A Primeira Cor do Céu escrita por JMBLUEBUBBLE


Capítulo 3
Capítulo Dois




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/778112/chapter/3

Já na sala George e mamãe me esperavam sentados e aflitos.

         –  Eu… só tenho meu celular e algumas fotos minhas – Minhas com mamãe, Max, Beatrice, Adam ou Merriellie. – Agora, pra que tudo isso?

Mamãe suspira e troca um singelo olhar com George.

— Aquele cara era advogado e melhor amigo do seu pai...

— Antônio... – A corrijo me permitindo sentar no lugar dela assim que ela se levanta para contar a história.

Há tempos em que eu não chamo Antônio de pai.

— Não deixa de ser seu pai – Ela dá de ombros. – Ele...

Mamãe tenta engolir o choro. Sem sucesso.

— Ele morreu mesmo? – Faço a pergunta que não quer calar. Geralmente sou assim. Faço sem pensar e depois sofro. Oh, humanidade!

Mamãe diz que sim com a cabeça. Sinto as lágrimas vindo...

— É... Foi o que o Tom disse. Foi muito difícil reconhecer ele. Ele estava acabado. Dois guardas o viram entrar em uma floresta; suspeitaram e foram atrás. Quando finalmente o encontraram, de nada serviram...

Mordemos o lábio inferior ao mesmo tempo. Mais uma vez me bate a vontade de chorar. Eu não devia estar chorando. Antônio não se importava comigo e nem eu com ele. Eu nem lembrava direito dele. Faz anos em que não o vejo. Mas... por que estou chorando então?

— Tudo bem. – Balanço a cabeça. – Vamos seguir nossa vida então.

Começo a me levantar, mas ela me para. Uma murada de água se juntava em seus olhos.

— Mãe... Ele morreu. Okay... para nós ele já estava morto há uns 7 ou 8 anos atrás. Ele não ligou para nós, nem escreveu, nem nada!

— Não podia... – Ela sussurra.

         – Não interessa. – Sibilo. Do meu lado, George se remexia e balançava um copo com café nas mãos, essa tranquilidade e pressa toda me irrita.

— Bom... Agora interessa. Chegou a hora.

Estava pronta para perguntar que hora, mas mamãe me abraça antes.

— Converse com o George.

— Mãe... – Mordo o lábio inferior e me afasto. – Que hora? Do que?

Mamãe se afasta mais e me olha ternamente. Mesmo com este tipo de olhar você via que ela não estava pra conversas.

— Amor, acho que você deveria ir no enterro. No Brasil.

Depois disso não me lembro de mais nada. Acho que desmaiei... minutos depois me disseram que eu comecei a gritar com mamãe e a quebrar as coisas. Não faz sentido. Se isso fosse há dois dias ela teria me esquartejado por elevar a voz. Mas o que faria? Concordaria em ser uma criminosa?

Era simples.

Há seis anos ocorreu a terrível Terceira Guerra Mundial. Como se pode supor, muita gente morreu por conta desta. Ela começou pois dois países começaram a discutir por algo que, na minha opinião, é bobeira. Mais tarde alguns outros países começaram a se intrometer, então se formou uma rodinha; com o tempo os países foram começando a ficar do lado de quem achavam estarem certos, e então a guerra fora decretada. Lembro que um ano antes Antônio fora trabalhar no Brasil como primeiro ministro. Nesse tempo fora perdi todo o contato possível com ele. Ele não telefonava, não escrevia, nem nada. Infelizmente, quando a guerra acabou, após dois anos e meio, a ONU achou um tipo de solução para que aquilo não acontecesse novamente; era o que Matt Jackson, presidente dos Estados Unidos, descreveu como “Um ato sensato... Quem nascesse em um lugar, morreria neste mesmo lugar. Aceitem com honra e orgulho. É uma questão de patriotismo”. Uma lei fora imposta valendo para cada país do planeta. Se você nascesse em determinado país teria que viver eternamente nele, até que morra. Nunca, nunca poderá sair deste país, nem se comunicar com alguém de outra nação. Seus contatos seriam exclusivamente com um morador nacional. Se alguém descumprisse pegaria prisão perpétua, não importando as leis dos países. É para enlouquecer qualquer um. Já me sinto presa só por estar solta, se isso faz sentido.

No dia do anunciamento eu não liguei muito até que a ficha caiu. Antônio não era estadunidense. Era brasileiro. Eu chorei tanto naquele dia... Minha mãe não apresentou nenhuma reação. Eu até me lembro de ter achado que ela tinha pegado depressão ou sei lá. Ela vivia parada, com o olhar vazio. Pensando, acredito. Sabe, destas coisas você nunca esquece.

— Isso é ridículo – Começo a rir e me afastar deles lentamente.

— Não é ridículo. É a verdade e você vai – George nem olha para mim. Mamãe parecia querer chorar. – Era só uma questão de tempo. Uma hora você teria que ir. Esse é o sinal!

— Que sinal? – Nesta escala do jogo eu já estava gritando. – Por que não disseram isso ANTES da guerra?

— Fale baixo, querida, ninguém pode escutar! – Mamãe tentava me manter calma. Loucura.

 – Aurora… – George a repreende. Maldito, ingrato… – Callie, Tom Hoveel já nos passou todas as instruções por telefone. Não tem erro. Matt vai nos ajudar. Você vai para o Brasil, querendo ou não.

— Não. Me. Chame. De. Callie. – Digo cada palavra lentamente para ele compreender. Se você quer morrer? Me chame de Callie. – EU NÃO ENTENDO. Como nosso presidente pode nos ajudar a algo nojento como esse? Como patriota eu...

— Evidente que talvez não tenha que entender. – Mamãe suspira do outro lado da sala checando as coisas que enfiei na bolsa.

— Não diga essas palavras difíceis para mim. Sabe que não entendo.

Ela se desculpa.

— Mãe como posso sair de um país e, não qualquer país porque veja, se trata dos Estados Unidos, sem ser vista? – Bufo. A ideia é tão absurda que me acalma. Impossível. Eles vão desistir. Aliás, eu odeio meu pai, por que iria querer ir no enterro dele?

Ela está acabada e é claro que a cada pergunta mais ela parece afundar. É difícil ver minha mãe assim. Nas últimas horas parece que aquela mulher elegante, que sempre usa um salto 10cm e que nunca se abala, havia simplesmente sumido sem nem deixar um cartão.

         – Queria entender... para que fazer tanto alarde — Uso o vocabular superformal dela de que tanto invejo, por mais que tente, não consigo lembrar o significado destas palavras. – Está certo? Disse certo? Bem, esquece. Para que me arriscar tanto para apenas ir a um funeral? E como faremos isso?

         Ela e George parecem se entreolhar mais uma vez.

                – Não é só o funeral, Calanta. ­– Mamãe balança a cabeça. – Tem... pessoas... – Sua voz estava embargada. A qualquer momento iria chorar. – Elas querem te ver.

         – Tipo... o Tom. Matt vai chegar em um carro e te levar até a Estação. Lá… Ele vai distrair os funcionários enquanto você aproveita para embarcar. Tom Hoveel vai te esperar do outro lado. O presidente de lá é… era melhor amigo do seu pai. Eles vão dar um jeito de a ONU nem desconfiar.

         – Não é como se outras pessoas já não fizessem o mesmo – George deixa escapar.

         – Conhece Tom o suficiente pra lhe entregar minha vida? – pergunto a mamãe. Ela parece engolir em seco mas sorri em seguida.

         – Sim. Conheci seu pai no Brasil, já disse. Fiz... intercâmbio lá. Conheci seu pai na faculdade... Tom era um dos melhores amigos dele. Se tornou o meu também...

         Seu sorriso se esvai. Mais uma vez ela aparentava chorar.

         – Porque ele nunca me contou sobre esse cara? Porque você nunca me contou? – Eu não podia deixa-la se perder em seus pensamentos. Se não eu a perderia também. Não podia deixar a conversa morrer. São tantas perguntas...

         – Não precisava saber. – Mamãe dá de ombros. Será mesmo?

         – E quem mais era amigo de vocês, quem mais quer me ver?

         Mamãe ficou tensa rapidamente. Sua voz sai como um sussurro sufocado.

         – Os Corvos também...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Primeira Cor do Céu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.