Já era a terceira vez que Im Changkyun atualizava sua página no soundcloud desde que fez o upload de sua música mais recente. Ficava ansioso por respostas positivas, pois era só ali que divulgava seu verdadeiro eu. Na internet, o nerd sem graça que morava de aluguel no centro se tornava “I.M”, um rapper e compositor de trap music. Não era o melhor ou mais popular. Compunha, gravava e produzia tudo em casa; mais independente que isso impossível. Nunca expôs suas músicas para seus amigos, muito menos mostrou a cara na internet. Tinha medo de não ser bom o bastante, tanto nas músicas, como na aparência.

Mas esse conceito sofreu uma leve mudança assim que recebeu uma notificação.

“JooHONEY republicou sua música ‘Horizon’.”

Changkyun arregalou os olhos e não pôde evitar sorrir. Soltou uma exclamação eufórica e só não saiu dando pulinhos de alegria porque recebeu uma mensagem privada. Seu coração começou a bater descontrolado antes mesmo de ler a mensagem. Sentiu as mãos tremerem, morrendo de medo de abri-la.

Lee Jooheon era seu maior ídolo. Changkyun ouvia Rap e Trap desde sempre, mas quando começou a ouvir os artistas independentes do seu país, acabou sentindo-se motivado a começar a fazer suas próprias músicas. Mas nada nem ninguém se comparavam a Jooheon. Sua voz era forte e marcante, seu flow era rápido e as letras eram pesadas. Foi reconhecido por artistas famosos, nacionais e internacionais. Realizou feat. com vários deles, gravou videoclipes e foi a programas de variedade. Mesmo sendo independente, Jooheon era adorado por muitos. E Changkyun fazia parte desses muitos.

O admirava muito e queria ser como ele, mesmo sabendo não ser possível. Nunca, nem em seus melhores sonhos, imaginou que seu ídolo ouviria uma de suas músicas um dia. Respirou fundo e mordeu os lábios, decidido a finalmente abrir a mensagem.

— Olá, I.M. Gostei de suas músicas. — Changkyun começou a ler em voz alta a mensagem, sentindo-se eufórico e envergonhado. — Sei que pode parecer estranho, mas eu queria encontrar com você, qualquer dia. Queria conversar pessoalmente sobre a possibilidade de um feat. comigo. Se estiver interessado, ligue para este número...

Algo parecia muito errado. Jooheon era tipo aqueles bad boys dos clipes de hip-hop americano. Usava roupas escuros e bonés. A agressividade dos raps, das letras e das batidas davam a impressão que ele era exatamente assim, agressivo. Até nos poucos programas de variedade que participou, o cara quase não sorria e era mais quieto, com cara de mal. Quando Changkyun iria imaginar que Jooheon escreveria algo tão formal? Parecia até uma mensagem de uma gravadora ou um de um empresário.

Depois de pensar em algo tão irrelevante, a ficha começou a cair.

Lee Jooheon havia lhe passado seu número de telefone, disse que queria lhe encontrar e também disse que queria fazer um feat. O mesmo Lee Jooheon que cantava “Rythm”, a música que instigou o surgimento de “I.M”. O mesmo Lee Jooheon que o fez chorar em “You and I”, que o fez dançar em “Red Carpet”... Seu ídolo, aquele que mais admirava, queria cantar consigo.

Changkyun sentiu as pernas tremerem com força. Sentou-se em sua cama e colocou as duas mãos na face, sentindo-a quente. Estava muito feliz, envergonhado e nervoso. Mas, acima de tudo, tinha medo. O mesmo medo que sentia em relação ao pensamento das outras pessoas sobre si, veio centenas de vezes mais forte. Temeu não conseguir falar com ele no telefone, por conta do nervosismo. E se não conseguisse combinar o encontro com ele? Jogaria fora a maior oportunidade de sua vida. Mas, por outro lado, e se realmente se encontrassem? Seria a primeira vez que mostraria seu rosto para alguém que o conhecia pela música. Não possuía confiança quanto a sua aparência, e sempre encontrava defeitos nas vezes em que tirou fotos para colocar em sua página. Achava que o rosto tinha um formato esquisito. A boca era pequena demais, o nariz grande demais e os olhos sempre saiam vesgos nas selfies. Céus, como odiava tudo isso! Sua mãe dizia que era cisma sua, seu último namorado também. Mas eles eram muito suspeitos para falarem.

Estava com medo, mas resolveu enfrenta-lo ao se lembrar de uma música. “Stay Strong” era daquele jeito que Changkyun gostava, com raps rápidos e letras intensas. As críticas e os desabafos expostos na canção apenas demonstravam a característica mais forte de Jooheon: a persistência. Ele havia conseguido ser o que queria graças ao seu esforço, não tropeçando em cada obstáculo que aparecia no caminho. Por conta disso, pouco se importava com os haters que tanto tinha. Se I.M conseguisse ignorar todo o bolo de negatividade que o rondava, ele avançaria.

Ele estaria um passo mais próximo de ser como seu ídolo.

Pegou seu celular e demorou muito tempo para discar o número de Jooheon; suas mãos tremiam com força e toda hora errava. Tentou se acalmar antes de apertar o botão verde pra completar a chamada, mas estava sendo uma missão impossível. Resolveu desistir de acalmar seu coração e ligou.

— Lee Jooheon falando. — A voz extremamente conhecida falava do outro lado da linha, firme como imaginou, porém um pouco rouca. — Quem é?

— I.M... do soundcloud. Você pediu para ligar. — Changkyun se surpreendeu com a firmeza de sua voz. Apesar de estar nervoso, conseguiu dizer tudo sem gaguejar. Talvez fosse a felicidade por estar conversando com ele pela primeira vez.

— Só se estivesse interessado no feat. — Jooheon comentou com bom humor, soltando uma risada em seguida. — Desculpe pela afobação, mas será que podemos nos encontrar hoje?

Changkyun pensou em todos os empecilhos que o impedia de ir ao encontro de Jooheon naquele dia, mas os ignorou completamente.

— É só me dizer o horário e o lugar — respondeu firme e baixinho, demonstrando sua convicção e também seu constrangimento.

Após combinarem de se encontrar no Starbucks ás 16h, a ligação foi encerrada. Changkyun pôs a mão no peito e sentiu o coração bater depressa. Aqueles foram os cinco minutos mais longos de toda a sua vida. Depois de suspirar e devanear, a ficha caiu novamente.

Iria se encontrar com Lee Jooheon no Starbucks ás 16h.

Changkyun foi até o banheiro correndo e se olhou no espelho. Os cabelos pretos estavam bagunçados como se tivesse acabado de acordar, o que não fazia sentido pois sequer havia dormido. Suas olheiras denunciavam que passou a noite em claro. Olhava com desgosto aquela imagem, se perguntando o porquê de ser assim.

— Cara, como eu odeio esse nariz! — exclamou nervoso, esfregando a mão na cabeça com força. Como diabos iria aparecer na frente de seu ídolo com aquela cara? Não dava pra mudar sua aparência, mas podia ao menos amenizá-la.

Tomou um banho gelado para espantar o cansaço, lavando o cabelo como se nunca o tivesse feito antes. Depois, procurou no armário a roupa mais decente que tinha: uma calça jeans apertada e uma camisa branca de mangas compridas. Penteou o cabelo e calçou seu tênis da Nike, sentindo-se satisfeito com sua aparência pelo menos uma vez na vida. Não conseguiu dar um jeito nas olheiras, mas não importava. Estava ótimo!

— Mamãe iria adorar me ver agora — monologou se olhando no espelho. Ela adorava quando o filho não usava moletom largo com capuz e boné.

*

Im Changkyun estava na frente do Starbucks no horário marcado. Olhava as horas no celular a todo momento, demonstrando sua ansiedade para quem quisesse ver. Já estava imaginando mil motivos para terem lhe dado um bolo, mas poucos minutos depois, Jooheon apareceu na esquina, se destacando em meio às outras pessoas.

Aquela segurança que Changkyun teve antes de sair de casa dissipou-se quando se viu frente a frente com seu ídolo. Jooheon estava muito bem vestido, e acabou por se sentir inferior. Pensou em correr dali, mas os olhares se encontraram. E nesse momento, I.M viu o sorriso mais lindo do mundo.

— I.M? — perguntou ele, se aproximando. Os olhos se apertavam por causa do sorriso, e covinhas bem fundas apareciam nas bochechas. Changkyun se deu o trabalho apenas de acenar com a cabeça ao ouvir a pergunta. — Você é totalmente diferente do que imaginei... — O tom de voz do rapaz mudou de repente, e I.M pensou que ou estava muito louco, ou aquilo fora um elogio.

— Me cha-chamo Im Changkyun — gaguejou. Seu rosto esquentou ao ser abraçado rapidamente.

Dentro da cafeteria, os rapazes conversavam sobre música. Jooheon falava muito e pouco ouvia da boca de Changkyun. Ele simplesmente não conseguia ser espontâneo por conta do nervosismo; só respondia o que lhe era perguntado, evitando olhar nos olhos pequenos que sorriam. Pensou que o encontro seria todo assim até ouvir algo inesperado:

— Você é excepcional, Changkyun. Suas músicas são ótimas, e dá pra ver que você é muito intenso por conta delas.

— O que gostou mais nelas, Jooheon-ssi? — perguntou baixinho, finalmente encarando o rosto bonito. Havia ficado animado.

— De tudo, basicamente. — Jooheon foi direto. Deu um gole em seu café e ficou sério. — Batida, letras... Você se doa muito nas canções. Mesmo sendo um artista anônimo, eu posso dizer que te conheço bem só por ter absorvido suas músicas e visitado sua página.

— O que quer dizer? — Changkyun se mostrou confuso. — Você não me conhece.

— Mas eu sei coisas sobre você, mesmo tendo o visto pessoalmente pela primeira vez hoje.

— Você é mágico? Ou por acaso é um stalker? — I.M finalmente riu, demonstrando estar brincando. Estava curioso. Principalmente por ver Jooheon morder os lábios de forma muito... estranha.

— Eu só sou um bom observador. — Jooheon sorriu, mas dessa vez de um jeito diferente. — Você tem medo de se afogar, mas adora água. Terminou seu último relacionamento recentemente e, pelo o que dá pra notar, você sequer gostava da pessoa. Mora sozinho e não gosta do seu emprego, ou da sua aparência. Ninguém sabe que você é músico, nem mesmo as pessoas mais próximas. Admira alguém intensamente e quer ser como ele.

Changkyun arregalou os olhos, atordoado. Como ele sabia de tudo aquilo? Pensou em perguntar alguma coisa, ou fugir assustado, mas Jooheon se explicou com afobação:

— Eu apenas deduzi isso baseado nas letras de suas músicas. Você canta tudo em metáforas, mas é fácil entende-las depois de ouvir muitas vezes.

— Você é o Sherlock, então. — Riu, sentindo-se aliviado.

Depois daquilo, os dois passaram a conversar sobre tudo, menos o feat. que deveriam preparar.

— Me fale um pouco sobre você — disse Changkyun, em tom brincalhão. — Do Jooheon, e não do JooHONEY.

Mais risadas foram ouvidas. Jooheon sentou mais perto de I.M e o encarou.

— Resumidamente: eu sou obcecado por chapéus, tenho dúvidas sobre meu futuro como artista, choro bastante, amo meus pais, detesto minha aparência, planejo me casar antes dos 30 anos e sou um tarado em gente com covinhas.

— Gente? — Chankyun sorriu e chegou mais perto. Parecia ter ouvido só uma coisa dentre tantas que foram ditas.  — Que tipo de gente?

— Gente, ué. Mulher, homem, o que for. — Jooheon chegou aproximou sua face da de Changkyun e olhou rapidamente para seus lábios. — Você, por exemplo.

Não foi preciso muito esforço par entender a situação. Changkyun foi beijado por seu ídolo, e naquele momento, sentiu-se mais íntimo dele do que de qualquer outra pessoa.

Passaram horas naquela cafeteria, conversando sobre a vida e sobre a música, trocando beijos e carícias. Changkyun sentia que o conhecia há muito tempo, e aquilo era estranho. Mais estranho que isso era o medo que lhe acometeu: o do futuro. Não sabia porque havia começado a pensar nisso, mas enquanto beijava Jooheon, I.M só conseguia pensar no quão incerto era o seu futuro.

Porque queria Jooheon nele, e isso era estranho.

Porém, Changkyun não sabia que dali há duas semanas, estariam gravando Uncertainty, sua primeira música juntos. E depois, começariam a namorar.

Changkyun também não sabia que formariam uma unit dali há um ano, e que iriam brigar feio por conta de ciúmes. Não sabia que iria sentir mais medo ao lado de Jooheon do que sozinho. Medo de não ser bom o suficiente para ele.

Não sabia que amaria tanto beijar as bochechas de Jooheon em público, ou abraça-lo como um namorado grudento. Não sabia que ficaria tão perdidamente apaixonado.

Tudo para Changkyun era incerto e assustador. Sua música, seus sonhos e propósitos pareciam terrivelmente distantes, e acordavam seu maior medo: o do futuro. Mas ele não sabia que Jooheon estaria com ele, e que nunca mais sairia do seu lado.