21 Maneiras de dizer que a ama escrita por Amelie Oswald


Capítulo 3
Capítulo 2 - Vista-se melhor para encontra-la


Notas iniciais do capítulo

Mais um divertido capítulo dessa comédia romântica. Espero que apreciem. Boa leitura a todos ♥



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A disposição do agente Clint Barton para mais um dia de trabalho era exuberante, pegando até o próprio de surpresa por tamanha empolgação logo pela manhã. O primeiro movimento que fez ao levantar da cama foi ligar o tablet preto que estava escondido em meio a sua bagunça da escrivaninha, devido o resultado positivo gerado na noite anterior com o primeiro item da lista, ele estava obstinado a seguir todos os outros itens até conseguir expressar de vez o que sentia pela colega de serviço. 

O artigo cheio de dicas para adolescentes virgens estava agora salvo nos favoritos do navegador do Gavião. Sem ao mínimo hesitar, ele clicou sobre o mesmo. Não esperou muito tempo para que a página carregasse completamente e sorrindo deslizou o dedo indicador sobre a tela do aparelho, pulando todos os parágrafos que já tinha ignorado na noite anterior, indo direto para o item de número dois da lista. O qual era surpreendentemente tão simples quanto o anterior. 

2 – Vista-se melhor quando for ao encontro da pessoa amada. 

A missão que estava prestes a cumprir junto com a amiga de serviço era algo simples e que conseguiria explorar melhor essa questão de vestir-se melhor, afinal trabalharia disfarçado de civil comum. Ninguém desconfia de alguém vestindo uma bela roupa em um dia agradável no parque, pelo menos em sua cabeça relacionando o que pessoas comuns poderiam pensar, pois na sua mente de agente treinado, ele desconfia de tudo e todos. 

Ele voltou a manter o aparelho desligado e o devolveu para o local que pertencia, em cima da escrivaninha junto com suas bagunças organizadas. Inspirado para encantar Jude com seu charme, espreguiçou o corpo e rumou para o banheiro, onde tomou um banho mais demorado que o habitual e regressou para os aposentos. 

Sorrindo com os pensamentos esperançosos em relação a Jude que havia formado em sua mente durante o banho, ele abriu as portas do armário com o intuito de encontrar algo que julgasse perfeito para a ocasião. O sorriso animado dissipou da face quando percebeu o pequeno amontoado de roupa suja num dos cantos do armário, definitivamente não pegaria nada daquela pilha, mas temia que a mesma tivesse interferido na limpeza de outras peças de roupa. Antes de qualquer escolha, ele as retirou de dentro do armário e atirou no canto da parede, para que mais tarde lembrasse de coloca-las para lavar. 

Após vários resmungos, palavrões e roupas jogadas no canto, ele conseguiu encontrar as peças que considerava perfeitas para impressionar a amiga de serviço. Antes de qualquer coisa, ele cheirou cada uma delas algumas vezes, certificando de que estavam devidamente limpas e sem odor desagradável de mofo por terem ficado tanto tempo guardadas no fundo do armário. Depois de checar desses detalhes, ele as vestiu devidamente e vislumbrou o reflexo no espelho antes de prosseguir com sua vaidade. 

Ele estava determinado a ficar cheiroso e arrumado para a amiga, seguindo a lista de internet afinco. Também aproveitou a ocasião para passar o perfume amadeirado e caro que comprou para usar em ocasiões especiais. Clint estava terminando de tentar dar um jeito nos seus cabelos rebeldes quando o celular apitou anunciando que uma nova mensagem havia chegado. Um sorriso bobo brotou em sua face quando leu o nome do remetente marcado no visor do aparelho. 

[JUDE PHOENIX 06:45] Bom dia, dorminhoco! Te vejo daqui a pouco. Espero que tenha descansado, pois eu dormi feito um anjo :) 

[ENVIADA 06:45] Bom dia para você também! Dormi muito bem. Estou ansioso para a nossa missão. 

[JUDE PHOENIX 06:46] Que bom :) também estou ansiosa para o trabalho tedioso. Cuidar de adolescentes, UHUUUL o/ 

[ENVIADA 06:46] Vai ser divertido. Um pouco de paz para variar. 

[JUDE PHOENIX 06:46] Diga por você, gosto da ação. A parte boa é que terei a sua companhia, vai me ajudar com a palavras cruzadas. 

[ENVIADA 06:47] Com certeza, essa é a melhor parte. 

[JUDE PHOENIX 06:47] Até daqui a pouco, Clint :* 

[ENVIADA 06:47] Até :* 

Clint permaneceu encarando a última mensagem enviada por Jude em silêncio durante alguns segundos. Ainda não conseguia fazer a ficha cair de que a listinha banal que encontrou por acaso na internet estava o ajudando na arte da conquista. Mesmo que as mensagens trocadas não tivessem o mesmo significado para ela que possuíam para ele, o fato de estarem mantendo uma conversa agradável fora do ambiente de trabalho já o alegrava. 

✱ ✱ ✱ 

Não demorou muito tempo para que Clint Barton chegasse no local combinado para mais um dia de serviço. O trânsito estava mais calmo que o habitual, dando esperanças para que ele acreditasse que esse seria o seu dia de sorte. O agente estacionou o carro emprestado da SHIELD na primeira vaga livre que encontrou no outro lado da rua e ao descer do automóvel um sorriso sutil brotou em suas feições. 

Sentada sozinha em uma das mesas do lado de fora da cafeteria estava o motivo de tê-lo feito recorrer para uma lista boba da internet, o seu primeiro e último pensamento do dia, uma das pessoas que mais confiava na SHIELD, a agente Jude Phoenix. Aquela mesa que ocupava era a sua favorita, pelo menos foi o que ela revelou quando estavam sozinhos de tocaia dentro de um carro frio no meio da neve em Moscou. E, a partir de hoje, também seria a mesa favorita dele. 

A agente parecia resplandecer como o dia ensolarado que a atingia naquela bela manhã. Seus cabelos acobreados estavam soltos e jogados para o lado, caindo como cascatas sobre os ombros e quase roçando a mesa. Os olhos, verdes como esmeralda, estavam fixos firmemente sobre a revistinha de palavras-cruzadas que brincava no momento. Ele achava engraçado o modo como Jude conseguia transformas um passatempo tão sem graça em algo interessante, quando estavam de tocaia, ela chegou a esquecer uma das suas armas, porém lembrou perfeitamente de levar uma revistinha para que o tempo passasse mais rápido quando esperavam para agir. Com a mão esquerda ela segurava a caneta com o logo da SHIELD que surrupiou do escritório do Fury, de acordo com ela essas são as únicas que funcionam por mais tempo e demoram para secar a tinta. Ele suspirou quando a viu levar a caneta até a boca, mordiscando inconscientemente a ponta, um sinal de que estava com dificuldade em uma das palavras. 

Ele permitiu ficar por alguns segundos enamorando Jude a distância e em silêncio, apreciando cada pequeno detalhe que a fazia única. As covinhas do rosto quando sorria por ter finalmente acertado uma palavra difícil, o modo delicado como bebericava a xícara de chá - que possivelmente deveria ser de hortelã com laranja, um sabor que adorava, segurando a asa do objeto com o indicador e o polegar enquanto mantinha apenas o dedo mindinho levantado.  “Como é linda!” Pensou o homem assistindo encantado cada um dos movimentos feitos por ela. A viu retirar o celular do bolso e digitar algo enquanto sorria para o aparelho, por uma fração de segundos sentiu ciúmes, querendo saber quem era o responsável por aquele sorriso. Tinha certeza que uma mulher como aquela possuía mais admiradores, outras pessoas que a desejavam tanto quanto ele, seriam homens tolos caso não o fizesse.  

Todas as teorias e suposições foram afastadas dos seus pensamentos quando sentiu o celular tremer dentro do próprio bolso. 

[JUDE PHOENIX 07:15] Onde está, Clint? Se voltou a dormir, saiba que vou interferir nos seus sonhos e o matar como Freddy Krueger. 

O agente riu com a mensagem recebia. Talvez ela realmente o matasse caso descobrisse com o que estava sonhando nas últimas semanas. Antes que ela pudesse enviar outra mensagem, começou a digitar enquanto caminhava lentamente em direção a cafeteria. 

[CLINT BARTON 07:15] Já estou aqui. Não será necessário invadir meus pensamentos. Para ser honesto, a única coisa que sonho no momento é uma xícara de café. 

[JUDE PHOENIX 07:15] Então venha logo. Fiz o seu pedido e ele chega logo daqui a pouco. Um cappuccino com duas bombardeadas de creme, canela e leite desnatado. 

O sorriso bobo voltou a estampar a face de Clint. Durante a última missão que estiveram juntos, eles trocaram informações pessoais enquanto para que pudessem se conhecer melhor e que o tempo passasse mais rápido. Não chegou a cogitar que Jude recordaria de como ele gostava do café, na verdade, não esperava que ela estivesse realmente prestando atenção no que dizia. Já que Natasha costumava deixa-lo falando sozinho na tocaia. 

[CLINT BARTON 07:16] Impressionante. Você é admirável, Jude ♥ 

[JUDE PHOENIX 07:16] É. Eu sei. LOL 

Ela ergueu sutilmente a cabeça, procurando o amigo em meio ao mar de pessoas que atravessavam a rua. Ao encontra-lo, começou a acenar de modo frenético. Mantendo o sorriso encantador na face, ele acenou em resposta e juntou-se a ela na mesa. 

― Uau! Você está... Chique ― Elogiou Jude ficando em pé para cumprimenta-lo. 

Era visível nas expressões da agente que ela estava surpresa com a escolha de roupas do companheiro. Não imaginava que Clint viria bem vestido para uma missão de campo, como se estivesse prestes a ir em uma reunião importante ou um encontro. Discretamente ela olhou para as próprias vestes e tentou limpar uma pequena mancha de mostarda que estava sobre o busto. Ela utilizava roupas do cotidiano, sendo a combinação composta por uma camiseta preta com estampa do Shrek, mais precisamente da placa do terreno escrito “Cuidado Ogro”, shorts jeans curtos com alguns desfiados na base, coturnos baixos e várias pulseiras coloridas. 

― Para uma idosa, você está na moda ― Brincou Clint descontraindo a situação. Ele mostrou a cadeira para que ela pudesse voltar a se acomodar ― Adorei a camiseta. E você está linda, Jude. 

― Obrigada, você também está ― Ela sorriu ficando com as bochechas rubras ― Mas preciso fazer uma coisa antes... 

Ao invés de sentar, ela aproximou. Por uma fração de segundos Clint segurou o ar, sentindo um gelo na barriga com a aproximação surpresa da companheira de campo. Aquilo o pegou completamente desprevenido.  Com sutileza e sem tirar os olhos das próprias mãos, Jude abriu o zíper da jaqueta do homem, mostrando a camisa branca que utilizava por baixo, em seguida ficou na ponta dos pés para que conseguisse arrumar as golas, tanto da camisa quanto da jaqueta. Ele estava com o corpo rígido e hipnotizado com o que ela fazia. 

― Bem melhor. Esse é o Clint que conheço ― Disse Jude sorrindo afastando lentamente do amigo e olhando fixamente dentro dos seus olhos azuis ― E também está cheiroso, caso não te conhecesse, diria que está fazendo isso para agradar alguém.  

Clint abriu e fechou a boca algumas vezes, sem saber ao certo o que dizer para livrar da situação. Se já estava surpreso com a aproximação da mulher, o comentário feito por ela o deixou ainda mais surpreso. Sua intenção era agradar alguém, mas não qualquer pessoa, mas ela. Não conseguia pensar em algo para dizer que não soasse estúpido. 

― Senhorita, aqui está seu pedido ― Disse o garçom sorrindo simpático enquanto colocava o cappuccino do Clint sobre a mesa, junto com um muffin de chocolate com banana. 

― Obrigada ― Agradeceu Jude voltando a acomodar no lugar de antes. Clint sentou em sua frente, voltando a sorrir encantado. Outra vez ela havia recordado seu gosto, dessa vez por bolinho. Provando de uma vez por todas que ela prestava atenção em tudo o que ele dizia ― É melhor você comer, teremos um dia longo pela frente. Daqui a pouco os mutantes chegam ao parque. 

― Não vamos apenas observa-los daqui? ―Perguntou Clint surpreso após soprar seu cappuccino. 

― Achou que as coisas seriam fáceis, é? Temos que dar uma volta no parque como pessoas normais e torcer para nenhum deles fazer alguma gracinha ―Jude sorriu e voltou o olhar para as palavras cruzadas, levando sutilmente a caneta para boca. ― Anseio, aspiração veemente. 

― Desejo ― Disse Clint sem tirar os olhos da caneta que Jude mordiscava. 

― Oi? ― Ela perguntou baixando a caneta e voltando a encara-lo. Ele engoliu em seco. 

― A resposta, é desejo ― Clint mexeu no colarinho da camiseta, suas bochechas ficaram rubras. Por algumas frações de segundos quis acreditar que ela estivesse o provocando, mas não tardou a afastar os pensamentos. Pois Jude conseguia ser sensual sem ao menos tentar. 

― Correto, Legolas! ― Elogiou Jude marcando a resposta no anagrama ―Que moço esperto. ―Ela soltou um riso divertido enquanto cruzava as pernas e jogava o cabelo para trás dos ombros. Clint assistia hipnotizado cada movimento por cima da xícara ― Okay, Clint... Você está muito estranho. 

―Eu? Não ―Ele tossiu algumas vezes, tentando disfarçar a surpresa ― Estou normal. Porque? Você acha que estou mesmo estranho? 

― Acho ― Assentiu Jude rindo sutil e descruzando as pernas ― Você está estranho desde que voltamos da última missão. É um estranho bom, não se preocupe. Deve ser por estarmos mais próximos agora. 

― É, deve ser isso ― Ele sorriu sem mostrar os dentes e voltou a bebericar do café. 

O agente já havia devorado o Muffin de chocolate com banana e estava no final do Cappuccino quando a música “Push it” do grupo Salt-N-Pepper começou a tocar em alto e bom som no café. As pessoas das mesas próximas lançavam olhares julgadores para o local onde o som estava vindo, Clint precisou abafar o riso com a xícara de cappuccino ao notar que aquele era o toque de telefone da colega de serviço. Sem se importar com os olhares estranhos, Jude atendeu o telefone falando com tom profissional. O fato dela não se importar com o que pensavam dela devido seus gostos, fazia com que Clint acabasse ficando mais apaixonado. Ela possuía um jeito único de ver e viver a vida, fazendo o que tem vontade e ignorando os julgamentos. 

― Tudo bem! Estamos a caminho. Obrigada por avisar. ― Jude agradeceu a pessoa do outro lado da linha e desligou o aparelho celular. A ligação fora breve e, pelas expressões da mulher, envolviam o serviço. ― Espero que esteja preparado para ficar de babá. Os mutantes do serviço comunitário chegaram. 

― Claro! Um instante, por favor ― Clint começou a remexer nos bolsos da jaqueta em busca da carteira. 

― Não se importe com isso ― Ela levantou sorrindo da cadeira e tocou no ombro do companheiro. ― Já paguei. Vamos dizer que vale pela cerveja em Washington. 

― Jude... ― Ele tentou contradizer, não queria que Jude pagasse seu café ou qualquer outra coisa, muito pelo contrário. Mas ela o interrompeu. 

― Relaxa! 

― Obrigado! ―Ele agradeceu devolvendo a carteira no bolso interno da jaqueta. 

Com um sorriso agradecido pelo doce gesto da amiga, ele a acompanhou para dentro do Central Park, onde a missão do dia estava prestes a dar início. Os agentes do serviço comunitário já estavam no local com um grupo de, mais ou menos, quatorze adolescentes, os quais não demonstravam perigo aparente. 

― Acho que aqui está bom, bonitão ― Segurando na mão do amigo, ela o puxou para o banco de madeira próximo, onde possuíam visão ampla sobre tudo o que acontecia com o grupo de adolescentes ― Agora, protocolo. Eles não podem desconfiar de nós. Agiremos como namorados. Afeto em público incomoda as pessoas. Já fiz isso com a Natasha, aposto que você também. 

― Na verdade, não ― disse Clint coçando a nuca e tentando disfarçar a surpresa. Natasha nunca falou nada com ele em relação a essa sutil mentira. ― Mas sempre tem uma primeira vez. 

― Oh! Hum... ―Jude mordeu o canto dos lábios, ficando levemente constrangida ― Estou acostumada a sair em missão com a Natasha, meio que o Fury nos obrigava a conviver. Sabe como é... Com você não tive muitos problemas. ― Ela ergueu os olhos para ele e colocou uma mexa de cabelo atrás das orelhas ― Já fingimos ser um casal lésbico. Mas enfim, ignora isso. Como você costuma trabalhar com a Nat? 

― Faremos o que você disse ― Clint esticou uma das mãos e tocou sobre as dela que estavam apoiadas no colo, ela retribuiu o gesto com um sorriso ― Não se preocupe, sairemos bem. Além de que não vejo perigo nesse grupo, são apenas adolescentes. 

― São jovens rebeldes e mutantes que estão sobre custódia do governo. Acha mesmo que não são perigosos? São adolescentes, Clint. Sabe o que é perigoso nessa fase da vida? A puberdade, Clint ― Comentou Jude brincalhona ― Imagine agora a união da puberdade com poderes mutantes. É o caos, Clint. 

― Pode estar certa... 

― Estou sempre certa ―Zombou Jude impedindo Clint de terminar a frase. 

― Você é terrível, senhorita Phoenix ― Disse Clint rindo divertido. 

― Eu sei ― Ela deu um sorriso sarcástico e mexeu na bolsa tiracolo que carregava, tirando as palavras cruzadas de dentro. ― Agora me ajude com as palavras que não sei, Legolas moderno. 

Foi impossível para Clint segurar o riso enquanto balançava a cabeça em negação. Dentre várias das coisas que achava incrível em Jude, uma delas era a facilidade em dar respostas rápidas cheias de sarcasmo e a outra a imaginação fértil da agente para das apelido para aqueles que cruzam seu caminho. Principalmente com as pessoas que mais convive, Clint não era capaz de listar todos os apelidos idiotas que Jude já chamou Fury, Maria Hill, Phil Coulson e Natasha Romanoff. E, diferente das outras pessoas, ela não ligava se os donos dos apelidos escutariam. 

Como não tinha a intenção de encarar o grupo de modo direto ou ler as palavras cruzadas da Jude por cima dos seus ombros, Clint resolveu prestar atenção nas coisas que aconteciam ao seu redor. Sua atenção foi focada nas crianças que corriam pelo parque enquanto brincavam próximo a visão dos seus pais. Por alguns segundos passou em sua cabeça como seria possuir uma infância normal, sem dramas ou tragédias. 

― Quando eu era criança adorava brincar de pega-pega ― Disse Jude guardando a revistinha de anagramas dentro da bolsa ― Meus pais me traziam com meu melhor amigo e falecido esposo, Half. Passávamos o dia inteiro conversando e comendo, depois íamos para o Brooklyn visitar alguns parentes. Lembro que uma vez um menino mirradinho me defendeu durante uma briga, estava aprendendo a controlar meus poderes e acabei dando risada dos pensamentos de um bully, o cara se irritou e partiu para cima de mim, esse rapaz entrou na briga e apanhou muito. Não lembro o nome dele, deve ser Svan, Stanley, algo assim. É bem provável que já esteja morto. Sabe, New York não era assim no meu tempo ― Ela riu ao proferir as duas últimas palavras e balançou a cabeça ― No meu tempo. Soa tão estranho. Faz com que me sinta muito velha. Mas chega de falar de mim, como foi a sua infância? 

― Não é uma história muito agradável ―Respondeu Clint entortando o lábio e desviando o olhar para o horizonte. 

― Por favor, me conte. Não podemos ficar em completo silêncio o dia todo. As pessoas conversam ― Ela segurou a mão dele entre as duas e começou a brincar com seus dedos de modo gentil ― Posso te contar o que quiser sobre mim, sem mentiras. 

― Sem mentiras? ―Ele levou o olhar para suas mãos e em seguida para os olhos de Jude. 

― Sem mentiras ―Assentiu sorrindo. 

― Nasci em Waverly, em Iowa. ― Clint começou a narrar ― Meus pais morreram em um acidente de carro quando era criança. Fui mandado para um orfanato, mas me envolvi em muitos problemas, acabei fugindo com o circo itinerante, onde recebi meus primeiros treinamentos. 

― Uau! Isso é incrível. Não a parte do acidente ou seus problemas ― Ela se corrigiu enquanto gesticulava nervosa ― Desculpa, bem que minha mãe diz que quando não sabe o que comentar o melhor que faz é ficar quieta. 

― Você quieta não tem a menor graça ― Clint riu baixo ― Minha vez. O que houve com seus pais? 

―A guerra, isso aconteceu com eles. A HYDRA descobriu sobre mim e meu irmão, capturou minha família. Meu irmão não resistiu aos testes, eu sobrevivi, o que foi pior. Não envelheço desde então, eles conseguiram ativar mais genes mutantes do meu DNA. Alguns ainda estou aprendendo a controlar. Para testar minha “lealdade” fizeram com que matasse meu pai, meu ex-marido e a família do meu irmão. ― Jude suspirou e juntou as mãos em frente ao corpo ― Virei uma máquina de matar, uma fera descontrolada. Por isso que o Fury fica com receio de me deixar sozinha, ele teme que meus instintos assassinos voltem ― Ela deu com os ombros e olhou para Clint voltando a sorrir ― Filhos? 

― Quem sabe um dia. E você? ―Ele jogou a pergunta de volta. 

― Então... ―Ela riu sem humor, voltando a ficar tensa sobre o assunto abordado ― Tenho dois. O Prince e a Adele.  O Prince faleceu a alguns anos, ele estava me procurando e a HYDRA descobriu, infelizmente cheguei muito tarde. Ele e minha nora foram mortos. Mas tiveram netos e isso que importa, meus netos estão saudáveis e felizes. Vivem com a Adele, o sonso do esposo dela e as outras crianças. Estão sobre proteção da SHIELD. 

―Jude, sinto muito por ter tocado em um assunto delicado... 

―Tudo bem, Clint ― Ela gesticulou para que esquecesse do assunto ― Confio em você e na Nat, ela sabe a história completa e com detalhes. Além de que minha futura neta tem o nome dela. Vou leva-lo para conhece-los qualquer dia desses. 

― Vai ser um prazer ― Disse Clint sorrindo. ― Você gosta bastante de palavras cruzadas. Do que mais gosta? Sabe, para passar o tempo. 

― Ouvir música, principalmente nos dias que estou com dor de cabeça por causa dos poderes. Gosto de ver a mudança nos estilos musicais com o decorrer das décadas. E ler, sou apaixonada por literatura. Ah! Também amo ver filmes e séries. ― Ela sorriu divertida ― Gosto de comédias românticas, mas não acredito que príncipe encantado apareça para salvar a donzela em perigo. Isso soa machista. Além de que pessoas perfeitas não existem, principalmente homens. 

― Vou aceitar isso como indireta ―Clint fez careta e disse brincalhão. A agente riu divertida, fazendo com que ele também risse. 

― Não me deixou terminar a frase ― Ela entrelaçou seus dedos nos dele e deitou a cabeça com ternura sobre seu ombro ― Existem pessoas imperfeitas que tornam sua vida perfeita. Essas eu chamo de amigos, como é o seu caso. 

Com um sorriso estampado na face, Clint assentiu acariciando a mão da amiga com o dedo polegar. Em um ato pouco pensado, ele beijou o topo da cabeça da mulher com ternura e afeto, antes de encostar a bochecha sobre o local. Discretamente, Jude sorriu com o gesto que a pegou de surpresa.  

Faziam anos que alguém não mexia com o agente como Jude estava fazendo. Ele sentia-se leve ao seu lado. Não recordava com precisão quando foi o seu último romance, muito provável que tenha sido na época do circo, uma época que consideraria normal. Porém, nos dias atuais, apaixonar-se era um luxo que não deveria ocorrer em nenhuma hipótese, principalmente por uma colega de serviço. Bancar o herói que a SHIELD precisa ocupa tempo integral e essa deveria ser a sua única obsessão. Mas a vida é uma caixinha de surpresas. 

Mesmo sento um homem com opiniões fortes e formadas, além de ter idade para ser o filho da mulher por quem se apaixonou, quando estava com Jude ele sentia como uma criança que estava descobrindo o mundo. Para ele, Jude era mais do que uma agente ou uma colega de serviço, ela era a mulher mais impressionante que conheceu e também sua melhor amiga. Que, infelizmente, não conseguia contar diretamente a ela sobre seus sentimentos, temendo estragar todas as coisas boas que existe entre eles. 

―Merda! ―Urrou Jude após um longo tempo em silêncio, atraindo atenção do agente com o sobressalto. 

―O que aconteceu? ―Perguntou Clint olhando para a mesma direção que ela, não demorou para que sua dúvida fosse respondida ― Merda! 

Alguns dos adolescentes do serviço comunitário, mais precisamente quatro deles, começaram a anarquia no parque, utilizando dos seus poderes para assustar os civis que passeavam tranquilamente por ali. 

― Jude e se nós... 

Antes que Clint tivesse tempo de explicar como reagiriam, Jude levantou correndo do banco de madeira com a arma de choque em mãos e, sem aviso prévio, atirou em um dos baderneiros, fazendo com que o rapaz caísse tremendo no chão devido à forte corrente elétrica que atravessava seu corpo. A maioria dos menores ergueram as mãos em rendição, mostrando que não estavam envolvidos na baderna feita pelo pequeno grupo. Os três baderneiros restantes sorriram de modo maroto para a agente, desacreditando de sua capacidade. Há alguns metros de distância, Clint assistia tudo em silêncio, estando pronto para atacar quando necessário. 

― Não temos medo de você ― Começou o maior dos três, cuspindo no chão. Jude revirou os olhos e bufou ― O que uma policiazinha como você pode fazer contra... 

Antes que o mutante pudesse terminar o seu discurso, ela sacou a arma de choque pela segunda vez e o atingiu na barriga, fazendo com que ele caísse tremendo no chão como seu colega de gangue. Seus companheiros de bagunça deram alguns passos para trás, os sorrisos vitoriosos foram desfeitos, dando espaço para expressões preocupadas. Um riso divertido e discreto brotou na face do Clint ao notar que os adolescentes estavam com medo da Jude. 

― Vocês falam muito ―Disse Jude arrumando outra munição na arma ―Mas darei chance de um belo discurso enquanto recarrego isso aqui, pensem nas palavras, mas sejam breves. 

O mais baixo e magro dos três baderneiros projetou um espinho comprido e estranho do corpo, lançando o mesmo na direção da agente. Revirando os olhos, ela gesticulou com a mão, fazendo com que o espinho batesse contra uma barreira invisível e caísse no chão. 

―Merda! Mas que porra! ― Retrucou o mutante lançando outros espinhos, os quais sofreram da mesma reação que o primeiro. 

― Querido! Eu posso fazer isso o dia inteiro ―Disse Jude dando com os ombros. 

Assustado com o que Jude era capaz de fazer, o rapaz concentrou todas as forças que possuía, unindo o maior número de espinhos na palma das suas mãos. Notando o que estava por vir, Jude alargou o sorriso e esfregou as palmas das mãos, ansiando pelo momento. Ela conseguiu afastar a maioria dos espinhos, porém o último lhe atingiu em cheio entre os olhos, atravessando sua cabeça. Ao assistir a cena, Clint gritou preocupado, acreditando por uma fração de segundos que ela havia sido morta antes de se declarar. 

― Puxa vida! Isso vai me dar um torcicolo ―Resmungou a agente levantando do chão com a cara ensanguentada enquanto o buraco cicatrizava aos poucos ― Conseguem ver meu cérebro? 

― Não ―Respondeu um dos meninos que não fazia parte do grupo de baderneiros. 

― Ótimo! Pois caso contrário meu amigo teria de estragar os sapatos novos correndo atrás de vocês ― Jude olhou para Clint por breves segundos, sorrindo divertida. Em seguida voltou a atenção para os baderneiros do parque ― Mas, então... Já acabaram? 

― O que você é? ― Perguntou o rapaz dos espinhos com os olhos arregalados. 

― Seu pior pesadelo ― Ela apontou a arma para o rapaz e o nocauteou com choques ― UÓU! Estou adorando essa arma. Muito mais fácil de carregar, sem aqueles fios insuportáveis. Eu não queria estar no lugar de vocês, não mesmo ― Disse Jude preparando a arma pela quarta vez ― Mas e você, companheiro? O que vai ser? ―Sem dizer uma única palavra, o mutante baderneiro simplesmente correu ― Não, eu não quero correr. Lindão, vai que é sua. Temos um fujão aqui! Você é mais rápido do que eu e luta melhor do que qualquer pessoa que conheço. 

O coração do agente bateu mais acelerado com os elogios. Chegou a crer que era algum tipo de sarcasmo, mas essa teoria foi embora na mesma velocidade que surgiu quando notou as expressões sérias da agente. Antes que o mutante tomasse mais a dianteira, Clint deu início a perseguição. 

O clima primaveril combinado com a jaqueta de couro, camisa social e sapatos novos faziam com que ele arrependesse amargamente da sua escolha de roupas para a ocasião. Não deveria ter pego suas melhores peças para um dia de serviço. Embora tenha recebido alguns elogios, ainda restavam dúvidas se foram sinceros ou puro sarcasmo. Porém o elogio que o motivava era o da luta, as palavras repetiam em seu cérebro enquanto corria atrás do mutante fujão pelo parque. Ela o achava um exímio lutador, de acordo com suas palavras, melhor do que qualquer pessoa que conhecia. 

A perseguição se arrastou longa e quente, um grande alívio tomou Clint quando conseguiu capturar o fujão atirando em suas costas uma flecha elétrica.  

― É, acho que terminamos por hoje ―Disse Jude parando ao lado do Clint após terem entregue os adolescentes para as autoridades responsáveis ― Chega de parque. 

― Chega de parque ―Assentiu Clint sorridente enquanto retirava a jaqueta de couro, segurando a peça no braço. A camisa que antes era branca, agora estava com partes amarelas por causa do suor. 

― Foi um bom trabalho, toca aqui ― Ela ergueu a mão e Clint bateu um hi-5. ― Somos imbatíveis. Droga! 

A agente estava andando lado a lado do colega de serviço, mas parou alguns passos atrás, levando a mão até a testa, mais precisamente no local onde antes estava o rombo causado pelos espinhos. Sem hesitar, ele aproximou preocupado com o bem-estar da amiga. 

― Jude... 

― Eu estou bem ― Ela respondeu forçando um sorriso. 

― Não é o que parece ―Rebateu Clint forçando a mulher a colocar o braço ao redor do seu pescoço. ― Vamos, eu te ajudo. 

― Deve ser um pedaço minúsculo de osso preso dentro do meu cérebro ― Reclamou Jude aceitando a ajuda ―Pelo menos temos o suficiente para o relatório do Fury. Ah! Merda! 

― Vamos no meu carro, mandamos alguém buscar o seu depois ―Disse Clint a guiando com cuidado pelo parque. 

― Estou ouvindo muitas vozes, preciso retirar esse pedaço de bosta do meu cérebro antes que meus outros poderes descontrolem. Aposto como é um estilhaço de nada ― Urrou Jude entre os dentes tentando focar os pensamentos em outra coisa ― Parece que todo mundo está gritando ao mesmo tempo. É horrível. Estou falando muito alto? 

―Um pouco ―Ele sorriu e a segurou com um pouco mais de força durante a caminhada ―Não falta muito. 

― Sabe, Clint. Você não está mais tão cheiroso ―Zombou Jude rindo fraco. 

✱ ✱ ✱ 

Depois de regressarem para a base da SHIELD em Nova Iorque, a primeira coisa que Clint fez foi levar Jude diretamente para a enfermaria. Ele narrou aos médicos que estavam atendendo todos os eventos que havia acontecido. Infelizmente, teve de deixar a amiga sozinha com os doutores para que os procedimentos cirúrgicos fossem feitos.  No fundo temia que algo de ruim acontecesse com a mente dela e a Jude do passado regressasse, exterminando qualquer traço positivo que ela cultivou no decorrer dos anos. 

Demasiado cansado para fazer qualquer outra coisa, o agente foi direto aos seus aposentos. Não tardou a tomar um banho relaxante no chuveiro quente e vestir uma roupa confortável, sendo apenas uma calça de moletom preta. Não pretendia deixar os aposentos tão cedo. Seus pés estavam doloridos e com bolhas, provando que foi uma ideia estúpida utilizar os sapatos novos para a missão. Além de que sua melhor calça estava rasgada e duvidava que a camisa social branca voltasse a ter a cor de antes. 

― Merda! ― Resmungou o agente estapeando o colchão e levando as mãos até a testa. Estava descrente do como foi tão burro em não pensar nos contras da missão. 

Os resmungos pararam quando escutou algumas batidas na porta de metal. Ele sentou com a coluna ereta sobre a cama e abraçou o travesseiro para cobrir o tronco nu. Torcia para que não fosse o diretor Fury lhe atribuindo ordens surpresas para serem cumpridas ainda hoje. 

― Pode entrar ― Anunciou mantendo a compostura. 

― Toc! Toc! ― Com um sorriso radiante na face, Jude ingressou no quarto carregando algo nas mãos. Ela não utilizava mais as roupas do parque e, assim como ele, também havia tomado banho. O vestido vermelho com estampas de flores a deixavam com ar jovial, nos pés calçava crocs e sobre a testa havia uma faixa branca enrolada ― Vim agradecer por ter me levado até a enfermaria, foi gentil da sua parte. 

― Oi, Jude! Não esperava sua visita ― Ele retribuiu o sorriso e relaxou os músculos, sentindo-se confortável na presença dela ― Belas ataduras. Você está bem? 

― Isso não é nada ― Ela sentou na beirada da cama e retirou a faixa da cabeça ―Estou usando por usar, o corte no córtex frontal já foi cicatrizado a algum tempo. Agora ele está cem por cento inteiro. Além do mais, você reparou nas minhas ataduras, mas não reparou nas minhas crocs. 

― Oh! As ataduras servem para desviar a atenção, bom saber ― Zombou rindo ― E o que é isso nas suas mãos? 

― Isso é para você ―Ela entregou para ele a embalagem redonda de metal que estava em suas mãos. Não demorou muito para Clint perceber que tratava de uma pomada, ao abrir o potinho, um cheiro forte de canfora exalou pelo quarto ―Vi que você mancou muitas vezes no caminho. Precisa aprender a lacear os sapatos novos com jornal antes de usa-los. 

― Não precisava. 

― Não seja besta, Clit. É o mínimo que poderia fazer por você ― Ela deu com os ombros e segurou o antebraço dele. 

―Obrigado ―Ele colocou sua mão sobre a dela ― De verdade. 

―Como eu disse, não foi nada ―Sorrindo, Jude ficou em pé ―Bem, tenho de ir. Marquei de jantar com a Tasha. Ela volta hoje de sabe-se lá onde e precisamos colocar nossas conversas em dia. Sabe como é, noite das garotas. 

―  Sempre quis saber o que tanto conversam na noite das garotas. ― Comentou Clint. ― Se falam sobre mim. 

― Possivelmente fale hoje, o quanto estava bonito. Normalmente falamos de outras coisas, lutas, segredos, família e armas, principalmente armas. ― Jude beijou a testa dele antes de se afastar em direção a porta. ― Amanhã nos vemos, daqui a pouco o serviço de quarto chega. Pedi que entregassem a comida pra você, disse que sofreu uma contusão então finja uma. 

― Obrigado. ― Clint agradeceu sorrindo gentil pela última vez. 

Ele assistiu ela deixar o quarto em silêncio. Ao ter certeza que Jude já estava longe, deitou de barriga para cima na cama com um sorriso bobo na face. Mais um item da lista havia dado certo. Não fora como o planejado, mas ela o achou bonito e cheiroso, notou o diferencial. E de bônus conseguiu uma dose extra de atenção e cuidados. Definitivamente dormiria feliz naquela noite. 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham apreciado, em breve postarei o próximo capítulo. Não deixem de ler minhas outras histórias e de me seguir no twitter @hvlksmxsh
Mil beijos, Amelie Oswald



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