O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 13
Um caso a resolver




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A tarde no terraço daquele dia atípico foi passada a rever processos judiciais que Onca lhe tinha conseguido clandestinamente, através de ligações duvidosas ao Supremo Tribunal de Curamelle e com a ajuda preciosa da unidade J7-21, cuja programação secreta lhe permitia aceder, também de forma ilegal, a todo o tipo de bases de dados. Era uma atividade estranha para um androide que emanava uma certa aura de respeito, se é que uma máquina poderia ter uma aura, mas era uma atividade mais do que necessária naquela ocasião, em que Heskey precisava de conhecer as circunstâncias da prisão do gotal chamado Lishma.

O pressentimento continuara a picá-lo e a incomodá-lo desde que chegara a casa, vindo do mercado, e era daquelas ocasiões, ele sabia-o, que precisava de esclarecer aturadamente a situação, senão não descansaria. Era bem capaz de passar uma noite horrível de insónia a remoer a questão e ele não estava para perder o sono por causa de um dos mercenários de Ambarine.

Verdade fosse dita, nunca mais tivera novidades da mulher kodadde. Depois do encontro secreto com a senadora Mon Mothma, ele foi deixado em Corulag num espaçoporto discreto, conforme tinha sido previamente combinado quando do seu rapto. Foi acolhido por Onca que estava à sua espera e nem sequer se despediu dela. Foi cada um para o seu lado e a história terminou ali.

Ou assim ele julgava.

Naquele dia em que suportara o fedor do aglomerado de gente num amplo estabelecimento comercial, tropeçara novamente na velha história que o ligava a Ambarine.

Nada o obrigava perante a mulher, essa era outra verdade. Não tinha também desistido de processá-la para afastá-la definitivamente da sua vida? Mas Lishma olhara-o de uma tal forma que ele leu como um pedido mudo de ajuda. E tendo-o tratado pelo nome, deixara no seu espírito a semente da desconfiança que lhe inflamou o pressentimento ao ponto de se tornar tão incómodo como um espinho cravado na sua carne, um qualquer ferimento que era necessário suturar ou ele sucumbiria a uma infeção que o debilitaria para sempre.

O exagero teatral de tudo aquilo era um excelente indicador de que não devia deixar arrefecer aquela pista que de escaldante começava rapidamente a arrefecer. Nem podia. Era fundamental agarrar o caso imediatamente.

Jotassete acompanhava-o e assistia-o, deixando-lhe todas as indicações que ele solicitava com uma rapidez que o espantava e que o deixava muito satisfeito. Precisava do maior volume de informação possível naquele estágio inicial em que compilava a sua própria pasta sobre o assunto.

Era como se tivesse regressado ao Senado Imperial, com a pressão de ter de responder perante a assembleia de senadores num tempo demasiado curto para o volume de trabalho que o esperava, se quisesse fazer uma boa figura. Era tão estimulante, quanto dececionante. Ele nunca tinha sentido que precisava dos dias agitados da legislatura para experimentar uma faísca no seu espírito e agora percebia que talvez tivesse arrefecido esse mesmo espírito ao ponto de o ter deixado imbecilmente inativo.

Ele era um homem de ação.

Pigarreou, para afastar essas pequenas distrações que em nada o iriam auxiliar, muito menos ajudar o gotal.

E era isso que ele estava disposto a fazer – mesmo não sendo um homem bom. Iria ajudar o gotal. Em última análise, toda aquela trabalheira tinha como objetivo final e definitivo tentar perceber qual o delito cometido por Lishma e advogar em seu nome. O seu pressentimento revestia-se dessa necessidade esquisita, de que tinha realmente de agir.

Nas primeiras buscas não encontrara grande coisa sobre o processo. O gotal fora preso no mercado principal de Curamelle por um furto menor de peças sobressalentes. Logo à partida isso bastava como esclarecimento e faria que ele dispensasse o caso por ser tão vulgar. Contudo, aconteceu precisamente o contrário. O instinto disse-lhe que faltava uma certa coerência na descrição dos factos e foi então que Heskey solicitou os serviços clandestinos da unidade J7-21.

O que foi que o intrigou? O facto de o gotal não apresentar nada nas mãos quando fora preso e nem tinha nada volumoso no casaco comprido que envergava. Pois as peças que alegadamente teria roubado de uma das oficinas do mercado pesariam mais de três quilos cada uma e eram bastante grandes para que as tivesse disfarçado nas vestimentas. Sim, Heskey investigou que peças eram as mencionadas no relatório policial da detenção.

Por momentos, julgou que o gotal estava a ser incriminado por causa das suas atividades anteriores como pirata ao serviço de Ambarine. E se assim fosse poderia descobrir-se que ele, o senador Heskey, fizera parte em tempos do cargueiro e que estivera em Chandrila para um encontro secreto com a Aliança para a Restauração da República.

— Passa-se alguma coisa, senador?

— Hum?

Um curto tempo em que se suspendera.

Estremeceu, sacudiu os ombros, regressou ao holopad coberto de letras pequenas, parágrafos identificados por números. Os olhos reliam a mesma frase vezes sem conta.

— Nada, Jotassete. Não se passa nada…

— Estiveste parado, senador.

— Estive?

— Por que motivo hesitaste? Encontraste algum elemento interessente para a tua análise?

Disfarçou, enrolando a mão esquerda num gesto teatral:

— Estamos quase lá… acredito. Embora neste conjunto de arquivos não exista nada de interessante, Jotassete. O que é isto? É uma explicação aborrecida das condições oferecidas aos prisioneiros na prisão principal de Curamelle. Não precisamos disto…

Sim, por momentos julgou que estava somente a ter todo aquele trabalho para si próprio. E sim, tinha hesitado. Porque estava a ser um maldito egoísta – tinha direito a sê-lo, não? Precisava de investigar o caso do gotal para se livrar da possível incriminação. Não desejava ter de receber na sua mansão Darth Vader para lhe dar explicações sobre as suas ligações aos rebeldes. Ele não tinha qualquer ligação nenhuma com essa chusma idealista, e haveria de empregar esses exatos termos com o terrível Lorde Negro. Não tinha quaisquer pretensões de pertencer a essa organização – e esta continuava a ser a sua convicção que o Lorde Negro não precisava de conhecer.

No fundo, avaliou, no fundo podia estar a fazer aquela investigação pessoal e urgente por causa de si próprio, mas à superfície, na casca que estava voltada para o exterior e que transmitia aos outros as suas expressões e postura, estava genuinamente a querer ajudar o gotal, por uma razão altruísta. Sem motivos escondidos. Haveria de afirmá-lo até sob tortura.

Seria o tal pressentimento.

Era como um pequeno botão, que se pressionado acenderia uma luz inócua. Mas que depois, mais tarde, haveria de despoletar o circuito que faria explodir a bomba oculta. E o infeliz que carregara no botão nem sabia o que estava a acionar.

Era mesmo assim. Ajudava o gotal pois depois, mais tarde, ele iria precisar daquilo para se salvar.

Cansado, afastou o holopad. Passou os dedos pelos olhos.

— Jotassete, não está a resultar… Não é isto que eu quero. Estes são os arquivos públicos, que qualquer idiota de Corulag pode aceder para conhecer as prisões feitas diariamente. Quero o processo… secreto.

— O processo secreto, senador? – indagou o androide com uma ligeira inflexão no seu processador de voz que indicava que estava baralhado.

— Sim! O processo secreto! – exclamou Heskey. – Para isso estou a usar os teus serviços de base de dados. Quero que descubras a ligação que vai abrir a porta para o verdadeiro processo judicial movido contra o gotal. A verdadeira razão para que ele tivesse sido apanhado no mercado e imediatamente preso. Essa treta relacionada com um furto de umas peças sem qualquer valor de mercado não me convence. O gotal está a roubar, sim… mas algo bem mais valioso. Descobre-me isso. Já!

A unidade J7-21 rolou para trás, num movimento defensivo. Heskey levantou uma sobrancelha.

— Não o posso fazer, androide – acrescentou para ajudar a explicação. –  Tenho olhos humanos que não saberão encontrar essa ligação que estará bem disfarçada no texto da detenção. Sugiro uma composição de palavras-chave a começar com “peça”. O objeto que foi furtado pelo gotal. Faz as combinações necessárias e descobre-me o que este processo nos está a esconder.

— Irei tentar encontrar esse código, senador.

— Ah, bom… Julgava que teria de te desligar.

O robot afastou-se num sacolejo, rolando ainda mais para trás.

— Desligar-me?! – Havia quase perplexidade na pergunta sintetizada.

— Estava a brincar. Podes continuar ao pé de mim, não te vou fazer mal… Nem te vou desligar. Afinal, preciso de ti. Não consegues perceber uma piada?

— Não, senador.

— Põe-te a trabalhar. Estás a perder tempo.

Heskey pousou a cabeça no espaldar da cadeira que não estava tão reclinada como nos outros dias de ócio no terraço. Agarrou no copo colocado na mesa e bebeu um pouco do líquido borbulhante. Uma bebida revigorante sem álcool que Onca preparara e que o ajudava a manter-se concentrado. Sorriu de través. Aquele ithoriano sabia exatamente o que ele precisava, em qualquer ocasião. A cadeira confortável para que ele pudesse ler os documentos sem dobrar o pescoço demasiado, a bebida que o mantinha atento. Não saberia viver sem ele, admitia-o.

Um apito alto soou de forma inesperada. As luzes de Jotassete piscaram com intensidade. Heskey devolveu o copo à mesa, empertigou-se.

— O que descobriste? Diz-me que eu estava certo.

— Estavas certo, senador.

— Então?...

— O gotal vai ser executado amanhã.

A garganta doeu-lhe quando engoliu e ficou subitamente seca, apesar do último gole de bebida que lhe arrefecera a boca. Todo ele se sentiu a esfriar e a minguar. Disfarçou o tremor das mãos.

— Executado? A pena capital é aplicada apenas em casos muito especiais e nos dias de hoje têm sido raras as penas que têm essa condenação. O que anda o gotal a fazer… de tão grave? É grave, não é, Jotassete?

O androide, então, respondeu:

— O gotal está envolvido numa atividade altamente secreta de contrabando de compressores. Corulag é um sistema que exporta alta tecnologia que serve os interesses militares do Império Galáctico. Esse tipo de comércio é o que suporta a riqueza e a abundância de grande parte das famílias do sistema, o senador tem recebido alguns barões que negoceiam diretamente com o Império aqui, na sua casa, nas suas famosas festas. A patente desse modelo particular de compressores foi registada há pouco tempo e essas peças estão a ser incorporadas nos caças TIE imperiais. Por outras palavras, os compressores são extremamente valiosos e indispensáveis para melhorar a capacidade de voo dos caças TIE.

— Hum… estou a ver.

— O gotal roubou os planos dos compressores e tem estado a transmiti-los por um canal de comunicação, por secções, para um contacto na Orla Exterior. Julga-se que depois esses planos serão transmitidos à Aliança para a Restauração da República. Essas transmissões ilegais foram intercetadas pelo Centro Operacional de Curamelle, o que levou à detenção do gotal no mercado, hoje de manhã, conforme presenciado por nós. O Governador da capital não pretende publicidade ao caso. Deste modo, a prisão do gotal foi então disfarçada com o argumento de que se tratava de um roubo simples de peças sem qualquer especial valor. Na realidade e esse é o processo secreto que consegui encontrar graças à conjugação das palavras-chave sugeridas por ti, senador, o gotal está a ser acusado de alta traição, crime esse punido com a morte.

— Bom trabalho, Jotassete! – elogiou Heskey levantando-se da cadeira.

Pôs-se a andar pelo terraço, com as mãos atrás das costas.

Na posse da informação, só lhe restava agir após traçar um plano.

A apreensão dominava cada fibra do seu ser, tolhia-lhe os músculos e deixava-o tanto preocupado, quanto excitado. Agir com que motivo? Se fosse ajudar o gotal, estaria imediatamente a colocar-se do lado dos rebeldes e contra o Império. Não desejava isso. Estava bastante bem no seu terraço, a dar festas na sua casa de vez em quando e tinha um piquenique marcado para ir visitar as florestas de bambu de Kallis do Sul. Naquela manhã, não suportara a vulgaridade do mercado em vão.

Agora sabia que Lishma iria ser executado por ser um rebelde – não era chocante, os traidores eram todos executados de acordo com a justiça que era seguida por aqueles dias. O Império Galáctico não perdoava esse tipo de crime, nem existiam atenuantes que livrassem os sentenciados da pesada e definitiva pena. Por isso, o gotal podia despedir-se da vida.

Parou de andar.

Era agora chegada a hora de compreender a razão do seu pressentimento e porque quisera tão apaixonadamente saber o que iria suceder à criatura, descobrir o processo secreto, estar na posse das informações e ter implicado, nessas buscas nada ortodoxas, ilegais até, o seu androide, o seu assistente pessoal e ele próprio.

Percebeu que não tinha uma resposta lúcida.

Porque queria livrar-se da suspeita de ter uma ligação, ainda que minúscula, por via de uma reunião, aos rebeldes. Bem, ao ter sido amigo de Bail Organa essa ligação ficaria menos minúscula, mas esse assunto estava esclarecido com os agentes imperiais.

Porque julgava que, sob pressão e sob tortura, o gotal poderia falar de Ambarine, do cargueiro e de um certo senador que um dia os acompanhara a Ferth e a Chandrila.

Porque queria continuar a ter o privilégio de aproveitar aquele magnífico terraço protegido dos raios ultravioletas por uma cúpula envidraçada.

Porque queria simplesmente experimentar se ainda era influente.

Eram razões válidas e perfeitamente aceitáveis. Não possuía nada de mais valioso do que o seu nome, a sua reputação e a sua liberdade. Estava a defender tudo isso. Livrar-se de problemas, por muito inócuos e desprezíveis que fossem. Os problemas pequenos, mais tarde, transformavam-se em problemas enormes e depois podia estar fora do seu alcance mudar o que quer que fosse. De qualquer modo, não precisava de se explicar. Ele iria agir e a sua vontade bastava para servir como sentença irrevogável. Um pouco como a pena capital.

Entretanto, um plano foi surgindo.

Não o fazia pelo gotal, fazia-o por si mesmo. Descansou à sombra dessa verdade, satisfeito por continuar a não comprometer absolutamente nada. Pois, em última análise, ele não era um homem bom.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Problemas.



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