O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 14
Problemas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/777500/chapter/14

— Considero essa ideia completamente imprudente – declarou Onca.

Por outras palavras, estava a chamá-lo de idiota. Heskey olhou o ithoriano de baixo para cima. A sua postura fleumática era irritante, condescendente e ofensiva. Sentiu-se como naquele dia em que o pai o repreendeu quando regressava a casa depois da sua aventura musical. Uma nulidade com uma epopeia vazia para contar. Um desperdício inglório. Então, para provar que valia alguma coisa, para contrariar a ideia do progenitor de que ele era um reles herdeiro sem futuro, sem conquistas para inscrever na história dourada do nome da sua família, rumou para o Senado Imperial. Fez-se senador, estudou leis, oratória e diplomacia. Tornou-se um notável. Se o pai se orgulhou, nunca o soube. Nem procurou saber. Só o voltou a ver no dia do funeral dele e, nesse então, o diálogo era impossível.

— É a minha melhor ideia e aquela que comporta menos riscos – explicou-se, agastado. Não iria tolerar o paternalismo do seu assistente. Nem a comparação com a humilhação servida pelo seu pai. – O meu melhor plano.

Onca não se tinha apercebido de que lhe tinha tocado num nervo sensível e ele também não o iria demonstrar. Relevou a estúpida e desnecessária comparação. Iria defender o seu ponto de vista e como o outro trabalhava para si, iria alinhar consigo, de uma maneira ou de outra. O ithoriano explicou:

— Haverá sempre um risco, por muito menor que seja e não o devemos ignorar. Interferir com a justiça mancha qualquer reputação e julgo que não foram medidas todas as consequências.

— Eu pensei muito neste meu plano, Onca. Claro que tenho todos os resultados previstos e preciso de ti para que me faças a limpeza posterior. E não vou interferir com a justiça. Vou colaborar com a justiça.

— Se um plano implica limpeza posterior, não é um bom plano.

— Todos os planos deixam resíduos. Os melhores são aqueles em que o rasto é menos evidente. Vais ajudar-me e não admito discussão.

— Estás a dar-me uma ordem?

— Estou, Onca. Estou. Eu vou ajudar o gotal chamado Lishma a escapar de Corulag. – Apontou-lhe um dedo comprido. – E tu vais estar ao meu lado, na minha retaguarda, onde vou precisar de ti.

— E vais ajudar o gotal a escapar de ser executado.

— Isso também. Aliás, ao evitar que o gotal seja executado, ele realmente foge de Corulag e termina o que veio aqui fazer. Como afirmei, vou colaborar com a justiça e evitar um erro monumental. Não se pode executar alguém por ter roubado vulgares peças sobressalentes no mercado principal de Curamelle.

Onca cruzou os braços, fez uma pequena pausa exasperante.

— Senador, sabes muito bem que não se trata de uma condenação por roubo de vulgares peças sobressalentes… O gotal infringiu seriamente a lei. Ele está a colaborar com a Aliança e cometeu um crime muito grave ao transmitir aos rebeldes planos militares secretos do Império. O gotal é, no fundo, um espião e vai ser sentenciado como tal. Todos os espiões são condenados à morte. Já aconteceram outras condenações em Corulag, pelo mesmo tipo de crime. Outros espiões que foram executados e nunca te vi preocupado.

— Esse é o verdadeiro caso… mas não é esse o caso que vai ser julgado no tribunal superior. Por isso, estamos perante dois erros judiciais monumentais. – Mostrou um par de dedos para ilustrar esse número. – O primeiro, a pena adequada para um crime de simples roubo não é a morte. Segundo, o crime que está a ser julgado não é o crime real. A existência de processos jurídicos secretos é um precedente demasiado grave para que eu o deixe passar em branco. E que outros casos terão acontecido, sem que nos tenhamos apercebido, Onca? Que outros inimigos do Estado foram executados com base em casos falsificados?

— Isso não impede que tenham sido justamente executados, de acordo com a lei. Os traidores são executados pelo Império. Muitos o foram em Coruscant quando serviste no Senado Imperial.

— E muitos inocentes também…

— Estás a dizer que o gotal está inocente.

— Sim, inocente. E eu consigo prová-lo. Não foi ele que fez as transmissões para os rebeldes.

Onca descaiu os ombros.

— Senador, estás a comunicar-me que iremos colaborar com a Aliança, a partir do momento em que avançarmos… com o teu plano?

— Nem pensar! – exclamou Heskey. – Não quero confusões para o nosso lado. Estou muito bem assim, muito obrigado.

— Mas será inevitável, senador. Vais ajudar um espião rebelde a evadir-se, logo, serás tão rebelde quanto ele. Um cúmplice! Vamos ter outra comissão imperial à tua procura. Primeiro Bail Organa, depois o gotal. Vão desenterrar o teu processo e desta vez não vão descansar enquanto não conseguirem acusar-te, julgar-te… e condenar-te.

Heskey abriu os braços.

— Para isso preciso de ti. Já percebeste? Vais apagar a porcaria que eu deixar passar, por alguma distração. O meu plano está perfeito, mas podem haver pormenores que não conseguirei controlar. Como em todo e qualquer plano, existem falhas. Tu mesmo o afirmaste. Riscos! Rastos! Apesar de eu confiar em Jotassete.

— Estiveste a elaborar o teu plano com o androide… – disse o ithoriano, disfarçando a pergunta, um ligeiro toque de ofensa na voz.

— Jotassete ajudou-me e já fez a parte que lhe compete. O plano é meu, Onca – explicou, conciliador. Não queria ter o seu assistente contrariado, embora nunca lhe tenha falhado, mesmo quando fazia coisas com as quais não concordava.

O ithoriano calou-se, mais uma vez. Ponderava tudo aquilo, esquematizando o seu plano no seu magnífico cérebro pragmático e lógico. Como quem estendia uma enorme tela holográfica e maleável sobre uma superfície lisa e acendia todas as linhas, previstas e imprevistas, as seguras e as perigosas, consoante as opções disponíveis.

Ele não quisera colocar o seu plano num suporte físico. Apenas existia na sua cabeça e memorizara-o, ponto por ponto. De resto, não se lhe exigia grande ação e as reações estavam controladas. Assim acreditava.

Aguardou que Onca falasse.

— Se o androide já avançou, significa que neste momento és o advogado que vai defender o gotal.

— Exato. – Heskey colocou as mãos atrás das costas e balançou-se sobre os calcanhares. – Fiz o Jotassete apagar todos os registos relacionados com o advogado fantoche que foi designado para defender o gotal, que no fundo não iria fazer nenhuma defesa. Era tudo um esquema reles para lhe dar esperança…

— O gotal não tem qualquer esperança. Foi apanhado, sabe o que fez, já sabe que não poderá escapar, senador.

— Errado! – interrompeu irritado. – Ele viu-me no mercado e pediu-me ajuda. Não podia ignorar tal pedido! O gotal ainda tem a esperança intacta. – Pigarreou para disfarçar o arroubo de emoção. – Bem, eu serei o advogado de defesa do gotal. Irei apresentar-me na sessão desta tarde nessa condição no tribunal e irei defendê-lo.

— O juiz não vai esperar que discordes com a condenação imediata do réu, senador.

— Eu sei. O inesperado de toda a situação impedi-lo-á de reagir contra o meu pedido. Vou solicitar um adiamento para análise das atenuantes do caso. Não existirão, como é evidente, quando se trata de um espião imperial. Mas não é esse o facto que vai estar oficialmente a ser julgado. Certo? Assim, não poderei ser acusado de estar a sabotar a justiça, pois não conheço o caso real. A minha vantagem será o encobrimento da situação… Já estive a verificar quem vai ser o juiz que vai presidir ao julgamento, é um emproado que recebi numa das minhas festas. Ele não vai negar-me a pretensão do adiamento, também para não me afrontar. Lembro-me que ele gostou bastante da minha seleção de vinhos.

— Contas também com a fraqueza do juiz.

— Evidentemente. Jotassete também me deu a conhecer, através da sua análise clandestina às bases de dados do Governo central de Curamelle, que esse juiz espera uma promoção. Outro motivo para não levantar ondas esta tarde, meu caro Onca.

— E será nesse intervalo, entre uma sessão e outra, que o gotal vai fugir.

— Precisamente. Já tenho uma nave alugada no espaçoporto mercantil sob um nome falso que o gotal irá usar.

— E como o tirarás da prisão? Ele vai estar numa cela de máxima segurança.

— Jotassete vai estar comigo nessa fase do plano. É ele que vai ajudar-nos a extrair o gotal da sua cela.

— Ajudar-nos?

— Sim. Tu e eu, Onca.

— Como poderá um androide ser bem-sucedido na libertação de um preso de um local que é tão fortemente guardado, precisamente por albergar os presos mais perigosos do sistema? Incluindo os traidores.

— Jotassete não irá sozinho! Eu vou estar com ele.

— Os dois não se encontram capacitados para tal empresa.

Heskey encarou firmemente o seu assistente.

— Não tens confiança em mim.

— Pediste-me uma avaliação de riscos. Estou a fazer precisamente isso. Esta é a minha análise prévia do teu plano. A sessão em tribunal não comporta qualquer compromisso, mas ao pretenderes entrar numa prisão de alta segurança acompanhado de um androide que armazena dados, isso é…

— Suicídio?

— Loucura! Completa loucura! Creio que não irás armado?...

Heskey espetou um dedo na têmpora.

— Vou armado com o meu intelecto. Basta-me. Sou o advogado de defesa do gotal, irei visitá-lo para esclarecer pormenores do processo. É uma razão perfeitamente válida e que não levantará suspeitas. Aliás, ao ser nomeado advogado do gotal já obtive os livre-trânsito para ir vê-lo à sua cela sempre que tal se revelar necessário, dentro dos horários das visitas. Posso ir vê-lo agora mesmo!

— Mas não o irás fazê-lo…

Dominou a sua emoção, pela segunda vez. Endireitou-se, cruzou os braços, negou com a cabeça.

— Não, Onca. Não o irei fazer. Os meus encontros com o gotal serão limitados ao estritamente necessário. Não devemos levantar suspeitas infundadas…

— Pretendes tirá-lo da prisão. Tu e o androide – rebobinou o ithoriano.

— Precisamente.

— Como?

— Pensei numa emergência médica. Será muito fácil de provocar. Os gotal absorvem as emoções dos que estão próximo deles. Fingirei um teatro qualquer, uma história pungente de dor e sofrimento, ao ponto de o deixar doente e prostrado. Depois, lançarei o alerta. Será chamado um veículo médico, de preferência um não tripulado, para que Jotassete possa intervir nos comandos e na ligação com a unidade de saúde. Da prisão, esse veículo seguirá para o espaçoporto. Eu e Jotassete iremos num segundo veículo, obviamente. No espaçoporto, o gotal entra na nave fretada. Identidade falsa, documentos todos tratados previamente por Jotassete, rota definida e inserida no navegador. Em piloto automático. Até temos a mensagem encriptada para que seja identificada pelos rebeldes. Eu estarei na unidade de saúde em pânico pois o gotal não chegou a dar entrada, chamo as autoridades, dou o alerta. Terei o meu álibi.

— O androide desempenha uma parte bastante significativa no sucesso do teu plano.

— Já te disse que confio no androide, Onca. E confio em ti. Tu vais estar a seguir todos os nossos passos, vais corrigindo o trajeto à medida que avançamos.

— O plano é demasiado arriscado.

— Registei as tuas objeções.

— Sinto-me… desconfortável com o teu plano, senador.

— Obrigado pela tua preocupação. Mas vai correr tudo bem! – Tentou sorrir. Arrepanhou os cantos da boca, tentando que desenhassem uma curva que se assemelhasse a um sorriso, mas pela expressão espantada do ithoriano percebeu que falhara e desistiu. Esfregou as mãos uma na outra. – Bem, durante a minha visita à prisão, tu vais estar em permanente contacto comigo e com Jotassete e vais encobrir a nossa fuga. Aí terás a oportunidade soberana de corrigir todos os meus erros e de apagar qualquer perigo.

— Estás demasiado confiante.

— Vai resultar. Para de ser tão pessimista!

— Estás prestes a embarcar numa empresa para salvar um traidor ao Império. Não posso ser otimista. Tenho plena confiança em ti, no androide já não terei assim tanta, mas não creio que será assim tão fácil.

— A princesa Leia de Alderaan também estava para ser executada como uma traidora ao Império e conseguiu escapar daquela Estrela da Morte que, pelos vistos, era inexpugnável.

— A comparação… pode ser exagerada – defendeu-se Onca, atrapalhado.

— Claro que é exagerada! A prisão de Curamelle não se compara à temível Estrela da Morte, é bastante mais simples e menos imponente. Para além de ter fugido, a Leia ainda conseguiu entregar a tempo os planos dessa estação espacial à rebelião para que explodissem com a sua antiga prisão. A poderosa e magnífica Estrela da Morte é poeira espacial. Que feito! Que mulher!...

— Haverá ainda o rescaldo de toda esta aventura, senador.

O seu entusiasmo arrefeceu consideravelmente. Tornou-se mais sério, de voz baixa disse:

— Sim, meu caro Onca. Apesar de parecer que estou a ajudar os rebeldes, quero que fique bem claro que isto não se trata de um apoio indireto à Aliança. Na conclusão de tudo isto, deverá parecer que eu, enquanto advogado do gotal, fui totalmente apanhado desprevenido e que também fui enganado por ele. Serei outra vítima do seu pérfido esquema para iludir a justiça de Corulag e também do Império. No fundo, todas as responsabilidades da fuga caberão ao gotal.

O ithoriano analisou-o durante uma das suas pausas contemplativas.

— É precisamente esse ponto que considero a maior falha do teu plano, senador.

— Que ponto?

— O de desejares, através de uma afirmação inequívoca, que o que vais fazer não seja um prolongamento das atividades da Aliança.

Heskey esticou os lábios. Assentiu e após uma inspiração demorada, declarou:

— É para isso que te pago. Para fazeres o impossível. Eu não estou, definitivamente, a ajudar a Aliança. Estou a apagar uma eventual ligação minha aos rebeldes, ao ter conhecido o gotal quando andei de passeio no cargueiro com Ambarine. Esse é a meu real motivo para estar a fazer o que estou prestes a fazer. E esse será outro rasto que te compete monitorizar, Onca. Compreendido?

— Compreendido, senador.

Ao deixar essa resposta, o ithoriano tinha um sorriso dissimulado e Heskey sabia que não tinha conseguido enganar o seu assistente como tinha conseguido enganar-se a si próprio.

Pois no fundo, naquela porção pequena da sua consciência que não era capaz de subjugar com a sua eloquência e falsos argumentos, ele estava a fazer tudo aquilo em nome de uma rebeldia que havia abafado. De bom grado se juntaria aos rebeldes na luta contra o Império. Só não tinha a coragem e o desprendimento necessários para realizar a loucura. Gostava demasiado da sua vida confortável e anónima em Corulag. E ainda tinha um piquenique para fazer nas exuberantes florestas de bambu de Kallis do Sul.

***

A sessão no tribunal correu surpreendentemente bem. Até Heskey se admirou com a rapidez com que o juiz aceitou a sua petição. Nem foi preciso fazer uso da argumentação que tinha preparado, com dois exemplos de jurisprudência que seriam inatacáveis. O advogado de acusação, que representava o Império, não apresentara o protesto que ele antevira e a sessão do julgamento do gotal foi adiada para o dia seguinte à mesma hora.

Deixou que os guardas escoltassem Lishma de regresso à prisão sem lhe fazer qualquer sinal. O gotal já teria percebido que alguma coisa se passava ao vê-lo entrar na sala na qualidade de seu advogado, por isso não achou prudente dar-se a mostrar mais e revelar qualquer pista que pudesse ser usada contra si, mais tarde.

Ao reencontrar-se com Jotassete num pequeno restaurante, local previamente combinado para esse encontro supostamente casual, aguardou que o androide lhe desse a indicação de que poderia seguir para a visita à prisão. Demorou-se de propósito, a saborear um sorvete requintado que ofereciam ali como sobremesa, com um copo de licor, enquanto conferia as notícias no seu holopad. Nenhuma referência ao adiamento do julgamento do gotal. As autoridades continuavam a querer manter o caso em segredo e não levantar muitas ondas a respeito do mesmo.

A entrada na prisão foi normal, com os respetivos controlos de segurança a serem seguidos sem que fosse indicada qualquer nesga de suspeita. Heskey era o advogado do gotal e precisava de trocar ideias com o seu cliente sobre a segunda sessão no tribunal. Foi esse o motivo que ficou registado no cartão eletrónico de visita. Uma razão mais do que válida e ninguém, ao longo do percurso que implicava usar o cartão em cinco terminais diferentes, lhe fez perguntas adicionais. A presença do androide foi também justificada – sendo uma base de dados e tratando-se de um caso jurídico, ele precisava de se socorrer dos seus compêndios de legislação que estavam gravados na memória da máquina. A unidade J7-21 acompanhou-o sem problemas, rolando pacificamente no seu encalço, num registo tão discreto que lhe deu vontade de rir.

Chegou a um átrio fortemente guardado, depois de subir quatro pisos num elevador tubular. Foi a primeira vez que viu stormtroopers, quatro soldados destacados para a prisão e que fariam parte da guarnição estacionada em Corulag. Olhavam-no por detrás dos capacetes alvos e compactos com uma avidez supostamente indiferente. Ele ignorou-os. O funcionário daquela zona de detenção validou-lhe o cartão, estabelecendo o limite da visita em trinta minutos-padrão.

Abriram-lhe o corredor sombrio onde se situavam as celas, portas estreitas dos dois lados da parede. O seu cartão só lhe dava acesso ao cubículo onde estava o gotal, com o número 4478 e ele rumou para lá. Os rodízios de Jotassete provocavam um ruído metálico ao passarem por cima das grelhas do chão, de onde subia o calor vindo do sistema de aquecimento. Ele acionou a porta, destravando os trincos e eliminando as barras de eletricidade que crepitavam, azuis, na entrada. Entrou na cela. O gotal estava de pé, voltado para a parede, mas assim que percebeu que era ele, através dos seus sensores que captavam emoções, encarou-o e dobrou-se numa vénia.

— Senador Heskey, de Corulag.

A porta tornou a fechar-se e as barras de eletricidade armaram-se com um zunido. Jotassete comunicou:

— A cela não tem dispositivos de gravação, de áudio ou de vídeo. Estamos seguros.

Ele dirigiu-se ao gotal e disse, sem rodeios:

— Lishma, vais fugir e eu vou ajudar-te.

— O senador bom para Lishma.

— Bem… Faço o que deve ser feito. Não te quero a falar por aí que me conheces.

— Sem tempo para falar. Amanhã Lishma morto.

— Não, eu não vou deixar. Não vais morrer. Vou precisar da tua colaboração, compreendes? Se não me ajudares, então eu também não te poderei ajudar.

— Lishma compreende.

Os olhos amarelos do gotal tremeluziam, húmidos.

— O que foi? – indagou Heskey, incomodado.

— Ambarine dizer que senador não ajudar Aliança. Mas senador estar a ajudar Aliança. Ambarine ficar contente ao saber disso.

— Escuta-me, não penses agora no que possas dizer a Ambarine…

— Não ser Lishma que contar. Ambarine vai saber. Se Lishma não sobreviver à fuga, Ambarine saber sempre.

— Certo, certo… Mas vais sobreviver à fuga.

— Os planos estar incompletos.

— O quê? Quais planos?

— Compressores. Os planos não enviados. Lishma ter os planos.

Heskey olhou rapidamente para o androide que se mantinha convenientemente calmo. Perguntou em surdina, mesmo sabendo que não havia qualquer possibilidade de alguém estar a escutar aquela conversa:

— Tens os planos roubados dos compressores… contigo? Agora? Neste preciso momento? Na prisão?

A todas estas perguntas o gotal respondia que sim, assentindo.

— Como conseguiste guardar isso? Não foste revistado?!

— Planos bem guardados.

Heskey mostrou as mãos.

— Espera… Onde é que tens os planos… bem guardados? Não te quero ver a tirares os planos de um qualquer… orifício corporal bem disfarçado.

A carantonha peluda do gotal abriu-se num amplo sorriso, que tinha tanto de orgulho, como de marotice. Ele resmungou, tentando dominar o asco:

— Oh, será mesmo um orifício corporal muito bem disfarçado!

— Os gotal usam bolsa para guardar comida. Comer mais tarde. Armazém de nutrientes para longas viagens. Ninguém conhecer segredo da raça. Bolsa não ser muitas vezes usada. As viagens longas terminar porque os gotal viajar pela galáxia agora. Naves.

A criatura levou a mão ao peito, abriu o colete que vestia, enfiou os dedos no imenso tufo de pelo cinzento. Heskey colocou-lhe as mãos sobre os ombros.

— Espera, meu amigo. Acredito que tens os planos dos compressores nessa bolsa especial, mas agora a nossa prioridade é outra. Deves escapar daqui e depois vais entregar pessoalmente esses planos à Aliança. Compreendido? Agora, concentra-te e ouve bem o que tenho para te dizer.

— Lishma escutar.

— Vou provocar-te uma crise emocional. vou alimentar-te os teus sensores com sensações ruins, para te debilitar. Preciso que fiques doente para que eu consiga ter argumentos válidos para solicitar ajuda médica. Existem stormtroopers no fim deste corredor e não quero que eles usem as suas carabinas laser contra ti e contra mim. Nem contra o meu androide.

— Lishma sofrer…

— Isso foi uma pergunta? Não me pareceu uma pergunta.

O gotal entristeceu subitamente.

— Lishma sofrer…

Heskey pestanejou.

— Sim, vais sofrer, mas é para que eu consiga tirar-te daqui. Não será um sofrimento muito grande, prometo.

A promessa era falsa e irrelevante. Ele não sabia o dano que poderia infligir na criatura apenas com os seus pensamentos cruéis, apenas com a sua raiva, o seu ódio, o seu desprezo e a sua melancolia, esta última que serviria de embrulho a esse pacote tão complexo. Mas era o seu plano, a melhor hipótese do gotal e o risco que teria de correr para salvá-lo. Estava disposto a tentar e precisava de convencer a criatura de que a tentativa era válida e bastante necessária, ultrapassados os medos.

— Confia em mim, Lishma! – pediu em jeito de ordem.

O gotal encolheu-se.

— Lishma confia.

Jotassete apitou e disse-lhes que tinham vinte minutos-padrão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O melhor vinho da galáxia.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Senador Rebelde" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.