Cracóvia escrita por Sensei Oji Mestre Nyah Fanfic


Capítulo 1
Schutzstaffel - Quando uma farda amedronta




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Cracóvia, Polônia

6 de setembro de 1939

 

Os países aliados, que se opuseram à ocupação alemã na Polônia, fizeram o anúncio que entraram em guerra com as forças do III Reich. A notícia foi dada horas depois dos bombardeios começarem em Gdańsk. O Reino Unido da Grã-Bretanha e os demais estados da coroa também declararam guerra. Do outro lado do Reno, na França, os franceses também fizeram a declaração...

Uma família judia escutava a estação de rádio local acerca das últimas notícias sobre a invasão do exército alemão. Durante meses os poloneses temiam que uma guerra direta contra os alemães acontecesse, porém nunca imaginavam que seria tão cedo... sobretudo no corredor polonês no norte.

Em Varsóvia, as notícias de que o exército alemão invadiu o país não abalou as estruturas da sociedade, mas em Cracóvia e outras cidades ao oeste, a ameaça nazista era real e aterradora. O país ficou refém do fascismo no oeste e do comunismo no leste. Para os cristãos polacos, a realidade poderia ser difícil, talvez pudessem remediar, mas os judeus do país ficaram horrorizados já que a política racial de Hitler contra os judeus beirava ao extremismo.

Algumas famílias que viviam no distrito de Kazimierz fugiram para o leste, outras rumaram para a Tchecoslováquia, porém 99% continuaram na cidade. Por mais que o iminente terror se aproximasse, tais pessoas não possuíam fortunas para viajar e nem parentes em outros países. Como quaisquer cidadãos da cidade, os membros judaicos eram bem estabelecidos.

A notícia em primeira mão no rádio assustou alguns que ainda pensavam em partir. Cerca de duzentos judeus se mudaram imediatamente da cidade, porque era perigoso. Informações e boatos que judeus eram mortos na Alemanha não eram brincadeiras.

Na sinagoga de Kazimierz, centenas de judeus se reuniram para os debates sobre a ocupação. O rabino tentou pedir calma a todos, que falassem um de cada vez para não causarem confusão.

O rabino Dzhokar Weck, no alto dos seus 65 anos, sentiu-se pressionado pela primeira vez em sua vida. O suor escorria pelo seu rosto e entrava na longa barba grisalha. Passou a mão sobre o quipá preto no alto da cabeça e o retirou.

— Como vamos cuidar das nossas famílias com os invasores alemães invadindo o país, rabi? — indagou Karina Papen, uma dona de confeitaria da cidade.

— Eu soube de rumores que os alemães matam os judeus em campos de concentração. Eles estupram nossas mulheres e matam os nossos filhos — alertou Mordechai Fritz, um judeu ortodoxo.

— Vamos nos acalmar, minha gente. Se todos falam de uma vez, não tem como entrarmos em consenso.

— Acreditamos que o consenso é migrar para o sul ou para o leste. Mais alguma sugestão?

As crianças judias brincavam na calçada da sinagoga enquanto os seus pais discutiam uma solução para escaparem da invasão.

 Um pouco distante dali, pouquíssimos judeus moravam em apartamentos de luxo. Como qualquer cidadão polaco ou alemão, os judeus acumularam fortunas. Eram empresários ou artistas. Algumas famílias alemãs saíram do país nacional-socialista para fugirem do novo regime pós-Weimar. E uma dessas era a família Wilczogórski, que emigrou de Dachau para Cracóvia durante o verão de 1936, aproveitando-se que as olimpíadas aconteciam.

Mas antes de se mudarem, souberam de relatos sobre o famoso campo de Dachau. Por serem abastados, conseguiram o privilégio de manterem-se longe desses campos. No entanto, não foi raro verem judeus mais pobres serem ridicularizados e espancados em praça pública. Policiais e até mesmo civis zombavam. A gota d'água veio quando, em março de 1936, o patriarca da família levou uma bofetada de um adolescente na frente dos policiais que não fizeram nada. Mudaram-se no verão para Varsóvia, mas instalaram-se em Cracóvia por causa de conhecidos da família oriundos dessa cidade.

A Polônia era tão preconceituosa quanto a Alemanha. A diferença era que o governo não incentivava a violência explícita. Naquele ponto em diante qualquer lugar era melhor do que o Reich.

O patriarca era o senhor August Wilczogórski, um senhor de quase setenta anos e ex-dono de uma fábrica de tintas em Dachau. Com ascendência eslava, mudou-se para a Polônia por causa da violência e parentes. Um senhor robusto, alto, sempre mantinha-se bem vestido e penteado. Um absurdo um homem desse ser tratado como uma escória! Fora chamado de porco, judeu e comunista, mas de comunista não tinha nada.

Seu filho e segundo no comando da família era Heiko Wilczogórski, gerente da fábrica. Um sujeito mais magro, ostentava um óculos de lentes redondas e sempre vivia de suspensório.

A esposa de Heiko era a dona Sofia Wilczogórski. A única cristã e não judia da família. Como eles eram seculares, não religiosos e tolerantes, foi fácil Heiko e Sofia se casarem. Uma cerimônia na sinagoga e na igreja. Loira e ariana, se opôs à ascenção do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães em 1932. Infelizmente o presidente que ela votou traiu a sua confiança e escolheu Adolf Hitler como chanceler no ano seguinte. Foi a que teve a ideia de mudança imediata, haja vista não se iludiu com o fascismo do líder.

Os filhos eram três: Angela, Jacob e Wolfram. A garota, 17 anos, a mais velha e a única morena dos três. Jacob e Wolfram eram gêmeos, loiros, de olhos azuis e facilmente comparáveis aos arianos nórdicos. No entanto, por mais que fossem brancos e bonitos, eram meio-judeus.

Naquele dia, a matriarca lamentava aos prantos na sala de estar da casa. Os filhos tentavam acalmá-la, porém a notícia da invasão era terrível. Saíram da Alemanha Nazista, na tentativa de uma vida melhor, mas os nazistas resolveram invadir o país vizinho e estragar as suas vidas novamente.

— É uma lástima, Deus!

— O que foi? — indagou Heiko ao chegar em casa.

— Ela está chorando por causa da invasão — respondeu Wolfram.

— Deixe disso, mulher. Não ouviu que os ingleses e os franceses declararam guerra? Quero ver se os alemães terão a coragem para continuarem com essa invasão.

Jacob ajudou o avô com uma sacola de compras enquanto os seus outros parentes discutiam. Seu sonho era ser atleta e poder disputar as olimpíadas futuramente. Wolfram era menos extrovertido do que o gêmeo, preferindo a literatura do que os esportes. Seu desejo é ser escritor de romances policiais tal como Agatha Christie — que na época estava no auge da carreira.

— Eu só estou alertando que a França e a Inglaterra não vão ajudar em nada. E também quero proteger os meus filhos. Acha mesmo que dois meninos de quatorze anos conseguirão sobreviver na guerra?

Heiko tentou acalmar a esposa, mas o pior aconteceu. Uma bomba foi lançada na cidade depois que o aviões invadiram o espaço aéreo da mesma. Como viviam no último andar de um edifício de seis andares, os Wilczogórski fugiram para os andares de baixo.

Cracóvia foi sitiada. Soldados alemães invadiram a cidade com tanques e cavalos. As famosas fardas cinzentas  (Hugo Boss) apareceram no centro da cidade. Enquanto na periferia havia bombardeios e confrontos isolados contra soldados poloneses.

Um caminhão com oito soldados parou em frente a uma loja de brinquedos. Os homens desceram armados na frente de mulheres e crianças.

SCHUTZSTAFFEL

A polícia de elite Schutzstaffel foi a responsável por sitiar Cracóvia e prender (ou matar) qualquer um que se opusesse. Houve confrontos e mortes.

— Heil Hitler!

— Heil. Informem sobre a situação da cidade?

— Conseguimos 80% da cidade. No leste os homens ainda estão lutando contra os polacos.

— Sturmbannführer!

— Sim?

— O senhor precisa ver isso.

Sturmbannführer Scherzinger acompanhou os subordinados até a praça central da cidade. Cerca de cinquenta homens foram presos. Todos eles eram opositores políticos. Scherzinger pediu que todos ficassem ajoelhados e com as mãos na cabeça.

— Cinquenta e dois é o número total.

— Soldado.

— Jawohl!

— Escolha dez desses e fuzile-os.

— Sim.

Um pelotão de fuzilamento foi criado. Dez homens escolhidos pelo soldado foram enfileirados e de costas. Dez guardas atiraram em suas costas, matando-os no mesmo instante.

— Então, agora temos quarenta e dois. De vocês eu deixarei dois vivos, mas esses dois terão de me dizer o esconderijo dos bolcheviques. Não? Mais dez.

Os corpos eram recolhidos em carroças improvisadas. Faltavam cinco prisioneiros depois de uma verdadeira carnificina.

— Eu... sei... — um homem levantou a mão.

Scherzinger se aproximou dele e pediu que falasse. Prontamente falou sobre os locais dos comunistas da cidade.

A schutzstaffel invadiu esconderijos bolcheviques e executou os seus representantes. 

No bairro judeu, caminhões e cavalos invadiram com violência. Guardas imediatamente subjugaram a população judaica.

— Se eu soubesse que ficaria numa cidade tão feia, teria pedido para ficar em Viena.

O Unterscharführer Buchmann foi o responsável pelos distritos judaicos. A missão dada por Scherzinger não agradou em nada o sargento, sobretudo pelo fato de ter nojo desse povo.

— Que nojo — pegou um lenço branco e tampou o nariz. Viu os judeus mais pobres nas ruas. — Tirem essas criaturas da minha frente.

— Sim, senhor.

O expurgo aconteceu no mesmo instante. Comércios foram pintados com a estrela de Davi, outros eram depredados. Buchmann, por causa da sua obesidade, sentia cansaço num trabalho de campo, preferindo os antigos trabalhos burocráticos que fazia em um escritório em Berlim.

Pouquíssimos prédios e construções históricas foram destruídos horas antes. Uma estátua famosa da praça principal foi destruída e mais tarde o local se chamaria Praça Adolf Hitler. Scherzinger não cumpriu a palavra e matou o informante mesmo assim.

O ambiente era desesperador. Moradores poloneses foram impedidos de circularem por causa de um toque de recolher.

— Os ingleses e os franceses, né? — ironizou Sofia para o marido.

— Como podia prever isso? De que adiantou então aquelas notícias? — indagou Heiko.

— Acho que deveria levar as crianças para bem longe daqui. Não quero ver os meus filhos sendo executados como bandidos.

— Mamãe, não vou deixar a senhora — protestou Angela.

— Nem eu — disse Wolfram.

August pediu que os demais fizessem silencio enquanto via pela janela um caminhão cheio de oficiais saírem e capturarem o máximo de pessoas possíveis nas ruas. 

Uma sinagoga foi fechada e os rabinos foram presos imediatamente. Os demais judeus foram ridicularizados. Um soldado da schutzstaffel pegou um judeu ortodoxo e ficou zombando do cabelo típico da religião. Pegou uma tesoura e ficou cortando no meio da rua.

— Fale-me sobre as últimas informações da cidade — falou Scherzinger ao subordinado.

— Como o senhor previu, houve poucos danos. O governo local já se entregou.

— E os soldados polacos?

— Foram presos, senhor.

— Excelente. Cracóvia não poderia ser destruída por causa dos muitos germânicos vivendo aqui.

— E a questão dos judeus?

— O Buchmann é o encarregado disso. Preciso ir até o gabinete do governo.

Na praça Adolf Hitler, Scherzinger e os demais homens da schutzstaffel entraram no palácio do governo e tomaram à força.

***

Cracóvia, Polônia

26 de outubro de 1939

Depois de mais um mês de ocupação nazista, Hitler nomeou o político Hans Frank como o governador-geral. A sede do governo polonês seria em Cracóvia, cidade ancestral germânica segundo os germânicos.

Uma parada militar com membros da polícia de elite e de outros setores militares do governo aconteceu na frente do palácio da praça. Henrich Scherzinger acompanhou Hans Frank num mezanino improvisado. Arthur Buchmann e outros de patentes mais baixas acompanhavam o desfile. Uma rádio local transmitia o evento do Obergruppenführer Frank para todas as cidades perto de Cracóvia. Já em outras como Varsóvia e no norte, a transmissão demoraria alguns dias por causa da destruição local.

Um pouco longe dali, os moradores tentavam levar a vida normalmente, exceto os judeus. Lojas, restaurantes e estabelecimentos impediram a entrada de quaisquer judeus.

Sentado num banco de um parque, Wolfram lia um livro de contos. Jacob apareceu e se sentou de uma vez.

— O que você está lendo?

— Que droga, Jacob. Deveria ser menos invasivo.

— Tá bem. Hehehe... fala logo, o que lê? Será que é um conto erótico. Deixe-me ver. Franz Kafka. Sério?

— Você deveria ler, instruir-se. Esquecer desse inferno que estamos vivendo.

— Nah! Recorrer a livros enquanto espero um oficial da Gestapo me matar? Se eu pudesse fugiria pra bem longe daqui.

— Esse é o seu problema, irmão. Quer fugir, não quer lutar. Se for pra morrer que seja aqui. Afinal em Dachau não tivemos muitas escolhas.

Dois guardas passaram no parque. Os irmãos esperaram eles se afastarem para voltarem com a conversa.

— Viu. Eles não nos pararam. Somos arianos também.

— Que absurdo. Até você acredita nessa baboseira pseudo-científica? Prefiro ser judeu mesmo sendo metade judeu.

— Cabeça oca, Wolf. Pra que lê tanto se é tão teimoso?

— Sabe o que eu acho? Tem um conto aqui chamado Metamorfose. Conta a vida de um caixeiro viajante que de repente acorda como um monstro. Ele só se dá conta que é monstro quando os demais o veem como um. Fico me perguntando se os alemães um dia acordaram como monstros. Eles já foram humanos?

— Certo. Está quase na hora do toque. Melhor irmos.

Os gêmeos chegaram em casa e viram Sofia lendo o jornal local. Uma ordem expressa do novo governo-geral estipulava que toda a família judia só poderia guardar no máximo 2 mil złotych. O restante ficaria com os oficiais do novo governo. Para os Wilczogórski era humilhante, pois os milhares que guardaram seriam roubados. O banco congelou todas as contas, mas eles guardavam em casa um socorro de cem mil.

— É mole? Dar 98 mil złotych para aqueles parasitas? — resmungou Heiko.

— É humilhante. O que faremos? — indagou Sofia chorosa.

— Vamos esconder. Não vamos dar as nossas economias — protestou Wolfram.

— Ô gênio. Existem duas maletas com dinheiro no armário. Onde vamos guardar? — perguntou Angela.

— Não vamos dar. Se formos nos desfazer de tudo, melhor gastarmos com suprimentos. O que acham?

Sofia e os filhos assentiram com que Heiko disse.

Um mendigo judeu pedia esmola na frente de uma sinagoga fechada. August passou por perto e deu-lhe vinte złotych.

— Que Deus te abençoe.

Depois que o ancião foi embora, dois guardas da schutzstaffel apareceram diante do maltrapilho e perguntaram em alemão sobre o dinheiro. O homem não entendeu uma palavra. O guarda pegou o chapéu com todo o dinheiro que fora doado e roubou. O mendigo protestou, mas levou um soco no rosto.

— A questão judia precisa ser resolvida o quanto antes. Para isso tive que me encontrar pessoalmente com Heydrich e Himmler semana passada. Entramos num consenso — disse Hans Frank numa reunião com todos os governadores distritais e militares de alta patente.

— Bom, se for pra permitir que se atire na cabeça desses insetos... — brincou Buchmann enquanto os demais riram.

— Uma braçadeira de reconhecimento — falou Scherzinger.

— Exatamente. Nossos inimigos precisam ser vigiados de perto e para isso a braçadeira com a estrela de Davi será utilizada. Ela terá 1 centímetro de espessura por 8 de largura.

— Quando essa lei será decretada obrigatoriamente? — perguntou Fischer, governador do distrito de Varsóvia.

— Avisem previamente. A data é 1° de dezembro. Todos os judeus precisarão usar a braçadeira sem exceções.

A reunião acabou com os membros do alto escalão recebendo o novo decreto. Frank quis adaptar os judeus poloneses com os demais territórios conquistados. O reconhecimento da braçadeira era inevitável.

Enquanto isso, Jacob andava de bicicleta até um estabelecimento comercial quando esbarrou num homem. Dois policiais alemães apareceram, mas não o prenderam. Por causa da sua aparência,  foi liberado.

O ateliê de uma família polonesa funcionava sem a interferência da polícia. O rapaz chegou e ajudou a carregar um vaso de porcelana feita pela dona O'Shea, a responsável. Sua filha, Dorota, viu o rapaz e o puxou pelo braço.

— Meninos, nada de saírem pra longe. É perigoso.

— Sim, senhora O'Shea. Não tenho pra onde ir mesmo.

— Mamãe, muitos lugares proibiram a entrada de judeus.

— Que humilhante. Alguém como você, um menino tão bonito e educado? Sofia deve estar sofrendo muito com tudo isso.

— Eu não ligo muito pra isso.

— Nem no parque?

— Mamãe...

— Nem no parque, senhora. Judeus foram proibidos de sentarem em bancos públicos.

— Você tá arrasado, Jacob.

— Nem tanto, Dorota. Pra falar a verdade nem entendo o motivo do Hitler querer uma raça ariana sendo que ele mesmo nem é loiro.

— Pura besteira deles. Engana o povo e quem sofre é o próprio povo. Podem carregar aqueles vasos para aquela mesa?

— Mas o meu sonho é sair de Cracóvia, sair deste país. Pra falar a verdade nunca gostei da Polônia. Minha vida em Dachau era muito melhor. Infelizmente fomos expulsos e viemos para cá, mas pelo menos conheci vocês.

— Eu tenho um primo que está organizando um êxodo para o leste. Como ele é judeu então resolveu ir embora daqui antes do fim do ano.

Dorota protestou. O'Shea explicou a filha que sair de Cracóvia era a melhor solução, haja vista a cada dia que passava os nazistas discriminavam mais e mais a população judaica.

— Qualquer coisa é só falar comigo e falo com ele pra falar com seus pais.

Jacob agradeceu a informação que a dona do ateliê deu e prometeu que contaria para a sua mãe assim que voltasse.

— Que foi?

— Estou triste. Vai embora, vai sair por aí e se apaixonar por uma russa com cara de rato.

— Que atraente. Acho que estou de olho em outra. Talvez eu esteja olhando agora.

A mãe de Dorota pigarreou perto dos dois e pediu a ajuda de Jacob para carregar mais objetos.

 

Sofia e Angela chegaram com sacolas de compras e viram um homem sentado no sofá. Iurik Kevzinsky era um amigo de Heiko e padrinho de Wolfram. Policial, foi rebaixado pela schutzstaffel por causa de sua origem judia. Paradoxalmente, os alemães contratavam judeus mais ricos para servirem de guardas e assim não serem oprimidos.

— Querido, Iurik está aqui.

Heiko havia voltado com Wolfram do mercado logo após as mulheres. Retirando o chapéu, Heiko cumprimentou o amigo.

— O que faz aqui?

— Oi pra você, Wolfram. Vejo que estão se preparando para o pior. Inteligentes.

— Venha para o almoço, Iurik.

— Não, Heiko. Só vim mesmo para informar que fui recontratado pela polícia de Cracóvia. Os alemães precisam de um pessoal para vigiar as ruas.

— Ah, quer dizer que os deuses não dão conta de tudo sozinhos e precisam da ajuda dos vermes — desdenhou Wolfram com um copo de suco.

— Não brinque. Precisa-se de polícia judia.

— Policia judia? Tá de sacanagem, padrinho?

— Wolfram, olha o respeito! — repreendeu Sofia.

— Estão contratando judeus mais ricos para o cargo. Será o privilégio do cargo que fará vocês não irem pra uma droga de campo de trabalho no leste.

— O que quer que façamos, Iurik? Que sejamos a polícia judia? Que eu bata em judeus? Talvez o espírito do Heinrich Himmler baixe em mim na hora que eu bater num judeu... Não, meu amigo. Uma coisa que eu tenho é princípios. São eles contra nós.

— Olha pra vocês, olhe para os seus filhos... Sofia e o seu pai. Um dia esses caras vão levar os seus móveis e dinheiro e não sobrará nada. Vai sobreviver trabalhando como escravo numa metalúrgica?

— Sim.

— Wolfram...

— Concordo com o meu pai, padrinho. Não posso fazer acordo nenhum com nazista. Odeio nazistas.

O policial desistiu de convencer os dois e saiu derrotado. Desejou boa sorte à família.

***

Alguns dias se passaram desde a ascenção de Frank como governador da Polônia. A restrição aos judeus ficou mais notável quando a lei que obrigava-os a usar a braçadeira com a estrela de Davi entrou em vigor. O objeto teria fundo branco, a estrela azul, um centímetro da espessura do tecido por oito da largura que ficaria no braço. A lei foi estipulada para ser totalmente obedecida a partir de 1° de dezembro.

Um menino judeu entregava as faixas para os moradores do bairro. Policiais alemães agiam com mais violência caso algum morador se recusasse a usar. O guri ganhava algum dinheiro com isso.

Passando pela mesma rua que havia dado esmola ao mendigo, August viu-o morto com um tiro na cabeça. O sangue escorria.

— Olha isso aqui. Olha o que o jornal diz sobre a nova lei de identificação judia — disse Angela assim que chegou da rua.

— O que é? Deixa eu ver — Jacob pegou o jornal e leu a matéria.

A família Wilczogórski não ficou nada satisfeita com a nova lei da identificação. A resistência veio mais da parte de Wolfram e Angela que não queriam ser rotulados ou "marcados como gado". A depressão batia à porta com Sofia não querendo sair mais de casa, sobretudo depois da visita da S.S. no dia anterior quando levaram o dinheiro restante e objetos de valor, incluindo o carro particular deles.

— Bom, aqui diz que essa lei vale para todos os judeus dos territórios ocupados. Olhem, eu trouxe comigo seis braçadeiras.

— Eu já disse que não vou usar, vovô. Não vou ser rotulada.

— Mas se não usar... Angela...

Wolfram saiu da sala com muita raiva. A degradante lei de identificação era mais um passo restritivo aos judeus. Agora qualquer um poderá olhar para eles e desviar os seus olhares por causa das autoridades antissemitas.

— Temos mais uma saída. Alguns dias atrás conversei com a dona O'Shea, mãe da Dorota. Ela me disse que um primo dela vai sair de Cracóvia e ir para o leste. Pensei que talvez pudéssemos ir.

— Oh filho. Mesmo se quiséssemos, não daria. Olhe para o seu avô, ele é idoso. E somos seis pessoas numa caravana sem garantias de sobrevivência — argumentou Heiko.

— Não, não é uma má ideia. Quando puder chame esse homem para conversarmos — pediu August para a surpresa dos demais familiares.

 

A campainha tocou. A senhora O'Shea, Dorota e um homem entraram na residência dos Wilczogórski. A dona do ateliê apresentou o seu primo, Pavel Trutzinski, militar de reserva que deixou a patente de soldado depois da invasão. No dia que os alemães sitiaram a Polônia muitos colegas poloneses viraram presos de guerra, mas Trutzinski não fora apreendido pelo fato de estar de férias.

— A caravana vai sair na madrugada do dia 9 de dezembro. Como será uma sexta para sábado, os guardas vão ficar de guarda baixa devido ao shabat. 

— Como vai ser? Não há perigo de serem mortos? — indagou Sofia, preocupada pelo interesse contínuo de Jacob.

— Senhora, depois que a guerra começou, as nossas vidas ficaram em perigo 24 horas por dia. Essa lei da braçadeira é muito leve. Soube que futuramente seremos transportados para bairros mais afastados e vigiados pela Gestapo dia e noite. A cada dia que passa a morte fica mais fácil.

O gêmeo esportista implorou para que todos fossem, mas Sofia e Heiko foram pessimistas quanto a um grupo de seis pessoas saírem diante de uma ocupação nazista. Trutzinski decidiu por levar no máximo três pessoas, haja vista seria arriscado demais muita gente num êxodo à noite. Os policiais, segundo ele, eram extremamente intolerantes com os judeus. Um erro estratégico poderá matá-los com certeza.

— Avisem-me quando decidir quem vai. Não vai ser fácil, mas se a gente conseguir passar pelo território ocupado pela Alemanha, chegaremos em Białystok onde os russos possivelmente estão.

 

Nesse ínterim, um grupo de dez pessoas depredaram lojas judaicas perto da residência dos Wilc. Diane O'Shea, Pavel Trutzinski e Dorota O'Shea só não foram atacados porque não usavam braçadeiras — elas sequer eram judias, mas Pavel decidiu se passar por cristão. 

Um rapaz viu um velho com braçadeira passar numa carroça perto da calçada. Pegou uma pedra e jogou contra o cavalo, que deu coices até derrubar o homem no chão. Juntou mais quatro, pegaram o velho e obrigaram-no a beber a água da chuva no asfalto.

— Saiam daqui — disse Iurik, ameaçando com o cassetete. — O senhor está bem?

Dois policiais da S.S. pediram para Iurik se afastar imediatamente do velho. Com brutalidade, seguraram-no pelo colarinho da camisa e encostaram-o na parede. A carroça havia batido num carro momentos antes.

Passaram-se cinco minutos. Os dois policiais levaram a vítima para um beco sem saída e jogaram contra uma poça de lama. O mesmo grupo de antes se aproximou, o líder deles pagou uma boa quantia aos policiais.

— Aquele lixo valeu muito hehe.

— Ei, nem pense em ficar só contigo.

Os dois repartiram o dinheiro enquanto vigiavam o beco. Um dos jovens pegou um cabo de madeira acertou no velho, que quebrou a sua mandíbula. Os outros também participaram do espancamento coletivo. Em pouco tempo, o judeu foi morto com quase todos os ossos quebrados.

 

3 de Dezembro de 1939

As ruas de Cracóvia ficaram cobertas de neve com a aproximação do inverno. Seus habitantes, acostumados a temperaturas baixas, usaram casacos para a proteção do frio. Era indispensável agasalhar-se no fim do outono.

— O senhor não havia parado de fumar o cigarro? — perguntou um policial a Buchmann.

— Parei... mas depois que fiquei responsável por esse lugar nojento, decidi voltar.

Uma família judia foi despejada do apartamento sob um expurgo de mais de vinte famílias judias. O destino delas era um campo de trabalhos forçados a pedido de uma empresa metalúrgica que se instalou na região. O encarregado, Buchmann, averiguou se os pertences mais valiosos não fossem levados. 

— Unterscharführer. Unterscharführer, venha ver isso.

— O que foi, rapaz?

Buchmann quase infartava ao ver uma gaveta cheia de joias. Eram aneis, pulseiras, relógios e outros objetos de ouro. O gordo pediu discrição aos subordinados, ou seja, nada de reportar para o governo distrital. O sargento presenteou os homens com alguns objetos dourados na compra do silêncio deles.

Por toda a Polônia, judeus eram despejados e seus bens sequestrados pela polícia. O roubo acontecia nas famílias de classe média a média alta. Objetos simples desde vasos até automóveis — como no roubo do carro dos Wilczogórski. 

— Andando. Vamos, vamos.

A tal família subiu numa carroça e partiu para o destino de escravidão.

 

A partir de dezembro era proibido judeus entrarem em transportes públicos, incluindo o bonde. O sinal da estrela já indicava a sua posição perante a sociedade, portanto foram vetados de quase tudo da vida pública. O que não era o problema para Wolfram, porque toda a vez que decidia pegar o transporte, tirava a braçadeira.

— Chegamos em Kazimierz.

Algum tempo depois...

— Eu agradeço por ter vindo me visitar. Esses dias estão sendo muito difíceis — disse o rabino Dhzokar Weck enquanto almoçava num restaurante judeu.

— Não é nada, rabino. Nunca esquecerei das minhas origens judaicas, apesar de minha mãe ser católica.

— E como vai a família?

— Fomos roubados pela Gestapo. Levaram dinheiro, joias e o carro. Semana passada tivemos que vender um quadro pra poder comprar comida.

— Que Deus ajude vocês. Aqui as coisas não vão nada bem. Existem 70 mil judeus na cidade, mas os alemães querem deportar quase todos para os campos de trabalhos forçados. Minha esposa e eu estamos esperando a nossa vez. Fomos despejados de nossa casa, a sinagoga fechou. Sorte que estamos hospedados na casa de um amigo, porque senão estaríamos na rua como indigentes, e os alemães odeiam mendigos. Já vi dois sendo mortos. Mas não foi por isso que você veio falar comigo, não é mesmo?

— Quero pedir um conselho. O que o senhor faria se nesse momento tivesse condições de deixar a cidade mesmo correndo um grande risco de ser pego e morto no caminho?

— Que pergunta difícil. Acho que não iria. Veja bem, isso sou eu. Sabe por quê? Porque se for pra morrer por aí, melhor morrer em casa ou na companhia dos amigos. E também já não tenho idade para me aventurar por aí.

— Obrigado pelo encorajamento.

— Mas você é jovem, forte... quantos anos vai fazer? Quinze? Não se baseie por mim.

A esposa do rabino, que trabalhava no restaurante, acompanhou os dois na conversa. Nesse momento, um policial entrou, criou-se uma tensão entre trabalhadores e clientes. Ele simplesmente pediu o dinheiro que o estabelecimento ganhara pela manhã. Isso deixou Wolfram irritado a ponto de quase ir brigar com o homem, mas o rabino o puxou e implorou que não fosse.

— Não vale à pena perder a vida por isso. Fique calmo.

August comprou batatas para o jantar, passando pela rua do finado mendigo. Nessa altura dos fatos, a braçadeira era obrigatória para ele, portanto usava sobre a manga do paletó. Um policial da schutzstaffel cismou ao vê-lo. A intenção do idoso nesse momento era de respeitar o oficial, não ter problemas e voltar para casa.

Os pedestres desviaram suas trajetórias ao verem o enquadramento que o policial deu. 

O policial perguntou o que fazia na rua. Mostrando respeito, o ancião respondeu a pergunta dele sobre a compra das batatas. O moço, talvez quarenta anos mais novo, pegou a sacola e espalhou as batatas no chão. Pediu ao mais velho que apanhasse todas. Agachando-se, August apanhou uma por uma.

— Parece um macaco velho apanhando a comida do zoológico hahaha.

Humilhado, August saiu com a cabeça baixa. Pelo menos dessa vez foi apenas uma zombaria, não uma violência física, prisão ou morte.

— Aí, vou me encontrar com o senhor Trutzinski mais tarde pros preparativos da ida. Tá pronto?

Wolfram escrevia na máquina de datilografar quando Jacob iniciou a conversa. O gêmeo intelectual não parou de digitar, rechaçando a ideia de fugir para o leste.

— Eu não vou. Não vou, não insista. Se for pra morrer, prefiro que seja no conforto de casa.

— Argh! Não podemos nos separar, mano. Somos gêmeos! Precisamos ir juntos. Não ouviu o cara lá? A cada dia que passa as coisas ficam perigosas na cidade.

Wolfram pegou o papel e amassou.

— E quem garante que a trajetória até o leste é segura? Quem garante que os nazistas não vão matá-los? Quem garante que os russos são amigos? Os comunistas também matam, sabia?

— Esse é o seu problema. Nunca me ouve. Quando põe uma coisa nessa sua cabeça...

— Tenho mais o que fazer, Jacob. Não sou tão leniente quanto você. Fica nessa de querer se divertir 24 horas por dia, não faz nada na vida. Eu pelo menos trabalho de meio período no jornal do bairro...

— Grande trabalho. Fica nessa máquina e enfurnado nos livros todos os dias. Se liga, o colégio fechou. Pensa que ainda vai se tornar intelectual?

Sofia chegou na sala depois de ouvir a discussão dos filhos.

— Meninos!

— Você se acha o tal nesse trabalho idiota.

— Pelo menos eu trabalho!

— Meninos, parem já com essa discussão besta. Não é possível que na nossa situação ainda sobre tempo pra se engalfinharem.

Os gêmeos cruzaram o braço e viraram o rosto. Jacob pegou a braçadeira sobre a mesa da sala e saiu do apartamento. O avô chegou bem no momento que a discussão havia terminado.

— Que foi isso?

— Nada. Comprou as batatas?

O rapaz entrou numa cabine telefônica e ligou para o ateliê de Diane O'Shea. Perguntou sobre Dorota.

Tempo depois...

— Queria logo vê-la, mas não foi pra falar sobre o primo da sua mãe. Fiquei com saudades. — Jacob passeava com a moça.

— Também fiquei feliz em te ver. Pra falar a verdade estou assustada com a fuga de vocês. Meu coração está palpitando só em pensar que algo poderá dar errado.

— Vem conosco.

— Minha mãe nunca permitiria. E tenho muito medo.

— Desculpa. É pedir demais de uma moça tão delicada quanto você, Dorota — pegou na mão dela e beijou por cima da luva de lã. Dorota ficou encantada com o cavalheirismo de Jacob.

***

O trem que transportava ferro, que ligava as cidades de Cracóvia a Lublin, foi interceptado pelo bando da resistência liderado por Pavel Trutzinski. O comboio era manipulado por civis, ou seja, não era um trem militar. O bando surgiu em carros, alcançou o maquinista e fez descer os guardas poloneses.

Sobre a ponte do rio Vístula, os trabalhadores pularam.

— Obrigado pela gentileza em nos dar esse trem maravilhoso.

Os homens tomaram o controle da máquina, no entanto decidiram colocá-la num ramal diferente ali perto — para que nenhum outro trem se chocasse contra este na linha principal.

 

Varsóvia, Polônia

5 de dezembro de 1939

A capital polonesa foi quase devastada pelos bombardeios alemães. Ali o exército polaco não quis se render, por isso uma guerra iniciou-se. Infelizmente os anfitriões perderam para as tropas alemãs. Prédios foram quase que totalmente destruídos, e monumentos históricos reduzidos a cinzas. As ruas ficaram cheias de entulhos e concretos. O novo governador distrital, Fischer, não moveu um dedo para limpar as ruas.

Pavel combinou com alguns amigos acerca do trem que sairá perto do Vístula em direção à Białystok. Serão vinte e seis pessoas sem contar com alguém dos Wilczogórski — sem saber que Wolfram não iria, pediu dois lugares.

A distância entre Cracóvia e Varsóvia era de pelo menos 252 quilômetros. O trem passará perto da capital rumo ao nordeste do país, sob controle soviético. Dez subirão em Cracóvia, mais dezesseis em Varsóvia, e todo esse contingente irá ao destino final num comboio clandestino.

 

Cracóvia, Polônia

8 de dezembro de 1939

O dia da partida chegou. Como prometido, Pavel não se esqueceu de Jacob e foi buscá-lo às 16 horas para a casa da sua prima. O horário batia antes do toque de recolher e do shabat.

— Bem-vindo, senhor Trutzinski. Entre — disse Sofia.

Ele tirou o chapéu e ficou esperando por Jacob. Heiko, August e Angela foram para a sala para um último encontro com o visitante.

— Oi, senhor — disse Jacob cumprimentando o homem.

— Está pronto?

— Só posso me despedir da minha família? Rapidinho.

Sofia deu um abraço apertado no filho ao mesmo tempo que chorava incessantemente. Ver o seu querido filho de 14 anos fugir com estranhos era de cortar o coração.

— Filho, se caso algo der errado...

— HEIKO!!!

— Calma, Sofia. Estou me referindo às possibilidades do imprevisto acontecer na viagem ou conosco aqui. Se algo acontecer desse tipo, saiba que eu te amo, filho.

— Obrigado, papai. Mana?

— Moleque. Toma juízo e vê se não morre por aí — disse Angela chorosa.

— Claro que não. Sou forte! Vovô.

— Boa sorte, meu neto.

Wolfram apareceu por derradeiro. Depois que brigaram dias antes, ficaram sem se falar até aquele momento. O irmão gêmeo abraçou-o e desejou sorte.

— O que é isto?

— Lembra daquele livro de conto que li no parque? Pode levar. É seu.

— Valeu, mano! Dá um abraço — Jacob chorou ao abraçar o gêmeo. Wolfram apressou-o.

Sofia acompanhou os dois até a carroça. Jacob levava alguns suprimentos numa pequena mala, despediu-se da mãe e foi embora do prédio que vivia desde 1936.

— Eu te amo, filho.

— Te amo também, mamãe.

O cavalo foi embora com os dois na boleia. Por sorte nenhum alemão viu a saída. De fato, o horário perto do toque de recolher e do shabat fez com que os policiais baixassem a guarda.

— Ele já foi — Sofia foi abraçada pelos dois filhos.

Diane e Dorota O'Shea esperavam os dois ansiosamente. A partir dali iriam embora, à noite, clandestinamente, para a estação ferroviária. Assim que chegou, Jacob foi abraçado pela adolescente.

— A despedida nem foi tão difícil assim. Ele vai sobreviver sem a família.

— Minha nossa. Eu que não vou, fico preocupadíssima. Meu coração palpita — Diane não disfarçava o nevorsismo.

— O shabat logo vai começar. Partiremos às dez. Esse horário é apropriado e quase não terá guarda na rua.

Depois de uma breve conversa, a anfitriã pediu ao moço que fosse trocar de roupa. Jacob vestia uma camisa social, gravata e um suéter verde por cima. Tirou tudo para vestir-se todo de cinza escuro. Uma farda quase igual usada pelos alemães. Por fim pôs as botas.

— Estou pronto.

— Que bom. Melhor jantar antes de sair e assim não ter fome no caminho. Vou sair e preparar a nossa partida.

Às nove e cinquenta, Pavel retornou para o ateliê e deu o sinal para irem. Nenhum guarda alemão fazia ronda, ou seja, o momento ideal. O jovem Wilczogórski se despediu de O'Shea e saiu do ateliê.

— Jacob. Espera.

— O que foi?

Dorota pulou em seu pescoço e deu-lhe um beijo ali na frente da mãe e do primo. Confessou o seu amor por ele, pediu para que não morresse durante a viagem. O loiro fez uma promessa que se se mantiver vivo, que se a guerra terminar ou se estabelecer em outro lugar, pedirá a sua mão em casamento. Mesmo que se amassem, Jacob e Dorota eram novos demais — 14 anos cada —, mas o tempo passa rápido. Jacob saiu com Pavel pelas ruas escuras e gélidas de Cracóvia.

Ah, Cracóvia! Uma linda cidade. Despojada pelos alemães nazistas. Será palco de uma verdadeira cruzada contra os seus habitantes judeus.


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