O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 2
Raptado




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Foi a muito custo que Heskey não levantou os braços, em jeito de rendição, quando pela porta exterior da nave apareceu um par de criaturas enormes e feias que lhe apontaram as suas carabinas laser. Nas sombras ele achou que conseguiu perceber um par de guerreiros nikto.

Os nikto eram uma espécie humanoide reptiliana, conhecidos por serem hostis. Pelas suas características brutais trabalhavam para poderosos clãs de criminosos que dominavam o submundo dos sistemas da Orla Exterior. Nunca tiveram nenhuma delegação no Senado Imperial e ele pensou que não podia apelar a algum benefício político que lhes tivesse feito para se livrar daquela situação perigosa e também embaraçosa. De qualquer modo, Heskey não esperava entregar-se facilmente, nem demonstrar como estava assustado.

Atrás dos nikto apareceu uma mulher pálida, com longas pernas magras desnudas, os braços de pele leitosa à mostra. Usava um vestido curto, que pela forma como se moveu indicava ser de malha metálica e cobria o torso com uma armadura de cobre. No cinto prendia um chicote enrolado e numa bainha guardava um punhal do qual ele só entrevia o cabo. Usava os cabelos, de um tom escuro de ruivo, apanhados numa trança longa que se enrolava, como um cachecol, no pescoço esguio. Calçava botas altas, protegia os pulsos com largas pulseiras de couro de bantha. Os olhos ígneos, tão alaranjados como fogo selvagem, fixaram-se nele. Os lábios eram descorados e perdiam-se na lividez da face, abaixo de um nariz que era um pequeno botão arrebitado. Era bonita, de uma beleza requintada. Uma princesa. Reconheceu o povo dela. Eram os kodadde, oriundos de um sistema da Orla Média e esses tiveram delegação no Senado Imperial.

Tentou recordar-se se lhes tinha feito algum favor, mas não teve tempo de completar o raciocínio. Onca surgiu amedrontado, fazendo aqueles estalidos irritantes que transmitiam o seu medo, que não sabia como esconder. Olhou-o aborrecido, mas sem descruzar os braços. Ordenou-lhe que nada dissesse, porque ele ainda estava em vantagem e iria usar as suas armas de estatuto e de oratória para conseguir eliminar a ameaça.

A mulher de Kodadde estalou os dedos e os nikto baixaram as carabinas laser, mantendo-se, contudo, em alerta. Ao mais mínimo movimento, atacariam. Então ele tinha de ser rápido. Interpelou a mulher com toda a sua autoridade:

— O que pensam que estão a fazer, seus ignorantes? Esta é uma nave consular numa missão civil a Corulag, com passageiros que possuem imunidade diplomática. O ataque lamentável e completamente inaceitável será severamente punido pelas leis da galáxia. Exijo que libertem o shuttle e que me entreguem as vossas identificações, para que possa agir contra esta abordagem da forma mais veemente que conseguir! Irão arrepender-se, suas alimárias, do que aqui estão a fazer! Vão ser punidos e farei com que a punição seja aplicada e a sentença integralmente cumprida.

Tinha sido ofensivo, admitia-o, mas ou jogava todos os seus trunfos, sem que os outros soubessem que não tinha outro jogo alternativo, ou não se estava a ver a parar os disparos laser daqueles dois rufias com um gesto, como faziam os Jedi. Só poderia safar-se daquela situação com conversa.

— É um prazer conhecer-te, senador Heskey – disse a mulher e inclinou a cabeça um nadinha, numa cortesia.

A mulher conhecia-o! Ele sentiu as palmas das mãos húmidas, escondidas nas dobras dos cotovelos. Mantinha os braços firmemente cruzados. Espetou o queixo.

— Oh e sabes que estás a prevaricar, minha querida! Crês que a tua coragem te vai livrar da pena? Agora estou mais determinado do que nunca. Irão pagar por este ato leviano, por esta afronta ignóbil. Estão a ameaçar-me com armas e, pelo que vejo, invadiram a minha nave.

Ela assentou os dois punhos no peito, juntando-os junto ao esterno.

— Senador Heskey, chamo-me Ambarine e estou aqui para escoltar-te até ao teu próximo destino. Lamento que tenha sido feita esta abordagem pouco convencional, mas tornou-se necessário, devido à natureza ultrassecreta da minha missão.

— Ah! Não acredito no que estou a ouvir! – exclamou ele, atónito.

— Por favor, senador, deverás acompanhar-me. Tenho ordens para te convencer a vir comigo por todos os meios que achar necessários. Se for preciso usar a força, fá-lo-ei.

— É essa a razão para teres vindo com os teus animais de estimação?

Um dos nikto rosnou e Onca deu um salto, nas suas costas.

— Joyce e Royce são uma mera precaução. Não me deixaram vir sozinha, embora eu conseguisse dominar-te se o quisesse, senador. – Ao dizer aquilo, pousou a mão direita sobre o chicote. – Sem derramar uma gota de suor.

— Hum… Usarias todas as tuas armas contra mim?

— Todas, senador.

— Até a sedução?

Ela não respondeu, nem reagiu àquela provocação tola. Os seus olhos encarnados faiscavam, mas Heskey não saberia dizer se era uma característica comum aos da sua espécie, se ele a tinha feito zangar-se. Completando o seu raciocínio nunca tinha tido negócios com a delegação de Kodadde no âmbito do Senado Imperial e agora arrependia-se. Seria outro dos seus trunfos. A sua derradeira carta…

Ambarine mostrava-se muito controlada, temida, irredutível. Quase como ele. Era admirável se uma das partes, naquela ocasião, não tivesse obrigatoriamente de ceder.

— Tu és uma pirata espacial – acusou ele, desdenhoso. – Seria totalmente incoerente da minha parte se eu te acompanhasse. Não negoceio com gente da tua laia e não vejo que assuntos poderás a ter para tratar comigo ou com alguém da minha classe social, menina.

— Fomos contratados para fazer o serviço e vamos fazê-lo… homenzinho.

E ela devolvia a farpa com igual veneno. Começava a ser interessante.

— Foram contratados por quem?

— Não o irei revelar… – Passou os olhos pela nave com indiferença. – Numa nave inimiga.

— Este é um vaivém que pertence ao Senado e que serve os seus membros.

— De acordo com as últimas notícias, o Senado deixou de existir desde ontem. E se bem me recordo, nestes últimos anos designava-se como Senado Imperial e no meu conceito, o Império é o inimigo.

— Oh… uma rebelde. E quem te disse que eu aprecio rebeldes ou que sirvo a sua causa?

O sorriso de Ambarine foi frio como um pedaço de gelo translúcido.

— Não queremos discutir as tuas ligações com Alderaan, senador Heskey.

— Tinha ligações com Alderaan, assim como tinha com Kodadde.

Atirou essa pequena imprecisão, para não lhe chamar mentira, sobre ter intervindo a favor do sistema da moça. Conhecia a região de reputação, conhecia os delegados, nunca privara com nenhum deles. Ultimamente ele dedicava-se pouco ao trabalho. Apenas se passeava pelas galerias do Senado em busca de contactos e de convites para integrar comissões que tratavam de assuntos inócuos. Andava bastante desencantado com o que o rodeava. Ela manteve o sorriso gélido.

— Apreciamos os teus esforços para melhorar as condições de vida em Kodadde, senador Heskey. Estamos muito satisfeitos com os teus feitos, as tuas conquistas, as tuas maravilhosas benesses.

A maldita sabia que estava a mentir e voltava as suas palavras contra ele, para o deixar ferido e envergonhado. A maldita era inteligente. Começava a gostar bastante dela.

— No entanto, a minha missão não é passível de ser abortada – prosseguiu. Estalou os dedos e os nikto, os dois homens-lagarto com a pela escamosa vermelha, como os olhos coruscantes dela, voltaram a apontar-lhe as carabinas laser— Queira acompanhar-me, senador. Por favor.

A batalha estava perdida, considerou ele. E o pedido tão cortês intrigou-o. Era uma mistura de perigo e de amabilidade irresistível. Ela pedia-lhe por favor e mandava, ao mesmo tempo, os seus guerreiros dirigir-lhe o seu fogo mortal.

Descruzou os braços, voltou-se para o seu assistente ithoriano.

— Onca, irei acompanhar esta senhora tão gentil. Nada me irá acontecer, pois creio que ela não receberá o pagamento se não completar a sua missão com sucesso, o que implica levar-me vivo ao contratante. A senhora é ambiciosa e ciosa da sua reputação, meu amigo. Ela vai defender-me com a sua própria vida, se necessário for. Apesar de parecer que vai mandar os seus animais de estimação disparar contra mim, se eu chegar a ser mais teimoso do que ela, tudo não passa de uma charada que acrescenta mais brilho à sua lenda.

— Senador, o que devo fazer?

— Manterás a rota para Corulag e farás tudo como estava programado – explicou Ambarine. – Estamos numa zona especial da galáxia não mapeada, o Império não consegue detetar o que se passa aqui. Para todos os efeitos, este vaivém continua a sua viagem à velocidade da luz para Corulag. Uma vez aí chegados, faz de maneira que se saiba que o senador ficou indisposto e que precisa de descansar. Ninguém o deverá vê-lo, ou aperceber-se de que não chegou ao seu destino final. Eu irei deixá-lo em Corulag no fim da missão.

— Vês, Onca? A senhora irá levar-me a casa.

— Até lá eu deverei estar junto do senador, numa espécie de quarentena?

— Sim, ithoriano – confirmou ela. – A missão não levará muito tempo. Dentro de dois dias-padrão estaremos em Corulag.

Ambarine entregou a Onca um dispositivo que retirou de uma bolsa que se pendurava também no seu cinto. Tinha uma luz azul a piscar tenuemente. Explicou que a luz passaria a vermelho quando ela estivesse perto e que ele deveria ligar-se a um terminal de comunicações, onde receberia as instruções que deveria seguir para recuperar o senador. Pista de aterragem, identificação da nave, hora-padrão do acontecimento. Iria ser rápido. Depois, ele que inventasse a desculpa que quisesse em relação à saúde do senador.

Era tudo muito profissional e singelo. Era quase perfeito, pensou Heskey com uma ironia revoltada. Murmurou:

— Todas estas gentilezas e ainda acho que se trata de um rapto.

Ela cruzou o olhar com o dele, mas não lhe respondeu.

Heskey fez um sinal ao seu assistente e seguiu Ambarine. Os dois guerreiros nikto foram no seu encalço, carabinas laser cingidas ao peito, numa pose militar forçada. Cruzou a pequena manga maleável que unia as duas naves no vácuo, os joelhos acusaram o piso pouco consistente. Os seus passos vacilaram, ele manteve-se hirto e digno.

Não olhou para trás quando escutou a porta da nave estrangeira a fechar-se com um silvo. Ambarine digitava os códigos no painel ao lado que recolhia a manga e desligava o feixe trator. A mercadoria estava a bordo. Era realmente tudo muito profissional e singelo. Agarrou num intercomunicador e falou para os pilotos do vaivém. Disse-lhes que seguissem o seu rumo. E eles iriam obedecer-lhe, não tinham por que não o fazer, eram meros funcionários que cumpriam o que lhes era pedido. Naquela ocasião seria viajar para Corulag. Assim, em breve, dali a uns momentos, seria só uma única nave naquela zona desconhecida da galáxia, onde o Império Galáctico não alcançava.

Heskey não soube dizer se sentiu alívio ou raiva.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Um grupo estranho.