A vida sempre foi ter tudo o que podia ter. Primeiro, nada tinha. Depois, podia trabalhar e comprar. Primeiro, nada sabia. Depois podia estudar e aprender. Antes não havia espaço. Agora, podia guardar e acumular.

E ela guardou.

Guardou tanta coisa, tralha e sentimento, que em um acesso de desespero, decidiu que não precisava daquilo. De nada daquilo.

Não precisava se sentir gorda porque a verdade é que estava bem gostosa. Não precisava daquele cabelo comprido também. Muito menos daquelas roupas quentes. Não precisava de sutiã. Perfumes ou maquiagens. Mas não foi suficiente.

Sua vida ainda permanecia no marasmo.

Então não precisava daquele emprego de merda. Nem de estudar tanto mais. Não precisava continuar bebendo refrigerante. Não precisava guardar dinheiro pro futuro. Não precisava de futuro. Não precisava da família. Do marido, do filho. E ela desejou ir embora.

Não conseguia lembrar de tudo o que quisera antes, ela agora só queria fugir. E ela quase fugiu.

Pra uma realidade alternativa em que dissesse que nada daquilo importava realmente. Por alguns dias, nem importou. Tudo que podia fazer, toda sua liberdade… ah, aquilo tudo estava quase tocando seus dedos. Sem neura. Apenas fazer uma mochila e sair por aí.

Não precisava do olhar penoso do marido sobre si quando tomou sua decisão. Não precisava das lágrimas dele. Nem das próprias.

Não precisava dele lhe lembrando de coisas que não queria mais sentir. Não, ela queria fugir.

Não precisava das mãos quentes tocando seu corpo com a paciência que só ele teve por tanto tempo. Superando os limites dela e os proprios, esquecendo as coisas que sabia que ela não gostava só pra ela estar ali. Não precisava se perder nos braços, no corpo em chamas do homem que lembrou amar. Não precisava sorrir de volta, nem notar o quão suada estava, e o quanto sentia falta daquilo.

Não precisava daquilo. De nada daquilo.

Mas queria.

Guardaria seus medos no porão.  

E deixaria seu coração limpo pra ter mais do queria ter. Mais do sorriso do filho. Mais do abraço da mãe. Mais dinheiro, mais conhecimento.

Até que a ideia de pleonasmo a atingisse de novo.