racista. Apesar de ser alemão, Jacob nunca foi para a capital antes.

A mansão Fitschen ficava num lugar mais periférico do centro. Os portões abriram para dar passagem ao veículo e a entrada do mais novo membro da família. Sandra aguardou Jacob do lado de fora.

— Bom dia senhora. Eu me chamo Ralph...

A mulher deu um forte abraço nele como se fosse seu próprio filho. Por um momento ele sentiu o mesmo calor da sua mãe.

— Desculpa. Vamos entrar.

Ela mostrou a mansão para Jacob e o quarto onde ele dormirá dali em diante. Foi espantoso ver o jeito dúlcido que uma alemã, esposa de um nazista, tratava um rapaz que sequer conhecia. Claro que o fato de não saber que ele era judeu também ajudou.

E passou o dia todo. Sandra chamou-o para o jantar. Apenas os dois à mesa quando ela desabafou sobre o seu desejo de ser mãe, porém que o casal não conseguia ter filhos.

— Eu sei que parece estranho hoje, mas espero que possamos nos dar bem durante esse tempo.

— Sim, senhora.

— Agora vou deixá-lo descansar. Durma bem e aproveite enquanto pode.

Jacob agradeceu a hospitalidade dela e deitou na cama. Por todo aquele dia esqueceu da sua origem, apenas depois que ficou sozinho no quarto se deu conta do jogo perigoso que estava envolvido. Um judeu em Berlim? Inimaginável. Há poucos quilômetros vivia Hitler em seu bunker.

 

Escola Cívico-militar da Juventude Hitlerista

Dias depois...

A importância da família Fitschen não podia ser desdenhada. O patriarca era simplesmente um dos soldados de alta patente mais fiel do nazismo.

O diretor pediu que todos os alunos fossem ao pátio principal, fora da parte interna, para uma cerimônia de boas-vindas aos novos estudantes. Entre eles apareceu Jacob, bastante nervoso por motivos óbvios.

— Quero apresentar a vocês o último aluno novo. Ele que veio do leste e que a sua família alemã fora perseguida e morta por fanáticos comunistas. Apresento-lhes Ralph Fitschen.

Os alunos fizeram um gesto como uma saudação. Em seguida veio o mais difícil para Jacob: jurar perante a estátua de Adolf Hitler.

Uma estátua de bronze de tamanho real de Hitler ficava na frente do pátio. A réplica era acompanhada por duas bandeiras da suástica e uma suástica de bronze na base da estátua. O objeto tinha uns dois metros e meio, claro com a base.

Foi difícil. Por dentro ele gritava de sofrimento, haja vista milhares de Jacobs morriam todos os dias por aí e ele numa escola luxuosa e adorando a suástica. Sem firulas, pois o diretor apressou-lhe, esticou o braço com a saudação nazista.

— Diga "Heil Hitler".

— Heil Hitler.

O diretor parabenizou o novo aluno. Todos aplaudiram e foram cumprimentá-lo.

Durante o refeitório, Jacob fez amizade com outros alunos veteranos da mesma classe. O que mais se aproximou foi o jovem James Gutemberg.

O refeitório era bem organizado, com mesas de madeira da cor tabaco. Os lugares eram devidamente reservados para que não houvesse enganos ou brigas entre alunos. Imprescindível notar que todos os alunos vestiam a camisa marrom, parecida com a predecessora da SS atual.

— E aí, cara? Não vai dar um de esquisito e não falar com ninguém. A última vez que vi um novato foi tão esquisito. O cara simplesmente não falava!

— Pois fique tranquilo que eu não pretendo ficar mudo, amigo. Ralph Fitschen.

— James Gutemberg.

Ambos apertaram as mãos. Esquisito como naquele momento sentiu-se normal e sem receio. Era como se a guerra e a caça aos judeus nem existissem, tamanha a tranquilidade do ambiente.

— Olha só, amigão. Aquela garota tá te olhando.

— Quem?

James apontou para uma moça numa outra mesa. Ela era branca, olhos azuis e cabelos pretos. As madeixas escuras entrelaçadas numa trança única. Indubitavelmente algo assim aconteceria: uma moça ficaria encantada com a beleza de Jacob. Ele era tudo o que os nazistas sonham: loiro, alto, forte, olhos azuis e inteligente. Tais atributos chamaram a atenção de algumas alunas que viram Jacob como o namorado ideal. No entanto, apenas a morena de trança teve a coragem de ir até ele.

— Você deve ser Ralph. Seja bem-vindo, Ralph. Eu me chamo Lola Dawmenstein. Somos da mesma classe.

— Obrigado, Lola. Vai ser um prazer conhecê-la melhor.

James pigarreou para cortar o clima dos pombinhos, pois faltavam poucos segundos para ir ao dormitório masculino.

— Eu sei que o casal quer se conhecer melhor, mas simplesmente não vai dar para ser agora.

Um professor tocou o sino. Hora de se retirarem para os seus quartos. Sim, a escola era interna.

— Cara, você tem muita sorte em conquistar o coração da Lola. Ela é difícil de se conquistar. Queria ter essa sua sorte.

— Vai ter, meu caro. Só precisa nascer de novo.

— Ah, para pô. Não sou tão feio assim. Ainda terei a minha sorte à vista e conquistarei a garota dos meus sonhos.

No dormitório, Jacob pegou os objetos para o banho e aguardou James terminar o seu. Cada quarto tinha um banheiro para que os alunos pudessem tomar seu banho. Cada dormitório suportava até quatro alunos e homens eram separados das mulheres por motivos óbvios.

— Jesus Cristo, odeio a aula chata do professor de biologia.

— Por quê?

— Ele tem umas paranoias de perfeição ariana, culto à personalidade, etc. E tem gente que vive enchendo o saco dele pra ganhar notas boas.

— Não sei por que, mas isso me dá um calafrio. Tomara que ele não pegue no meu pé.

Na aula de biologia o professor Ernst Frances Von Kramer iniciou explicando sobre a eugenia e que os povos arianos eram geneticamente superiores. Numa aula sobre pseudo-ciências, que acreditava que era ciência, Von Kramer usou e abusou de anacronismos e sofismos para justificar o injustificável.

— Parece que temos um novato na sala e só lembrei agora de apresentá-lo. Diga o seu nome, rapaz.

— Ralph Fitschen, senhor.

— Ralph... já vi um ou dois arianos com esse nome e eram morenos. Mas você é loiro... Venha aqui, Ralph.

Jacob se levantou e foi para a frente da classe. O professor mediu o rosto e a cabeça dele com uma trena.

— Hum, parece que você é descendente de povos não só germânicos mas também de escandinavos. Rosto alinhado, nariz para frente, olhos azuis não muito grande, fios louros com raízes alaranjadas. Eis aqui o modelo perfeito do ariano de sangue puro, do homem perfeito que o Führer precisa e que a Alemanha está disposta a buscar. Sente-se. Dizem que na Argentina e no Brasil, dois países latinos, existem arianos. Na colônia britânica da África do Sul existem arianos que falam a língua africâner, sem falar no leste europeu e na Ásia. Precisamos repatriar esses irmãos perdidos custe o que custar! Por exemplo, o senhor Fitschen aqui viveu muitos anos no leste, convivendo com os eslavos e teve a sua família morta por Stálin. Quantos dos nossos irmãos estão sofrendo nas mãos vermelhas comunistas? — o sino tocou. — Isso é tudo e façam a atividade curricular até a próxima semana.

Aquela aula de biologia era carregada de doutrinação, assim como os comunistas faziam em Minsk. Jacob terá de suportar mais pessoas coletivistas e que cultuavam seus ditadores. Anos quarenta não foi fácil.

Passaram dias, semanas e meses. O rapaz dedicado começou a se entrosar com os outros alunos. Sequer sabiam que era um judeu ali, respeitavam-no e a sombra da guerra nem existia mais. No seu leito continuou a pensar na sua família, na sua mãe, seus irmãos, seu avô... seu pai.

— Pensando na morte da bezerra, amigo?

— Na minha família. Alguns parecem ter sobrevivido. Um dia eu irei atrás deles e terei a certeza de que estão vivos ou mortos.

— É. Deve ser duro não saber nada sobre eles. Os russos são umas pragas mesmo. Porém deve valer à pena ser adotado pelo coronel Fitschen. Queria eu ter a sua sorte. Aí, viu que a Lola tá sempre ali te rondando.

— Não sei se o que ela quer é namorar comigo, afinal estou aqui há dois meses e meio. Ela vive ocupada com o grupo de costura e quase não nos vemos exceto nas aulas.

— Eu penso que a relutância parte de você, meu amigo. Tá na cara que Lola ficou na sua, mas sempre você se esquiva. Será que há alguém que você gosta?

Jacob relembrou Dorota. Dois anos sem vê-la virou um tormento.

 

Janeiro de 1942

— Eu me chamo Reno Schmidt, tenente-coronel do exército e novo tutor de vocês para o Grande Campeonato juvenil da juventude hitlerista. Como sabem, todos os anos, entre os meses de janeiro e fevereiro, os alunos homens são convocados para uma competição de atletismo e outros esportes, visando o bom condicionamento da raça ariana. No entanto, os dois anos anteriores não tiveram as suas respectivas competições pois a guerra havia iniciado. Estamos com sede de saber se alguém aqui vai conseguir ultrapassar os feitos do nosso maior modelo e que ainda está invicto desde a década passada. Boa sorte a todos.

A curiosidade de Jacob fez perguntar para James acerca do aluno com o melhor desempenho. A resposta foi categórica: Grimsley Forchhammer.

O verdadeiro problema do garoto judeu que se passava por nazista era que o seu corpo não lhe ajudava com a farsa. O seu corpo fora marcado desde a tenra idade. Seu prepúcio, como qualquer judeu, fora cortado, e uma das avaliações médicas era feita numa sala com um médico vendo o aluno nu.

E agora?

...

Conferência de Wannsee

Adolf Hitler ordenou ao Herman Göring para dar início a um plano final contra os judeus. Este ordenou ao Obergruppenführer Reinhard para marcar uma reunião com pessoas importantes para traçarem um plano de genocínio judaico. Tal plano chamou-se Solução Final da Causa Judaica. Agora os judeus não serão apenas alocados em guetos e campos de trabalhos forçados mas também seriam enviados aos campos de extermínio espalhados na Polônia.

O padrinho de Ilona foi o agente primordial para a Solução Final. Por causa dele seis milhões de judeus foram abatidos como gado em abatedouros humanos. Trens levavam os homens, mulheres e crianças em vagões lotados e eram praticamente jogados em salas fechadas. No início o gás carbônico era utilizado, porém a sua eficiência sempre se mantinha em xeque (muitos judeus demoravam para morrer). Surgiu então um pesticida ultra poderoso, um agrotóxico, chamado Zyklon B feito de ácido cianídrico e que era letal para animais grandes, inclusive humanos. Com leve cheiro amendoado, o gás era jogado ainda em cápsula no quarto fechado e assim o gás se espalhava imediatamente, matando todos ali. O horror era tanto que os gritos até assustavam alguns nazistas que guardavam a sala do lado de fora.

E assim morreram seis milhões de judeus, porque o padrinho de Ilona se reuniu com alguns líderes e decidiu que o fim dos indesejáveis seria assim. Claro que a população comum, que ainda mantinha a credibilidade a Hitler, sequer imaginava isso. Nem mesmo Hitler com toda a sua crueldade se atreveu a visitar um campo de concentração. Como governante e pessoa pública, sua figura era preservada, mas nos bastidores mandava os lacaios fazerem os trabalho sujo. Aprovou o uso do pesticida genocida. A porta do inferno abriu e muitas vidas seriam ceifadas.

...

Cracóvia

A coisa mais frustrante para a Ilona era ter que passar o Natal e o Fim de Ano triste, pensando no bem-estar do Wolfram. Aquelas noites alegres e com a família reunida não fez sentido para ela.

— Filha, parece triste? Não se esqueça que hoje é um novo ano — falou Antje.

A única resposta que obteve da filha foi um silêncio.

O único que notou uma mudança no comportamento dela foi Grimsley. Não à toa que sempre mandava Olga vigiar a prima, e nesse meio tempo descobriu que ela entrou no gueto pelo menos uma vez.

— Ela tem alguma coisa de interessante dentro daquele gueto.

— Por favor, Olga. O que teria de interessante num ambiente sujo como aquele?

— Meu amado Grim. Você é ingênuo demais, meu amor. A sua prima está apaixonada e o motivo dessa paixão está dentro daquele gueto. Só não há certeza se o causador dessa paixão é um dos nossos ou...

— Ou o quê?

— Um judeu — Grimsley gargalhou da cara dela e desdenhou daquela ideia que para ele era estapafúrdia. — Ué? Quantos judeus viviam em Cracóvia antes de serem levados para o gueto? Quantos judeus viviam na Alemanha? Será que todos eles eram pobres ou nunca frequentaram a mesma escola que a sua prima? Meu bem, cresça e apareça. Você é muito ingênuo. O coração de uma mulher pode ser arrebatado até por um rato de esgoto.

A partir daí a preocupação aumentou em Grimsley. Seria um golpe forte na sua família. Um escândalo de grandes proporções. Precisava manter o controle e impedir que Ilona avance.

 

Gueto de Cracóvia

O carro parou na frente do gueto e dele saíram Ilona e Brianne. Mais uma vez queria entrar e ver o seu antigo amigo. No entanto, os soldados foram categóricos em não deixá-las passar.

— Sinto muito, senhoritas. Esse ano é terminantemente proibido passar desta entrada.

— Essa ordem parte de quem?

— De mim. Permita-me que eu me apresente. Sou o tenente Arthur Buchmann e responsável direto do gueto. É uma honra conhecer pessoalmente a filha do Major Scherzinger. 

— Senhor Buchmann, será que podemos entrar?

— Não pode, senhorita. Até mesmo alguns empresários estão saindo do gueto. As ratazanas judias serão enviadas a outros lugares e assim diminuir a lotação. Não é seguro duas damas ficarem aqui. Mais alguma coisa?

— Não, obrigada.

Brianne alertou a amiga de que aquilo ficara perigoso demais. Um tenente da SS acabou de vê-las e isso poderia trazer transtornos futuros. Porém, indubitavelmente, só o fato de um chefe ficar na entrada do gueto e conversar com as duas mostrou a Ilona que algo de muito grave estará para acontecer. A vida de Wolfram ficará mais difícil a cada dia.

 

Num bar do centro da cidade, Joachim Jackson ainda fardado entrou e sentou na mesa em que as duas moças estavam. Ao longe, dentro de um carro, Olga observou tudo.

— Parece que os judeus serão levados para Auschwitz e outros campos de extermínio a partir desse ano.

— Como é que é? Extermínio?

— Silêncio, Brianne. Deixe o moço falar. Continue.

— O governo ordenou que construíssem campos para exterminar judeus e outros indignos de viverem.

— Pensei que eles eram enviados aos campos para trabalharem. Como chegamos a esse ponto?

— Eu sei que o comando da SS ficou muito mais agressivo do que nunca antes. Isso foi há poucos dias.

— Certamente aconteceu algo que mudou os rumos das decisões.

A amiga de Ilona se levantou e alertou que um carro continuava parado na frente do bar com uma pessoa dentro. Olga pediu ao motorista que fosse embora imediatamente.

— Isso deve ser coisa do meu primo. Preciso ser cautelosa e preciso da sua ajuda, Joachim.

— Minha?

— Vamos salvar Wolfram e a sua família de algum jeito.

Alguns dias se passaram desde o encontro no bar. Ilona viajou imediatamente para a Alemanha a fim de se encontrar com o chefe do antigo jornal que Wolfram trabalhava.

Em Berlim, Siegfried Bonner recebeu Ilona na porta de sua casa e convidou a dama para um passeio. O clima agradável da capital alemã contribuiu para a boa conversa.

— O senhor está me dizendo que esse amigo do Wolfram morreu sem mais nem menos na porta do seu jornal?

— Vamos nos sentar naquele banco. Sim, foi muito estranho e rápido. Segundo o Wolfram, os dois andavam juntos no momento da morte do jovem.

— Mas como assim a pessoa morre sem mais nem menos?

— Não foi sem mais nem menos. Alguém assassinou o garoto de longe, porque ouviram um disparo sem que houvesse suspeitos. Pela minha experiência como caçador aquilo foi rifle.

— Podia ter sido um soldado da SS, não?

— Não. Tanto Naftali quanto Wolfram eram meus empregados, por isso os soldados não tinham o direito de matarem de forma sumária. Quem matou o amigo de Wolf veio de fora e fez isso de algum lugar estratégico. Na frente do jornal havia apartamentos que poderiam servir de lugar estratégico para o atirador misterioso. Infelizmente eu não pude investigar, porque fecharam o meu jornal por uma matéria que eu fiz de Auschwitz. Entretanto, retornei para Cracóvia um ano depois e decidi investigar o caso e me passei por investigador particular. Foi difícil, porém encontrei a família que fora invadida pelo assassino. Um ano ficaram com o peso na consciência e revelaram que foi um soldado nazista que matou Naftali. Eu apresentei as fotos de todos os soldados que trabalhavam na segurança do jornal, infelizmente nenhum deles fora reconhecido.

— Só pode ter sido alguém de fora.

— Foi alguém de fora! E o meu temor foi que era para Wolfram ter morrido.

— Peraí. Por quê?

— Porque naquele dia o Wolfram não usava a faixa com a estrela de Davi no braço. Naftali, porém, usava. Acho que o assassino misterioso mataria os dois se Wolfram usasse a faixa. O cara deve ter achado que Naftali era o único judeu naquele momento, por isso só matou um. E tenho por mim, senhorita, que algo de anormal aconteceu no dia anterior, dia que vocês visitaram o jornal.

— Acusa a universidade de estar envolvida na morte de uma pessoa?

— Pense bem, senhorita. Dou a minha palavra de que nem mesmo os nazistas que vestiam farda naquele momento seriam capazes dessa barbaridade. Isso ocorreu de fora e a única excepcionalidade naquele dia foi a visita de vocês ao meu jornal.

A jovem tentou lembrar algo daquele dia da visita. Bonner implorou para ela se lembrar de algum detalhe diferente. Claro, veio o susto.

 

 

— O que a senhorita deseja?

— Que me olhe nos olhos. É tão covarde assim para não olhar nos olhos de uma dama? Eu sei que sou superior a ti...

— Não sou inferior!

— Ilo... na.

— Professora, já estamos indo. Vamos, Brianne.

 

 

— É claro. Tenho que voltar para Cracóvia imediatamente!

— Espere. Tome. Esse é um livro de poesias que Wolfram deu pra Naftali. Quando este morreu, fui presenteado. Agora dou a você.

— Engraçado. Wolfram sempre demonstra o seu amor nos dando livros. Acho que ele lê a nossa mente e materializa o que somos e sentimos num livro e nos presenteia — Ilona começou a chorar. — Preciso de alguma ajuda, senhor. É a minha obrigação tirá-lo daquele gueto.

— Pode contar comigo, senhorita — ofereceu um lenço.

...

Ainda no gueto, as coisas ficaram cada vez mais difíceis para os judeus. Comboios com mais soldados chegaram e muitos judeus saíam dali. Quem era desempregado saía direto para os campos de extermínio.

O desespero bateu, haja vista ninguém quis parar de trabalhar. Muitas empresas ficaram lotadas e já não contratavam mais pessoas nem que seja para trabalho escravo.

Nesse tempo, Buchmann ficou cada vez mais cruel. Sempre no café da manhã escolhia um judeu velho ou doente e executava com um tiro na cabeça no meio da rua.

Ao mesmo tempo que o cerco se fechava, o movimento da resistência judaica se preparava para atacar os guardas do gueto. Sebastian e Karl planejaram um ataque a bomba e depois usar as armas de fogo para matar os guardas restantes. Para isso, bombas caseiras foram transportadas pouco a pouco durante meses até uma quantidade significativa. O plano era atrair a grande maioria dos guardas, incluindo os chefes, e explodir no horário do toque de recolher, após o fechamento das fábricas, antes da troca do turno da noite. O lugar específico era um depósito abandonado em um prédio com quase nenhum morador no pequeno gueto.

— E esse trabalho é para você — apontou Sebastian à Wolfram.

— Pode contar comigo.

— É claro que eu conto. Todos nós possuímos a nossa parte nessa revolução. Como uma colmeia onde cada uma das abelhas possuem a sua tarefa específica. Dentro de alguns dias juntaremos forças com os nossos irmãos de Varsóvia. É só.

Os membros da resistência foram saindo antes que os guardas desconfiassem de algo.

De volta para casa vê a sua irmã e o seu avô preocupados com algo. A sua mãe ainda não voltou do trabalho. Junte isso com o fato dos nazistas estarem levando judeus para fora do gueto sem nenhuma consideração. Assim Wolfram saiu de casa e foi procurar a mãe.

O trabalho de Sofia deixou-a desgastada demais, haja vista mudou para uma fábrica de panelas. Eram mais de doze horas de trabalhos e com pouquíssima remuneração.

— Mãe?

A mulher quase desmaiou na rua. Wolfram levou a mãe de volta para casa.

— Estou bem. Apenas uma dor de cabeça.

— Não parece ser uma dor de cabeça, Sofia. Você tá ardendo em febre. Angela, faça um chá para a sua mãe. Wolfram, molhe um pedaço de pano. Temos que fazer esse febre baixar.

Angela não desculpou Wolfram pelos desgostos que ele deu nesses últimos meses. Puxou o seu braço e foram para a cozinha.

— Sabe que mamãe está assim também por preocupação contigo, não? Você já desrespeitou todo mundo aqui de casa.

— Já parou com o sermão?

— Será que você não se enxerga? Transformou-se num extremista. Acorda. Será que nunca se perguntou como foi que o teu antigo chefe morreu na própria oficina?

Mas Wolfram fez pouco caso daquilo. Seu objetivo ainda era trabalhar para Sebastian e confiava nele totalmente.

...

Cracóvia

O carro parou na frente de um prédio de classe alta. A jovem Ilona saiu do veículo e adentrou no imóvel. Pegou o elevador para o terceiro andar, tocou a campainha no apartamento da sua ex-professora.

— Senhorita Fraveau, sou a Ilona. Combinamos conversar no dia de hoje. Por favor?

A mulher abriu a porta e convidou a sua antiga aluna para sentar no sofá da sala. Pediu para a empregada trazer chá e biscoitos.

— Pode retirar o chapéu e colocar no mancebo perto do vestíbulo.

— Obrigada.

— Eu serei direta, professora.

— Os biscoitinhos! Sirva-se com chá de ervas. Fica uma delícia.

Fraveau adoçava o chá com uma pequena colher.

— Eu vim aqui para falarmos daquele dia em que vistamos aquele jornal chamado Beliebt Zeitung. Lembra?

— Oh sim, obviamente. Aquele passeio foi excelente, os alunos se divertiram. Você se divertiu.

Ilona se levantou com a xícara e o pires na mão.

— Foi um belo dia, exceto pela carnifina que ocorrera dia depois. Recentemente fui informada que um pessoa morreu na fachada do jornal.

— Li nos jornais. Apenas mais um judeu que decidiu dar um de engraçadinho e se deu mal. Só um momento, querida. Zilah, os biscoitos estão frios. 

— Senhorita, eu já falei que o padeiro deu-me numa temperatura morna. Quem precisa ser questionado é ele.

— Mas você devia ter reclamado com aquele velho pândego. Agora Ilona comerá biscoitos frios e borrachudos.

— Não se incomode. O chá tá de bom tamanho.

Fraveau deu um beliscão na empregada e devolveu a bandeja de biscoitos.

— Polonesas... mucamas evoluídas. Ainda assim não passam de mucamas. Senta, querida!

— Quero falar mais sobre aquele dia da visitação.

— Se vamos tomar chá e conversar acerca de algo tão trivial, melhor pararmos por aqui.

Estrategicamente Ilona concordou. A maior parte da conversa foi sobre outros assuntos desde política até sobre a morte do pai de Ilona.

— Olha a hora. A conversa foi boa, mas a minha irmã está para chegar.

— Agradeço a hospitalidade, professora. Entretanto, preciso saber de algo de suma importância. O garoto que morreu na frente do Beliebt Zeitung era aquele judeu que me desrespeitou no banheiro? Por que se for, a senhorita fez um ótimo trabalho.

— Nem sei do que está falando.

— Ora, senhorita. Tem o dedo seu nisso. Quando aquele maldito judeu levantou a voz para mim, a senhorita viu e ficou indignada. O assassino que matou aquele judeu... conhece ele?

— Saiba apenas que fiz o que julguei ser o certo. Desde quando um vagabundo grita com a filha de Henrich Scherzinger?

Ilona agradeceu a sinceridade da professora e desejou um bom dia a ela. Contudo, Fraveau se arrependeu de ter falado. Ligou para a casa de Grimsley.

No telefone da padaria Ilona ligou para Bonner. Confirmou que a professora revelou participação da morte de Naftali. Fraveau sabia da identidade do assassino. Era uma questão de tempo para ela contar a verdade.

Entretanto...

Grimsley pediu para um novo encontro com Fraveau num apartamento da periferia por volta das 19:00. Sem temer o inesperado, a professora chegou sozinha. Pagou o taxista e entrou no imóvel. Pegou o elevador para o segundo andar, viu a porta do apartamento entreaberta.

— Quer dizer que você revelou para a minha prima de que eu matei o tal fulano que gritou com ela?

— Eu não disse isso. Eu disse que fui eu quem tomou a decisão de contratar um assassino para aquele judeu.

— Ilona acreditou?

— Acho que sim. Bom, de toda a forma é a verdade.

— Uma parte da verdade, e conhecendo Ilona... não vai parar por aí. Professora Irina Fraveau, talvez cometeu um erro ao falar para a minha prima. Mas fazer o que, não é? Só não revele que eu sou o matador daquele judeu. Certo?

— Sim.

— A senhorita gosta de chá? — ele pegou um bule, encheu a xícara e segurou no pires. — Uma francesa radicada na Alemanha com hábitos ingleses. Notável.

Ela foi pegar o chá. Grimsley jogou a bebida quente no rosto dela, agarrou o seu pescoço e se lançou contra ela. Os dois caíram por trás da poltrona com o rapaz asfixiando-a com toda a potência das suas mãos. Irina morreu com o pescoço quebrado e olhos totalmente avermelhados. Depois da explosão de fúria, Grimsley foi à poltrona beber uísque.

— Agora o meu apartamento virou matadouro?

— Foi uma nece... necessidade. Mais cedo ou mais tarde ela revelaria para Ilona. Coisa de família. A filha do Scherzinger é persistente.

— Droga. Eu não vou desmembrá-la. Chame os seus amiguinhos e tirem esse cadáver da minha sala.

— Olga, mais uma boa nova?

— Sua prima tá saindo muito para fora da Polônia. Não sei o interesse dessas indas e vindas frequentes, porém a certeza que eu tenho é que um guarda do gueto vive pra cá e pra lá com ela.

— Um guarda do gueto? Será que...

— Não. O guarda nunca demonstrou afeto. Eu te disse que Ilona se apaixonou por um judeu e o guarda alcovita isso.


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