Wonderful Life. escrita por Veridis Quo


Capítulo 1
— Single Chapter.




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Here I go out to sea again

The sunshine fills my hair

And dreams hang in the air

Gulls in the sky and in my blue eye

You know it feels unfair

There's magic everywhere

Look at me standing

Here on my own again

Up straight in the sunshine.”

 

— Wonderful Life de Black ( Colin Vearncombe )







“— Eu sou inevitável.

— Eu sou o Homem De Ferro.”

 

Ele acordou, novamente, no efeito de uma luz brilhante demais para seus olhos suportarem abertos. Pelo menos foi o que pensou quando piscou algumas vezes em direção ao calor branco e onírico, levando a mão entreaberta para a testa em uma tentativa inútil de defesa - causada pelo puro instinto - sentindo o corpo muito leve e completamente novo. Como se estivesse saindo do ventre materno, puro e imaculado, acima de tudo uma sensação maravilhosa substituindo o sangue nas veias por gratidão.

 

Dessa vez não era causado pela mulher-estrela, também conhecida por Carol Danvers.

 

Talvez Tony tivesse sentido a mesma coisa ao romper os portões para começar a viver, e não se lembra de algo tão translúcido. Durante toda a sua vida aprendeu tantas coisas que se esqueceu da sensação de tal glória, mas nunca que ela realmente existe, mesmo com a informação guardada nas profundezas do subconsciente. Enquanto a luz ofuscava tudo em volta, branca como um abraço, ele sentiu que estava voltando para uma dimensão cuja não existia espaço-tempo, e que não começara ali - mas era seu destino.

 

Destino. A parte queimada de seu corpo não ardia, e seus órgãos não pareciam estar mais em combustão. Ele consegue respirar um ar tão cândido que preenche todo o peito e o faz inflar satisfeito, embora não seja praticamente respirar, possivelmente apenas para sentir. Tudo é sensação, e tudo é sentimento. Tudo é paixão.

 

De repente, sem avisar, a luz foi ficando menos brilhante, ainda assim não desapareceu. Tony piscou algumas vezes, os olhos lacrimejantes, e conseguiu distinguir uma forma no meio de tudo. A forma era, primeiramente, vermelha, depois assumiu o formato de alguém - e os olhos dessa pessoa também lacrimejavam, por um motivo parecido. Emoção. No entanto, a emoção de Tony era de despertar, e a da pessoa era de reencontrá-lo.

O homem sentiu isso, e outra sensação se espalhou pelo seu peito que sobressaiu em forma de soluço. Então ele identificou a forma, e os olhos da mulher que soluçou também, tocando seu ombro de forma muito palpável - ele sentiu os dedos se fechando e apertando.

 

Natasha estava trajando um vestido branco, muito semelhante ao costume asgardiano, leve contornando o corpo e cobrindo um pouco o pescoço. O tecido do vestido, levemente cor de rosa, conectava-se aos dedos do meio de cada mão, e Tony conseguiu ver a maneira em que a vestimenta lembra as asas de um pássaro, quiçá uma pomba. Ele ainda estava deitado quando a espiã, ou não mais espiã, o ajudou a se levantar mesmo sem necessidade, apenas aplicando o impulso segurando sua mão.

 

“Hey….” A voz feminina chamou, embargada pelas lágrimas.

 

Ele olhou em volta, e viu um campo. Estivera deitado na relva verde e macia, que cheirava absurdamente bem, proporcionando uma sensação fresca de chuva. Mas não estava chovendo, precisamente o contrário, o céu por si só era o berço de nuvens brancas deslizando vagarosamente. O sol brilhava, contudo, não era o sol da terra. Disso ele sabia, lágrimas quentes percorrendo o rosto.

 

“Nat.” Stark riu, e a risada ecoou pelo ar, melodiosa e maravilhada. Natasha segurou sua mão e se levantou com ele. Foi aí que Tony viu um portão no horizonte, dourado e alto, tanto que sequer conseguiu ver seu fim através de outras nuvens tão leves quanto se entrelaçando na extensão. Um rio de água doce corria, maravilhoso, no som da água fluente dentre as pedras brancas; gaivotas bebiam de seu conteúdo. Outros animais pastavam, desconhecidos para Tony, em direção ao portão fechado que nunca se trancava.

 

“Nat.” Repetiu ele, sem fôlego, apertando a mão dela. “Onde estou?”

 

“Eu me fiz a mesma pergunta quando despertei, e percebi que não estava mais nos domínios da Jóia Da Alma.”  Respondeu a russa, sem soltar a mão dele nenhum momento. Tony olhou para baixo e viu sua bata branca, e teria rido - achado muito clichê estar descalço parecendo um hippie no que parecia o Paraíso. Os portões do Céu. Procurou pelos anjos, pelas harpas, mas olhou para Natasha novamente que riu. “Você sabe onde estamos.” Ela disse. “Eu sabia.”

 

“No Paraíso? Nunca achei que seria digno do Paraíso, achei a ideia chata.” Ele gargalhou também, segurando a mão dela com ambas em concha.

 

“Eu atravessei o portão, contudo, vim recebê-lo. Tony….Asgard tinha ciência desse lugar, Thor falou dele, os livros falaram, era apenas uma crença escandinava. Pelo menos eu achava, a concepção de céu, inferno…” Natasha soltou a mão dele e colocou uma mecha de seus cabelos para atrás da orelha, onde as mechas loiras começavam e as ruivas se mesclavam como a penugem de uma fênix. “Nós estamos em Vahalla.”

 

 

I need a friend, oh I need a friend

To make me happy, not so alone

Look at me here

Here on my own again

Up straight in the sunshine.”

 

Vahalla, pelo o que Tony se lembra do que aprendeu, é um grande salão sobrenatural que segundo os nórdicos os guerreiros eram dignos de entrar, e somente eles, para um eterno banquete. Na frente de Vahalla, as Valquírias aguardavam pelas almas desses guerreiros mortos em batalha, eternos mártires, e abriam os portões para comungarem com outros do passado. Mas todo aquele lugar não parecia um salão, ou a porta dele, pois Tony não conseguia ver o que estava além do portão dourado já que as nuvens como névoa branca e macia deixavam pouco para a visão periférica.

 

Mas Natasha, que morreu antes mesmo de lutar a última batalha, estava ali na sua frente quando ele pensou nunca mais ser capaz de vê-la - mesmo quando morresse, o que era muito possível. Os eventos de todos aqueles anos abriram muito a sua mente, exceto para o conceito de vida após a morte, muito concentrado no que fazia valer a pena no planeta em que vivia, protegendo a vida com todas as forças. Seu coração, portanto, no sentido figurado da palavra, se apertou como se uma mão houvesse envolvido o centro com dedos fortes, mas ainda assim carinhosos, já que a sensação insistia em não permanecer.

 

“Eu sei que você deixou para trás uma filha e uma esposa.”  Natasha começou a falar novamente, tocando-o também no braço. “E deixou nossos amigos. Nossa família. Mas você morreu por um ideal.”

 

“Você também.”  Ele interrompeu, parando porque a emoção o impedia de começar falar sem embargar a voz. Tony olhou para o portão, suspirou, e a voz estava muito envolvida pelo choro. “Nat, sem você não teria como….Nat.”

 

“Tony, estamos juntos na luz do sol. Não há mais escuridão, não há mais medo. Nós vencemos.”

 

Romanoff pousou a mão no rosto molhado de Tony e secou aquelas lágrimas usando a outra também, embora ela também chorasse.

 

“Nós vencemos, Tony.”  Sua voz sussurrou, contudo, firme. “Você não precisa chorar mais, nós vencemos.”

 

“Por um preço….Muito, muito alto….”

 

“Steve viveu a vida que sempre quis, e nós proporcionamos a chance de muitas viverem também. Clint está com a família dele, eu….Eu fiz isso para que todos eles, para que Clint, abraçassem seus queridos novamente. Tony, eu nunca tive uma família antes de vocês.”

 

“Por um preço muito alto eu faria tudo de novo.” Tony esfregou a ponta do nariz com o dorso da mão e arfou em um sorriso, segurando-a por ambos os braços. “Tudo me levou até lá, naquele exato momento. Tudo.”

 

Natasha guiou Tony, em passos lentos, pela grama. Cada vez mais, se aproximando do portão, Stark via as flores coloridas em certos pontos do gramado, e caminhando no contorno do rio, permitiu-se abrir a destra e sentir sob a palma a maciez de suas pétalas.

 

“Eu nunca fui um herói, Nat.”  Ouviu-se dizer cada vez mais perto do portão.

 

“Eu muito menos. O herói sempre foi Steve, afinal de contas. Nunca houve espaço para mim entre os salvadores do mundo, sempre foi tão romantizado - um conceito distante. Lá dentro…” Ela apontou, e novamente seu vestido se comparou às asas de um pássaro. “Eu descobri que o conceito foi romantizado pelo tempo, mas nunca perdeu seu significado. Um dia vamos reencontrá-los de novo, sob esses mesmos portões, e além dele nada ficará sem resposta.”

 

Os pássaros baixaram voo, Tony viu-os planando nas suas penas lápis-lazúli. Seus pés descalços sentiam toda a maciez molhada da grama rica pelas gotas do orvalho límpido, e cada vez mais ele se desapegou de tudo menos do que foi e o que deixou. Menos de quem é e vai reencontrar. Steve, Pepper, Peter. Rhodey. Bruce. Todos eles, incluindo Strange. Pensou no sorriso de Morgan, e do perfume dos seus cabelos, de seus braços ao redor do seu pescoço.

 

Ele lembrou quando Pepper, grávida, colocou sua mão sob a barriga quando a garotinha chutou pela primeira vez. Morgan, rápida e inteligente, aprendendo a ler sozinha com o pai, correndo pela casa, brincando com seus carrinhos de brinquedo dentro da cabana no jardim. Sua Morgan, a apaixonada Morgan, e tudo que espera por ela quando o mundo voltou a ser o que sempre foi, mesmo com os inúmeros defeitos e as ameaças, o desequilíbrio e o caos tão belo e miraculoso.

 

Olhou para Natasha, viu o sol refletindo seus cabelos, e ela também olhou para seu rosto. Não foi preciso falar, ela compartilha do pensamento. A primeira missão em Nova York, as piadas ao lado de Steve. Budapeste. Clint, os filhos dele, e sua esposa - sempre tão complacente. Bruce, inteligente e terno. Thor, corajoso e passional. Tony se sentiu grato por tudo, e a gratidão era tão forte que ele descobriu ser, na verdade, amor, e um amor profundo sem limite, sem tamanho, sem dimensão exata, tão expansivo quanto o universo. E seu ser, aquele que deixou na Terra, o corpo chamuscado, suas armaduras - as indústrias Stark, a megalomania da vilania dos outros, tudo fez tanto sentido que teve a noção, ainda mais forte, que fora uma vida maravilhosa.

 

Chegaram ao portão de Vahalla, e Natasha sequer tocou quando se abriu leve demais para o peso que tinha. As nuvens começaram a se dispersar, mas Tony só via luz, a mesma que viu quando despertou.

 

“Você sabe o que há lá dentro?” Perguntou ele, em um sorriso.

 

“Sei. Indescritível. E sabe do que mais?”

 

“O quê?”

 

“Seu pai está esperando por você.” Sorria também, as nuvens envolvendo-a como se estivessem sob o pico de uma montanha.

 

“É um cara charmoso.” Tony soluçou de novo e esfregou os olhos, notando que pararam. Sob a sola dos pés nus, não sentia mais grama e sim uma planície fixa e ainda assim fina. Natasha riu em outro soluço. “Estão todos lá?”

 

“Inclusive Pietro, irmão de Wanda.”  Romanoff apertou a mão de Stark e deu um passo. Atrás dele os portões se fecharam tão leves quanto o momento cujo se abriram. “Pronto, Stark?”

 

Tony suspirou. Sim, está pronto. Sempre esteve, todos estão para esse momento glorioso. Nem todas as jóias poderiam proporcionar tudo aquilo, talvez apenas um vislumbre. Apenas a superfície.

 

“Só tenho uma pergunta.” Enxugou os olhos e arrumou a bata. Também esfregou as palmas na calça.

 

Fitou a russa risonha, completando:

 

“Como estou?”

 

E ela, em um floreio soltando a mão dele, respondeu:

 

“Um Vingador.”

 

Os dois caminharam, lado a lado, em meio às nuvens. Ambos gratos, e completos, porque nem sempre a vendeta guia para abismos impossíveis de retornar. Às vezes vingar algum propósito, para fazer germinar o amor, não é simplesmente uma vendeta. É justiça. Todos atrás daquele portão eram justiceiros de causas nobres que ninguém pode apagar - renasce em outros corações.

 

“Sabe Nat….”

 

“Sim, Tony?”

 

“Foi uma vida maravilhosa.” Ele enfiou as mãos dentro dos bolsos largos da calça e sorriu com a simples concepção de que haviam bolsos ali. Nunca gostou tanto de parecer um hippie.

 

“É, foi sim. Foi uma vida maravilhosa.” Natasha respondeu, também um sorriso, andando com ele até desaparecerem de vista.

 

Às vezes esse ideal nasce no coração de um jovem franzino que luta além dos limites do próprio corpo, outras vezes nasce para um gênio egocêntrico que há de descobrir-se um herói. Também nasce para crianças modificadas para ser assassinas e em garotos nascidos da união alienígena. Há de nascer para os cientistas, assim como nasce para os criados para serem guerreiros natos. Para adolescentes com sentidos apurados. O ideal pode nascer um pouco tarde, mas nunca tarde demais, em médicos que se tornam magos, e pode brilhar em pilotos desde o nascimento. Brilha para os soldados, para os considerados deuses. E evolui nos torturados e segregados, nos traumatizados.

 

Esse ideal nunca vai morrer. Então não precisa chorar, foi uma vida maravilhosa.

 

Em Vahalla entrou Tony Stark, ao lado de uma amiga.

 

Foi uma vida maravilhosa.

 

“No need to run and hide

It's a wonderful, wonderful life

No need to laugh and cry

It's a wonderful, wonderful life

No need to run and hide

It's a wonderful, wonderful life

No need to laugh and cry

It's a wonderful, wonderful life

Wonderful life

Wonderful life.”

— Wonderful Life de Black ( Colin Vearncombe )


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