O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 8
Reencontro e salvamento




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A mulher de Kodadde tinha aparecido na altura certa. A sua pistola laser ainda fumegava quando ele a descobriu. Sentiu um alívio maior do que aquele que tinha sentido quando, julgando-se castigado pelo Imperador, recebeu uma oferta de whisky corelliano das mãos do próprio Palpatine que o fora visitar no seu alojamento no edifício diplomático de Coruscant. O incidente no qual ele fora protagonista fora sanado com uma bebedeira. Da parte dele, pois Palpatine escusou-se a partilhar sequer um brinde. Ele não se importou. Na verdade, nunca ficaria ébrio na presença de Palpatine, nem sequer cogitava beber com o homem.

Se na presença do líder do Império se contivera, na presença de Ambarine soltou um grito de triunfo e tê-la-ia abraçado se o nikto vermelho não viesse logo atrás, a rugir furioso, com uma cara de que era capaz de o devorar às dentadas. Por isso, refreou-se. E pôde compreender que o perigo continuava.

A confusão galgava pela avenida à medida que o pânico das testemunhas iniciais da execução se espalhava aos demais. As gentes corriam como loucas e chegava-se àquele ponto em que já ninguém sabia por que motivo se corria. Era mais impulso e instinto. Algumas rixas aconteciam entre grupos dispersos, quando havia pisões ou empurrões que eram mal recebidos.

— Obrigado, minha querida. Salvaste-me a vida.

— Ainda não terminou, senador.

Os olhos de Ambarine vigiavam a agitação da rua, com uma concentração mortífera. A sua pistola continuava em riste, o dedo sobre o gatilho.

— Joyce?

O nikto respondeu-lhe:

— Este lado também está limpo. Podemos continuar.

— Continuar?

— Regressamos ao espaçoporto – esclareceu Ambarine, fazendo-lhe sinal com a cabeça para que ele se juntasse a ela, dessa forma protegê-lo-ia melhor.

J7-21 seguia-o. Ele conferiu o intercomunicador, pela primeira vez. De facto, as duas horas-padrão estavam praticamente esgotadas e assim não ficou tão incomodado, pois temia que a pirata espacial tivesse interrompido a sua negociata para vir salvá-lo. Não estava para aturar a sua censura ácida no resto da viagem. Espreitou o autómato e perguntou:

— Foste tu que o enviaste, Ambarine?

— O androide? Não, nunca o vi. Não tenho muitos androides na minha tripulação. São máquinas que precisam de uma manutenção específica e bastante onerosa. Fazem mal… aos meus lucros!

— Reparei nisso…

— Alguma crítica de que eu deva tomar conhecimento, senador?

— Crítica?

— Preciso de mais androides na minha tripulação para assegurar um melhor funcionamento do meu cargueiro?

Heskey revirou os olhos, cansado e aborrecido. J7-21 mantinha-se calado, a segui-lo de forma obediente, sem qualquer indício de que conseguia interagir razoavelmente bem com os humanos, o que chegava a ser desconcertante.

— Oh!, quem sou eu para definir a melhor tripulação de um cargueiro de comerciantes que operam à margem da lei! Pensei que o tivesses enviado. Afinal, ele disse que me encontrou através do intercomunicador que tu me deste.

— Isso é estranho. Mas não temos tempo para discutir essa questão…

— Jotassete! O que se está a passar aqui? – exigiu ele, voltando-se para o androide.

A máquina respondeu:

— Senador, estou aqui para te proteger.

— Isso já eu sei. Quero saber quem te enviou. Não é possível que me tenhas vindo avisar sobre o milium por uma simples questão de justiça. Os androides não possuem esse conceito, muito menos uma base de dados.

— Estás enganado em relação aos androides, senador.

— Ah, esclarece-me!

Uma explosão junto à sua orelha esquerda deixou-o surdo. Antes de perceber totalmente o que estava a acontecer, viu-se a perder o equilíbrio quando lhe puxaram pela capa e ele foi, aos tropeções, esconder-se atrás de uma estrutura metálica que suportava o toldo de uma loja. Estava ao lado de Joyce que disparava sem cessar contra uma nova ameaça, na direção do fundo da rua.

— O que se passa agora?!

Foi mais um lamento pessoal do que uma pergunta, mas o nikto respondeu-lhe:

— É o teu segundo amigo.

Ele alarmou-se. Susteve a respiração. Julgava-se a salvo, a verdade era que os guarda-costas do milium formavam um par.

— O segundo soldado?

— Sim, senador! Conserva-te atrás de mim e nada de atitudes bruscas. Não precisas de ser o herói. Isso cabe-me a mim!

— Simpático… Descansa, eu daqui não saio.

Do outro lado da rua, atrás de uma espécie de escaparate que exibia frutas secas em grandes potes, estava Ambarine refugiada, também a disparar a sua pistola laser. Ele tentou ver onde se acoitava o segundo soldado, mas foi-lhe impossível distinguir esse lugar devido ao fumo branco produzido pela intensa troca de tiros. Seria, contudo, um excelente abrigo pois tanto o nikto, como a mulher de Kodadde não descolavam os respetivos dedos do gatilho e a chuva mortífera de raios laser prosseguia.

Lembrou-se do androide – teria sido atingido pelo fogo-cruzado e jazia inerte, com a carcaça rebentada, destruído e assim ele não teria como esclarecer o mistério daquele recente companheiro? Apoiou-se na parede lateral da loja, espalmando as mãos de encontro aos tijolos ásperos, tentando não sobressair demasiado, com receio de ser atingido por um tiro. Esticou o pescoço e varreu com os olhos a rua próxima, procurando pela unidade J7-21. Descobriu-a quieta, ligeiramente atrás de Ambarine e suspirou de alívio.

De seguida, um calafrio de medo. E se o androide era outra armadilha? Afinal fora Jotassete que lhe contou sobre o milium, que o abordou na cantina. Abanou a cabeça zonza, desacreditando a sua própria teoria. Mesmo que fosse algum estranho agente para lhe fazer mal, era uma máquina que ele podia desativar e converter para o servir a si ou a quem ele quisesse. E, recordou-se amargo, ele continuava do lado do Império Galáctico!

Para mais, ele estava sob a ameaça mortal daqueles dois soldados que se aliavam ao milium – ele vira-os, ninguém lhe tinha contado essa parte da história. Por isso, pudera comprovar, em parte era certo, o que lhe revelara o androide.

Estava cansado e precisava de uns minutos de repouso para se reorganizar, física e mentalmente. Era isso. Estava cansado.

Ambarine fez um sinal a Joyce e os dois pararam de disparar ao mesmo tempo. Heskey engasgou-se ao engolir a saliva que tinha na boca.

— O que foi? – perguntou, a voz rouca.

— Chiu… A chefe está a avaliar a situação.

— Que situação?

Os tiros contrários também pararam. A barreira branca da névoa artificial continuava a não deixar ver grande coisa e o caos na rua era outra das contrariedades. Os gritos eram ensurdecedores e insuportáveis. Haviam também vítimas inocentes que acabaram feridas e mortas por raios laser tresmalhados, que não lhes eram dirigidos – Heskey não quis pensar muito nos corpos que viu estendidos no empedrado daquela avenida. Alguns moviam-se devagar, entre gemidos, outros estavam imóveis. Apertou os lábios e perguntou, num sussurro:

— O soldado… já o neutralizaram?

— Ele é um profissional. Sabe montar uma emboscada…

— Devo ficar preocupado?

— Não… Eu também sou um profissional.

Joyce fez um sinal a Ambarine e esta assentiu com um único movimento da cabeça. Comunicaram-se com olhares. Heskey teria de confiar, continuava armado apenas com a sua lábia prolífica. O nikto esgueirou-se, colando as costas à parede, com a carabina fixa no alvo adiante. Ambarine disse-lhe que aguardasse e Heskey encolheu os ombros. O que mais podia ele fazer?

Um par de tiros, uma pequena explosão por cima da cabeça dele que libertou caliça da parede que caiu como uma chuva fina e cinzenta nos seus cabelos e escutou-se o berro do nikto, informando que o segundo soldado fora abatido.

Heskey juntou-se imediatamente ao androide e à mulher de Kodadde. Ambarine nem o olhou. Levantou um braço para que Joyce visse e começou a andar apressadamente no sentido oposto de onde estava o soldado. Virou à direita, o grupo seguiu-a, com o nikto a proteger a retaguarda. Heskey quis perguntar-lhe como tinha acabado com o soldado tão depressa, mas recordou-se que fora um recontro entre profissionais e que vencera o mais inteligente e o mais afortunado.

Entraram numa rua secundária e viraram novamente à direita. Acharam-se numa praça enfeitada com uma fonte no centro. A estátua estava maltratada e havia muito tempo que não corria um pingo de água ali, mas era um conjunto bonito e Heskey, cansado da fealdade de Ferth, quedou-se a admirar a fonte com genuíno espanto.

— Senador… – sussurrou Ambarine, impaciente. – Ainda não terminou.

Ele estremeceu, como se a ouvisse pela primeira vez. Tinha a testa húmida e fria do suor. Apercebeu-se de que estava exausto e, sobretudo, saturado. Resmungou:

— Está bem, minha querida. Se dizes que não terminou… Eram só dois soldados e foram os dois eliminados. Para mim, terminou.

A mulher respirou fundo. Circunvagou o olhar pela praça e disse-lhe, casualmente, enquanto assentava a mão na cintura:

— Falta o caminho até ao espaçoporto.

Estava a adotar uma postura que não desse nas vistas naquele lugar onde se passeavam algumas pessoas, criaturas e androides. Se ele não estivesse tão aborrecido com todos aqueles contratempos, acreditava que ela estava a tentar seduzi-lo. Assim fingia, gingando o corpo, falando com ele sem o encarar, a fazer-se de difícil.

— Há o transporte – referiu ele.

— Iremos a pé. O caminho não é longo e não quero arriscar sermos apanhados num momento vulnerável. Compreendido, querido?

Ele suspirou.

— Sim, querida…

Depois percebeu a razão de estarem na praça. Era um ponto de encontro com os outros do grupo. O segundo nikto chamado Royce, a copiloto Lenna e o gamorreano grunhidor. Viu-os do outro lado, sentados numa esplanada, rindo-se, descontraídos e divertidos.

Ambarine estalou os dedos para captar a atenção de Joyce. Já Jotassete rodeava-o, como se efetivamente fosse o seu androide. Ele abanou a cabeça, intrigado com aquela lealdade. Ao erguer o olhar, deparou-se com dois homens que acabavam de entrar na praça, oriundos de uma rua larga que brilhava por conta dos reclamos luminosos que ornamentavam as fachadas das lojas. Corriam e ali estacaram, analisando todos os que ali estavam com olhos escrutinadores. Procuravam por alguém. Heskey notou os emblemas do Império na lapela, iguais aos do traidor que o tinha entregado ao primeiro soldado. Espiões imperiais.

Esticou o pescoço, ajeitando a capa. Ia para abordá-los, quando a figura imponente do nikto se postou diante dele, cortando-lhe a visão e os passos.

— Não, senador – rosnou Joyce, num tom de ameaça.

— Não?

— São o inimigo, senador – esclareceu Ambarine, que tinha ficado subitamente agitada.

Lenna, Royce e o gamorreano já se tinham levantado da esplanada e vinham até eles, conversando alegremente, para disfarçar a relação entre eles. Heskey exclamou:

— Mas eu sou um senador do Império!

— Calado! Aqui segues as minhas ordens – ciciou ela, intransigente.

— Oh, acho que tenho seguido as tuas ordens sempre, desde que fui raptado!

— Algum problema com isso?

Então, já falavam no tom de voz normal.

— Nenhum! Por que motivo haveria de ter algum problema? Estou a fazer tudo contrariado desde que nos conhecemos. Mais uma questão, menos outra, que diferença faz? Estou a ser manobrado como um títere, a sujeitar-me a roubos de identidade e a tentativas de assassinato, mas é tudo normal na vida de alguém, certo?

— Senador, segue-me.

O pedido do androide estilhaçou-lhe o resto dos nervos. Apontou a máquina com as duas mãos e disse:

— E tenho mais este que não me larga. Estou a ter o melhor dia da minha vida!

O par de espiões finalmente reparou neles.

Os dois nikto juntaram-se, ombro com ombro, e dispararam uma saraivada de raios laser para o alto, criando confusão na praça que se tumultuou de imediato. Ambarine puxou-o pela capa e ele escutou claramente o som do tecido a dar de si, num rasgão. Correu de forma automática atrás da mulher, ladeado pela copiloto e pela unidade J7-21. O gamorreano ajudava os nikto atrás, disparando tiros esporádicos para evitar que fossem seguidos. Mais gritos. As suas últimas horas tinham sido definidas por gritos, pensou ele cada vez mais desmotivado.

— Isto é ridículo! Estamos a fugir de espiões imperiais! Acho que eles nos podem ajudar! – protestou, sem fôlego.

— Vais encontrar-te com os rebeldes e queres ser ajudado pelo Império? Onde está a lógica nisso? – estranhou Lenna.

— Tu não irias compreender, minha querida.

— Acho que és tu que ainda não compreendeu, senador!

Calou-se. Os seus pulmões não iriam aguentar se se pusesse a discutir com a dresseliana. E ainda tinha de ter forças para fazer o caminho até ao espaçoporto.

As ruas por onde corriam eram travessas secundárias, onde não havia comércio. Estavam pejadas de lixo, de dejetos, de parasitas e outros animais que viviam na imundície, mas Heskey já nem reparava no que o rodeava, nem tinha energias para colar adjetivos depreciativos àquele mundo estranho, depravado e perigoso que era Ferth. Deixou-se conduzir. Se fugia de espiões imperiais, pois, provavelmente, era isso que lhe era exigido e era isso que devia fazer.

Os tiros, entretanto, tinham cessado. Ninguém disparava e isso era uma situação boa, que eliminava o alarme e a ansiedade.

Pararam junto a uma torre de refrigeração. Ambarine indicou que o espaçoporto ficava do outro lado, tinham de escalar uma escadaria metálica. Heskey falou-lhe no androide, a base de dados não seria capaz de subir os degraus. Joyce, o nikto, carregou com a máquina às costas e pôs-se a trotar pela escadaria acima, que rodeava a torre, antes de alguém poder sugerir uma solução.

Chegados à plataforma cimeira, no topo da torre, percorreram um passadiço e estavam perto do espaçoporto. Dali conseguiam ver as pistas de aterragem e, ao fundo, parte do seu cargueiro. Estavam salvos, mas ninguém comemorou.

O acesso ao local fez-se por meio de cartões que Lenna tinha conseguido para todos. Heskey guardou-se para o fim, pois tinha uma dúvida a saltitar-lhe no cérebro, que o incomodava mais do que queria admitir. Batia com o cartão no queixo e hesitava, pensando que aquele assunto era indigno de si. Sabendo-se a salvo era loucura querer insistir na questão. Resolveu-se, por fim, e perguntou de rompante ao androide:

— Os guarda-costas do milium não me conseguiram apanhar e não completaram o seu trabalho… Existem dois Heskey, neste momento, em Ferth. O que vai acontecer ao impostor se eu escapar e sair do planeta?

— O milium nunca deixará de utilizar a tua identidade, senador – respondeu Jotassete, com as luzes a piscar na superfície negra.

— O que significa que o meu nome ficará ameaçado para sempre, na galáxia.

— Correto, senador.

— O milium poderá enviar mercenários atrás de mim?

A mulher de Kodadde interpelou-o:

— Senador, só faltas tu. Passa o cartão e vamos para a nave!

Heskey insistiu com o androide:

— Este cartão não vai funcionar. Pois não?

— Não, senador. O milium tem a tua identidade bloqueada.

— Para sempre. Não vou conseguir ser quem sou, nem mesmo em Corulag. Na minha casa. Isso será humilhante… Tenho de resolver isto.

Lenna apontou:

— O senador não quer colaborar, chefe! Está a atrasar-nos!

— Vai à frente, com o gamorreano e os nikto – sugeriu Ambarine. – Faz as reparações no cargueiro, ativa as novas células de combustível. Eu já lá vou ter com o senador e com o seu androide.

— Não acho que seja uma boa ideia.

— O que queres? O homem é teimoso! Faz o que te digo. Não podemos ficar todos e tu és essencial para a viagem.

Lenna obedeceu. Antes que Ambarine pudesse protestar, Heskey explicou-lhe sucintamente o que se estava a passar. Ele precisava de anular o impostor que tinha provocado toda aquela trapalhada. A pirata espacial indignou-se.

— Queres voltar… ao centro da cidade? Depois de todos os mortos que causámos… de toda a destruição que semeámos…

— Não tenho outra opção, minha querida – retrucou-lhe, sério. – De qualquer modo, este cartão não vai funcionar a não ser que consiga convencer o milium a desistir de mim. Na verdade, estou impedido de sair de Ferth enquanto essa situação se mantiver.

— E como pensas fazê-lo?

— Com a ajuda de Jotassete.

O androide não o corrigiu e ele sentiu-se mais confiante. Estava a desenhar um plano e esperava que desse certo. Ambarine iria ajudá-lo a ser mais persuasivo, mas esperava não ter de usar a força das armas. Já chegava de mortos e de destruição, como apontara a mulher de Kodadde. Fora demais para um dia só.

Os dois regressaram, portanto, à cidade, com o androide no seu encalço.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Frente a frente.



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