Kingdom of Rust escrita por Lux Noctis


Capítulo 1
Lágrimas para enferrujar a dor - [único]




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“Quiet now you're gonna wake the beast

Hide your soul out of his reach

Shiver to that broken beat

Dark into the heat”



Aquele momento era deveras sombrio, o céu trazia o cinza que parecia habitar e tragar o coração de Izuku que batia dolorido no peito. As primeiras gotas de chuva trouxeram ao herói a chance de chorar sem ser notado, um choro silencioso, tão preso a dor que calavam-se os lamúrios. As vozes traziam certo desconforto, não as dos demais heróis ali prestando uma última homenagem ao Herói nº 1, mas as vozes que só ele ouvia. Sentia-se culpado, sua mente em polvorosa não deixava-o pensar em outra coisa que não a culpa. Tirou toda a chama que havia em Yagi Toshinori, o All Might. Tomou-a para si, como se fosse digno de tal poder. O verdadeiro Símbolo da Paz, agora jazia naquele caixão de mogno lustroso e pesado. Caixão esse que Midoriya olhava sentindo o corpo tremer e vacilar, como se o One for All Full Cowling tentasse dominar seu corpo, dobrar as pernas impulsionando-as para sair dali.

— Deku-kun —  Uraraka mantinha a voz serena, o máximo que conseguia enquanto apoiava a canhota sobre o ombro daquele que chamava de amigo.

Era a hora? Aquele era o momento quando, em meio à chuva, levariam o caixão lustroso até o buraco cavado em terra e o esqueceriam ali? Era esse o destino final dos heróis? Aquele confinamento em terra após uma vida atada à regras para um bem maior?

Engolindo o choro que lhe queimava não só os olhos, mas a garganta, seguiu à passos firmes, ao contrário do que sua perna outrora indicava. Parou ao lado do caixão, apoiando a destra sobre ele, a mão tão castigada pelo mau uso do One for All que lhe fora confiado. Era a marca de suas falhas, seus erros, sua vergonha para com aquele que tanto lhe confiou. Era indigno de estar ali, frente aquele caixão para carregar o corpo onde outrora a chama do One for All residia.

Seis heróis, separados três por cada lado. À esquerda do caixão, Midoriya Izuku seguido por Aizawa Shouta e Todoroki Shouto. À direita, Tsukauchi Naomasa, Bakugou Katsuki e Shild David. Era o momento fúnebre quando as mãos apoiavam-se aos puxadores dourados que contrastavam com o mogno escuro. Era a tristeza consolidada em peso naquele corpo que não mais despertaria.

A chuva era fraca, mas não dava trégua. Molhava incessante os rostos daqueles que carregam o caixão com tanto pesar, só não molhava os demais com seus guarda-chuvas, todos haviam saído de casa sabendo que choveria, o céu não mentia quanto à tristeza de uma perda incomensurável.

Quando o caixão foi posto em solo, quando fora coberto por terra escura e úmida, quando não mais se podia ver o mogno e apenas terra e mais terra, Deku caiu. Não figurativamente, mas não descartando a possibilidade. Mas literalmente. Caiu sobre os joelhos sentindo a terra molhada, sentindo as lágrimas que vertiam dos olhos e seguiam pelo rosto sardento. Sentindo que não era mais só a chuva que banhava-lhe a face, ainda mais depois que Yaoyorozu Momo criou para Midoriya um guarda-chuva próprio, segurando-o sobre o amigo enquanto nenhum outro parecia saber o que fazer.

Chegou a sentir a mão quente contra a veste, sentindo o vapor consumir aos poucos com a água de seu terno. Não precisou olhar para cima para ver Todoroki Shouto ao seu lado, dando-lhe sustento da forma que sabia no momento.

Havia acabado, não havia mais chama ali, não havia mais a luz do Símbolo da Paz, não havia All Might.

—  Midoriya, vamos. —  O aperto acalentador no ombro trazia de fato certo conforto, mínimo, mas presente.

Levantou-se no automático, sequer conseguia se lembrar como havia arrumado forças para tal, lembrava-se apenas de ver os olhos marejados de Shield David e sua filha Melissa. Lembrou-se de quando ele havia feito tanto para tentar salvar o All Might, chegando até mesmo a correr entre os dois lados da moeda, uma vida de herói e uma de vilão.

 

“Ele foi forte, ele fez o que era necessário para tentar ajudar.”

 

Aquilo provavelmente martelaria na sua mente por muito… muito tempo.






Nos primeiros dias, Midoriya Izuku não saia do quarto para quase nada, que não seguir para o banheiro e então voltar a se deitar na cama com o edredom do Herói nº 1, no quarto cheio de pôsteres e algumas fotos em porta retratos do esverdeado com seu herói.

O ponto era que ali, escondido de tudo e todos, as vozes em sua mente o bombardeavam como se ele nada fosse que não um casulo indesejável à seus hóspedes. Culpava-se por não ter sido forte o suficiente para enfrentar aquilo que havia conseguido enfim, encerrar a vida de Yagi Toshinori.

Sussurrava, como se discutisse com uma parte de si, ou duas. Cada qual com um ponto de vista diferente do seu, ou o seu que divergia dos demais que na verdade o pertenciam mais?

Vingança. Esse era o único ponto ao qual todas pareciam convergir e no fim, concordar. Vingar-se era necessário, vingar-se daquele que à um ato de perversidade tamanha lembrou seu ‘mestre’ da enorme perda que tivera em vida, a perda de sua mestra, a antiga portadora do One for All. Curiosamente a avó daquele assassino cruel e neurótico.

Era isso, estava decidido, vingaria-se em nome de All Might, limparia assim a parte de sua mente que se culpava, não?

 

Não.





Havia tanto tanto sangue, e nenhuma sensação de ausência de culpa, não pelo corpo desfalecido ao chão, não pelo sangue que havia jorrado em sua face sardenta, tampouco pelo o que escorria de suas mãos, já secando em alguns pontos tornando assim inútil limpar as mãos sem água para lavá-las de verdade. Havia perdido o controle, havia deixando que aquelas vozes tomassem conta e sequer conseguia se lembrar o que havia feito, portanto, sentir-se culpado por aquilo era quase impossível. Frustrado sim, por não aplacar a dor da perda de seu herói nº 1.

Deveria então seguir para o próximo vilão, não? Aliviaria a dor no peito? Não. Sabia que não. Precisaria então matar aquele que doía.

E com isso um sorriso assustador se formou nos lábios de Midoriya, um apático e sem vida, um totalmente voltado às demais personalidades que dentro dele havia. Shigaraki Tomura não seria mais um estorvo, isso era óbvio, Midoriya Izuku logo logo também deixaria de ser.





A informação pegou à todos de surpresa, não teve um sequer que não tivesse sentido o impacto da notícia a qual agora o diretor falava num conselho privado para poucos heróis. Era o sinal para ajuda, era o desespero em saber que se alguém como ele poderia tombar, o que manteria os outros de pé?

—  Aquele moleque fez isso mesmo? —  a voz de Endeavor trazia altivez ao momento, sério e ainda controlado em sua personalidade pouco cativante e dócil. Ao menos estava ali, ao lado de Shouto, olhando como o filho reagiria a tudo aquilo.

—  Sim, e estamos receosos de que ele volte a se mover em prol de uma vingança. —  O diretor tomou a palavra, olhando atento para Aizawa Shouta, que parecia tão machucado quanto os antigos alunos de sua classe. Era o pesar, a sensação de ter falhado com um amigo.

—  Vingança a quem? Ele pôs fim à vida de Shigaraki Tomura, quem mais ele pode querer?

—  O elo mais fraco para ruir com tudo de vez. —  a voz chegou aos ouvidos dos heróis antes mesmo que a presença baixinha se instaurasse entre eles. Gran Torino caminhava vagarosamente até próximo de Aizawa e os demais professores da U.A.

Era aquele silêncio constrangedor de quem pouco - ou nada - havia entendido. Ninguém abria a boca para perguntar também, como se fossem orgulhosos demais para darem o braço a torcer.

—  Quem, porra?

O estressadinho entre eles nunca via problema em soltar um ou vários palavrões em meio as suas frases, tampouco se importava com os olhares de muitos ali presentes. O tempo havia passado, e por mais que Best Jeanist tenha no fundo dado conselhos de etiqueta valiosos aos quais Bakugou passou a seguir, aquele momento não era para compostura, era para desespero, era para pressa.

—  Creio que o alvo dele já foi atingido. —  Sorahiko respondeu, infeliz com o rumo que aquilo tudo havia levado. Sabia os riscos, sabia o perigo que era deixar alguém tão apegado a outro… desabar. Talvez no fundo, em Midoriya faltasse parte daquela chama ardente que queimava em Toshinori. Izuku seria a prova viva de que até mesmo o mais apaixonado por atos heróicos, podia cair e mudar de lado.

—  Do que você está falando, velhote? —  A palma da mão começava a suar, e era preciso esfregar as falanges contra ela para que não perdesse o controle. Sentiu também o ar mais fresco, mas não tinha brisa naquela sala. Precisou uma olhada para o lado para identificar Todoroki concentrado em si.

—  Perdemos ele, agora cabe à nós conter isso. Por isso todos estão aqui.

—  Isso não é um SOS? Isso é uma condenação? Um ponto final? Vocês estão de brincadeira comigo? Convocaram esse circo de heróis para dizer que não temos como reverter isso? Vão se fod-

—  Katsuki!

O chamado fora em vão, Bakugou saiu da sala sem olhar para trás, sem sequer esperar que Todoroki o seguisse para perguntar se ficaria bem. Não esperou nada, precisava de ar, de verdadeiro ar puro.

—  Como você está de acordo com isso tudo? Você não ajudou a treiná-lo? —  Shouto aproximou-se de Gran Torino, olhando de cima devido a diferença de altura. —  Pensei que ele fosse ao menos querido para você.

—  Ele é. E para o Toshinori ele também era. Não seria escolha de ninguém deixar que Deku virasse o que ele virou. O elo mais fraco é sempre aquele que aguenta o peso do mundo nos ombros. Veja o All Might, a figura que era o Símbolo da Paz. Deku seria o próximo, ele chegou a ser. E caiu com o peso de perder o mestre dele. Não se para facilmente uma força como a do Deku. Não tem como argumentar também, não com ele nas condições que está.

—  Shouto! —  Enji chamou pelo filho, e tal como outrora Bakugou não escutou ser chamado, Todoroki tampouco. Era doloroso para os mais próximos à Deku, era ruim vê-lo daquela forma e nada ter a fazer para ajudá-lo.





Quando Todoroki alcançou Bakugou, já estava bem longe da escola, onde a reunião fora convocada. Sabia exatamente para onde ir, depois de ver inúmeras vezes aquela foto de Midoriya junto ao All Might naquela praia, não teria outro lugar no mundo no qual Katsuki escolheria para ir, do que aquele.

—  A culpa foi nossa? —  Katsuki perguntou sentando-se na areia que permanecia limpinha.

—  Não.

—  Foi minha, então? —  havia tanto pesar naquele tom de voz. Katsuki deixava a tristeza romper até mesmo a barreira do seu orgulho, sentindo o leve salgado de lágrimas de encontro aos seus lábios, morrendo ali ou caindo nas vestes.

Shouto sentou-se ao lado dele, apoiando a destra sobre o ombro de Bakugou, tão logo afastando-a para que apoiasse no próprio colo. Abraçando os joelhos logo depois enquanto olhava o horizonte.

—  Não. Não acho que tenha sido culpa de alguém, é o tipo de coisa que não tem explicação de o porquê acontecer, entende. Só acontece. —  A pausa não era na intenção de ser dramática, mas conseguiu de Bakugou mais algumas lágrimas, que mais pareciam ácido correndo na face, marcando o rosto orgulhoso com dor e pesar. —  Nem mesmo a chama mais forte resiste ao vento intenso. —  O comentário veio com sua mão esquerda em chamas, aproveitando-se da brisa do mar para demonstrar aquilo que suas palavras tinham o intento de esclarecer. —  Que ao invés de se alastrar… esmorece. —  a brisa era tamanha que não apenas bagunçava os cabelos dos ali presentes, como levava o calor embora, assim como a chama que ardia na mão de Shouto.

—  Aquele nerd maldito, ele não tinha que se entregar assim, sempre que batíamos de frente ele se mantinha firme, aquela maldita chama tinha que apagar logo agora? Aquele desgraçado! —  Bakugou basicamente rispia as palavras, nem ao menos surpreendendo Shouto, que já esperava por aquele rompante de raiva. Era a forma como o outro extravasava, no fundo poderia fazer bem, trazer certo e momentâneo alívio. —  O Deku que conhecíamos... sumiu. —  a afirmativa em nada trazia conforto. Trazia dor. Dali em diante, lembrar de Midoriya Izuku seria isso, doloroso.





As vozes, eram sempre as vozes que o despertavam de seu transe. Sequer poderia chamar aquilo de descanso, de noite de sono. Cochilava quase sentado enquanto ainda via a imagem de Toshinori no chão, o sangue cobrindo-lhe boa parte do torso, a ferida de outrora mais uma vez exposta e aberta para revelar que aquele corpo não mais tinha poder.

Segurava a cabeça com ambas as mãos sentindo o corpo tremer e a cabeça rodar. Sentia-se exausto, sentia-se perdido e só encontrava um segundo de paz quando gritava a todo pulmão. Gritava enquanto agora segurava-se nas pernas, precisando tanto de pressão para estabilizar seu emocional ferrado e abalado. Quando sentiu a mão quente em seu ombro, chegou a sorrir, esperando encontrar outra pessoa ali. Um amigo, talvez.

—  Recomponha-se, ou pretende perder a cabeça de novo? —  Dabi comentava aquecendo a palma de sua mão, sabendo que calor trazia Midoriya de volta à realidade que escolheu encarar e viver.

—  Já perdi há muito tempo, não lembra? —  De fato, Deku que os heróis um dia conheceram, não mais existia ali, comandando tudo, ocupando o lugar de Shigaraki Tomura, ocupando o posto do All for One. —  Meu estado original não permitiria uma ruptura como essa. Não existiria esse Deku, se o outro não tivesse perdido a cabeça. — a risada vinha caricata, um dor muito bem camuflada em meio à comédia que forçava-se a sentir.

Quantos anos haviam passado? Dois? Dois anos sem que o mundo tivesse paradeiro do outrora herói, agora vilão. Dois anos desde a última vez que Deku esteve cara a cara com seus ex-colegas. Dois anos desde que no rompante da fúria, acertou cruelmente o rosto de Bakugou, manchando-o de sangue, marcando-o para sempre.

Dois anos que estava preso dentro de si, sem saber como se libertar.

—  Qual a graça? —  Dabi questionou sem um real interesse, ao menos sua expressão e sua voz não indicavam isso.

—  A liberdade tem um preço alto a pagar, sabia? Para ser livre de verdade, precisa ser louco, e para ser louco, precisa no fundo ser cativo.

Os olhos verdes vagavam pelo quarto em cinza, o sorriso louco nos lábios enquanto gangorrava na cama segurando as pernas. Estava preso em meio à tanta liberdade. Estava para sempre naquele reino de ferrugem onde seus antigos sonhos apodreciam. Para ser realmente livre, precisaria abrir mão do reino da ferrugem, precisaria abrir mão da loucura que o abraçou, precisaria enfim descansar de verdade, como todos do One for All. O sorriso e a pouca luz escondiam as lágrimas em meio a dor.


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Notas finais do capítulo

;)



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