O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 15
O melhor vinho da galáxia




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A rolha foi arrancada do gargalo com um som seco, libertando os vapores guardados no interior da garrafa que tinham um odor peculiar a fruta e a madeira. Ele conseguiu captá-lo mesmo àquela distância. O vinho que tinha comprado numa manhã no mercado de Curamelle custara-lhe uma fortuna, mas era das melhores colheitas que o dinheiro podia comprar e ele acreditava que, assim que os seus lábios provassem aquele requintado néctar rubi, não iria arrepender-se de um único crédito que gastara.

O único senão era a companhia. E o seu estado anímico.

Passou uma mão pelos cabelos desgrenhados. Estava tão inquieto que lhe foi impossível sorrir. Achou que se devia manter sério e discreto, assim não havia desconfianças adicionais. A situação era toda demasiado esquisita para se pôr com outras invenções.

— Este vinho é excelente. Parabéns pela escolha.

O juiz Emile Omonda veio até ele com duas taças, cheias até metade. Estendeu uma que Heskey aceitou com um gesto rígido. O outro entenderia como sinal de uma educação superior. Fez-lhe a vontade e não o desenganou.

Um brinde cortês. O cristal das taças retiniu no silêncio.

Realmente, da bebida evolava-se um perfume magnífico. Heskey fechou os olhos para deixar as suas células olfativas trabalharem sem restrições. Depois levou os lábios ao rebordo da taça, inclinou-a suavemente. Uma porção do líquido molhou-lhe a ponta da língua. O vinho entrou-lhe na boca. Fê-lo dançar no seu interior, acendendo todas as papilas gustativas. Engoliu e, ao passar na garganta, deixou-lhe um arrepio de prazer.

Era deveras um vinho excelente.

Ele e o juiz entreolharam-se. Trocaram um pequeno sorriso e ele aguardou que o outro falasse. Afinal, era seu convidado. De repente, fora convocado à casa do juiz que julgara o caso do gotal naquela tarde e ele não hesitou. Respondeu à convocatória e foi apresentar-se na propriedade do honorável magistrado. Desconhecia o motivo da reunião, mas resolvera iludir qualquer suspeição e levara o vinho que tinha reservado para evitar os incómodos dos insetos no seu passeio pelas florestas de bambu.

Por outras palavras, o piquenique fora mesmo adiado. Ele não iria sem o vinho. Estava completamente fora de questão.

Omonda afirmou, impante:

— Creio que será o melhor vinho da galáxia.

— Concordo.

— Nem vos vou perguntar o preço desta garrafa que aceitastes partilhar comigo, tão generosamente.

— Seria indelicado.

— Hum-hum.

A um gesto, ele sentou-se numa poltrona junto a uma mesa redonda. O juiz ocupou a segunda poltrona. Traçou a perna, numa postura confortável. Ele, por seu turno, estava agitado, acossado, zangado. Escondeu tudo isso fanaticamente. Estava tão calmo como podia parecê-lo. Ainda não tinha terminado…

O juiz fechava os olhos ao saborear um segundo trago de vinho. Ele observou-o, experimentando uma certa revolta. Preferia partilhar aquela garrafa com um wookie do que com aquele homem que lhe lançava um ininterrupto sinal de alerta, incómodo e debilitante.

— Alderaan?

A pergunta apanhou-o desprevenido.

— Perdão?

— Uma colheita de Alderaan?

— Na loja onde o adquiri mencionaram Carida. – Sorriu, fingindo-se bem-humorado. – Conseguir vinho de Alderaan, nos tempos que correm, será um luxo impossível que a minha fortuna não comporta.

Omonda riu-se para dentro. Pousou a sua taça na mesa, entrelaçou os dedos. Estava realmente bastante confortável, a controlar a situação com a mestria fria de um assassino a soldo. Heskey manteve-se impassível, a gerir com habilidade os seus sentimentos de raiva e impotência. Um deslize e iria perder. Ainda não tinha terminado, lembrava-se de segundo-padrão a segundo-padrão.

— A minha fortuna tem os seus limites – adiantou.

— Julguei que o senador Heskey era dado a caprichos magníficos. Não me espantaria que tivésseis na vossa adega uma garrafa de vinho de Alderaan, guardada para uma ocasião especial, oferenda grata de um bom amigo.

— Bail Organa.

— Bail Organa – repetiu Omonda satisfeito com o seu desempenho de anfitrião.

— Poderei ter essa garrafa na minha adega, Omonda. – Olhou de forma intensa para o líquido vermelho sangue na sua taça. – Neste caso particular, resolvi fazer um agrado a mim mesmo e adquirir o vinho no mercado para um piquenique que tenciono fazer. Decidi viajar em breve.

Era mentira. Já não iria passear.

— Como podes, então, notar, este vinho magnífico está ao alcance de qualquer um que se digne ir até ao mercado de Curamelle e que esteja disposto a fazer um mimo a si próprio.

— Terei de enviar o meu mordomo ao mercado, um dia destes.

— Uma decisão acertada!

Sem pressa, o juiz agarrou na sua taça e tornou a beber. Ele bebeu uma grande porção. O líquido assentou-lhe pesado e quente no estômago. O sangue acendeu-se e sentiu um súbito acesso de calor. Continuava a controlar-se, mas o suor empapava-lhe as axilas e todo o seu corpo formigava de impaciência.

Inesperadamente, quando recebia a curta notificação de Onca de que o gotal acabava de chegar ao espaçoporto, foi abordado por dois homens fardados com longas vestes que lhe entregavam o convite em jeito de intimidação para se apresentar de imediato na casa do juiz Emile Omonda, que tinha presidido à sessão de julgamento de Lishma, nessa tarde. O convite era mais do que estranho, mas Heskey, no centro médico onde deveria receber o seu cliente, a fingir preocupação e alarme por tudo estar a demorar demasiado, não pôde dizer que não e seguiu os dois homens que, veio a saber mais tarde, eram criados que serviam o magistrado. Todo o seu pessoal de serventia usava fardas espalhafatosas e vibrantes. Ele apenas pediu para passar pela sua morada, pois achava de bom tom apresentar-se com uma prenda. Lembrou-se do vinho e levou consigo a garrafa para o seu estranho encontro.

Foi assim separado de Jotassete e deixou de se comunicar com Onca. Estaria a correr tudo bem, considerou. O ithoriano já saberia do convite do juiz Emile Omonda e terminaria as operações a partir daquele ponto. A fuga do gotal ainda não tinha terminado, mas o plano seria concluído. Ele tinha a certeza disso. Bastava Lishma entrar na nave e usar o corredor de voo pré-determinado. Fugiria e estava a salvo.

Já ele, ficava em Corulag com dois grandes problemas imediatos para resolver. O primeiro, perceber o que o juiz pretendia dele e livrar-se da sua curiosidade. Usava o vinho para distraí-lo, mas tinha a constante sensação de que Omonda aceitava o subterfúgio, sabendo exatamente o que ele estava a fazer. O segundo, esconder habilmente a prova do seu crime que ele refundira num bolso oculto da sua capa. Por enquanto não tinha sido revistado e convencera-se de que o seu esconderijo era tão bom quanto a bolsa do gotal.

Acabou com o vinho da sua taça. Omonda levantou uma sobrancelha.

— A pressa ajuda-vos a perceber todas as incríveis nuances desta bebida divina?

— Perfeitamente. Gosto de apreciar o vinho em duas fases. Lentamente e rapidamente. O meu palato exige tanto a suavidade como a brusquidão.

Outra mentira. Cobria-se de mentiras para se ir esgueirando da armadilha.

— Hum… Interessante.

Omonda foi buscar a garrafa ao balcão onde executara o ritual de abertura. Movia-se suavemente, em passos demorados sobre a alcatifa que absorvia o som de cada vez que pisava o chão. Serviu-lhe a segunda taça e pousou a garrafa na mesa, sobre um desenho circular que ornamentava o centro do tampo. Talvez fosse um planeta. Não tinha prestado atenção aos desenhos da mesa que era uma peça artesanal, feita por encomenda.

A casa do juiz, que era declaradamente um homem emproado, situava-se num bairro comum habitado pela classe alta de Curamelle. A fachada exterior, sóbria e bastante simples, igual às demais daquela rua, escondia as riquezas e as peças de arte que Omonda colecionava com a avidez de um homem que desejava elevar-se acima do seu estatuto, fazendo-se notado na sua profissão para ganhar os dividendos que imaginara colher. Talvez sempre tivesse sonhado com um lugar no Senado Imperial e sentia-se frustrado por Palpatine ter dissolvido esse órgão governativo. Omonda era um homem de paixões e de ambições. Heskey queria acreditar que a sua presença na casa do juiz derivava do secreto desejo que este nutria pelo poder e que não estava relacionada, pelo menos não diretamente, com o facto de se terem encontrado na sala de tribunal. Porventura, ao vê-lo a defender o gotal, lembrara-se que antes já quisera marcar um encontro com o ex-senador e aconteceu ser naquele dia, naquelas circunstâncias.

Heskey agarrava-se ferreamente à crença de que Omonda não conhecia o seu plano para libertar o gotal. Era impossível que o juiz o estivesse a sondar sobre a questão. Por isso prosseguia com o seu teatro, movendo-se pelo palco tão airoso, quanto cínico.

Estava a ser um excelente ator, desde que a farsa tivera início.

Bem, a começar fora real – real demais.

Era preciso debilitar Lishma, usando a sua capacidade única, próprio dos do seu povo, de absorver as emoções alheias. E Heskey abriu o seu coração. Não fez uso das palavras, nem sequer se moveu do lugar onde estava. No centro da cela, com Jotassete ao lado, olhou no fundo dos olhos amarelos do gotal, susteve a respiração e lembrou-se de todas as lágrimas que não chorou quando foi humilhado pelo pai. Eram como um maremoto imparável, uma onda gigante como as que varriam os vastos oceanos do planeta Uje-Jur e que eram usadas em campeonatos de desportos aquáticos radicais. Imensas paredes de água que submergiam os continentes, que destruíam terra firme, que varriam os mais teimosos. Ele estava a sentir-se assim – o espírito afogado e dilacerado pela vaga de lágrimas congeladas no seu passado.

E esse gelo afiado cortou o ânimo do gotal em mil pedaços. Lishma caiu sobre os joelhos, a segurar na cabeça, em convulsões de horror e de comoção. Nunca gritou, nunca se lamentou. Estava mudo, numa dor brutal que lhe apertava o corpo num abraço monstruoso. O androide avisou-o de que estava na altura de dar o alerta, o gotal sofria e a doença era real. Naquele ponto ninguém duvidaria que algo de bastante errado se passava com o prisioneiro. Heskey soltou o ar ruidosamente. Nunca pensara que o seu sofrimento reprimido pudesse ter aquela magnitude.

Nisto, aconteceu um imprevisto. O gotal foi até à bolsa que o seu peito peludo ocultava, retirou um pequeno disco e entregou-o, com o olhar velado por uma súplica cansada. Os planos dos compressores. Heskey disse-lhe que não podia ficar com aquilo, mas Jotassete disse-lhe que o tempo se tinha esgotado – ele tinha de pedir ajuda. Faltavam dez minutos-padrão para o fim da visita.

Heskey recuperou o sangue frio, saiu da sala, correu pelo corredor e pediu um veículo médico aos berros.

Os stormtroopers sobressaltaram-se, mas não foram ameaçadores. Limitaram-se a controlar a situação para evitar o descalabro, já que a área de detenção era um local sensível. O oficial chamou o veículo médico, o gotal foi evacuado, Jotassete acompanhou o paciente, Heskey saiu logo a seguir e dirigiu-se ao centro médico.

Tudo a correr conforme programado.

O veículo nunca mais chegava. Emitiu-se um alarme em código para identificar o veículo médico atrasado, que foi descoberto avariado num ponto de interseção de vias. Enviou-se outro veículo médico e ainda um transportador com guardas municipais. Heskey permaneceu no centro médico, nervoso, preocupado com a saúde do seu cliente. Recebia informações pelo seu intercomunicador de Onca, que lhe ia dizendo que estava tudo a correr bem. O gotal acabava de ser transferido para outro veículo e dirigia-se para o espaçoporto. Jotassete permanecia no veículo médico, supostamente desligado pelo gotal que arquitetara a evasão.

E então, aparecera o convite do juiz. Heskey obedecera sem hesitar. Era um elemento novo ao que fora planeado, uma contingência que ele teria de enfrentar sem vacilar. Não vacilou. Desfez-se do intercomunicador no primeiro contentor de lixo que encontrou, foi a casa buscar o vinho e seguiu para a casa de Emile Omonda. Só não conseguiu livrar-se do disco com os planos dos compressores. Não devia e nem podia.

Ainda não tinha terminado… Precisava de ter a certeza que o gotal se sumira no hiperespaço e tinha de voltar à sua casa, onde se enfiaria numa banheira de água quente para aliviar os músculos da tensão e para limpar a pele do suor.

Bebeu a segunda taça de vinho de um trago. Omonda sorriu-lhe outra vez, com aquela complacência néscia que lhe caracterizava a expressão molenga.

— O vinho está a agradar-vos.

— Bastante. – Heskey serviu-se de uma terceira taça e tornou a encher a taça do juiz. Olhou para o vinho que rodopiava no interior do pequeno recipiente de cristal que segurava pelo pé, com a ponta dos dedos. – Diz-me ao que se deve o teu amável convite… somos dois homens bastante ocupados.

— Estou curioso, é só.

— Ah… Curiosidade.

Evitou fazer a pergunta que o outro esperava. Não iria dar-lhe nenhum pretexto para o encurralar. Estava a ser paranoico, provavelmente. Preferia estar naquele modo de sobrevivência, contudo, a ser incauto. Privara com muitos senadores falsos que lhe sorriam enquanto o esfaqueavam – figurativamente – nas costas. O tempo no Senado ensinara-o a nunca confiar em ninguém. Fora o conselho que dera muitas vezes a Bail Organa, que ele tantas vezes ignorou. Mas não fora culpa do Organa se o Império fora implacável e tivesse resolvido destruir Alderaan com aquele disparo único e cobarde da Estrela da Morte. Não era culpa de ninguém, a não ser do próprio Palpatine e do Grand Moff Tarkin que dera a ordem para se abrir fogo.

Malditos todos!

Recostou-se na poltrona, a sentir uma ardência no estômago, nas veias, na testa. O pescoço estava húmido, havia gotas intermináveis a descer-lhe pelas costas. Suava copiosamente.

— O caso do gotal também vos atiçou a curiosidade, senador?

— O gotal? – Fez-se outra vez de desentendido. Depois, abriu os olhos e suspirou de enfado, um desdém polido. Agitou a mão esquerda. Humedeceu os lábios com o vinho e respondeu: – Ah, o gotal. O roubo no mercado. Não necessariamente. O caso foi-me atribuído de forma aleatória pelo sistema judicial. Em tempos, tinha entregado um requerimento para exercer advocacia e esperava pela convocatória oficial para dar início à minha comissão… Tenho experiência com a legislação de Corulag, afinal ajudei a aprovar alguns dos projetos-lei que protegem o comércio florescente do sistema e estava a sentir-me um pouco ocioso. Precisava de me distrair, de trabalhar, de me sentir útil. Decidi-me por ser representante de casos em tribunal. E esta tarde foi o meu primeiro caso. O gotal.

— Interessante.

— Achas, Omonda? Fiquei aborrecido, confesso-te, por o meu primeiro caso ser relacionado com um simples roubo de peças. Esperava algo… mais desafiante!

— Então, por que motivo pedistes um adiamento?

— Sou o advogado de defesa da criatura. Pareceu-me excessivo a aplicação da pena de morte. – Fez um movimento com o braço, antes de beber a taça de vinho. – Tu não me negaste o pedido. Aceitaste-o e amanhã voltaremos a encontrar-nos em tribunal. E por falar nisso… Este encontro é legal, Omonda?

— Perfeitamente legal, senador. Gosto de conversar com os advogados dos meus casos antes das sessões.

— Não quiseste falar antes comigo.

— A tua designação para o caso do gotal foi feita em cima da hora. Não consegui marcar a reunião.

— A sério? Não tive essa impressão… O meu requerimento tem alguns dias.

— Já falei com o advogado de acusação, se gostaríeis de saber.

— Oh!... Perfeito. Gostas de discutir o caso com os teus advogados. Não devíamos estar os três na mesma sala, ao mesmo tempo? Para conseguir um acordo.

— Um acordo não é possível.

 - Por que razão? Eu não consentirei que o gotal seja condenado à morte. Por isso, ou se faz um acordo, ou este julgamento irá prolongar-se indefinidamente. Outra taça?

— Não, obrigado. Podes servir-te. O vinho está soberbo.

— Estamos, então, a conversar sobre o caso do gotal… Poderíamos ter escolhido um vinho menos elaborado.

— Oh! Eu considero que todas as minhas reuniões têm o nível adequado à casta deste vinho, senador.

— Sim, sim. Claro. E o que pensa o advogado de acusação?

— Ele ficou perplexo com o adiamento.

— Não percebo porquê. A pena era desadequada ao caso. Estive a estudar jurisprudência nesse sentido.

A sua garganta estava cada vez mais seca e sentia-se estranhamente tonto. Não estava bêbado, não bebera o suficiente para se embriagar. O mal-estar, no entanto, insinuava-se e ele tinha a desagradável impressão de que estava a perder as suas faculdades cognitivas. Esfregou a cara com a mão esquerda. Só lhe apetecia beber e continuar a beber até mitigar aquela sede impossível. Mordeu a língua para se concentrar num ponto. Omonda estava impassível. Viu-o conferir um pequeno holopad que retirara do bolso da sua elegante sobrecasaca. Leu uma curta mensagem que piscou no monitor e voltou a guardá-lo.

— Acabei de saber que o gotal escapou após uma emergência médica.

Não podia mentir sobre aquilo. Acenou com a cabeça, fez um ar contristado.

— É verdade. Quando fui visitar o gotal, ele sentiu-se mal e tive de socorrê-lo. Uma doença súbita! Não cheguei a saber se ele estava melhor quando deu entrada no centro médico, pois recebi o amável convite para me apresentar na tua acolhedora casa.

— Um acontecimento infeliz, de facto.

— Qual o procedimento quando isso acontece? O que faz o tribunal quando acontece a fuga do réu?

Omonda fitou-o com intensidade. Ele pestanejou muito depressa. Estava a ficar com a visão nublada. Pousou a taça de vinho na mesa e o seu braço tremia.

— O gotal Lishma roubou planos sensíveis para o Império Galáctico. Estou convicto de que tu conheces a gravidade do ato do gotal e que o ajudaste na fuga. O que faz de ti, senador Heskey, cúmplice de um grave crime contra os interesses imperiais.

Ele riu-se. Ou antes, saiu-lhe um soluço semelhante a uma risada do seu peito. Nesse movimento sentiu como se tivesse engolido uma pedra dura.

— O quê? Não… não estou a perceber. O gotal roubou peças no mercado… Molas para amortecedores.

— Onde estão os planos, senador?

— Quais… planos?

— Foram feitas várias revistas aos locais onde o gotal se alojou e os planos não foram encontrados. O que significa que o gotal passou o disco a alguém de confiança. Imaginei que tivesse sido o seu advogado de defesa.

— Apenas conversei com o gotal sobre o caso e depois ele sentiu-se mal. Caiu doente na sua cela. Pedi que fosse socorrido. Nada mais. Não conheço nada sobre planos ou um disco.

Omonda pousou a sua taça na mesa. O gesto foi lento, exasperadamente lento. Ele entreabriu os lábios. Queria respirar e não conseguia, por causa da pedra dura. O rosto do juiz adotou uma tonalidade azul, depois cinzenta, a seguir um verde escuro e por fim vermelho como sangue.

— Não sei do que me estás a falar.

— Os planos, senador Heskey.

— Quais planos?

Olhou desesperado para a taca de vinho, compreendendo finalmente.

— O que colocaste no vinho, Omonda?

Já não conseguia ver a expressão do juiz, com tantas cores. As sombras mexeram-se atrás da poltrona do seu anfitrião. Era alguém que chegava, mas ele só identificava vultos. Os seus sentidos estavam baralhados, os seus pulmões murchavam e ele perdia a sensibilidade nas pernas. Fora envenenado com o seu próprio vinho!

Levantou-se e tombou para diante. Ficou de gatas, a resfolegar.

— Iremos encontrar os planos, senador…

A ameaça veio como uma onda difusa. A voz arrastada, rouca e grave a entrar-lhe pelos ouvidos de forma maleável e depois tudo se tornou incompreensível, vazio e pequeno. Perdeu as forças, enrolou-se e deixou-se cair.

Emile Omonda, de alguma maneira, sabia.

Ele, todavia, não iria confessar a sua culpa. E tinha de proteger os planos. Agora, estava na dúvida se o gotal teria escapado e se sempre tinha sabido que era arriscado se permanecesse com os planos que estariam mais seguros nas suas mãos idóneas. Só que ele também estava numa situação incerta.

Caíra na armadilha de Omonda. Estava à sua mercê, fraco e perdido. O juiz era um colaborador fanático do Império Galáctico e ele tinha consigo uma prova que o incriminava como um criminoso perigoso. Um traidor.

Contraiu-se, pressionando a barriga com os braços para obviar as dores.

Havia Onca e Jotassete, na outra extremidade daquele perigoso caminho. Eles viriam por ele, de alguma maneira. Confiava neles. O plano continuava ativo e era preciso concluí-lo. Só conhecera uma reviravolta estranha.

Riu-se antes de perder os sentidos, deliciado com o humor negro daquilo.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Buraco.



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